INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO NOVO DIREITO FALIMENTAR. A nova Lei de Falências entrou em vigor, em 9 de junho deste ano e trouxe importantes inovações aos processos falimentares e de recuperação de empresas, tornando-os mais céleres e eficientes. A redação dos dispositivos, como descrito no parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, fundamentou-se nos seguintes princípios: preservação da empresa, separação dos conceitos de empresa e de empresário, recuperação das sociedades e empresários recuperáveis, retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis, proteção aos trabalhadores, redução do custo do crédito no Brasil, celeridade e eficiência dos processos judiciais, segurança jurídica participação ativa dos credores, maximização do valor dos ativos do falido, desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte e rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação de empresas.

 

Atributo relevante dos novos mecanismos é conferir agilidade ao processo, permitindo que sejam efetuadas tempestivamente as transferências de titularidade dos ativos, parciais ou totais, que eventualmente sejam essenciais à solução dos problemas financeiros ou operacionais vividos pela empresa em dificuldade. Ademais, a nova Lei de Falências enfatiza o soerguimento de empresas viáveis que estejam passando por dificuldades temporárias, a fim de evitar que a situação de crise culmine com a falência. Nesse sentido, é extinta a ineficiente concordata suspensiva e preventiva e criado o novo instituto da recuperação judicial e extrajudicial que tem como principal característica o oferecimento aos credores de um plano de recuperação, que, na prática, envolverá negociações e concessões mútuas, além de providências e compromissos do devedor visando a persuadir os credores da viabilidade do plano.

 

Importante ressaltar a visão do Procurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro, Dr. Jorge Lobo em artigo jurídico “O Moderno Direito Concursal”, expôs de forma magnífica que se as dificuldades das empresas fossem sempre as mesmas, as soluções não seriam difíceis, pois, diagnosticadas as causas, bastava combatê-las com remédios jurídicos específicos, constituindo-se em erro crasso considerar a impontualidade ou a cessação de pagamentos ou a insolvência as causas das crises das empresas, pois estas não são mais do que efeitos de causas mais variadas e complexas, porquanto as verdadeiras causas das crises das empresas são de várias ordens, podendo-se classificá-las a grosso modo em:a) causas externas: aperto da liquidez dos bancos; redução de tarifas alfandegárias; liberação das importações; mudanças nas políticas cambial, fiscal e creditícia; criação de impostos extraordinários; surgimento de novos produtos; queda da cotação dos produtos agrícolas nos mercados internacionais; retração do mercado consumidor; altas taxas de juros; inadimplemento dos devedores, inclusive do próprio Estado; b) causas internas ou imputáveis às próprias empresas ou aos empresários: sucessão do controlador; desentendimento entre sócios; capital insuficiente; avaliação incorreta das possibilidades de mercado; desfalque pela diretoria; operações de alto risco; falta de profissionalização da administração e mão-de-obra não qualificada; baixa produtividade; excesso de imobilização e de estoques; obsolescência dos equipamentos; redução das exportações; investimento em novos equipamentos e c) causas acidentais: bloqueio de papel moeda no BACEN; maxidesvalorização da moeda nacional; situação econômica anormal da região, do país ou do mercado consumidor estrangeiro; conflitos sociais.

 

DIRETRIZES DA NOVA LEI FALIMENTAR. A nova Lei de Falências abrirá a possibilidade de reestruturação às empresas economicamente viáveis que passem por dificuldades momentâneas, mantendo os empregos e os pagamentos aos credores. Um dos grandes méritos apontados da nova legislação falimentar é a prioridade dada à manutenção da empresa e dos seus recursos produtivos. Ao acabar com a concordata e criar as figuras da recuperação judicial e extrajudicial, a nova lei aumenta a abrangência e a flexibilidade nos processos de recuperação de empresas, mediante o desenho de alternativas para o enfrentamento das dificuldades econômicas e financeiras da empresa devedora.

