O presente artigo tem como objetivo apresentar uma breve exposição do artigo 9º, §2º, inciso II, da Lei Maria da Penha. Tal medida veio para o auxílio da mulher vítima de violência doméstica que não consegue continuar exercendo sua atividade laboral em decorrência das ameaças sofridas. Para tanto, essa pesquisa se forma a partir de um estudo bibliográfico para atingir seus objetivos e confrontar sua hipótese: se essa medida protetiva fornecida realmente é eficaz para proteger a mulher em sua atividade laboral. O artigo se propõe em, primeiramente, familiarizar o leitor com aspectos da Lei Maria da Penha para, em seguida, expor como essa normativa vai influenciar na vivência e no contrato de trabalho da vítima de violência doméstica.

INTRODUÇÃO


Este artigo tem como objetivo analisar a proteção proporcionada pela Lei Maria da Penha a mulher vítima de violência doméstica. Casos extremos e constantes de machismo advindos dos atos da sociedade foi gerando os motivos para a criação de tal legislação, de forma que possibilitasse a garantia e amparasse os Direitos Humanos das mulheres. A Lei no. 11.340/06 garante não só sua integridade física, como a psicológica e a moral, criando medidas protetivas como meio de ação urgente. 

Em uma primeira parte, este artigo, apontará a garantia à mulher do direito de “manutenção” do vínculo trabalhista, caso esteja correndo riscos em função da violência doméstica sofrida pela vítima. Após, serão analisadas as hipóteses de manutenção do vínculo e se há o cabimento de ação regressiva, isto sob o prisma do direito Penal, Previdenciário, Cível e Trabalhista. 

A manutenção do vínculo empregatício inovou a seara trabalhista podendo ser mencionada duas hipóteses: a manutenção e a interrupção do contrato de trabalho. Tal fato traz discussões, em um terceiro momento, acerca da competência para julgar e processar os pedidos desta natureza, ou seja, pedidos de manutenção do contrato de trabalho, se é da: justiça Cível, Penal, Trabalhista ou Federal. 

Este artigo tem caráter informativo, concedendo as formas previstas no Direito para serem feitas tais análises, para que com isso, proporcione ao leitor concluir a respeito da problemática apresentada, foi inicialmente desenvolvido em 2014, sendo publicado algumas ideias no Jornal do Tocantins, em 2016, e, agora, apresenta-se uma versão atualizada acerca desta temática, que ainda se encontra pouco discutida no meio jurídico.

 

1. A LEI MARIA DA PENHA E SUA EFICÁCIA

Como é de conhecimento notório, a Lei no. 11.340/2006 foi elaborada em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, mulher vítima de violência proferida por seu marido durante seis anos de matrimônio e, após a segunda tentativa de homicídio praticada por seu cônjuge agressor, que a deixou paraplégica, Maria da Penha Maia encabeçou a luta pela reivindicação de seu direito de vê-lo punido, fato que durou 20 anos para concretização. 

A história de Maria da Penha incentivou as lutas que reivindicam os Direitos Humanos das mulheres, e, no dia 07 de setembro de 2006, entrou em vigor a Lei no. 11.340, que ganhou notoriedade e levou a nomenclatura da mulher que representou bravamente uma importante garantia na luta por direitos das mulheres.

Esta lei tem a finalidade de enfrentar a violência contra mulher, criando mecanismos capazes de intimidar os agressores. Ainda, a legislação, acabou com as penas pagas em cestas básicas ou multas, deixando de tratar o tema como crime de pequeno potencial ofensivo, e englobando além da agressão física e sexual, a psicológica, trazendo no seu artigo 2º a conceituação de violência contra mulher.  

O projeto de lei foi motivado pela violência nos lares brasileiros, que se faziam cada vez mais presentes até que chamou a atenção para a necessidade de uma tipificação, para não deixar um crime altamente repugnante se tornar um hábito para a sociedade. E como se observa, o legislador, teve o intuito de garantir os direitos, coibir a violência e resguardar a segurança das mulheres, pois a violência doméstica sempre foi um problema alarmante em qualquer sociedade brasileira.

Sendo assim, a violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema de gênero, amparado em conceitos históricos e culturais de dominação masculina, subvertendo identidades e cristalizando-se como verdades inabaláveis por anos a fio, devendo ser combatidos através de políticas de reconhecimento e redistribuição, ou seja, através de mudanças econômicas, políticas e culturais (FRASER, 2006). (PINTO; PAINKOW; LIMA, 2019).

Além disso, a questão que se deve analisar é se a lei realmente está produzindo efeito, se está sendo ativa gerando as reais e suficientes consequências punitivas para inibir o agressor, dando seguridade à vítima de violência doméstica.

