O presente artigo tem como principal objetivo buscar pela solução do conflito fortemente presente em nosso ordenamento jurídico, qual seja a possibilidade de haver concurso de pessoas no crime de infanticídio através da qualificadora “sob a influência do estado puerperal” quando o crime é cometido pela mãe da criança em conjunto com terceiro, uma vez que este, por ter plena e total capacidade mental no momento em que comete o crime, e por saber o quão errados são seus atos, deveria responder pelo crime de homicídio, e não receber a benesse de concorrer para o infanticídio, que apresenta penas mais brandas quando comparado ao homicídio, pois não está sofrendo de nenhuma perturbação psíquica para caracterizar o tipo. Partindo de uma análise minuciosa sobre o que é o concurso de agentes, quais são suas possíveis formas no ordenamento jurídico brasileiro e todas as suas vertentes, até chegar à análise detalhada do crime de infanticídio, concluímos que a falha do legislador em não tratar diretamente dessa questão prejudica o cumprimento da justiça, e a melhor solução apontada seria a reforma legislativa do infanticídio, excluindo o artigo 123 do Código Penal Brasileiro e adicionando um parágrafo no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, como homicídio privilegiado, ou a criação de um parágrafo único no artigo 123 do Código Penal Brasileiro, dispondo que o participante responderá pelo crime de homicídio. Palavras-chave: Infanticídio. Concurso de agentes. Estado puerperal. Comunicabilidade.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I- DO CONCURSO DE AGENTES.1.1 Noções gerais sobre o concurso de agentes. 1.2 Modalidades do concurso de agentes. 1.3 Teorias sobre o concurso de agentes.  CAPÍTULO II- ANÁLISE DA COAUTORIA E DA PARTICIPAÇÃO. 2.1 Coautoria direta e parcial . 2.2 Participação por instigação e cumplicidade.  2.3 Concurso de agentes e teorias da acessoriedade.CAPÍTULO III- INFANTICÍDIO 3.1Conceito e bem jurídico no infanticídio        . 3.2 Sujeitos do crime. 3.3 Possíveis formas de concurso de agentes no crime de infanticídio. CONCLUSÃO. REFERÊNCIA. 

 

INTRODUÇÃO

O crime de infanticídio, tido, hoje, como o ato de matar o filho nascente ou recém-nascido, durante ou logo após o parto, pela mãe que sofre a influência do estado puerperal, está presente na história humana desde o surgimento das civilizações até os dias atuais.

Em um primeiro momento, no Direito Romano, era permitido ao pai, único chefe e mantenedor da família, matar seus filhos legítimos caso tivessem nascido com alguma deficiência ou deformidade. Porém, se a mãe o fizesse, era punida com uma morte cruel e dolorosa. Num segundo período, surgiu uma reação em favor do filho recém-nascido, onde a mãe era punida por qualquer que fosse o motivo que a levara a matar seu filho. Com o surgimento do Iluminismo, o infanticídio passa a ser tratado de forma mais benigna, sendo levado em conta o motivo da honoris causa como fator principal do crime, tendo penas mais brandas a mãe que comete tal crime.

No que concerne à legislação brasileira, o tema é motivo de muitas discussões na doutrina, por causa das diversas alterações sofridas pela lei. Muitos consideram o infanticídio um crime autônomo, e muitos entendem ser uma espécie de homicídio qualificado. Antes, tinha como motivo a causa da honra, hoje, sendo levado em conta o fator fisiopsicológico, traz mais justiça ao recém-nascido, porém ainda temos um longo caminho a se percorrer para que o mesmo seja tratado de forma justa em sua totalidade.

Por fator fisiopsicológico temos o estado puerperal, que se trata de uma perturbação da psique da mãe em decorrência das dores do parto e de todo o estresse envolvido em tal momento, tornando-a, assim, semi-imputável, sem ter plena consciência dos atos que comete, sendo levada, devido à realidade deturpada em que se encontra, a matar seu próprio filho.

Por se tratar de uma condição de caráter pessoal, o estado puerperal também é motivo de fortes discussões entre os doutrinadores, ainda mais quando levado em conta os artigos 29 e 30 do Código Penal Brasileiro, que versam sobre o concurso de pessoas.

Isto posto, o artigo traz como principal objetivo buscar por uma solução no caso em que a mãe concorre com terceiro para o crime de infanticídio, pois, devido à comunicabilidade das circunstâncias pessoais, o coautor ou partícipe recebe a mesma pena que a mãe. Porém, isso afronta a justiça e a moralidade, já que tal participante não está, nem poderia estar, sob a influência do estado puerperal no momento do crime, portanto teria que ser punido pelo crime de homicídio.

O exame realizado sobre o assunto – qual seja a comunicabilidade da qualificadora do crime de infanticídio entre a mãe e o partícipe ou coautor – será feita em três etapas: a primeira será voltada para o estudo detalhado do concurso de agentes em geral, quais são suas modalidades e, por fim, o aprofundamento das teorias do concurso de agentes.

A segunda etapa tratará de uma análise aprofundada das formas de participação no concurso de pessoas, qual seja a participação e a coautoria, e as diferenças existentes entre elas e, por fim, o estudo das teorias da acessoriedade da participação.

Por último, a terceira etapa tratará exclusivamente do infanticídio, versando sobre as divergências de sua classificação entre muitos doutrinadores renomados, quem são os sujeitos do crime, e por fim, as possíveis formas de concurso de agentes e a problemática sobre a possibilidade de haver o concurso em tal tipo e as possíveis soluções apresentadas para o tema fortemente debatido.

 

CAPÍTULO I- DO CONCURSO DE AGENTES

O presente capítulo tratará das noções gerais do concurso de agentes, entendido como tal o ajuste entre duas ou mais pessoas na cooperação da prática criminosa. Como tal, é de se compreender que todo aquele que concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Além das noções gerais, as modalidades do concurso de agentes serão estudadas no presente capítulo, podendo se adiantar que são a coautoria e a participação. Serão, também, objeto de estudo as teorias que regem como deve se dar a punição dos envolvidos no concurso de agentes.

 

1.1 Noções gerais sobre o concurso de agentes

O concurso de agentes, ou concurso de pessoas, termo adotado pelo Código Penal de 1940, é a colaboração desenvolvida entre duas ou mais pessoas, mesmo que seja mínima a participação de quem presta auxílio, na prática de uma mesma conduta criminosa.

De acordo com Damásio Evangelista de Jesus (2015), os crimes podem ser monossubjetivos, aqueles que podem ser cometidos por apenas um sujeito, ou plurissubjetivos, que são os que exigem a pluralidade de agentes. Como exemplo de crimes cometidos por uma só pessoa, temos o homicídio; e de crimes que necessitam de mais de um agente, temos a rixa.

Isto posto, existem duas formas de concurso de pessoas, a saber, o concurso necessário e o concurso eventual.

Se tratando do concurso necessário, é referente aos crimes plurissubjetivos, que exigem o concurso de pelo menos duas pessoas. A coautoria se faz obrigatória, podendo haver ou não a participação, devido ao fato de que a norma incriminadora, descrita pelo preceito primário, “reclama, como conditio sine qua non do tipo, a existência de mais de um autor, de maneira que a conduta não pode ser praticada por uma só pessoa” (CAPEZ, 2015, p.354).

No concurso eventual, tocante aos crimes monossubjetivos, podendo ser praticados por um ou mais agentes, se cometidos por duas ou mais pessoas em concurso, dependendo da forma como os agentes concorreram para a prática do delito, teremos a coautoria ou a participação. Porém, elas podem não ocorrer, sendo, assim, ambas eventuais.

O princípio segundo o qual quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas (CP, art. 29), somente é aplicável aos casos de concurso eventual, com exclusão do concurso necessário. Nestes, como a norma incriminadora exige a prática do fato por mais de uma pessoa, não há necessidade de estender-se a punição por intermédio da disposição ampliativa a todos os que o realizam. Eles estão cometendo o delito materialmente. São coautores. Isso não impede, entretanto, a participação, como ensinava Maggiore (JESUS, 2015, p. 448-449).

Para que possa ser identificada a existência do concurso de agentes se faz necessária a análise de quatro requisitos, sendo a doutrina unânime no sentido de que são quatro, e que são de suma importância para a caracterização do crime plurissubjetivo. São eles: a pluralidade de condutas, relevância causal das condutas, liame subjetivo ou concurso de vontades e identidade de crimes para todos os envolvidos.

Para que haja a pluralidade de condutas e seja possível que duas ou mais pessoas em concurso sejam punidas, nos seguintes termos mencionados pela doutrina:

é necessário que cada uma delas tenha realizado ao menos uma conduta. Caso se trate de coautoria, existem duas condutas classificadas como principais. Ex.: duas pessoas efetuando disparos na vítima [...]. No caso de participação, existe uma conduta principal - do autor - e outra acessória – do partícipe. Ex.: uma pessoa atira na vítima, e o partícipe, verbalmente, a incentiva a fazê-lo [...] (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013, p.454).

