Aspecto dos mais delicados da Lei de Recuperação de Empresas é o da AGC – Assembléia-Geral de Credores, não só pela sua importância, como órgão máximo nos procedimentos concursais. O caráter inovador desse instituto provoca a perplexidade dos juristas, por ter inexistido até agora no direito brasileiro. Não há jurisprudência nem pronunciamentos judiciais. Está sendo posto em prática há poucos meses e a experiência ainda não dá margem a qualquer conclusão quanto à sua eficácia.

Órgão concursal bem sofisticado acabou entrando na Lei de Recuperação de Empresas na fase final da tramitação do projeto de lei quando menos se esperava. Entrou firmemente regulamentado por capítulo envolvendo os artigos 35 a 46 e no decorrer do texto do projeto de lei, na última versão do projeto.

A eficácia da AGC será aferida com a aplicação da Lei, porquanto não foi ela acionada até agora, por ter surgido com a promulgação da lei. A lei francesa criou duas assembléias, sendo uma dos assalariados e outra dos demais credores. Pelo que se nota da jurisprudência francesa, as duas assembléias têm demonstrado efetividade, mas estamos ainda aquém do que foi atingido pelos assalariados franceses.

Para melhor compreensão desse problema será conveniente rememorarmos o histórico da instituição desse órgão em nossa legislação. Em 1992, o Governo Collor nomeou comissão destinada a examinar nossa legislação falimentar, tendo esta solicitado sugestões junto à comunidade jurídica. O autor deste artigo entregou a essa comissão, presidida pelo Dr. Raul Bernardo Nelson de Senna dois anteprojetos: um calcado na lei italiana e outro, na lei francesa, a Lei 85-98, de 25 de janeiro de 1985. Como o anteprojeto era quase a transcrição da lei francesa, estava nele inserido como órgão dos procedimentos concursais a AGC.

A douta comissão assimilou ainda a “Reorganização Societária” do direito norte-americano, apresentando projeto de lei com bem regulamentada AGC. Levado esse projeto ao Congresso Nacional, desencadeou-se sobre ele violenta reação desfavorável, principal-mente por causa da assembléia-geral de credores. As críticas insatisfatórias a respeito da lei, mas a AGC estava na berlinda de todas as críticas. Um juiz de São Paulo, por exemplo, alegou não haver no fórum espaço suficiente para reunião de credores, nem tempo sufici-ente para as deliberações. Nesse aspecto, parece que as opiniões eram unânimes e algumas com fundamento. Havia dúvidas quanto á receptividade e assimilação dessa assembléia pelos credores nos procedimentos concursais.

Ante manifestações tão desfavoráveis, julgou melhor o Governo Collor retirar o projeto para que fosse revisto pela comissão, principalmente no que se referia à AGC. Contudo, foi deposto o Governo Collor e a comissão foi praticamente dissolvida. O novo governo, porém achou melhor levar adiante esse projeto e nomeou nova comissão para que o revisse. Surgiu então novo projeto, apresentado pelo Dr. Alfredo Bumachar filho, bem mais simplificado e prático, eliminando a AGC.

Encaminhado o projeto à Câmara dos Deputados, sofreu inúmeras emendas, de tal forma que foi elaborado um substitutivo, que recebeu o nome de seu relator, o combativo deputado Osvaldo Biolchi. O substitutivo não restaurou, entretanto, a AGC. Assumindo o novo governo federal, em 2003, foi o projeto encaminhado ao Banco Central, que o modificou bastante, criando, por exemplo, a recuperação extrajudicial e ressuscitando a AGC. Não houve mais qualquer reação contra ela e assim o projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em exaustiva sessão de 15 de outubro de 2003, com a AGC. Foi mantida ainda a AGC na aprovação do Senado, em 7.7.2004 e na aprovação final pela Câmara dos Deputados, em 14.12.2004. Subindo à sanção presidencial, foi promulgada a Lei 11.101, de 9.2.2005.

Ficou ela regulamentada em capítulo próprio, na seção V, “Da Assembléia-Geral de Credores”, tomando os artigos 35 a 46. Não de instituição obrigatória, mas facultativa; poderá deliberar sobre o plano de recuperação judicial e sobre a proposta de recuperação extrajudicial. Tem ainda competência para atuar na falência da empresa.