 

Pela nova lei, o envolvimento direto do Judiciário é precedido de uma tentativa de negociação informal entre devedor e credores, por meio de uma proposta de recuperação apresentada pelo devedor a uma assembléia de credores. É o que a lei define como negociação extrajudicial. A criação da Assembléia Geral de Credores é uma importante novidade que nos aproxima do padrão internacional. Uma vez que a experiência de outros países relativa à aprovação de um plano de recuperação recomenda que essa decisão seja de uma assembléia de credores - os clientes, os credores de créditos trabalhistas, os fornecedores, os bancos.

 

EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS AÉREOS E O CÓDIGO DA AERONÁTUCA. Ressaltamos que as empresas concessionárias de serviços aéreos não tinham o amparo jurídico do direito falimentar. Sob a égide do art. 187 do Código da Aeronáutica (revogado pela nova norma falimentar) tínhamos a normatização jurídica de que: "Não podem impetrar concordata às empresas que, por seus atos constitutivos, tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica." Assim nos estudos de José da Silva Pacheco, Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica, p. 296, 3ª ed., 2001, Editora Forense, “se a empresa de navegação aérea ou de infra-estrutura aeronáutica entrasse em falência, concordata ou liquidação, sua estrutura econômico financeira não teria mais condições adequadas e necessárias para merecer a confiança e de proporcionar serviços regulares, eficientes e, sobretudo, dotados de imprescindível segurança, que compete ao Governo fiscalizar e garantir.”

 

Para o mestre Rubens Requião no seu importante Curso de Direito Falimentar, 2.º volume, 12ª ed., 1990. p. 244, Editora Saraiva, “a intervenção visará ao restabelecimento da normalidade dos serviços e durará enquanto necessária à consecução desse objetivo. Mas, na hipótese de ser apurada a impossibilidade do restabelecimento da normalidade do serviço, ou será determinada à liquidação extrajudicial, quando com a realização do ativo, puder ser atendida pelo menos a metade dos créditos, ou será requerida à falência, quando o ativo não for suficiente para atender pelo menos a metade dos créditos, ou quando houver fundados indícios de crimes falimentares.”

 

EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS AÉREOS NO NOVO DIREITO FALIMENTAR BRASILEIRO. Ao ser sancionado o projeto da Lei de Falências, o Presidente não vetou o artigo 199, que beneficia as empresas do setor aéreo, dando-lhes a prerrogativa de recorrer à recuperação judicial e, com isso, escapar da falência. Recentemente, o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) Aloísio Araújo, aduziu que “nos Estados Unidos às companhias aéreas são tratadas no âmbito da legislação de falência de todos os setores da economia.” Enquanto nos Estados Unidos um processo de insolvência é concluído em três anos e na Irlanda em quatro meses, no Brasil o mesmo processo leva dez anos para ser concluído. Com a nova norma, a expectativa é que esse prazo caia para três anos. Isso ocorrerá porque a nova Lei de Falências prevê uma blindagem de 180 dias para as empresas que entrarem com pedido de recuperação na Justiça e se a empresa não tiver um plano de recuperação viável, poderá ser recusado de imediato e já terá início o processo falimentar.

 

Fundamentalmente, na visão do advogado especializado em direito comercial Paulo Salles de Toledo, do escritório Sérgio Bermudes que atua no processo da Recuperação Judicial da Varig, também elogiou a manutenção do artigo 199, que estende os benefícios da nova lei às companhias aéreas. As companhias aéreas terão um mecanismo institucional para se recuperar em caso de dificuldades financeiras, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos.

 

Entretanto, apreciando o artigo 199 da Lei Falimentar temos que “Não se aplica o disposto no art. 198 às sociedades a que se refere o art. 187 da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986. Parágrafo único. Na recuperação judicial e na falência das sociedades de que trata o caput, em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados de contratos de arrendamento mercantil de aeronaves ou de suas partes.”

 

RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA VARIG. A recuperação judicial tem o objetivo de preservar empresas consideradas viáveis, mas em dificuldades. Seus defensores argumentam que a concordata, nos moldes atuais, é incapaz, na maioria dos casos, de evitar a falência e o fim da empresa. Segundo a lei, a empresa autorizada pela Justiça a iniciar uma recuperação judicial deve apresentar a seus credores um plano detalhado para superar seus problemas financeiros, que pode incluir o alongamento de dívidas e até a venda de bens e marcas. Assim, beneficiando-se da prerrogativa do artigo 199 da Lei Falimentar, a companhia aérea Varig ingressou na 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, com pedido de Recuperação Judicial. A recuperação judicial é à medida que a Varig utilizou para evitar a devolução de aeronaves. O problema foi detonado pela ILFC (Internacional Lease Finance Corporation), que pediu a devolução de 11 aviões por falta de pagamento do contrato de arrendamento.

