Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar os instrumentos de proteção econômica e patrimonial da mulher vítima de violência doméstica no âmbito da Lei n. 11.340/2006.

Palavras-chave: Violência. Mulher. Economia. Proteção.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de Violência Doméstica. 3. Instrumentos de proteção econômica da mulher vítima de violência doméstica. 4. Instrumentos de proteção patrimonial da mulher vítima de violência doméstica. 5. Considerações Finais.

1. Introdução:

            O leitor incauto pode perguntar qual a relação entre Economia e violência doméstica. Inobstante a aparente diferença entre os dois temas, podem-se listar vários fatores de convergência entre eles.

            Segundo dados do Instituto Patrícia Galvão, baseado em levantamentos feitos pelo Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um em cada cinco dias de falta de trabalho no mundo é causado por violência doméstica.

            Além disso, cerca de 25% a 50% das mulheres da América Latina e Caribe já sofreram algum tipo de violência doméstica. E mais, um estudo do BID estimou o custo da violência doméstica a um país em cerca de 1,6% a 2% do seu PIB.

            Corroborando, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisas Aplicadas (IPEA), aproximadamente 22 milhões de famílias brasileiras eram chefiadas por mulheres em 2009, representando 35% do total de famílias.

            Como podemos perceber, a mulher exerce papel de destaque na economia moderna, sendo que os males por ela enfrentados tem reflexo em todo a área econômica.

            Infelizmente, a violência pode ser citada como um dos principais males que acometem o gênero feminino, sendo causa de mortes, mutilações e muito sofrimento as mulheres.

            Embora o art. 3º, inciso IV da Constituição Federal liste como um dos objetivos fundamentais do país a promoção do bem de todos, sem qualquer distinção, inclusive a de sexo, o Brasil por muito tempo não deu a devida atenção ao problema da violência doméstica.

            Objetivando mudar essa situação foi sancionada a Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, e que trouxe um novo tratamento legal a essa delicada questão.

            No seu contexto, o legislador tratou de criar instrumentos de proteção econômica e patrimonial à mulher vítima de violência doméstica, em uma postura considerada de vanguarda.

            E será esses instrumentos, que possuem implicações diretas na Economia, que serão analisados no presente trabalho, buscando-se um panorama sobre suas principais características e consequências de sua aplicação.

2. Conceito de Violência Doméstica:

            Antes de abordarmos as medidas previstas na Lei 11.340/2006 que visam à proteção econômica e patrimonial da mulher vítima de violência doméstica, faz-se necessária conceituarmos o que é violência doméstica.

            Nesse aspecto, a Convenção de Belém do Pará de 1994 da Organização dos Estados Americanos (OEA) já se se preocupou em trazer um conceito de violência doméstica, definindo-a como sendo “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no âmbito privado”.

            Todavia, em que pese à importância da aludida conferência para a construção de um sistema protetivo à mulher, o conceito por ela insculpido para violência doméstica foi superado pela Lei 11.340/2006, que evolui na temática, a saber:

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial.

            Percebe-se que a inovação trazida pela Lei Maria da Penha é a de ter inserido no contexto da violência doméstica aquela que cause dano moral e patrimonial à mulher, estendendo o arcabouço jurídico de proteção a vítima.

             Mas não é somente nesse quesito que o diploma em comento inovou, pois ao tratar em seu artigo 7º das formas de violência doméstica contra a mulher, além de listar aquelas tradicionais, como violência física, psicológica e sexual, também inseriu as hipóteses de violência moral e – destaca-se, violência patrimonial. Vejamos:

Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

(...)

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

(...)

            A intenção do legislador foi a de resguardar não só a integridade física, psicológica da mulher, mas também os interesses econômicos e que muitas vezes são lesados por seus companheiros, através dos mais variados artifícios, sem que isso resulte em outra forma de violência.

3. Instrumentos de Proteção Econômica da Mulher Vítima de Violência Doméstica:

            Conforme visto, a Lei Maria da Penha trouxe um novo paradigma na proteção à mulher vítima de violência doméstica, abordando também o aspecto econômico das vítimas.

            Nesse contexto, dispõe o art. 9º da Lei 11.340/2006 que a assistência à mulher em situação de violência doméstica deve ser realizada de forma articulada pelos diversos órgãos de proteção social, com respeito às normas e diretrizes previstos na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), no Sistema Único de Saúde (SUS) e demais políticas públicas do gênero.

            De modo prático, dois instrumentos são colocados à disposição do Poder Público para a proteção econômica da vítima de violência doméstica.

            O primeiro deles está prevista no art. 9º, §1º da Lei, a saber:

Art. 9º. (...)

§1º. O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

            Por esse dispositivo, o juiz determinará, quando necessário, que a mulher vítima de violência doméstica receba, por prazo certo, auxílio do governo por meio dos programas assistências, seja no âmbito federal, estadual ou municipal.

            Dar suporte financeiro é de fundamental importância para a mulher vítima de violência doméstica, que em sua grande maioria é sustentada pelo cônjuge agressor, e se vê em situação de total desamparo econômico no momento que decide romper com o pacto de medo.