A AGC será convocada pelo juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e das filiais, com a antecedência mínima de quinze dias(art.36). Houve muitas críticas quanto a essa exigência, por ser ela dispendiosa, principalmente para uma empresa em estado de crise econômico-financeira. As despesas com a convocação e a realização da AGC correm por conta da empresa devedora.

Porém, trata-se de importante decisão a ser tomada pelos credores, uma vez que a AGC só é convocada para assuntos de relevância, não de rotina; não se vislumbra maneira mais rápida e eficaz para lhes dar conhecimento do pedido de recuperação judicial. Poderá a convocação ser feita por credores que representem 25% do valor dos créditos de uma determinada classe; ou então se for requerida por Comitê de Credores; neste último caso caberiam a eles essas despesas.

Passo importante da assembléia-geral de credores é o exame do plano de recuperação judicial apresentado pela empresa devedora. Ele deve ser aprovado por todos os credores. Em cada classe o plano deverá ser aprovado pela maioria simples dos credores presentes, tanto em cada classe como no cômputo geral. Assim sendo, precisará ser aprovado por maioria simples dos créditos dos credores trabalhistas; mais de 50% dos créditos com direitos reais de garantia ou privilégios especiais; mais de 50% dos créditos quirografários, subordinados ou com privilégios gerais. Naturalmente, o cômputo geral deverá dar mais de 50% do total dos créditos.

Se o plano não for aprovado no prazo de 180 dias, seja porque tenha sido rejeitado, seja porque não tenha havido acordo entre as partes envolvidas (os credores e o devedor) o juiz decretará a falência da empresa em concurso.

A aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência dependerá do voto favorável de credores que representem 2/3 dos créditos presentes na AGC. As formas alternativas são as previstas no art.145, como a assimilação da empresa devedora por sociedade com constituída de empregados ou de credores dela. No que tange aos empregados, porém, a aprovação é por maioria simples dos credores presentes, independen-temente do valor de seu crédito.

Falando de empregados ou trabalhadores, surgirão sempre motivos de comentá-rios e análises, pois muito se tem falado nos trabalhadores de empresas em regime concursal. Em primeiro lugar, deve ser evitado o termo “trabalhadores”, por ser ambíguo. Trabalhador é quem trabalha; um advogado pode ser tachado de trabalhador se for diligente na sua missão. Trabalhador é termo aplicado também ao baixo operário, o “pião”. A Lei de Recuperação de Empresas evita essa palavra. O que diz a Lei é que são representados na AGC os “créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho”. Ficaria melhor juridicamente a expressão: “empregado” ou também “funciona-rio”

Os sindicatos poderão representar seus associados titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho, que não comparecerem à assembléia, pessoalmente ou por procurador. Para exercer essa prerrogativa, o sindicato deverá apresentar ao Administrador Judicial, até dez dias antes da AGC, a relação dos associados que pretende representar.

Desde o início da discussão do projeto da nova lei concursal, e já constava do anteprojeto inicial com base na lei francesa, o reforço dos poderes dos empregados da empresa em concurso e do sindicato deles. Contudo, se foi de grande relevância essa disposição na França, deve pairar muitas dúvidas quanto à atuação dos sindicatos na defesa de sua classe no âmbito concursal.

Os empregados de uma empresa falida sempre foram os maiores prejudicados no antigo sistema a nunca tiveram voz ativa nos processos, sem que os sindicatos tomassem qualquer iniciativa nesse sentido. Na tramitação do projeto da lei de recuperação de empresas no Congresso Nacional, houve total omissão dos sindicatos e das “comissões de direitos humanos” na defesa das disposições favoráveis aos assalariados, ou como diz a Lei, aos titulares de créditos derivados das relações de trabalho. Cópias do anteprojeto foram entregues aos dez principais sindicatos de São Paulo, todos eles quedando-se inertes.

Em suma, a AGC – Assembléia-Geral de Credores é poderosa arma nas mãos dos empregados da empresa falida para a defesa de seus direitos. É também arma poderosa para os demais credores, para os quais foram transferidos muitos dos poderes anteriormente reservados ao juiz. A eficácia da AGC dependerá da mobilização dos interessados, ou seja, os credores. A Lei lhes deu poderosa faculdade; façam uso dela.

 

Como citar o texto:

ROQUE, Sebastião José..Assembléia-geral de credores é ponto crítico da Lei de Recuperação de Empresas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 165. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-falimentar/1038/assembleia-geral-credores-ponto-critico-lei-recuperacao-empresas. Acesso em 13 fev. 2006.

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