[…] é evidente que no plano de remédios afirmativos de reconhecimento, que a Lei Maria da Penha é de extrema importância, podendo ser considerada um remédio que visa uma “estratégia de feminismo cultural” (FRASER, 2006, p. 275). Porém, quando se analisa a questão cultural, “parece que realmente a lei não consegue alterar os padrões hierarquizados de masculinidade que estão ainda presentes na sociedade, esse indício se reafirma a partir das constantes reiterações dos agressores nas mesmas práticas contra as mesmas vítimas” (BARBOZA, 2009). (PINTO; PAINKOW; LIMA, 2019).

Analisando especificamente a situação na cidade de Goiânia (Estado de Goiás), as mulheres vítimas de sérias agressões são amparadas por uma ONG, chamada Centro de Valorização da Mulher – CEVAM/GO, neste centro, as mulheres são autorizadas a ficar reclusas sem contato com o mundo exterior, incluindo amigos ou parentes e até mesmo de exercer atividades laborais o que acaba desencorajando muitas delas a aceitarem esse tipo de ajuda.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2009, 1,2% das mulheres sofreram agressões, isso equivale a 1,3 milhões de vítimas. (IPEA, 2015). De acordo com o Instituto Sangari (WAISELFISZ, 2012) que elaborou o Mapa de Violência Doméstica, “Duas em cada três pessoas atendidas no SUS em razão de violência doméstica ou sexual são mulheres; em 51,6% dos atendimentos foi registrada reincidência no exercício da violência contra a mulher”.

Entre 2009 e 2011 foi possível notar um aumento no índice de violência doméstica, que, segundo Bianchini e Cymrot (2011), pode ter três principais causas, sendo elas: a) o aumento na sensação de segurança em denunciar; b) a maior publicidade e esclarecimento sobre o tema; e, c) com aumento da segurança e publicidade, a atenção se voltou com maior frequência para problemas que envolvem essa temática. Assim, “[…] pode-se concluir que a Lei Maria da Penha tem operado efeitos positivos no que tange à confiança da sociedade em relação ao seu alcance, índice que aumentou como já referido, de 44 para 60% em dois anos (2009 a 2011)”. (BIANCHINI; CYMROT, 2011).

Igualmente pensa o delegado José Simeão, de acordo com a entrevista realizada pela autora Delegacia Especializada no atendimento à Mulher - DEAM-GO. Segundo ele, além da lei ter atingido um público maior, grande parte das mulheres que registram ocorrência desistem da ação, pois elas preferem ver os companheiros voltarem a trabalhar para ajudar no sustento do lar.

Tal problema advindo da ausência de autonomia financeira da vítima é constantemente percebido como consequência das reincidências, não só dos dados analisados em Goiânia, mas, também, da análise feita na cidade de Imperatriz (Estado do Maranhão), quando a coordenadoria do CRAM (Centro de Referência em Atendimento à Mulher) afirma que grande parte da mulheres não levam o processo adiante, sendo a maior justificativa questões financeiras. (PINTO; PAINKOW; LIMA, 2018).

Junto a esse aspecto, chama atenção o fato de que o cuidado dos filhos e da casa é atribuído principalmente à figura feminina, inclusive os companheiros/maridos/namorados agressores costumam utilizar-se desse fato para tentar fragilizá-las, creditando a elas culpa por alguma falha na criação dos filhos, no momento em que a pretora questiona o contexto em que se deram as agressões. Ou seja, questões de renda e reconhecimento estariam imbricadas nessa perspectiva que seria enfatizada por Fraser. (BARBOZA, 2009).

Portanto, é inegável que tal legislação está surtindo efeitos, pois mais mulheres se sentem encorajadas para registrar ocorrência, o que implicou em um aumento no número de mulheres que buscam a ajuda judicial, conforme mostrado nas pesquisas que foram realizadas, causando o equivocado juízo de que a Lei Maria da Penha não está surtindo efeitos e que a violência doméstica estaria aumentando.

Conforme conclui os estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Lei Maria da Penha é considerada um exemplo de amadurecimento democrático no Brasil, tendo em vista que contou com o apoio de movimentos sociais e órgãos governamentais à época de sua confecção e incorporou aspectos que inovaram em temática que abordam a violência doméstica.

Assim, oito anos após a sanção da Lei Maria da Penha, são três os canais que afetaram o comportamento dos agressores e das vítimas, sendo: “i) aumento do custo da pena para o agressor; ii) aumento do empoderamento e das condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; e iii) aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais, possibilitando ao sistema de justiça criminal que atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica”. Esses três elementos aumentaram o custo esperado da punição que acaba dissuadindo os efeitos da violência doméstica. (IPEA,2015).