Em se tratando da relevância causal das condutas, se a conduta, por alguém praticada, em nada contribuiu para o desabrochamento do resultado alcançado, não há que se falar em relevância causal, logo, não pode ser analisada como integrante do concurso de pessoas. “Assim, por exemplo, não se pode falar em concurso quando a outra conduta é praticada após a consumação do delito” (CAPEZ, 2015, p.365). No entanto, nos crimes formais, que a lei dispensa o resultado para a sua consumação, a existência da relevância causal das condutas é um requisito que se mostra indispensável.

É necessário que exista também um liame psicológico entre os participantes da conduta criminosa em concurso, ou seja, é imprescindível que todos os envolvidos ajam com a vontade de contribuir para o resultado do crime. Se o liame subjetivo ou concurso de vontades não estiverem presentes, o concurso de pessoas deixa de existir, sendo classificado apenas como autoria colateral (BITENCOURT, 2015).

Todavia seja imprescindível que exista o encontro de desígnios para a produção do resultado, basta que o envolvido tenha a mera ciência de que sua conduta colabora no resultado do crime cometido, não se exigindo, assim, um prévio acordo. 

Tomemos como exemplo elucidativo um empregado, insatisfeito, por razões diversas, com seu empregador, que deixa, por vontade própria, aberta a porta da casa, facilitando que um ladrão furte o conteúdo de seu interior. Embora nada tenha sido combinado e o ladrão não saiba que fora ajudado, o empregado é considerado partícipe, pois tinha a intenção de que algo prejudicial ao seu empregador acontecesse com a prática da conduta de deixar aberta a porta (CAPEZ, 2015).

Por fim, em razão da teoria unitária adotada pelo Código Penal, todos os envolvidos devem responder pelo menos crime, havendo, assim, a identidade de crimes para todos os envolvidos. Assim, de acordo com Cezar Roberto Bitencourt, entende-se que:

alguém planeja a realização da conduta típica, ao executá-la, enquanto um desvia a atenção da vítima, outro lhe subtrai os pertences e ainda um terceiro encarrega-se de evadir-se do local com um produto do furto, é uma exemplar divisão de trabalho constituída de atividades díspares, convergentes, contudo, há um mesmo objetivo típico: subtração de coisa alheia móvel. Respondem todos por um único tipo penal ou não se reconhece a participação ou o próprio concurso na empresa criminosa (2015, online).

 

O artigo 30 do Código Penal dispõe que: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.”. É necessário, inicialmente, se fazer a distinção entre circunstâncias, condições e elementares. 

Circunstâncias são todos os dados acessórios, embora não essenciais à infração penal, que somados à figura típica, tem a capacidade de influenciar na fixação da pena. Não interferem na qualidade do crime, e sim em sua gravidade. São circunstâncias as agravantes e atenuantes genéricas, as causas de aumento e de diminuição de pena, as qualificadoras, o motivo do crime (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

São circunstâncias de caráter pessoal as relacionadas à motivação do agente, que podem tornar o crime mais grave (motivo torpe), ou mais brando (violenta emoção), o parentesco com a vítima e a confissão (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

As condições de caráter pessoal dizem respeito ao agente, e não ao fato, e por isso o acompanham independentemente da prática do crime, sendo elas as relações do sujeito com o mundo exterior e com outras pessoas ou coisas, podendo ser as de estado civil, de parentesco, de profissão ou emprego (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

As elementares são os componentes essenciais da figura típica, não havendo crime, ou o mesmo sendo desclassificado, caso não existam esses componentes. Por exemplo, a exclusão do emprego de violência no roubo gera a desclassificação para o furto; a exclusão do funcionário público no crime de corrupção passiva o torna um fato atípico (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

De uma simples análise feita do caput do referido artigo 30, de acordo com os ensinamentos de Estefam e Gonçalves, podemos inferir que:

as circunstâncias e condições objetivas comunicam-se aos coautores e aos partícipes que tenham tomado conhecimento da forma mais gravosa de execução do delito; as circunstâncias e condições subjetivas não se comunicam; e as elementares, quer sejam subjetivas ou objetivas, comunicam-se aos comparsas, desde que tenha entrado em sua esfera de conhecimento (2013, p.457).

Assim, embora alguns digam que as condições objetivas não se comunicam aos coautores ou partícipes de um crime, é entendido que são, sim, comunicáveis, desde que eles tenham a ciência disso.

Abrindo um parêntese no que fora dito acima, Damásio de Jesus se manifesta em relação à comunicabilidade das circunstâncias objetivas, onde versa o artigo 29, caput, do Código Penal, em sua parte final, que a pena deve ser medida de acordo com a culpabilidade de cada um dos participantes, sendo levado em conta a presença do dolo e da culpa.

É esse o princípio a ser seguido: as circunstâncias objetivas só alcançam o partícipe ou coautor se, sem haver praticado o fato que as constitui, houverem integrado o dolo ou a culpa. Em se tratando de circunstância objetiva agravante, não pode ser considerada em relação ao coautor ou partícipe se não agiu pelo menos com culpa em relação à mesma; cuidando-se de qualificadora ou causa de aumento de pena (prevista na parte geral ou especial do CP), a agravação não alcança o terceiro senão quando (em relação a ela) tiver agido, pelo menos, culposamente (JESUS, 2015, p. 484).

Assim, resta compreendido que o concurso de agentes se dá em sua totalidade quando duas ou mais pessoas, munidas dos mesmos desígnios, praticam o mesmo crime, independentemente de os fatos cometidos na ação criminosa serem os mesmos ou destoarem entre si, e serão punidos de acordo com a culpabilidade de cada um dos agentes, sendo levado em conta o dolo e a culpa. 

 

1.2 Modalidades sobre o concurso de agentes

Devido à adoção da teoria restritiva no que tange ao concurso de pessoas pela nossa legislação, é correto afirmar que as duas formas existentes de concurso de pessoas são a coautoria e a participação.

A coautoria existe quando duas ou mais pessoas praticam a conduta descrita no tipo penal de forma conjunta. Coautor é quem executa, em conjunto com outras pessoas, a ação ou omissão que configura o delito (MIRABETE; FABBRINI, 2012).

É fundada no princípio da divisão do trabalho, onde cada autor colabora com sua parte no crime e também com a parte dos demais agentes em sua totalidade, sendo, por isso, responsável pelo todo.

No entanto, a colaboração dos coautores no fato delituoso não necessita ser materialmente a mesma, podendo haver a divisão de tarefas entre os agentes. O coautor que concorre na realização do tipo criminoso também responde pela qualificadora ou agravante de caráter objetivo quando dela tiver consciência e a aceitar como possível. 

Já se decidiu, por exemplo, que é coautor de roubo qualificado por lesão grave o agente que, na realização do crime, tinha o domínio do fato delituoso pela realização conjunta criminosa, dentro do prévio ajuste e da colaboração material, ainda que outro corréu tenha sido o único autor dos disparos feitos contra a vítima (MIRABETE; FABBRINI, 2012, p.218).

É discutível na doutrina o cabimento de coautoria no crime omissivo próprio. Para uma corrente, tal autoria não é cabível, de modo que, se duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa ferida, podendo cada uma fazê-lo sem risco pessoal, elas cometerão o crime de omissão de socorro de forma isolada, porque quem se omite nada faz, e se nada faz, não pode realizar a conduta principal do tipo. Por outro lado, uma segunda corrente entende que é possível a coautoria no crime omissivo próprio, desde que haja adesão voluntária de uma conduta à outra (CAPEZ, 2015).

A participação, por outro lado, diz respeito àquele que não realiza o ato de execução descrito no tipo penal, mas, de algum outro modo, concorre de forma intencional para o crime. Esse agente é chamado de partícipe. Para Damásio Evangelista de Jesus, o partícipe, “na doutrina do domínio do fato, é quem efetiva um comportamento que não se adapta ao verbo do tipo e não tem poder de decisão sobre a execução ou consumação do crime” (2015, p. 453).

São várias as formas de participação, sendo as mais comuns a instigação e a cumplicidade. Na instigação o partícipe age sobre a vontade do autor, o incentivando a cometer o crime que almeja, ou fazendo nascer a ideia da prática do delito, por meio de conselhos, persuasão, comando (MIRABETE; FABBRINI, 2012).

É cúmplice quem contribui para o crime, prestando auxílio ao autor ou participante, de forma ativa, seja com o empréstimo de uma arma ou com a revelação do segredo de um cofre, por exemplo (MIRABETE; FABBRINI, 2012).

