O presente estudo versa sobre a introdução do dispositivo de acordo de não persecução penal no Código de Processo Penal. Tal dispositivo tem gerado polêmica entre os operadores de direito. Salienta-se que outros dispositivos anteriores a este já eram previsto na legislação criminal, sendo assim essa nova ferramenta amplia o rol de possibilidade de formalizar um instituto alternativo para uma medida diversa da prisão. Perlustra-se que necessário torna-se uma análise criteriosa diante da formalização do acordo, em virtude da confissão da prática do delito, o que pode ferir o princípio da presunção de inocência.

SUMÁRIO: Introdução 1. Desenvolvimento 2. Lei 13.964/19 2.1. Outras medidas prevista em legislação 2.2 Acordo de não persecução penal conforme a Lei nº 13.964/19. 2.3.  Consequências após a formalização do acordo de não persecução penal 2.4. Conclusão 3 Referências.

 

1. INTRODUÇÃO

Uma vez cometida uma infração penal surge para o Estado o “jus puniendi”, ou seja, o Estado passa a aplicar o Direito Penal com escopo do controle social.

A Lei nº 13.964/19, chamada de lei anticrime, faz alterações na legislação penal e processual penal. Dentre essas alterações feitas está o art. 28-A do Código de Processo Penal que traz um acordo de não persecução penal, onde o Ministério Público propõe não ajuizar ação, com o objetivo de evitar a pena privativa de liberdade por parte do acusado, propondo assim medidas diversas da prisão. 

Há uma discussão que surge com o advento desse instituto, pois ele trás consigo a confissão do delito como sendo obrigatória pelo agente e dependendo da manifestação do Ministério Público, que tem um nível maior de discricionariedade, seja ajuizada ou não a ação penal, dando assim prosseguimento à persecução penal. Ao observar a confissão como requisito obrigatório perlustra-se que é imprescindível para o Parquet formalizar o acordo de não persecução penal, sendo que o agente estaria produzindo prova contra si, infringindo o princípio constitucional da presunção de inocência.

 

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (Lei Anticrime) 

A Lei 13.964/19 inovou o ordenamento jurídico brasileiro como novos institutos na legislação penal e processual penal. Um dos dispositivos tem causado polêmica entre os operadores do direito: o acordo de não persecução penal, como medida diversa da prisão.

Contudo, insta salientar que já existem outras medidas alternativas diversa da prisão prevista na legislação criminal vigente no ordenamento jurídico. 

 

2.2 Outras medidas prevista em legislação

Destacamos a transação penal, a suspensão condicional do processo e a suspensão condicional da pena.

A transação penal está previsto na Lei 9.009/95 em seu art. 79 e também na Constituição Federal/88 em seu art. 98,I. Trazendo como um dispositivo despenalizador que tem como escopo evitar que pessoas que praticam infrações de menor potencial ofensivo (crimes com pena máxima abstrata não superior a dois anos e as contravenções penais) sofram aplicação de pena privativa de liberdade em conformidade com a legislação criminal. Para tanto deve-se perlustrar requisitos objetivos (tratar-se ação penal pública incondicionada, não ser o caso se arquivamento de termo; não ter sido o autor da infração penal condenado por sentença com trânsito em julgado pela prática de delito à pena privativa de liberdade; o agente não ter sido beneficiado anteriormente no prazo de cinco anos pela transação). Bem como deve-se observar requisitos subjetivos (a personalidade do agente; sua conduta social; seus antecedentes, circunstância e motivos do delito indicarem a adoção da medida).

A Suspensão Condicional do Processo está inserido na Lei dos Juizados Especiais em seu art. 89, como sendo outra ferramenta que pode ser aplicado as pessoas que praticam infrações em conformidade com a referida legislação, devendo está presente os requisitos do art. 77 do Código Penal, conforme os crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano ou não tenha sido condenado por outro crime ou processado por outro delito ao Ministério Público é facultado perante sua analise propor suspensão condicional do processo. Gerando como consequência a suspensão do processo pelo prazo de dois a quatro anos, mediante o cumprimento de condições, em conformidade com o art. 89 da Lei de Juizados Especiais. 