 

2. A MEDIDA PROTETIVA CONFERIDA NO ARTIGO 9º, PARÁGRAFO 2º, INCISO II, DA LEI MARIA DA PENHA 

 De acordo com a Cartilha o Fórum Nacional da Violência Doméstica e Familiar (Fonavid), que acontece anualmente reunindo magistrados e membros de equipe técnicas nas varas e atuações na área, dentre os vários assuntos marcados pelo Fórum, vale ressaltar que alguns temas de maior atenção são: a garantia do vinculo trabalhista da mulher; gestão de conflitos familiares; a concessão de medidas protetivas e os limites e conflitos de competência entre os Juizados e as Vara de violência e Família. 

A assistência prevista no artigo 9º para a mulher em situação de risco será prestada conforme os princípios e as diretrizes previstas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), no Sistema Único de Saúde (SUS), no Sistema Único de Segurança Pública (Susp), entre outras. Com isso, a mulher que se encontra em situação de violência tem o direito do afastamento do local de trabalho por até seis meses. 

Entretanto, nem toda lei dá resposta completa sobre determinado assunto, e não houve regulamentação da Lei Maria da Penha com relação à reparação de danos moral e material. A intenção do legislador é impedir de imediato a ação do agressor, o que já é uma grande evolução, pois pouco adianta um ressarcimento material e moral se a família foi destruída.

A questão discutida na esfera Penal é se o afastamento da vítima é remunerado e em qual o local que deverá permanecer a mulher no período de afastamento do agressor. Caso a vítima se afaste, com a interrupção do contrato de trabalho, o empregador será o responsável pelo pagamento do seu salário, mas se for o afastamento com a suspensão do contrato de trabalho, todos os efeitos do contrato fica suspenso e esse período de até 6 meses não é remunerado. Mas na prática, as vítimas de violência doméstica para quais são asseguradas tais medidas, são encaminhadas ao Centro de Valorização da Mulher Consuelo Nasser (CEVAM), uma ONG brasileira, que junto com outros órgãos faz propostas de projetos com intuito de amparar essas pessoas, que hoje abriga mais de 80 mil mulheres, adolescentes e crianças. 

No CEVAM a mulher fica reclusa sem contato com o mundo exterior e sem receber qualquer tipo de remuneração, caso tenham filhos pequenos, é permitido à permanência dos mesmos até os 12 anos de idade. 

Pelo fato de ficarem reclusas no CEVAM, sem contato com familiares, não são todas as mulheres que aceitam esse tipo de ajuda, ficando assim, expostas a outra tentativa de violência por parte do agressor.

Ainda, a Lei no. 11.340/06, inovou na seara trabalhista, trazendo no seu dispositivo do artigo 9º, §2º, inciso II:

A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Segurança Pública, entre normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. […] §2º O Juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: […] II – Manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. 

O legislador garantiu neste dispositivo a proteção do contrato de trabalho, caso haja o afastamento pelo período máximo de seis meses. Essa “estabilidade” estabelecida pela lei é uma garantia do emprego, com a interrupção ou a suspensão do contrato de trabalho, assim, o empregado não poderá ser dispensado durante o período de afastamento (salvo por justa causa ou extinção da empresa), segundo Martins (2009),

O preceito legal citado visa proteger a mulher trabalhadora em razão de violência doméstica e familiar. A ofendida pode trabalhar no mesmo local que o ofensor ou, em razão de seu afastamento, não ter condições de trabalhar. Assim, seu contrato de trabalho não pode ser rescindido, devendo ser mantido. (MARTINS, 2009).

Contudo a doutrina diverge sobre a natureza jurídica deste afastamento, alguns entendem ser a interrupção do contrato de trabalho e outros entendem ser a suspensão do contrato de trabalho. 

No caso de suspensão, a paralisação é provisória dos efeitos que produzem o contrato de trabalho, não recebendo remuneração e nem contando como horas de serviço. E no caso de interrupção, a cessação é somente parcial, contando como tempo de serviço e recebendo remuneração.

Com isso, Martins (2009) demonstra:

Entendo que os fins sociais da lei mostram a necessidade do afastamento da empregada por seis meses do trabalho, mas não o pagamento de salários...O inciso II do § 2º do art. 9º da Lei não faz referência ao pagamento de salários, ao contrário do art. 473 da CLT. […] Não há também disposições na Lei nº 11.340 a respeito da contagem de tempo de serviço para fins de férias, pagamento de 13º salário, incidência de FGTS e da contribuição previdenciária... Se não existe previsão na lei a respeito de pagamento de salário da empregada afastada por seis meses em razão de violência doméstica, não há obrigação do empregador de pagá-lo […]. Trata-se de hipótese de licença não remunerada. Se não há obrigação de pagar salários, é período de suspensão dos efeitos do contrato de trabalho. (MARTINS, 2009).