Para Capez (2015), participação pode ser definida por dois aspectos, sendo eles: a vontade de cooperar com a conduta principal, mesmo que a realização do resultado seja inteiramente por conta do autor; e a cooperação mediante uma atuação acessória da conduta principal.

O que caracteriza o partícipe é o fato de que a conduta não se amolda ao centro da figura típica, e de que ele não tem nenhum poder sobre o crime, não tem o domínio final do fato.

Dentre as diversas espécies de participação existentes no ordenamento jurídico, a doutrina divide a participação em duas modalidades mais importantes, sendo elas a participação moral e a participação material.

A participação moral pode acontecer de duas formas, seja por induzimento ou por instigação. No induzimento o agente cria a ideia na cabeça de outra pessoa; já na instigação o partícipe reforça a ideia já existente em alguém de cometer um ato ilícito. A ideia sempre esteve presente na mente desta pessoa, no entanto, era necessário um “empurrãozinho” de uma outra pessoa para que o ilícito acontecesse.

Tomemos como exemplo de instigação um amigo, A, que comenta com outro amigo, B, o desejo de roubar o carro de um conhecido, e o amigo B assim o incentiva a fazê-lo. E como um exemplo de induzimento temos A, que sugere que B mate C, pois este estava denegrindo a imagem de B na frente de várias pessoas.

Por outro lado, temos a participação material, que é o auxílio, a colaboração, de alguma forma, com a execução do crime, sem que a pessoa pratique a conduta típica. Logo, este auxílio deve ser secundário. “Pode consistir em fornecer meios para o agente cometer o crime (a arma para cometer o homicídio ou o roubo) ou instruções para a sua prática” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013, p. 444).

Existe grande controvérsia, gerando discussões sobre o assunto, em relação à possibilidade de existir coautoria e participação em crimes omissivos próprios e impróprios e em crimes culposos. 

Os doutrinadores Estefam e Gonçalves (2013) entendem que existe, em crimes omissivos próprios, a possibilidade de coautoria, uma vez que as duas pessoas percebem que a vítima não fora socorrida e ainda assim deixam de prestar socorro a ela também, pois nesse caso existe o liame subjetivo; e também, a possibilidade de participação, quando, por exemplo, alguém incentiva o pai ou a mão a não matricular seu filho no ensino fundamental, sendo praticado o crime de abandono intelectual, que também é omissivo próprio. 

No caso dos crimes comissivos impróprios também é cabível a coautoria, quando pai e mãe decidem que não vão mais alimentar seu filho e assim o deixarão morrer de fome, porque ambos têm o dever de não deixar que isso aconteça; e participação quando alguém, neste mesmo caso, não tem o dever de impedir que o resultado ocorra, mas incentiva o possuidor deste dever a ser omisso quanto a isso.

Todavia, nos crimes culposos, existe apenas a possibilidade de coautoria, pois neste, é possível tanto a cooperação material quanto a psicológica, e mesmo que os agentes não queiram o evento final, eles têm a consciência de cooperar na ação. Como exemplo, o passageiro que incentiva o motorista a andar acima da velocidade permitida na via, e este passa a dirigir muito rápido, causando um acidente (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

Sendo assim, é possível inferir que o concurso de agentes se dá por meio de duas modalidades, sendo elas a participação, que pode se dar por instigação e cumplicidade, nas modalidades morais ou materiais, e a coautoria, que, embora gere controvérsia, pode ocorrer nos crimes omissivos próprios e impróprios, e, também, nos crimes culposos. Para que haja coautoria, no entanto, não é necessário que o coautor execute as mesmas tarefas que os demais agentes engajados na ação criminosa, bastando apenas a ciência do que está fazendo e a vontade de contribuir, de alguma forma, para a prática do ilícito penal.

 

1.3 Teorias sobre o concurso de agentes

Existe, no ordenamento jurídico brasileiro, várias teorias da natureza jurídica do concurso de pessoas que dizem respeito a como deve ser a punição dos envolvidos em crimes combinados com o artigo 29 do Código Penal. As teorias que recebem mais destaque são a teoria monista ou unitária, a teoria dualista e a pluralista.

De acordo com a teoria monista, na concepção de Mirabete e Fabbrini (2012), mesmo que o crime tenha sido praticado em concurso de várias pessoas permanece único e indivisível, não se diferenciando entre as várias categorias de pessoas, sendo todos autores do crime. Daí a denominação da teoria: todos respondem pelo mesmo crime.

Para Cezar Roberto Bitencourt, são formuladas duas perguntas acerca da teoria unitária, sendo a primeira “como deve ser valorado o fenômeno delitivo quando se tem vários agentes”, que é respondida com a visão unitária, e a segunda pergunta “como deve ser valorada a conduta individual dos que participaram na conduta criminosa”, à qual ele responde:

a esse respeito existem duas possibilidades: a) considerar todos os intervenientes no mesmo crime como autores de uma obra comum, sem fazer qualquer distinção de qualidade entre as condutas praticadas, ou b) considerar o crime praticado como o resultado da atuação de sujeitos principais (autor, coautor e autor mediato), e de sujeitos acessórios ou secundários (partícipes), que realizam condutas qualitativamente distintas. O primeiro modelo é conhecido como sistema unitário de autor, e o segundo, como sistema diferenciador (2015, p. 206).

Para a teoria dualista existem dois crimes: um para os autores, que realizam a atividade principal, a conduta típica emoldurada no ordenamento, e outro para os partícipes, aqueles que desenvolvem uma atividade secundária. De tal modo, os autores realizam a conduta principal durante a fase de execução, enquanto os partícipes se integram ao plano criminoso colaborando com uma conduta de menor importância. Todavia, apesar de haver uma concepção dupla, não nos vemos diante da prática de dois crimes distintos, pelo contrário, o crime continua sendo um só (BITENCOURT, 2015).

No entendimento de Guilherme de Souza Nucci, referente à teoria pluralista, contrária à teoria dualista vista acima, temos:

havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por um delito. Trata-se do chamado ‘delito de concurso’ (vários delitos ligados por uma relação de causalidade). Como exceção, o Código Penal adota essa teoria ao disciplinar o aborto, fazendo com que a gestante que permita a prática de aborto em si mesma responda como incursa no artigo 124 do Código Penal, enquanto o agente provocador do aborto, em lugar de ser coautor dessa infração, responda como incurso no artigo 126 do mesmo código. O mesmo se aplica no contexto da corrupção ativa e passiva e de bigamia (2015, p. 331 - 332).

Como fora tratado em tópico anterior, não importa se os agentes praticaram os mesmos atos ou atos diferentes na ação do crime, eles serão punidos com a mesma proporcionalidade. Aqui, embora todos respondam pelo mesmo crime, cada um será responsabilizado pela devida conduta praticada no ilícito penal.

Ainda se tratando da teoria pluralista, acima referida, visando exemplificar de forma elucidativa, temos o entendimento de Bitencourt:

imagine-se, por exemplo, a prática do crime de roubo quando quatro

pessoas entram em acordo para subtrair o dinheiro existente no caixa forte de uma agência bancária, mediante o emprego de grave ameaça contra o diretor da sucursal. Nesse caso, não estamos diante de quatro crimes de roubo, ou do ‘crime de concurso’, mas, sim de um único crime que para sua execução contou com a intervenção de quatro agentes. O resultado produzido também é um só. Na verdade, a participação de cada concorrente não constitui atividade autônoma, mas converge para uma ação única, com objetivo e resultado comuns (Bitencourt, 2015, p. 205).

Assim, temos que a teoria adotada pelo Código Penal de 1940, e que rege nosso ordenamento jurídico, é a teoria monista ou unitária, devido ao artigo 29 do mesmo código que dita que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas” (MIRABETE; FABBRINI, 2012). De tal regra se deduz que toda pessoa que concorre para a produção do crime o causa em sua totalidade e, por ele, se imputa integralmente o delito a cada um dos participantes.

 

CAPÍTULO II- ANÁLISE DA COAUTORIA E DA PARTICIPAÇÃO

O presente capítulo tratará da análise da coautoria e da participação, que são as únicas formas de concurso de agentes presentes no ordenamento jurídico brasileiro. Será feito um estudo aprofundado da coautoria direta e parcial, bem como da participação por instigação ou por cumplicidade, sendo abordadas, também, outras diversas formas de participação.

Além da coautoria e da participação, as teorias da acessoriedade serão estudadas no presente capítulo, podendo se adiantar que são quatro as espécies, sendo elas: a teoria mínima, teoria limitada, teoria extremada e teoria da hiperacessoridade.

 

2.1 Coautoria direta e parcial

A coautoria, como visto no capítulo anterior, existe quando duas ou mais pessoas, agindo de forma conjunta, e em acordo de vontades, realizam a conduta existente no tipo penal, ou concretizam apenas parte da descrição do tipo. Isto posto, existem duas formas de coautoria, sendo elas a direta e a parcial ou funcional. 