A suspensão condicional da pena (sursis) está inserida no Código Penal em seu art. 77 e seguinte, podendo suspender a pena de dois a quatro anos. Alguns requisitos deverão ser seguidos: a pena aplicada não superior a dois anos; impossibilidade de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito; apresente circunstâncias judiciais favoráveis; o sentenciado não seja reincidente em delito doloso.

Tais medidas visam evitar o encarceramento, favorecendo os acordos formalizados entre acusado e defesa.

 

2.3 Acordo de não persecução penal conforme a Lei nº 13.964/19

Esse dispositivo que inovou substancialmente a legislação penal e processual penal está sendo motivo de grandes discussões entre os operadores do direito, visto que é esse dispositivo amplia o rol de possibilidade para os agentes infratores realizarem uma medida diversa da prisão. 

Vejamos o art. 28-A do Código de Processo Penal:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: 

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;     

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;      

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);     

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou       

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.      

 § 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:     

I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;       

II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;     

III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e    

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.    

 § 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.    

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.  

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.   

§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.    

§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.      

§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.      

§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.      

§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.     

§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.  

§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.    

§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.     

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.    

Observa-se que o rol de crimes que possivelmente possa realizar esse acordo é ampla, visto que a pena mínima inferior a quatro anos absorve vários delitos, desde o crime de furto até lavagem de dinheiro. Porém, um detalhe chama atenção e tem causando discordância entre os operadores do direito é no tocante a necessidade de confissão da prática da infração por parte do agente. A obrigação de confessar conforme o dispositivo pode ferir o princípio da presunção da inocência, ora confessar seria produzir prova contra si mesmo. O fato de confessar perante o Ministério Público não necessariamente significa que o membro do Ministério Público vai formalizar o acordo de não persecução penal.   

 

2.4 Consequências após a formalização do acordo de não persecução penal.

Após celebrado o acordo de não persecução penal e sendo este cumprido em sua totalidade não fará constar em registros de antecedentes criminais, de forma que o acordo enseja a extinção da punibilidade conforme dispõe o  § 13 do art. 28-A do Código de Processo Penal.

A homologação do acordo não faz coisa julgada material, visto que o não cumprimento injustificado das condições imposta, ensejaria no oferecimento da denúncia pelo Parquet utilizando-se da confissão formal firmada em acordo

 

3. CONCLUSÃO

Esse instituto trouxe a legislação penal e processual penal uma ampliação do rol de benefício para ferramentas alternativas diversa da prisão, porém, deve-se observar com cautela a formalização de tal acordo, visto que, poderá sofrer consequências pretendidas distintas em virtude da confissão da prática da infração. 

Por se tratar de um dispositivo recente situações peculiares surgirão com o decorrer de demandas. O Ministério Público tem a disposição mais uma ferramenta na busca do auxílio da verdade real dos fatos, bem como a Defesa dos agentes infratores ampliam as possibilidades de medidas alternativas diversas da prisão.

O estudo tem como objetivo contribuir para reflexões jurídicas sobre o tema, muito ainda há de discutir a respeito desse novo instituto que modificou significativamente o “direito penal negocial”. 

 

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Processual Penal. 19ª ed. Saraiva: São Paulo, 2012.

CF. Constituição Federal 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 jun. 2020. 

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 11 jun. 2020.

CÓDIGO PENAL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 11 jun. 2020.

LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MOLINA, Antonio García Pablos. Introdução ao Direito Penal. Ed. Universitaria Ramón Areces, Madrid, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. 13. Ed. Salvador: Juspodivm, 2018.

 

Data da conclusão/última revisão: 13/06/2020

 

Como citar o texto:

LUZDEI, Izaque; ALMEIDA, Reginaldo Pires de..Lei anticrime e o acordo de não persecução penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 990. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/10381/lei-anticrime-acordo-nao-persecucao-penal. Acesso em 4 ago. 2020.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.