Sendo assim, o doutrinador informa que não há indicação expressa que dê ensejo a obrigação ao empregador para o pagamento dos dias em que esteve fora o empregado. Deste modo adota-se este entendimento no artigo 9º, § 2º, inciso II, da Lei Maria da Penha, por não haver referência à responsabilidade do empregador no pagamento dos salários, este não tem a obrigação.

Neste mesmo sentido se faz valer Dias (2007):

A solução mais adequada é a sugerida por Rogério Sanches da Cunha e Ronaldo Batista Pinto: A suspensão do contrato de trabalho, na qual a mulher teria mantido o seu vínculo empregatício, não recebendo, porém, salário do empregador, mas sim do órgão previdenciário, a exemplo do que ocorre na licença-gestante (art. 392 da CLT) ou na ausência do empregado por acidente de trabalho a partir do 16º dia (art. 476 da CLT e art. 75, §3º, do Regulamento de Benefícios da Previdência Social – Dec. 3.048/99, de 06.05.1999), não gerando nenhum ônus para o empregador. (DIAS, 2007).

Na mesma linha de raciocínio, o entendimento pela suspensão do contrato de trabalho, tem um forte impedimento já que o artigo 195, §5º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), impede tal ônus ao órgão Previdenciário, vez que, afronta o principio da preexistência de custeio, aduzindo a CF/88, que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

Entretanto, uma doutrina minoritária informa que a competência para o pagamento do ônus é do empregador nos primeiros 15 dias e após o encargo é da Previdência Social, este entendimento se dá por analogia como nos casos de licença maternidade (artigo 392 da Consolidação da Leis de Trabalho - CLT), ou ainda, de acidente de trabalho. Vale ressaltar que com a redação obtida pela medida provisória nº. 664/2014, o prazo não é mais de 15 dias, e sim, entende-que que a partir do 30º dia o órgão previdenciário terá a responsabilidade de pagar a vítima. (AMARAL, 2009).

Apesar disso, a posição majoritária entende que a natureza jurídica deste dispositivo seria o de suspensão de contrato de trabalho, visto que não seria justo para o empregador, já que ele teria que pagar duas vezes, pela funcionaria afastada e pela pessoa que vai substituí-la evidenciando que o empregador não concorreu para ao afastamento da mulher agredida. 

Ainda, questiona-se: qual seria a competência do ônus da dívida, no caso de interrupção de contrato de trabalho? Este pode ser suportado pela Previdência ou mesmo pela Assistência Social? Considerando o disposto no artigo 226, §8º, da CF/88, que prevê que o Estado irá assegurar assistência à família, criando mecanismos para coibir a violência. 

A Assistência Social passa uma compreensão de política pública, tendo o cidadão direitos. Prevista no artigo 194, da CF/88, a Assistência Social foi incorporada ao Sistema de Seguridade Social, que entende, ser “um conjunto de ações de iniciativas dos Poderes Públicos e da Sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, a previdência e à assistência social”.

A CF/88 inseriu a Assistência Social para proporcionar proteção à população brasileira por meio de medidas públicas, para a garantia do direito e condição de vida digna. Está previsto no artigo 4º, caput, da lei 8.212/1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social - LOAS):

A Assistência social é a politica social que prevê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independente de contribuição à Seguridade Social.

Ainda, há de se mencionar o Fundo Nacional de Amparo a Mulheres Agredidas (FNAMA),  um projeto que visa o benefício de fornecer R$ 998,00 as mulheres vítimas de violência doméstica. Visando que a Lei Maria da Penha prevê que a mulher receba benefícios, esse projeto de lei é totalmente cabível e em conformidade com o artigo 203, inciso I, da CF/88.

Diante disto, prima-se que é notável mencionar o principio da intervenção mínima, conforme entende Claus Roxin (2009), “o Direito Penal seria a ultima ratio (o último recurso) da politica social”, e, segundo Muñoz Conde (1975) “o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito”.

Montesquieu, Rousseau, Beccaria e John Locke, os mais importantes pensadores do liberalismo sustentam essa ideia. Assim, em uma ação civil, visando a reparação, o crime deve ofender o interesse jurídico, ocasionando uma lesão real a vítima que é o titular da ação, com isso o jus puniendi ocorre para ser feita a aplicação da sanção penal e com ele vem o dever do autor para reparar o dano pelo ilícito. Segundo Mirabete (1996):

A questão de reparação do dano causado pela infração penal não pode deixar de influenciar o próprio direito público, tendo em vista o real interesse da sociedade e do Estado no sentido de que os lesados pelo crime obtenham reparação e, principalmente, de que os autores das transgressões à ordem social não se locupletem ilicitamente. […] Nos termos do art. 159 CC, fica obrigado a reparar o dano aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem. O código Penal prevê como efeito da condenação “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”, incentivando o agente a ressarci-lo ao prever como benefícios ao autor do delito que o fizer uma causa de diminuição de pena. (MIRABETE, 1996).