Na coautoria direta, de acordo com Damásio Evangelista de Jesus (2015), todos os sujeitos realizam a conduta típica. Por exemplo, diversas pessoas agridem a vítima, produzindo-lhe lesões corporais. 

Por outro lado, na coautoria parcial ou funcional, existe a divisão de tarefas que executam o delito. Em delitos como roubo e estupro, por exemplo, o tipo penal é composto por mais de um ato executório. Tanto no roubo quanto no estupro, é necessário o emprego de violência ou grave ameaça para que haja o domínio da vítima e seja realizada a subtração dos bens ou a prática do ato sexual sem o consentimento (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

Trata-se do chamado ‘domínio funcional do fato’, assim denominado porque alude à repartição de atividades (funções) entre os sujeitos. Os atos executórios do iter criminis são distribuídos entre os diversos autores, de modo que cada um é responsável por um elo da cadeia causal, desde a execução até o momento consumativo. As colaborações são diferentes, constituindo partes e dados de união da ação coletiva, de modo que a ausência de uma faria frustrar-se o delito. Exs.: no roubo, são divididas as ações de apoderamento do dinheiro, constrangimento dos sujeitos passivos mediante ameaça, vigilância e direção do veículo; no estupro, um ameaça a vítima com emprego de arma e outro mantém com ela conjunção carnal  (JESUS, 2015, p. 452 – 453).

Não é necessário, no entanto, que nessas formas de crime, roubo e estupro, o agente realize todas essas opções para ser considerado coautor, bastando apenas a realização de uma delas (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

Ficou consignado na doutrina que na coautoria parcial “a contribuição seja causal e que a conduta de cada um dos autores seja de tal modo necessária que sem ela o crime não seria cometido” (JESUS, 2015, p. 453).

Nos denominados crimes do tipo misto alternativo, existem vários núcleos, vários verbos, separados pela partícula ‘ou’. Nesta espécie de crime, a realização de uma só dessas condutas já é suficiente para a sua configuração do crime, contudo a realização de mais de uma delas em relação ao mesmo objeto material constitui delito único (e não crime continuado, concurso formal ou material). Assim, no tráfico de drogas, se o mesmo agente transporta e depois vende um único lote de entorpecente, comete crime único de tráfico, embora tenha realizado dois verbos previstos no tipo (transportar e vender). Além disso, se duas pessoas estão agindo em conluio desde o princípio e uma delas transporta a droga e a outra vende o entorpecente, incorrem em crime único de tráfico, sendo coautoras neste delito (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013, p. 443).

Para Estefam e Gonçalves (2013), em relação aos crimes de concurso necessário, como no caso do delito de quadrilha, todos os que integram a associação para o fim de cometer crimes serão considerados coautores.

No entendimento de Damásio de Jesus (2015), a coautoria pode ser, ainda: simples, quando existem dois executores da conduta típica; complexa, quando tem um executor e um coautor intelectual ou funcional. 

Em se tratando do coautor, pode ser: direto, ele é um dos sujeitos que executa o verbo do tipo; intelectual, na repartição de tarefas, é autor da ideia delituosa (caso do mandante que detém o domínio do fato) ou lhe incumbe organizar o plano criminoso; funcional, cabe-lhe, na missão criminosa, executar parte do comportamento típico (JESUS, 2015).

Uma outra forma de coautoria existente em nosso ordenamento jurídico, de acordo com Estefam e Gonçalves, é a coautoria sucessiva:

Normalmente, os coautores iniciam juntos a infração penal. Pode ocorrer, entretanto, de apenas uma pessoa iniciar a execução e, durante a prática do delito, outra aderir à conduta e auxiliar a primeira nos atos executórios. É o que se chama de coautoria sucessiva. Em regra, esse tipo de coautoria só é viável até o momento consumativo da infração penal. Excepcionalmente, contudo, será possível após a consumação nas infrações permanentes. Ex.: uma só pessoa sequestra a vítima a fim de pedir resgate aos familiares. Com a captura da vítima, o crime do art. 159, que é formal, já está consumado. Se, entretanto, outra pessoa for informada do que está ocorrendo e se dispuser, por exemplo, a tomar conta da vítima no cativeiro e colaborar com as tratativas para o pagamento do resgate com a família dela, estaremos diante de coautoria sucessiva (2013, p. 449).

Assim, é do entendimento que a coautoria é a união de duas ou mais pessoas que compartilham da mesma vontade de praticar um ato delituoso, realizando, assim, a conduta prevista no tipo penal. Tal coautoria pode ser direta, tendo todos os sujeitos realizado a mesma conduta típica; parcial, havendo a divisão de tarefas na conduta delituosa, tratando-se do domínio funcional do fato - em delitos como o roubo e o estupro, que possuem mais de um ato executório, não se faz necessário que o agente realize todas as opções do tipo para ser considerado coautor, bastando a realização de apenas uma das opções.; e pode ser, ainda, sucessiva, quando uma pessoa inicia a execução do fato e outra se junta para auxiliar posteriormente.

 

2.2 Participação por instigação e cumplicidade

A participação é a modalidade de concurso de pessoas que diz respeito ao agente que não realiza o ato de execução em si descrito no tipo penal, mas de alguma outra forma concorre intencionalmente para o crime.

O artigo 31 do Código Penal Brasileiro, apesar de não estabelecer quais são as espécies de participação, nem a sua forma de realização, exemplifica as modalidades que a mesma pode apresentar, sendo elas a instigação, a chefia, cumplicidade, ajuste, organização, entre outras (BITENCOURT, 2015).

As formas de participação mais presentes no ordenamento jurídico brasileiro são a por instigação, também conhecida como moral, e cumplicidade, ou material.

De acordo com o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2015), a participação por instigação ocorre quando o partícipe age sobre a vontade do autor, no caso, do instigado. Instigar significa criar na mente de uma pessoa a vontade de cometer um ato criminoso, ou estimular uma ideia já existente nesse sentido. 

O instigador se limita a provocar ou a incentivar a resolução criminosa do autor, de modo que não toma parte nem na execução nem no domínio de fato.

Como forma de elucidação, tomemos como exemplo: supondo que B e C tiveram uma discussão, porém sem ressentimento de nenhum dos dois. Após um tempo, A incute na mente de B que este deveria matar C. A característica da determinação é a inexistência da intenção criminosa na pessoa do autor principal (JESUS, 2015).

Em relação à participação por cumplicidade, houve uma mudança no ordenamento jurídico brasileiro nesse sentido. Após a vigência do Código Penal de 1940, a até então conhecida participação por cumplicidade passa a ser denominada participação material ou participação por auxílio. Esse é o entendimento de Fernando Capez:

O Código Penal anterior ao de 1940 classificava os agentes do crime em autores e cúmplices. Ao lado da coautoria (participação primária), existia a cumplicidade (participação secundária). Nessa sistemática era considerado autor quem resolvia e executava o delito. O cúmplice desempenhava um papel subalterno, como, por exemplo, fornecer instrução para a prática do crime ou prestar auxílio à sua execução. O Código também estabelecia um critério classificador das várias formas de participação.

No vigente Código Penal há apenas duas formas de concurso de agentes: a coautoria e a participação nas suas diversas modalidades. O auxílio, como forma de participação, nada mais é do que a antiga cumplicidade sem as distinções outrora existentes (2015, p. 368).

Isto posto, é considerado partícipe, na modalidade auxílio, aquele que presta efetiva ajuda na preparação ou na execução do delito. Logo, são auxiliares da preparação do delito “os que proporcionam informações que facilitem a execução; e da execução, aqueles que, sem realizar os respectivos atos materiais, nela tomam parte pela prestação de qualquer ajuda útil” (CAPEZ, 2015, p. 367).

Exemplificando: “A, sabendo que B pretende matar C, empresta-lhe uma arma. Praticada a conduta criminosa, A é partícipe material do comportamento principal de B” (JESUS, 2015, p. 468).

Existem duas teorias que procuram explicar o fundamento da punibilidade da participação, que, em si, poderia constituir uma conduta típica, sendo elas a teoria da participação na culpabilidade e a teoria do favorecimento ou da causação.

Para Cezar Roberto Bitencourt (2015), na teoria da participação na culpabilidade, o partícipe é punido pela gravidade da influência que exerce sobre o autor, podendo se tornar delinquente ou contribuir para tanto. O partícipe age corrompendo o autor, fazendo com que ele se torne merecedor de pena devido a um conflito existente entre ele e a sociedade. 