 

Importante expor que na ação de Recuperação Judicial, a Varig questiona o seu profícuo trabalho na aviação brasileira, com 78 anos de existência, 17.800 empregados, 5 milhões de titulares de cartões smiles, 13,8 milhões pessoas transportadas por ano, 350 mil passagens vendidas e confirmadas para o exterior, para 4.500 cidades e 90 países, e centenas de credores nacionais e internacionais.

 

Pela nova Lei Falimentar, ao dar início ao processo de recuperação judicial da Varig, o primeiro ato processual do Juiz Alexander dos Santos Macedo, da 8ª Vara Empresarial do Rio, foi o despacho preambular para que no prazo de 24 horas a empresa Exato Assessoria Contábil viesse em apresentar um relatório contábil da Varig, Rio Sul e Nordeste. Na nova diretriz processual falimentar, a análise da concessão ou não da recuperação judicial depende da apresentação desses relatórios contábeis, que são exigidos pelo artigo 51 da nova Lei de Falências. Nesses termos o juiz despachou: "Registre-se que a presente decisão restringe-se a reconhecer que, embora presente os aspectos jurídicos de impetração da recuperação judicial, deverá o perito nomeado constatar, tecnicamente, apenas os demais requisitos contábeis".

 

O segundo ato processual do magistrado foi à nomeação do administrador judicial (em substituição do antigo comissário). Nomeou a empresa Cysneiros Vianna Advogados Associados, a administradora judicial das companhias aéreas caso seja deferido o processamento da recuperação judicial.

 

"DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA VARIG. O ato principal nos autos 2005.001.072.887-7 foi o deferimento do processamento da recuperação judicial da Varig. Assim, veio em decidir o magistrado:

Ação: Recuperação Judicial.

Requerentes: VARIG S.A (VIAÇÃO AÉREA RIO-GRANADENSE) e outros.

DECISÃO

Vistos etc. Trata-se de pedido de Recuperação Judicial das empresas, VARIG S.A. (VIAÇÃO AÉREA RIO-GRANDENSE), RIO SUL LINHAS AÉREAS S.A. e NORDESTE LINHAS AÉREAS S.A., devidamente identificadas no preâmbulo da respectiva petição inicial, distribuída para este Juízo em 17/06/2005. Este Juízo houve por bem designar a empresa Exato Assessoria Contábil para perícia, com a finalidade de examinar se foram preenchidos os requisitos contábeis exigidos pelo art. 51 da lei 11.101/2005, designando para acompanhar trabalhos da perícia a empresa Cysneiros Vianna Advogados Associados, então nomeada ADMINISTRADOR JUDICIAL, na eventualidade de deferimento do processamento da recuperação das empresas requerentes.

Sobreveio o laudo pericial de fls. 1.660/1.680 indicando pendentes de juntada complementar ou regularização os documentos apontados no corpo do próprio laudo, todos, acrescente-se, suscetíveis de atendimento, razão pela qual proferi o despacho de fls. 1.660, determinando a manifestação dos autores. Apresentados pelas requerentes os documentos complementares, foram eles encaminhados à análise da empresa nomeada para o seu exame, que apresentou novo trabalho, atestando que teriam sido atendidas, de modo satisfatório, as exigências contidas no artigo 51, da Lei nº 11.101/05, sugerindo, no entanto, a adoção, por este Juízo, de medidas descritas naquele estudo.

 

No caso vertente, entretanto, a complexidade das atividades negociais das três empresas requerentes e a necessidade de providências inadiáveis por seus administradores, supervisionados na forma da lei, recomendam o imediato prosseguimento da recuperação. Necessário, no entanto, se faz dizer que o atendimento dos pontos realçados pelo perito nomeado é de todo pertinente, o que leva este Juízo a determinar sejam eles atendidos pelas requerentes no prazo de 48 horas, por tratar-se de mero aperfeiçoamento de documentos já existentes na instrução, não impedindo entretanto a decisão a ser proferida, afastando, desta forma, a intranqüilidade ou reflexos negativos que a demora em sua prolação possa causar nas atividades das requerentes.