Assim, como o princípio da responsabilidade civil é autônomo do da criminal, segundo Mirabete (1996), “inexistindo sentença condenatória irrecorrível, a ação ordinária civil para a reparação do dano pode ser proposta contra o autor do crime, seu responsável civil ou seu herdeiro”. 

No Direito Civil, o nexo causal da responsabilidade civil, é composto pelo autor, o réu é quem deu causa, e neste sentido o responsável pelo objeto em análise foi o agressor, sendo ele então o responsável civil pelo pagamento do ônus à vítima de agressão, como assim está disciplinado no artigo 942, do Código Civil: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.

Contudo, como resposta ao questionamento anteriormente feito, uma opção seria o Estado arcando em um primeiro momento, com o auxílio imediato, e, depois, propor ação regressiva contra o agressor; ou, o agressor em primeiro plano já arca com o pagamento, caso não tenha condições ele pode ser amparado pela Lei nº. 1.060/1950, como concessão de assistência judiciária aos necessitados.

 

3. COMPETÊNCIA E APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA 

O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é um órgão da justiça ordinária, que foi criado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) para julgar os casos específicos de violência contra a mulher. Este órgão tem competência cível e criminal e enquanto tais Juizados não forem estruturados, a competência para conhecer e julgar as causas de violência doméstica será das varas criminais.

O problema a ser enfrentado nesse tópico é quanto a determinação de competência para processar e julgar os pedidos com aspectos de relação de trabalho, pois segundo Mirabete (1996):

Em decorrência do princípio da igualdade entre as pessoas (art. 5º, caput, CF) é natural que ninguém pode ser julgado a não ser por um juiz ou tribunal competente. Dispõe expressamente a CF que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII). (MIRABETE, 1996).

Os Juizados foram criados somente com competência civil e criminal, o que advém incompetência de juízo para julgar ações de matéria trabalhista, visto que, para assegurar a suspensão ou a interrupção do contrato de trabalho da mulher é preciso saber se há vínculo trabalhista, e para tal análise será necessário remeter à Justiça do Trabalho. 

Sendo assim há divergências quanto à competência de juízo, segundo Vieira (2007): 

Só será possível a concessão da suspensão do contrato de trabalho se houver, de fato, o vínculo trabalhista, e para analisar se existe este vínculo é necessário remeter a questão à Justiça do trabalho […] alguém poderia, ainda, justificar tal competência da justiça criminal com fundamento na “cumulação de ações”, com base no art. 103 do CPC: “Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir”. Ocorre que, para que seja possível a cumulação objetiva de pedidos, é necessário o preenchimento dos requisitos trazidos nos parágrafos do art. 292 do CPC, e logo de inicio constata-se a falta de um dos requisitos, qual seja: a competência para conhecer das ações o mesmo juízo. Assim, embora presente a conexão entre as causas, impossível é a reunião das ações. (VIEIRA, 2007).

Segundo o dispositivo do artigo 114, inciso IX, da CF/88: “Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar […] outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”, e, de acordo com Leite (2008), “a leitura atenta do artigo 114 da CF, com a nova redação dada pela EC. nº 45/2004, revela-nos a existência de três regras constitucionais básicas de competência material derivada e competência material executória”.

Sendo assim, alguns doutrinadores compreendem que é de competência da Justiça do Trabalho processar e julgar ações que versão sobre a temática de manutenção ou suspensão do vínculo empregatício enquanto aplicabilidade da medida protetiva presente na Lei Maria da Penha, visto que, a natureza da relação jurídica é material, conforme o artigo 114, da CF/88, dado pela Emenda Constitucional (EC) nº. 45/2004. Já que percebe-se que cabe a Justiça trabalhista o julgamento de ações advindas da relação de trabalho.

No entanto, as controvérsias também entendem que a conservação do vínculo laboral trata-se de ação cível, que o pedido principal formulado na ação cível desnatura o caráter acessório e instrumental do instituto protetivo de urgência, que causa uma usurpação da competência da Justiça do Trabalho. A cessação temporária do contrato e a garantia do emprego deverão ser questões secundárias, que irão recair no processo principal, o que será preciso a solução antes da decisão da causa dada. Assim faz entender Amaral (2009): 