Tal teoria foi afastada, pois existem dois aspectos fundamentais que afetam a sua aplicabilidade:

em primeiro lugar, porque a culpabilidade é uma questão pessoal de cada participante, independente da dos demais. O fato de qualquer dos participantes ser inculpável é algo que só diz respeito a ele; em segundo lugar, e ao mesmo tempo, a consagração da acessoriedade limitada, que se satisfaz com a tipicidade e antijuricidade da ação, torna desnecessário o exame da importância da participação na culpabilidade do autor. (BITENCOURT, 2015, p. 210).

Para a teoria do favorecimento ou da causação, dominante no ordenamento jurídico brasileiro, o fundamento da punição do partícipe está no fato de ter favorecido ou induzido o autor a praticar um fato intolerável socialmente. “O agente é punível não porque colaborou na ação de outrem, mas porque, com a sua ação ou omissão, contribuiu para que o crime fosse cometido” (BITENCOURT, 2015, p. 210).

Nesta teoria, a vontade do partícipe deve se dirigir à execução do fato principal. Fica claro, todavia, que o partícipe não viola por si mesmo a norma típica, e sim que seu injusto consiste em colaborar na violação da norma por parte do autor. O injusto do partícipe depende consequentemente do injusto do fato principal (BITENCOURT, 2015).

Existem, ainda, como forma de participação, de acordo com a doutrina de Estefam e Gonçalves (2013), a participação posterior ao crime, participação inócua, participação por omissão, participação dolosa em crime culposo e vice-versa, participação da participação ou em cadeia e participação sucessiva.

Na participação posterior ao crime tem-se os crimes como favorecimento pessoal ou real, e ocultação ou destruição de cadáver. Isso porque, normalmente, só é realmente partícipe do crime quem contribui para a sua consumação. Por isso seu envolvimento deve ter ocorrido antes ou durante a consumação do delito. Se uma pessoa diz a um ladrão antes do furto que se dispõe a comprar o objeto furtado e o faz após a subtração, é considerado partícipe, pois mesmo adquirindo o objeto do furto depois da consumação, incentivou o furto ao dizer que adquiriria tal produto (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

Em relação à participação inócua, “é aquela em que nada contribui para o resultado, não sendo punível. Em tais casos, não há relevância causal na conduta, o que exclui o concurso de agentes” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013, p. 445). Por exemplo, uma pessoa empresta sua arma para que o agente mate a vítima, mas esse decide cometer o crime por enforcamento. Em tal caso, a pessoa que emprestou a arma não pode ser considerada partícipe, pois não teve parte no enforcamento. Todavia, se restar provado que além de emprestar a arma essa pessoa também incentivou de forma verbal a prática de homicídio, aí sim poderá ser encaixado como partícipe.

Existe participação por omissão quando uma pessoa que tem o dever jurídico de evitar que o crime aconteça, resolve não fazer nada, assim sendo omisso. Se um policial, ao se deparar com um sujeito desconhecido estrangulando alguma pessoa, deixa de agir e evitar que o crime aconteça, pois reconheceu a pessoa estrangulada e essa é uma pessoa de quem não gosta, está sendo partícipe por omissão (ESTEFAM, GONÇALVES, 2013).

Tal participação se assemelha ao crime comissivo por omissão, podendo ser motivo de confusão de muitos no mundo jurídico. A distinção é trazida por André Estefam e Victor Gonçalves:

existe um sutil detalhe que distingue a participação por omissão dos denominados crimes comissivos por omissão. Com efeito, em ambos, o sujeito tem o dever jurídico de evitar o resultado, porém, nos crimes comissivos por omissão, não há terceira pessoa cometendo um crime, enquanto na participação por omissão, estamos na seara do concurso de pessoas, havendo alguém cometendo um crime e a omissão colaboradora daquele que tinha o dever de evita-lo (2013, p. 446).

Não existe participação dolosa em crime culposo e nem participação culposa em crime doloso. “Nesses casos, cada um dos envolvidos responde por crime autônomo, não havendo concurso de pessoas – que pressupõe unidade de crime para os envolvidos” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013, p. 445).

Se Júlia, com intenção de lesionar Mariana, entrega a Clara um forte produto químico em spray e a convence a borrifar o seu conteúdo em Mariana, que, em razão disso, sofre várias queimaduras no local atingido, Júlia responde por lesão dolosa grave, e Clara por lesão culposa. Da mesma forma, se alguém, por imprudência, ajuda na prática de um homicídio doloso, no máximo responderá por homicídio culposo, não sendo partícipe do crime (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013).

Ocorre a participação da participação quando uma pessoa induz a outra a, subsequentemente, convencer ou ajudar o executor a cometer o crime. Por exemplo, “João convence Pedro a induzir Antônio a matar Paulo. Antônio é autor do homicídio. Pedro é partícipe, e João é partícipe da participação. De qualquer modo, todos serão responsabilizados pelo crime” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2013, p. 449).

E, por fim, no entendimento de Estefam e Gonçalves (2013), existe a participação sucessiva quando duas pessoas instigam o executor a cometer o crime, sem que uma saiba do envolvimento da outra. 

Assim, fica entendido que a participação pode ocorrer de diversas formas, sendo as mais frequentes a instigação e a cumplicidade, que com a vigência do Código Penal de 1940 passou a ser chamada de auxílio. Embora o ordenamento jurídico brasileiro não estabeleça de forma taxativa quais são as modalidades de participação, o artigo 31 do Código Penal exemplifica algumas de suas modalidades.

 

2.3 Concurso de agentes e teorias da acessoriedade

O entendimento de Damásio Evangelista de Jesus (2015) é de que a participação é acessória de um fato principal.  Os atos da participação não compõem elementos da figura típica e, mesmo não podendo ser puníveis por si mesmos, sua punibilidade não pode deixar de ser uma adição à punição do autor do fato. 

Não existe participação sem que haja um comportamento principal. Logo, existem condutas auxiliares que circunstancialmente cerceiam o comportamento principal. Se A instiga B a matar C, e B o faz, seu comportamento é punível, pois se encontra descrito no tipo penal. No entanto, o comportamento de A não é uma conduta típica, pois não traz o tipo penal a hipótese de instigar a matar em seu dispositivo (JESUS, 2015).

De acordo com Jesus (2015), tal problema está relacionado à teoria da adequação típica, que possui duas formas, sendo a segunda mais relevante para o assunto tratado: adequação típica de subordinação imediata, e adequação típica de subordinação mediata. 

Na adequação típica de subordinação ampliada ou por extensão (mediata, indireta), o comportamento não se amolda imediatamente na descrição legal do crime, havendo necessidade de outro dispositivo para o enquadramento. É o que ocorre na participação, em que, com o auxílio do art. 29, há ampliação espacial e pessoal da figura típica, abrangendo ela não somente os fatos definidos no preceito primário da norma, mas também aqueles que, de qualquer modo, concorrem para a realização do crime. Como dizia Soler, a participação amplia o círculo do sujeito imputável, abrangendo ações laterais. Então, o tipo passa a abranger não somente a conduta principal, mas qualquer outra, secundária, que concorra para a integração do crime. Daí chamar-se a disposição do art. 29, caput, de regra de extensão, norma de extensão ou integrativa, através da qual, p. ex., o tipo pune não só o fato de ‘subtrair’, mas também o de ‘induzir a subtrair’ (JESUS, 2015, p. 457). 

Em razão disso, existem, na participação, condutas típicas e inicialmente atípicas, que se tornam típicas por causa da regra do artigo 29 do Código Penal (JESUS, 2015). Isto posto, existem quatro classes de acessoriedade, quais sejam, a acessoriedade mínima, limitada, extremada e hiperacessoriedade.

Fernando Capez (2015) entende que na acessoriedade mínima basta que o partícipe concorra para um fato típico, sem importar se ele é ilícito ou não. Logo, quem concorre para a prática de um homicídio encoberto pela legítima defesa deve responder pelo crime, pois o que importa é saber se o fato é típico.  Já na teoria limitada, “o partícipe só responde pelo crime se o fato principal é típico e ilícito” (CAPEZ, 2015, p. 363).

Por outro lado, responde o partícipe pela teoria extremada se o fato principal for típico, ilícito e culpável. Assim, não concorre para nenhum crime se tiver ajudado na atuação de um inimputável (CAPEZ, 2015).

Na teoria da acessoriedade por hiperacessoriedade, de acordo com Capez, “o fato deve ser típico, ilícito e culpável, incidindo ainda sobre o partícipe todas as agravantes e atenuantes de caráter pessoal relativas ao autor principal”. Responde por tudo e mais um pouco, portanto (2015, p. 363).