 

Isto posto, considerando presentes e atendidos os requisitos exigidos pelo artigo 51, da Lei nº 11.101, de 09.02.05, ratifico a nomeação da empresa CYSNEIROS VIANNA ADVOGADOS ASSOCIADOS como ADMINISTRADOR JUDICIAL, conforme fls. 1.659, (1) defiro o processamento da recuperação judicial; (2) determino a dispensa da apresentação de certidões negativas para que as devedoras exerçam suas atividades, exceto para a contratação com o Poder Público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais creditícios, acrescendo, em todos os atos, contratos e documentos firmados pelas autoras, após o respectivo nome empresarial, a expressão "em Recuperação Judicial"; (3) ordeno a suspensão de todas as ações ou execuções contra as devedoras, na forma do art. 6> º da mesma lei, tudo nos exatos termos do item III do respectivo art. 52; (4) determino às devedoras a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto durar a recuperação judicial, sob a sanção da lei; (5) ordeno a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e todos os Estados e Municípios em que as devedoras tiverem estabelecimento, conforme elas próprias também informarão no mesmo prazo de 48 horas acima referido; (6) determino, finalmente, a expedição de edital para publicação no órgão oficial, que conterá os requisitos dos três itens do § 1º do mesmo art. 52.

P.R.I.

RIO DE JANEIRO, 22 DE JUNHO DE 2005.

ALEXANDER DOS SANTOS MACEDO

JUIZ DE DIREITO"

 

CONCLUSIVAMENTE. O processo falimentar com a nova legislação é mais ágil e com uma maior eficácia jurídica. Notamos a perfeita eficiência técnica-jurídica no processo de recuperação judicial da Varig, em cumprimento ao princípio da celeridade e eficiência dos processos judiciais.Finalmente, devemos apreciar os atos fundamentais do novo procedimento falimentar. Na decisão judicial, foi ordenado a suspensão de todas as ações ou execuções contra a companhia aérea e a apresentação de contas demonstrativas mensalmente durante a recuperação judicial.

 

Posteriormente, com amparo na Lei Falimentar, a Varig terá o prazo de 180 dias para viabilizar o plano de reestruturação empresarial. Nesse período será criado um comitê gestor para negociar com os credores e nenhum deles poderá requerer a falência da companhia aérea. Os credores devem formar maioria em torno de um plano de recuperação. E se o plano não for aprovado ou não atingir suas metas de recuperação, aí sim caberá à Justiça decretar a falência da Varig.

 

Conclusivamente, com a Nova Lei de Falência, o Brasil ingressa na modernidade judicial. Ressaltamos que a lei falimentar brasileira é uma das mais avançadas, pois visa à recuperação das empresas em dificuldades financeiras . Utilizamos assim, as palavras do Presidente da República de Portugal Jorge Sampaio, ao promulgar o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência de Portugal: “constituiu um momento importante na regulamentação legal dos problemas do saneamento e falência de empresas que se encontrem insolventes ou em situação econômica difícil. Eliminando a distinção, nesta sede, entre insolvência de comerciantes e não comerciantes, retirando do Código de Processo Civil a regulamentação processual e substantiva da falência, e conjugando num mesmo diploma, de forma inovadora, essa matéria com a da recuperação da empresa, a par de outras inovações de menor alcance, obtiveram-se com aquele diploma significativos avanços tanto do ponto de vista do aperfeiçoamento técnico-jurídico como da bondade das soluções respeitantes à insolvência de empresas e consumidores.”

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Como citar o texto:

Oliveira, Celso Marcelo..Recuperação judicial das concessionárias de serviços aéreos e uma análise do processo da empresa Varig. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 133. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-falimentar/671/recuperacao-judicial-concessionarias-servicos-aereos-analise-processo-empresa-varig. Acesso em 7 jul. 2005.

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