            O segundo instrumento está disposto no art. 9º, §2º, incisos:

Art. 9º. (...)

§1º. (...)

§2º. O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I- acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta e indireta;

II – manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

            Ao garantir o acesso prioritário à transferência da servidora vítima de violência doméstica, bem como a manutenção do vinculo trabalhista pelo prazo de seis meses, quis o legislador garantir que a vítima dessa covarde violência não seja também penalizada em sua vida profissional.

            Ressalta-se que o afastamento com manutenção do vinculo trabalhista somente dar-se-á quando imperioso a salvaguarda da integridade física e psicológica da vítima, sendo que nesse período (que pode ser de até 6 meses) a empregada não receberá salário do empregador, mas tão somente terá o seu vínculo mantido.

Nesse ínterim, não se pode olvidar que também é facultado ao juiz aplicar ao agressor, de imediato, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios, sem a necessidade do contraditório, nos termos do art. 22, inc. V da Lei em comento.

            Concluindo esse tópico, destaca-se que os instrumentos de proteção econômica da mulher vítima de violência doméstica também possuem o condão de encorajar aquelas mulheres que sofrem esse tipo de violência e são economicamente dependentes a romperem com o silêncio e denunciarem as agressões sofridas, resgatando a sua dignidade, em todas as suas acepções, inclusive a econômica.

4. Instrumentos de Proteção Patrimonial da Mulher Vítima de Violência Doméstica:

            O legislador não declinou da responsabilidade de dar garantias à segurança patrimonial das mulheres vítima de violência doméstica.

            Nesse sentido, o art. 23, inciso III dispõe:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

(...)

III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos.

            Por esse dispositivo, acaba-se com o senso comum de que “quem abandona o lar perde todos os direitos”, sempre utilizado pelo agressor para infringir terror e medo a vítima de sua barbárie.

            Verificando a necessidade, caberá ao juiz determinar que a ofendida afaste-se do seu lar – objetivando protegê-la- sem que isso venha a acarretar em renúncia ou perda dos seus direito enquanto cônjuge e mãe, conforme o caso.

            Se houver necessidade da vítima em buscar seus pertences na residência ocupada pelo agressor, caberá à autoridade policial diligenciar para que aquela retire seus bens em segurança, consoante a redação do art. 11, inciso IV.

            Não bastassem as referidas medidas, conferiu o legislador instrumentos ao magistrado para que esse possa efetivamente garantir, em caráter limitar, a integridade patrimonial da mulher vitimada.

            Tais instrumentos encontram-se listados no artigo 24, conforme segue:

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade patrimonial da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II – proibição temporária para celebração de atos e contratos de compra venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. (...)

            De posse de tais instrumentos, a proteção do patrimônio da ofendida está garantida contra eventuais investidas do agressor, evitando qualquer tentativa de desestímulo de denúncia das agressões sofridas em virtude da segurança patrimonial.

5. Considerações Finais:

            Em sede de considerações finais, cumpre mencionar a importância do tema abordado, precipuamente no contexto da necessidade da construção de um novo paradigma de enfrentamento da violência doméstica, que atenda não só a questão punitiva do agressor, mas também a necessidade de dar suporte econômico, patrimonial e social a vítima.

            Ao inserir os instrumentos de proteção econômica e patrimoniais ora abordados, o legislador deu um importante passo na construção de um efetivo sistema de proteção a vítima de violência doméstica, o que indubitavelmente servirá de incentivo a denúncia dessa verdadeira chaga cultural que persiste em nossa sociedade.

            Contudo, de nada adiantará a existência do direito positivo sem efetividade. Para tanto, cabe a sociedade cobrar do Poder Público a implementação das medidas que lhe competem, bem como a difusão dos direitos garantidos as mulheres em situação de violência doméstica, para que haja a exigência de tais instrumentos aos juízes.

            Por fim, não se pode ignorar a importância da Economia no contexto da violência familiar, pois como já citado, a atenção ao caráter econômico e patrimonial da violência doméstica é de imperiosa necessidade no esforço de enfrentamento desse mal.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988

BRASIL. Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 de outubro de 2006.

IPEA. Comunicados do IPEA n. 65. Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/101111_comunicadoipea65.pdf. Acesso em 17 de novembro de 2011.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção de Belém do Para. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 09 de junho de 1994.

SOUZA, Vera Lúcia Nascimento. Violência Contra a Mulher: Uma reflexão sobre as conseqüências da precariedade de programas de proteção social. Disponível em http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/monografias/violencia_contra_a_mulher.pdf. Acesso em 17 de novembro de 2011.

 

 

Elaborado em dezembro/2011

 

Como citar o texto:

NOREMBERG, Alessandra.A Proteção Econômica E Patrimonial Da Mulher Na Lei N. 11.340/2006. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1239. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-economico/3453/a-protecao-economica-patrimonial-mulher-lei-n-11-3402006. Acesso em 10 mar. 2015.

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