No entendimento de tal doutrinador, a teoria a ser aplicada deve ser a da acessoriedade extremada, pois:

tal se verifica claramente no caso da autoria mediata. O autor mediato não é partícipe: é também autor principal, pois pratica a conduta principal, realiza o verbo do tipo, só que não diretamente, mas pelas mãos de outra pessoa, seu instrumento. Por isso é chamado de ‘o sujeito de trás’. O ‘sujeito da frente’ é, na realidade, seu fantoche, um pseudoexecutor, uma longa manus do autor mediato, o qual funciona como o verdadeiro realizador do tipo. Quem induz uma criança a saltar de um edifício realiza indiretamente o verbo do tipo ‘matar’, servindo-se do esforço físico da própria vítima. Quem instiga um louco ou um menor inimputável a executar uma ação típica não é partícipe, mas autor direto e imediato (realiza o verbo por meio de outrem). Assim, se o fato for apenas típico e antijurídico, mas o agente não tiver culpabilidade, não ocorre participação, contrariamente ao que sustenta a acessoriedade limitada: existe é autoria mediata. A participação, por conseguinte, necessita da culpabilidade do sujeito ativo, para ser aplicada, exatamente como defende a acessoriedade extremada, pois do contrário, haverá autoria (mediata) e não a figura do partícipe (CAPEZ, 2015, p. 363).

Portanto, é do nosso entendimento que não existe acessoriedade se não houver um fato principal acessório ao da participação. A doutrina majoritária, no entanto, entende que a teoria adotada pelo nosso sistema é a da acessoriedade limitada, bastando apenas que o fato principal seja típico e ilícito, conflitando com a doutrina minoritária, que apoia a teoria extremada, que defende que o fato principal deve ser típico, ilícito e culpável, pois se não houver culpabilidade não ocorre participação, e sim autoria mediata.

 

CAPÍTULO III- INFANTICÍDIO

O presente capítulo tratará do crime de infanticídio, cometido pela mãe contra seu filho recém-nascido, quando influenciada pelo estado puerperal, e do bem jurídico por ele tutelado. Aprofundando mais no assunto, será feita uma análise dos sujeitos de tal crime, e da distinção entre infanticídio e aborto, o que pode gerar certa dúvida para o entendimento de alguns.

Por fim, serão tratadas as possíveis formas de concurso de agentes no infanticídio e qual a punição para quem concorre para o crime, sendo abordada, em contraste, a relevante discussão existente no ordenamento jurídico brasileiro entre a possibilidade, ou não, da comunicabilidade das circunstâncias pessoais entre a mãe e o participante.

 

3.1 Conceito e bem jurídico no infanticídio

O artigo 123 do Código Penal de 1940 descreve o infanticídio como: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.” Logo, pode-se notar que o crime é próprio quanto ao sujeito ativo, somente podendo ser praticado, a princípio, pela própria mãe.

Para Júlio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini, “o infanticídio seria, na realidade, um homicídio privilegiado, cometido pela mãe contra o filho em condições especiais” (2015, p. 54).

Damásio Evangelista de Jesus, por outro lado, entende que o infanticídio “não constitui mais forma típica privilegiada de homicídio, mas delito autônomo com denominação jurídica própria”, sendo este o entendimento adotado pelo ordenamento jurídico e pela doutrina (2013, p. 138).

De acordo com Jesus (2013), existem três critérios de conceituação legislativa do infanticídio: o psicológico, o fisiopsicológico e o misto. No critério psicológico, o infanticídio é descrito levando em consideração o motivo de honra, ou seja, a mãe comete o crime com o intuito de ocultar desonra própria. O critério fisiopsicológico, por sua vez, não leva em conta a honoris causa (motivo da honra), e sim a influência do estado puerperal.  E o critério misto, que leva em conta o motivo da honra e a influência do estado.

O sistema adotado pelo Código Penal vigente é o fisiopsicológico, e tal orientação tem merecido muitas críticas por se entender não ser fácil a comprovação do estado puerperal no psiquismo da parturiente (MIRABETE; FABBRINI, 2015).

O entendimento de Heleno Cláudio Fragoso, em 1989, era de que o estado puerperal é um estado fisiológico normal, porém que gera controvérsias. Tais controvérsias se perpetuam nos tempo atuais. Assim:

segundo alguns autores, é o estado em que se acha a parturiente durante a gestação, o parto e algum tempo após este. Outros somente consideram estado puerperal o período que se segue ao parto, ou ainda, o que se inicia com o parto e termina com a involução clínica do útero ou a menstruação. O estado puerperal pode ser considerado como um conjunto de sintomas fisiológicos, que se inicia com o parto e permanece algum tempo após o mesmo. Não há dúvida de que existe estado puerperal durante o parto, e logo após o mesmo. Nosso CP vigente, adotando o critério fisiológico, considera essencial, no crime de infanticídio, a perturbação psíquica que o puerpério pode acarretar na parturiente. O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher, que a possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda de sangue e o enorme esforço muscular, pode determinar facilmente uma momentânea perturbação da consciência. É esse estado que torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado, nas legislações que adotam o critério fisiológico (1989 p. 94).

A visão de Fernando Capez é a de que “trata-se o estado puerperal de perturbações que acometem as mulheres, de ordem física e psicológica decorrentes do parto”, pois a ação física do parto pode acarretar “transtornos de ordem mental na mulher, produzindo sentimentos de angústia, ódio, desespero, vindo ela a eliminar a vida do próprio filho” (2006, p. 103).

Para Damásio de Jesus (2013), o estado puerperal é um conjunto de perturbações físicas e psicológicas que a mulher sofre em decorrência do parto. Não é suficiente que a mulher cometa o crime durante o estado puerperal, tem que ter uma relação entre a morte do nascente ou neonato com o estado puerperal. Tal relação é objetiva e subjetiva.

Aponta, ainda, que existe compatibilidade com a descrição do infanticídio o art. 26 do Código Penal, que trata da inimputabilidade e da semirresponsabilidade. Se o puerpério não causar perturbação psicológica na mulher e ela cometer o crime, responderá por homicídio. É possível que o estado puerperal cause perturbação psicológica patológica. Se a perturbação constitui doença mental, está isenta de pena, de acordo com o art. 26; se não lhe retira a inteira capacidade de entender e querer, responde por infanticídio (JESUS, 2013).

Em opinião contrária temos o artigo científico “Os contrassensos no delito de infanticídio: uma análise crítica”, escrito por Ananda Padilha, em 2013, dizendo que o estado puerperal nunca foi sinônimo de puerpério, e que o estado puerperal é consagrado por muitos doutrinadores como uma ficção jurídica, enquanto que o puerpério existe, tendo início no final do parto e findando quando o organismo da mulher volta às condições pré-gravídicas.

O puerpério é um quadro fisiológico, comum a todas as mulheres que dão à luz, com começo, meio e fim determinados e de fácil detecção. Já o estado puerperal, citado no Código Penal vigente, é uma entidade, no mínimo pouco palpável, para não se dizer virtual (PADILHA, 2013, p. 159).

No entanto, identificar o estado puerperal é um dos maiores desafios do meio médico-legal, por causa das muitas dificuldades em tipificar o crime, ficando a perícia conhecida como a cruz dos peritos (crucis peritorum). O art. 123 exige que seja feita perícia do início ao fim para se chegar o mais próximo possível de uma tipificação legal correta, pois a dispensa de tal exame pode prejudicar ou beneficiar a autora com a presunção do estado puerperal. Se ficar descaracterizado que o crime ocorreu logo após ou durante o parto, há a desclassificação do crime de infanticídio para o de homicídio (PADILHA, 2013).

Se uma mãe matar um adulto estando sob a influência do estado puerperal responderá por crime de homicídio. Entretanto, se a mãe, influenciada pelo estado puerperal, matar filho alheio por erro in persona, responderá por infanticídio, pois nesse caso não são consideradas as condições ou qualidades da vítima, e sim as da pessoa contra quem queria praticar o crime, no caso, o próprio filho (PADILHA, 2013).

Assim, para Fabbrini e Mirabete (2015), para que se caracterize o infanticídio, é preciso não só que a mãe tenha agido sob a influência do estado puerperal, como também que o fato tenha ocorrido durante o parto ou logo após. O parto tem inicio com a contração do útero e termina com a expulsão da placenta.

Um tema que gera certa confusão, repercutindo no ordenamento jurídico, é a distinção entre infanticídio e aborto. Devido ao fato de a consumação do infanticídio ser logo após ou durante o parto, algumas pessoas ainda encontram dificuldades em precisar quando viria a ser exatamente o durante ou logo após o parto, por isso gerando dúvidas.

Explica Damásio de Jesus (2013) que o aborto ocorre antes do início do parto, e o infanticídio, como já visto, durante ou logo após o mesmo. Para o entendimento, é necessário precisar o exato momento em que tem início o parto, e entender como o mesmo ocorre. De tal modo que: 

o parto se inicia com a dilatação, em que se apresentam as circunstâncias caracterizadoras das dores e da dilatação do colo do útero. Após, vem a fase de expulsão, em que o nascente é impelido para a parte externa do útero. Por último, há a expulsão da placenta. Com a expulsão desta, o parto está terminado (p. 139). 