Tratando-se de ação cível o pedido de conservação do vínculo laboral tanto poderá ser requerido através de ação cautelar incidental ou preparatória, conforme o caso. Sendo defeso sua formulação através de pedido de tutela antecipada de que cuida o Art. 273 do CPC, uma vez que trata-se a benesse genuinamente de procedimento de natureza cautelar, que visa preservar a integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar. O que por certo não impedirá, em caso de equívoco do Defensor Público ou Advogado da parte, do manejo pelo Juiz da causa da regra da fungibilidade entre a tutela cautelar e a antecipada (Parágrafo 7o, do Art. 273, do CPC), deferindo a providência cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado se puderem ou houverem sido formulados outros pedidos de natureza principal, ou deferindo a providência cautelar como medida preparatória. Sendo que, aí, neste último caso, determinado-se à parte que respeite o trintídio legal para ajuizamento da demanda principal, sob pena de cessação de eficácia da medida cautelar (Arts. 806 e 808, Inciso I, do CPC). (AMARAL, 2009).

Para ser dada a providência cautelar, somente será necessário a demonstração da mulher do fumus boni iuris com receio de que a integridade física e psicológica da vitima sofreu profundo, difícil ou irreparável dano por parte do agressor e com isso o periculum in mora, em razão da demora da solução do processo. 

O doutrinador vai mais fundo informando que “o magistrado deverá aplicar aos casos de manutenção do vínculo trabalhista à mulher em situação de violência doméstica e familiar das regras pertinentes ao Auxílio-doença”, o que se caso isso aconteça, deverá ser de competência da Justiça federal, pois o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) é autarquia federal, como assim está disciplinado no artigo 109, inciso I, da CF/88. Neste mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal (STF) compreende:

[…]II. Competência: Justiça comum: ação de indenização fundada em acidente de trabalho, ainda quando movida contra o empregador. 1. É da jurisprudência do STF que, em geral, compete à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do direito comum e não do Direito do Trabalho. 2. Da regra geral são de excluir-se, porém, por força do art. 109, I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador. (in RE n.º 349.160-BA. Rel. Min. Sepúlveda Pertence - Informativo n.º 300).

Assim também entende o Tribunal Regional da 4º Região (TRF 4º):

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. DIFERENÇA DE AÇÃO REGRESSIVA DE REPARAÇÃO DE PERDAS E DANOS NO TOCANTE À COMPETÊNCIA.  - O disposto no art. 109, inc. I, da CF/88, aplica-se tão-somente às chamadas ações acidentárias que a Lei nº 8.213/91, em seu art. 129-II, remete ao procedimento sumário, não às ações regressivas movidas pela autarquia previdenciária para haver reparação de perdas e danos sofridos com o pagamento de indenizações ou pensões aos obreiros sinistrados. (TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 2002.04.01.049762-3 - UF: SC - Órgão Julgador: QUARTA TURMA - Data da Decisão: 02/04/2003 - Fonte DJU DATA:09/04/2003 PÁGINA: 586 DJU DATA:09/04/2003 - Relator JUIZ ALCIDES VETTORAZZI).

Sendo assim, Amaral (2009), entende que o legislador deverá compreender que a integridade física e psicológica da mulher foi atingida e em defesa disto deveria entender que se traduz em violência doméstica e familiar. 

Contudo, o artigo 60, da lei nº 8.213/91, que regula os Benefícios da Previdência Social, reza:

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz: […]§ 3o Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral.

Ou seja, depois do afastamento da mulher por motivo de Auxílio Doença, deverá durante os primeiros quinze dias consecutivos (agora 30 dias — considerando a alteração dada pela medida provisória nº. 664/14) o empregador arcará com o ônus, e após isso, será encargo da Previdência Social. 

Mas, sabe-se que pessoas não podem ser obrigadas a suportar o ônus sem terem sido as causadoras dos fatos, que aparentemente, foi causado por terceiros. Entende-se que este pagamento lhes cabe visando o princípio da responsabilidade objetiva, somente pela situação de que está ocorrendo o fato. Assim, cabe às essas pessoas a alternativa de regressivamente receber o que lhes foi tirado. Isto está previsto através da ação regressiva, como assim prevê o artigo 934, do Código Civil: “o que ressarcir o dano causado por outrem, se este não for descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago”.

Todavia sabe-se que os órgãos governamentais, como o INSS, são os maiores agentes que acabam suportando este ônus pelo resultado de terceiros, e com isso o INSS deve ir em busca de indenização para recompor os cofres públicos por culpa de outrem, por meio da ação regressiva. Como entende Lazzari e Castro (2002): 

O caráter da ação é indenizatório, visando estabelecer a situação existente antes do dano - restitutio in integrum - ou impor condenação equivalente, diferentemente da concessão do benefício previdenciário, em que se visa à compensação mediante a prestação previdenciária. (LAZZARI; CASTRO, 2002).