A morte do sujeito passivo constitui infanticídio em qualquer uma dessas fases do parto. O aborto, por outro lado, é caracterizado quando ocorre antes do início do parto e a mulher ainda não está sob a forte influência do estado puerperal (MIRABETE; FABBRINI, 2015).

O crime de infanticídio é consumado quando ocorre a morte do nascente ou do recém-nascido, não sendo necessário que tenha ocorrido vida extra-uterina, sendo suficiente a prova de que se tratava de feto vivo. Por ser um crime plurissubsistente, é possível a tentativa do crime de infanticídio (MIRABETE; FABBRINI, 2015).

O bem jurídico protegido em tal crime é a vida humana, não só a do recém-nascido, mas também a vida de quem está nascendo. Isto posto, o infanticídio é um crime cometido pela mãe, contra seu filho recém-nascido ou que está nascendo, devido à influência do estado puerperal, que deve ser identificado o mais rápido possível, correndo o risco de que seja entendido haver crime de homicídio invés de infanticídio, o que pode acarretar em injustiça por parte do ordenamento jurídico, e  muitas vezes pode ser de difícil entendimento, visto que a compreensão dos doutrinadores sobre tal assunto destoa bastante. Tem como bem jurídico a vida da criança, e pode muitas vezes ser confundido com o aborto.

 

3.2 Sujeitos do crime:

Como sujeitos do crime de infanticídio temos o sujeito ativo e o sujeito passivo.

O sujeito ativo do crime de infanticídio é a mãe, pois se trata de crime próprio, já que o dispositivo se refere ao “próprio filho” e ao “estado puerperal” (MIRABETE; FABBRINI, 2015).

Como sujeito passivo, temos que a vítima do delito é o filho nascente ou recém-nascido, tendo a lei penal antecipado o início de sua personalidade. Por isso, não é necessária a comprovação de que houve sinal vital de vida extrauterina. De tal modo:

o recém-nascido apnéico, isto é, que ainda não respirou o ar ambiente pode ser vítima desse crime, desde que nasça vivo, verificada a função vital pelo batimento do coração. Do contrário, não haveria crime sempre que se suprimisse a vida no breve instante entre o nascimento e o em que a aspiração se devesse iniciar. Aliás, a existência de lesão pode comprovar a circulação sanguínea e, por via de consequência, a vida do recém-nascido, configurando-se, assim, o infanticídio (MIRABETE; FABBRINI, 2015, p. 57).

Comumente, a comprovação da existência de vida é feita por meio das docimasias. Não é exigido, também, que o recém-nascido tenha vitalidade, havendo infanticídio mesmo que se comprove que ele iria morrer de causas naturais logo após o parto (MIRABETE; FABBRINI, 2015, p. 57).

Como tipo objetivo do crime de infanticídio, temos que a conduta típica é matar, assim como no homicídio, sendo comum o crime cometido por sufocamento ou provocado por fraturas no crânio decorrentes de golpes com objeto contundente. 

Perfeitamente admissível é o delito de infanticídio praticado por omissão: ausência de alimentação, falta de ligadura do cordão umbilical, etc. É da jurisprudência: ‘Responde por infanticídio progenitora que, após o nascimento do filho, não presta os cuidados indispensáveis à criança, deixando de fazer a ligadura do cordão umbilical seccionado’ (MIRABETE; FABBRINI, 2015, p. 57).

O feto abortado, completamente inviável por imaturidade, não é sujeito passivo do crime de infanticídio, pois como já fora visto repetidamente, tem que ser nascente ou recém-nascido. Assim, sua morte não configura crime algum. No entanto, se ocorrer um parto prematuro, provocada ou não a morte do bebê que alcançou a vida extrauterina, pela mãe, é configurado o infanticídio (MIRABETE; FABBRINI, 2015).

Para Mirabete e Fabbrini (2015), não obstante a prova pericial de vida extrauterina comprove a existência de infanticídio, ela não é indispensável, e pode ser suprida por outros elementos quando for impossível o exame direto por causa de desaparecimento de vestígios. Se não existir nenhuma prova do parto a tempo não pode se falar em infanticídio.

Em se tratando do tipo subjetivo do infanticídio, o mesmo só é punível a título de dolo, que corresponde à vontade da mãe de concretizar os elementos descritos no art. 123 do Código Penal (JESUS, 2013).

Não existe a forma de infanticídio culposo, visto que o art. 123 não se refere à modalidade culposa. Damásio (2013) entende que, se a mãe, por culpa, causa a morte de seu filho, não responde por crime nenhum, nem por homicídio nem por infanticídio. No entanto, com opiniões divergentes, Júlio Mirabete e Renato Fabbrini (2015) entendem que a mãe responde por homicídio culposo, mesmo que o crime tenha sido praticado sob a influência do estado puerperal, pois o mesmo não equivale à incapacidade psíquica, respondendo a mãe pelo ato culposo, qualquer que seja ele.

Logo, como sujeitos do crime temos a mãe e seu filho recém-nascido ou nascente, não sendo necessária a comprovação de um sinal vital de vida extrauterina, bastando que tenha nascido vivo. Tem como tipo objetivo a conduta matar, podendo ser admitido também o infanticídio por omissão, quando a mãe deixa de prestar os cuidados indispensáveis à criança nascida. Como tipo subjetivo, o mesmo só é punível se praticado dolosamente. Em forma culposa não é aceito, respondendo a mãe por homicídio culposo.

 

3.3 Possíveis formas de concurso de agentes no crime de infanticídio

Como visto no Capítulo I deste trabalho, as modalidades de concurso de agentes no ordenamento jurídico são a coautoria e a participação. Logo, as formas de concurso de agentes no infanticídio são as mesmas.

 Tal tema, no entanto, causa grande contraposição doutrinária em nosso ordenamento, dividindo opiniões em relação à punição do coautor e do partícipe, se concorrem para o crime de infanticídio, ou se respondem por homicídio.

Tamanha é a divergência de opiniões sobre a possibilidade, ou não, do concurso de agentes no infanticídio, que surgem duas correntes doutrinárias tratando do tema. Uma encabeçada por autores como Galdino Siqueira, Heleno Cláudio Fragoso e Aníbal Bruno, que defendem o estado puerperal ser absolutamente incomunicável; e outra corrente defendida por Damásio de Jesus, Fabbrini e Mirabete, Frederico Marques, entre outros, que defendem a comunicabilidade a todos, de forma irrestrita (CECHET, 2012).

Como adepto da corrente a favor da não comunicação da qualificadora do “estado puerperal”, temos o entendimento de Heleno Cláudio Fragoso acerca do tema, entendendo que deve ser adotada a lição de Hungria, fundada no direito suíço, segundo a qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda “numa diminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de coautoria (realização de atos de execução por parte de terceiros), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio” (1989, p. 96 – 97).

Seguindo o entendimento de Fragoso, versando sobre a impossibilidade de concurso de agentes no infanticídio, temos os ideais de Aníbal Bruno acerca da impossibilidade de concurso de agentes no infanticídio:

só se pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas condições particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede à mulher sob a condição personalística do estado puerperal não pode estender-se a ninguém mais. Qualquer outro partícipe do fato age em crime de homicídio. A condição do estado puerperal, em que se fundamente o privilégio e que só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho impede que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime para o qual concorrem os vários partícipes. Em todos os atos praticados trata-se, direta ou indiretamente de matar, mas só em relação à mulher, pela condição em que atua, esse matar toma a configuração de infanticídio. Para outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana, que é o homicídio (1966, online).

Por outro lado, como defensor da corrente a favor da comunicabilidade a todos, de forma irrestrita, temos o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini, que asseguram que devido ao art. 30 do Código Penal, se estende ao coautor ou partícipe a circunstância pessoal do agente. Assim temos:

endossamos a primeira orientação, adotada aliás na Conferência dos Desembargadores, no Rio, em 1943, por ser inegável a comunicabilidade das condições pessoais quando elementares no crime, a não ser que a lei disponha expressamente em contrário. Aliás, um mesmo fato somente pode ser punido de modo diverso com relação aos que dele participam quando a lei o determina (como nos casos de aborto consentido e o praticado por outrem com o consentimento da gestante, o do peculato doloso e peculato culposo, [...]). Mais adequado, portanto, seria prever expressamente a punição por homicídio do terceiro que auxilia a mãe na prática do infanticídio, uma vez que não militam em seu favor as circunstâncias que levaram a estabelecer uma sanção de menor severidade para a autora do crime previsto no art. 123 em relação ao definido no art. 121 (2015, p. 56).