Por conseguinte, analisando a jurisprudência sobre a aplicação das medidas protetivas em casos de violência doméstica, como se depreende do acórdão abaixo, cuja base legal está assegurada na Lei Maria da Penha, o Juiz afixou limites e com a preocupação do judiciário também em assegurar a fonte de sustento desta trabalhadora.

EMENTA: LEI MARIA DA PENHA. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. AFASTAMENTO DO AGRESSOR DO LOCAL DE TRABALHOR DA VÍTIMA. Em boa hora, a Lei 11.340/2006, chamada Lei Maria da Penha, inseriu no ordenamento jurídico brasileiro um rol de medidas visando resgatar a cidadania feminina e assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência. A partir se agora as agressões sofridas pelas mulheres sejam de caráter físico, psicológico, sexual, patrimonial e inclusive moral, passam a ter tratamento diferenciado pelo Estado. Dentro das medidas protetivas de urgência elencadas pela lei, o Juiz possui a faculdade de fixar, inclusive em metros, a distância a ser mantida pelo agressor não apenas da residência mas também dos locais de convivência da vitima, entre eles, de seu local de trabalho. A liberdade de locomoção encontra limite no direito do outo de preservação de vida e de integridade física. Assim, se mostra imperioso assegurar a integridade física e psíquica da recorrente, determinando que o agressor mantenha-se afastado a pelo menos 100 metros do local de trabalho da agravante. Aplicabilidade do art. 22, III, “a” da Lei 11.340/2006. Agravo parcialmente conhecido e provido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70018581652, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça de RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 25/04/2007).

Entretanto, pode-se argumentar o cabimento da ação regressiva e como ela vem sendo utilizada nos dias atuais pelo órgão público. Segundo o G1 (2012):

Os primeiros casos a serem ajuizados aconteceram no Distrito Federal. Um deles é um homicídio praticado contra a ex-companheira de um acusado e que gerou um benefício de pensão por morte para o filho da vítima (3 anos incompletos). O benefício começou a ser pago em fevereiro deste ano e tem estimativa de cessar em 2030, diz o INSS. O valor do benefício que começou a ser pago em fevereiro deste ano já é de R$ 3.859,66 e tem estimativa de cessar no ano de 2030 com um montante de R$ 156 mil. O outro caso é de tentativa de homicídio e que gerou a concessão de auxílio-doença para a vítima. O réu é ex-marido e já foi condenado por homicídio qualificado. O total dos dois benefícios soma R$ 49.160,69. Outros dois casos, um no Espírito Santo e outro no Rio Grande do Sul, já estão sendo estudados e devem ser ajuizados até o fim deste mês. (G1, 2012).

O INSS já vem analisando vários casos em que se encaixam perfeitamente na ação regressivas, segundo o INSS: “Isso ocorre, por exemplo, quando a mulher agredida se torna incapaz para a profissão que exercia, necessitando assim de uma aposentadoria por invalidez”. (G1, 2012).

Contudo, a manutenção do vínculo trabalhista da mulher em situação de risco esta condicionado a assegurar a sua integridade física e psicológica, ou seja, para que seja concedida esta cautelar a mulher realmente tem que está em situação iminente de risco, o que não seria o caso se o marido estivesse preso ou se estivesse seguindo a risca todas as medidas já impostas pelo juiz. Segundo Amaral (2009):

Tratando-se de ação cível o pedido de conservação do vínculo laboral tanto poderá ser requerido através de ação cautelar incidental ou preparatória, conforme o caso. Sendo defeso sua formulação através de pedido de tutela antecipada de que cuida o Art. 273 do CPC, uma vez que trata-se a benesse genuinamente de procedimento de natureza cautelar, que visa preservar a integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar. O que por certo não impedirá, em caso de equívoco do Defensor Público ou Advogado da parte, do manejo pelo Juiz da causa da regra da fungibilidade entre a tutela cautelar e a antecipada ( Parágrafo 7o, do Art. 273, do CPC), deferindo a providência cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado se puderem ou houverem sido formulados outros pedidos de natureza principal, ou deferindo a providência cautelar como medida preparatória. Sendo que, aí, neste último caso, determinado-se à parte que respeite o trintídio legal para ajuizamento da demanda principal, sob pena de cessação de eficácia da medida cautelar (Arts. 806 e 808, Inciso I, do CPC). A formulação, na ação cível, de pedido principal veiculando a manutenção do vínculo trabalhista desnatura o caráter acessório e instrumental desse instituto protetivo de urgência, ocasionando indesejada usurpação da competência da Justiça do Trabalho, responsável esta pelo processo e julgamento de ações oriundas da relação de trabalho. A cessação temporária do contrato de trabalho e a garantia de emprego devem ser tomadas como uma questão secundária, que incide sobre o processo principal, merecendo solução antes da decisão da causa ser proferida. (AMARAL, 2009).

Ainda assim, afirma-se que a manutenção do vínculo trabalhista poderá ser requerida tanto na fase investigatória policial, como depois de já ter sido oferecida denúncia ou através do requerimento do Ministério Publico ou Defensoria Pública. Como assim prevê o artigo 12, inciso III; o artigo 19, caput e o artigo 28, todos da Lei Maria da Penha.

Portanto, a lei no. 11.340/06 inovou na seara trabalhista trazendo no dispositivo do artigo 9º, §2º, inciso II, a proteção do contrato de trabalho, auxiliando a mulher vítima de violência domestica na manutenção da sua atividade laboral. No entanto, como visto, essa “estabilidade” é conferida pela lei como hipótese de interrupção ou de suspensão do contrato de trabalho. Assim, o empregado não poderá ser dispensado durante o período de afastamento (salvo por justa causa ou extinção da empresa). 

Apesar da divergência doutrinal, no caso de suspensão, a paralização é provisória dos efeitos que produzem o contrato de trabalho, não recebendo a vítima remuneração e nem contando o período de afastamento como horas de serviço, e, no caso de interrupção, a cessação é parcial, contando como tempo de serviço e recebendo remuneração, ficando o empregador obrigado a pagar o salário.

Contudo, considerando tais discussões, a hipótese de interrupção do contrato não pode ser considerada tendo em vista que a lei não tem previsão a respeito do pagamento do salário, logo, não obriga o empregador e nem poderia, tendo em vista que o mesmo não concorreu para o afastamento da mulher agredida. Assim, ao entender sendo o caso de suspensão, adentra na discussão acerca da obrigação do órgão previdenciário no pagamento do salário. A posição majoritária entende que a natureza jurídica deste dispositivo seria o de suspensão do contrato de trabalho, entendendo que a mulher não fará jus ao recebimento do salário. Considera-se esta ideia lamentável, pois a vítima aqui se encontra duplamente punida, ao se esconder de seu agressor, tendo o cerceamento de sua liberdade, e, ao não conseguir se manter financeiramente, haja vista ausência de amparo de forma concreta.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo partiu de uma análise a Lei Maria da Penha, mais especificadamente ao artigo 9º, §2º, inciso II, da mesma. Tal lei trouxe consigo uma essencial e excepcional Medida Cautelar que repercute no âmbito do Direito do Trabalho e da Seguridade Social. Este artigo concede à mulher uma garantia provisória com a interrupção ou a suspensão do pacto laboral, aferindo à mulher uma segurança única, pois, com instituto assecuratório do vínculo trabalhista, ela se sentirá mais protegida, inclusive, incentivando para que para outras mulheres denunciem casos de agressões.

Analisando a manutenção do vínculo trabalhista, percebe-se que as duas hipóteses previstas no direito do trabalho, sendo elas: a interrupção e a suspensão do contrato de trabalho. E, acerca da competência para julgar e processar os pedidos ou ações: No caso de suspensão, sem aferimento de salário, e, no caso de interrupção, o com aferimento de salário. Ainda, há uma grande discussão acerca de o contrato de trabalho ser de efeito interruptivo, pois a doutrina diverge quando diz respeito se o ônus do pagamento compete à seguridade social ou ao empregador.

Este artigo teve o intuito de investigar as linhas doutrinárias existentes, no que diz respeito à natureza jurídica, da “manutenção do vinculo trabalhista” disciplinado pelo legislador na lei objeto do presente estudo, se de fato é interrupção ou suspensão do vinculo laboral. A doutrina diverge acerca da natureza jurídica desta manutenção, uns afirmam ser interrupção e outros entendem como suspensão do contrato de trabalho. Com tais hipóteses, infelizmente, constatou-se que a corrente majoritária entendendo ser o caso de suspensão do contrato de trabalho, quando os efeitos do contrato de trabalho ficam suspensos temporariamente e fica com o prejuízo do salário.

Este estudo apontou as diversas hipóteses de cabimento para se julgar as causas provenientes deste instituto. Foi verificada a possibilidade de ação cível, com a ação regressiva, podendo também ser impetrada ação na Justiça Federal, como um recurso da Previdência. Alguns doutrinadores entendem que a questão é de total competência da Justiça do Trabalho já outros afirmam ser dos Juizados criados para a Lei. Há doutrinadores que entendem que o pedido principal deve ser formulado em ação cível.

 

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Data da conclusão/última revisão: 14/06/2020

 

Como citar o texto:

CAVALCANTE, Jéssica Painkow Rosa.Limites e garantias trabalhistas "assegurados" na Lei Maria da Penha. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 995. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/10476/limites-garantias-trabalhistas-assegurados-lei-maria-penha. Acesso em 8 set. 2020.

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