Damásio Evangelista de Jesus (2013), embora entenda ser absurdo o coautor ou partícipe se beneficiar do privilégio do infanticídio, defende fortemente que existe o concurso de agentes em tal crime, pois assim diz o ordenamento jurídico no art. 30 do Código Penal, que já fora anteriormente analisado, pois nossa legislação não cuidou dessa hipótese de forma específica.

Também é de seu entendimento que o terceiro que pratica o crime de infanticídio também concorre para as penas cominadas no crime de infanticídio, independente de a lei fazer referência expressa a isso, ou não. Se dependesse apenas da referência da lei seria incorreto também dizer que o terceiro que induz funcionário público a praticar peculato-furto concorre para o crime de peculato, pois não possui a qualificadora do tipo penal, qual seja ser funcionário público. Assim, “como a influência do estado puerperal e a relação de parentesco são elementares do tipo, comunicam-se os fatos dos participantes. Diante disso, o terceiro responde por delito de infanticídio” (JESUS, 2013, p. 143 – 144).

Por outro lado, autores como Costa e Deitos entendem que manter a figura do infanticídio em nosso atual ordenamento jurídico é não cumprir com a função do direito, qual seja acompanhar a evolução da sociedade e se adequar a ela, pois antes era uma vergonha e desonra para a mulher ser mãe de um filho ilegítimo, e estudos comprovam que só sofrem do estado puerperal mães que não estão satisfeitas com a gravidez e não desejam manter o filho, por motivo de vergonha, deturpação de sua honra, julgamento da sociedade. Tal visão é ultrapassada, visto que a sociedade evoluiu e é completamente normal ter filhos fora do casamento ou ser mãe solteira. Não há também que se falar em desinformação, pois existem diversas campanhas alertando sobre o uso de métodos contraceptivos, que inclusive são distribuídos em postos de saúde (PADILHA, 2013).

O que é proposto é a revogação do art. 123 do Código Penal e a inclusão de um parágrafo 6º no art. 121, sendo agravado por seu parágrafo 2º, I se a mulher comete o crime por vergonha, e atenuado pelo parágrafo 3º, se a mesma comete o crime culposamente. Assim, cessaria a forte discussão sobre como devem ser punidas pessoas que auxiliam em tal crime, pois todos responderiam por homicídio, e a controvérsia acerca do momento de consumação do crime, porque responderia por homicídio quem cometeu o crime durante o parto ou momentos depois. O Direito Penal deve se manter em consonância com a sociedade e acompanhar suas mudanças, sob pena de se tornar inócuo, de tal modo que “a revogação do infanticídio como tipo penal autônomo aprimoraria o ordenamento jurídico, eliminando a duplicidade de previsões legais” (PADILHA, 2013, p.163).

Compartilhando do pensamento de Ananda Padilha, Pedro Elias Longhi Cechet (2012) também entende como sendo o melhor a exclusão do art. 123 do Código Penal e a adição de um parágrafo ao art. 121 do Código Penal, ou, ainda, a introdução de um parágrafo único no tipo penal do infanticídio, se ressaltando que quem, de qualquer forma, concorre para o crime, responderia às penas cominadas ao homicídio, na medida de sua culpabilidade.

Jorge Patrício Filho (2013), em seu artigo científico, tem opinião diversa da defendida por Padilha em seu artigo. Jorge cita o seguinte exemplo: em uma cidade de Minas Gerais, Peter desabafa com um amigo dizendo que não quer ser pai, e quando sua namorada, Brenda, der a luz, esse irá matar a criança. Ao chegar em casa se depara com Brenda, visivelmente transtornada, afogando a criança que acabara de nascer. Se aproveitando da situação para realizar sua vontade, Peter enforca seu filho, que vem a falecer. 

Em tal caso, Jorge Filho entende não existir comunicabilidade de circunstâncias entre Brenda e Peter, pois Brenda estava claramente tomada pelo estado puerperal, porém, Peter nutria em si a vontade de assassinar seu filho de forma premeditada, não foi tomado por forte emoção. Tal é o entendimento:

na questão, não há que se falar em identidade de delito, porque não há identidade dos elementos objetivos e subjetivos do delito, portanto, também não há um perfeito liame psicológico direcionado ao mesmo tipo penal. Brenda queria praticar infanticídio (dolo viciado pelo estado puerperal), Peter queria realizar homicídio (plano particular, preexistente, autônomo de não ter filho e apenas se aproveitou da situação). Não se visualiza, nesse caso, uma coautoria perfeita, e sim uma espécie de autoria colateral imprópria.

Atente-se para o fato de que caso diferente seria se o segundo autor, digamos, comprasse a ideia do primeiro autor e atuasse movido pelos interesses subjetivos do primeiro autor, ou seja, tomasse como próprio o estado do coautor. Seria o caso de Brenda pedir apoio a Peter que, ao participar da execução delitiva, assim o fizesse com o interesse exclusivo de consumar a pretensão de Brenda e não a pretensão própria (o que configuraria elemento subjetivo de delito distinto) (2013, p. 117).

Grandes são as discussões e as divergências de opiniões acerca da possibilidade de concurso de pessoas no crime de infanticídio. A Ideia mais viável seria a implementação do artigo 123 do Código Penal, com um parágrafo único, versando sobre a impossibilidade de os participantes responderem pelo mesmo crime que a mãe, cessando os debates e a injustiça causada pelo ordenamento jurídico.

Entretanto, como o ordenamento foi falho em esclarecer a situação dos partícipes e coautores, deve se seguir o entendimento do artigo 30 de tal código, versando sobre a comunicabilidade de condições elementares ao tipo criminoso, até que seja feita um reavaliação da legislação penal, mais condizentes com os ideais de justiça.

 

CONCLUSÃO

O infanticídio, quando minuciosamente analisado, proporciona a nosso ordenamento jurídico discussões ferrenhas sobre o tema. Se engana quem acha que tais discussões são levianas e não agregam nada ao mundo jurídico. O estudo das posições de cada doutrinador nos permite enxergar a presença de um conflito existente entre o Direito escrito e a justiça e a moralidade como princípios.

Por causa da possibilidade, apontada pela legislação vigente, de haver comunicabilidade da qualificadora de tal tipo penal entre a mãe e o participante do crime, gerando assim o concurso de agentes, nos deparamos com uma falha da legislação, onde o sujeito que concorre com a mãe contra a vida do infante é agraciado com a pena abrandada do infanticídio, recebendo assim uma condenação injusta, pois o real crime por ele cometido é o de homicídio.

Buscando solucionar tal dilema, realizamos uma análise detalhada do concurso de agentes e suas possíveis formas, suas teorias, as diferenças existentes entre a participação e a coautoria, para que não restasse dúvidas sobre a matéria quando estudada a possibilidade de haver concurso de agentes no infanticídio, logo depois de terem sido esclarecidas quais as formas de participação e o que é infanticídio em si. 

Em tal estudo, nos deparamos com duas correntes: uma versando sobre a impossibilidade de existir concurso de agentes em tal crime, fortemente defendida por Heleno Cláudio Fragoso, que apoia a total incomunicabilidade das elementares do infanticídio; e a corrente dos que são favoráveis a tal comunicabilidade, como Damásio de Jesus, que defende que por não haver a legislação versado em contrário a tal possibilidade, ela é a certa a ser seguida.

Enquanto não houver a criação de um novo instituto jurídico, o recomendável é acatar a possibilidade de concurso de pessoas no infanticídio, visto que a teoria adotada por nosso ordenamento, monista ou unitária, dita que quem concorre para o crime de qualquer forma incide nas penas a ele cominadas, e também por causa da redação do artigo 30 do Código Penal Brasileiro.

De tal modo, porém, não alcançamos nem garantimos justiça ao infante e nem à sociedade. Por isso, deve-se ter em mente que a solução ideal para o caso analisado seria a exclusão do artigo 123 e a adição de um parágrafo ao 121, tornando o infanticídio uma qualificadora do homicídio, ou, ainda, a criação de um parágrafo único ao artigo 123, deixando claro que quem concorre para o crime responderá por homicídio, na medida de sua culpabilidade.

 

REFERÊNCIAS

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CECHET, Pedro Elias Longhi. Concurso de pessoas no Infanticídio. 2012. 88f. Trabalho de conclusão de curso – UFRS, Porto Alegre, 2012. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/54455. Acesso em 28 jan. 2020.

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FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Especial: Vol. I. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

PADILHA, A. M., Os contrassensos no delito de Infanticídio: Uma análise crítica. 2013. Disponível em: http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/138_355.pdf . Acesso em: jan. 2020.

Data da conclusão/última revisão: 10/12/2020

 

Como citar o texto:

OLIVEIRA, Gisella Domingues; LIMA, Adriano Gouveia..O concurso de agentes no infanticídio. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1016. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/10839/o-concurso-agentes-infanticidio. Acesso em 1 fev. 2021.

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