O presente estudo versa sobre a introdução do crime de perseguição (stalking) no diploma jurídico penal. Tal dispositivo tem gerado discussões entre os operadores de direito. Salienta-se que outro dispositivo semelhante a este já era previsto na legislação penal, sendo assim esse dispositivo surge como alteração do direito para acompanhar a dinâmica de mudanças sociais. Perlustra-se necessário o debate a respeito da continuidade normativa-típica e o abolitis criminis com o advento do novo dispositivo penal.

1. INTRODUÇÃO

O Direito deve acompanhar a dinâmica de mudanças sociais sob pena de não cumprir o papel de pacificador das relações. O direito não é imutável, visto que, diante da realidade os diplomas normativos sofrem alteração com o escopo de buscar uma adequação para conduta praticada perante a realidade.

O advento da lei nº 14.132, 31 de março 2021, trouxe uma modificação ao diploma normativo penal: acrescentando o art. 147-A ao Código Penal, para prever o crime de perseguição, também conhecido como stalking e revogou o art. 65 da Lei das Contravenções Penais. Modificação esta em que trouxe alteração em seus preceitos primários e secundários.

O crime foi inserido no capítulo do Código Penal que protege a liberdade individual da vítima (liberdade da pessoa humana), bem jurídico de estatura constitucional (art. 5º) e convencional (art. 7º, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos).

O avanço da sociedade, essa violência passou a ser praticada também por meio virtual, através internet. Daí chamar-se de cyberstalking a perseguição realizada por intermédio da internet, seja por blogs, redes sociais, e-mails, etc.

 

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Art. 147-A do Código Penal

A conduta do art. 147-A do Código Penal é conhecida como stalking ou assédio por intrusão. Tostalk é um verbo do idioma inglês, que significa perseguir, vigiar.

O delito tem justamente o objetivo de coibir e punir a conduta de pessoas que praticam esse stalking, algo, infelizmente, comum nos dias atuais. Tentativas persistentes de aproximação seja física ou virtual, recolhimento de informação sobre terceiro, envio repetido de mensagens, bilhetes, e-mails e aparições nos locais frequentados pela vítima passam a ser punidos 

 

2.2 Dispositivos in verbis

Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º  As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º  Somente se procede mediante representação.”

 

Art. 65.  Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por outro motivo reprovável.

Pena – prisão simples de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

 

2.3 Analisando o dispositivo do art. 147-A do CP

Verifica-se que o novo delito se caracteriza pela conduta de perturbar a vítima, podendo acontecer de 3 (três) formas possíveis:

1ª - Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica;

2ª - O agente restringe a capacidade de locomoção da vítima;

3ª - invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Perlustra-se que a elementar “reiteradamente” que se refere à conduta de perseguir alguém, indica que a infração penal em comento é habitual, ou seja, exige para sua consumação que haja a reiteração de diversos atos típicos.

O tipo contém uma exigência expressa de habitualidade ao mencionar que o crime se configura com a conduta de perseguir “reiteradamente” a vítima. Justamente por se tratar de crime habitual, não cabe tentativa.

O §1º do art.147-A do Código Penal traz hipóteses de causas de aumento da pena a ser realizado na 3ª fase da dosimetria da pena. 

Ao inciso I, de acordo com o art.2º da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. O Estatuto do Idoso (Lei nº10.741/2003), em seu art.1º, estabelece que idosos são pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Ao inciso II, o § 2o-A do art.121 do CP, dispõe que se considera que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.   

Quanto ao inciso III, haverá a incidência da causa de aumento da pena, caso o delito seja cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma, e aqui o legislador deixou em aberto para que seja arma de fogo ou arma branca.

Há de salientar, que por força da regra do Parágrafo único do art.68 do CP, no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Por sua vez, o § 2º do art.147-A do CP estabelece que as penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

O § 3º deixa claro que a ação penal é pública condicionada a representação. A vítima ou seu representante legal tem o poder de decidir se ela deseja que se inicie a persecução penal contra o autor do crime. Isso porque, ao conferir essa representação, ela estará sujeita a todos os inconvenientes de participar de um processo penal, ainda que na condição de vítima.

Estamos diante de infração de menor potencial ofensivo, não mais pelo fato de tal conduta se enquadrar como contravenção penal, mas em virtude do preceito secundário:

Pena - Reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Regra geral, a competência para julgar será do Juizado Especial Criminal – JECRIM, sendo possível aplicar institutos despenalizadores como: a Transação penal, a composição dos danos e a suspensão condicional do processo.

Preenchidos os requisitos previstos no art. 28-A, do Código de Processo Penal, será possível aplicar o Acordo de Não Persecução Penal, desde que não tenha violência ou grave ameaça à vítima, nem mesmo em decorrência de violência doméstica.

O bem jurídico protegido é a liberdade individual.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum).

Sujeito passivo é qualquer pessoa que for vítima da perseguição (homem ou mulher).

Quanto ao elemento subjetivo o crime só é punido se o sujeito agiu com dolo. Não se exige elemento subjetivo especial (finalidade específica).

 Não há previsão na forma culposa.

 

Vejamos a análise das infrações penais:

Crime de perseguição “ Stalking”

(art. 147-A do Código Penal)

Contravenção penal de molestamento

(art. 65 do Decreto-lei 3.688/41)

Exige uma perseguição reiterada.Não falava expressamente em reiteração. Contentava-se com a conduta de molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade.

Exige que o agente tenha:

· ameaçado à integridade física ou psicológica da vítima;

· restringido à sua capacidade de locomoção; ou

· invadido/perturbado a sua esfera de liberdade ou privacidade.

Não exigia nenhuma dessas três condutas.

Bastava molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade para consumar-se.

Percebe-se que não existe uma identidade integral entre os elementos objetivos das referidas infrações penais.Sendo assim, cada situação deve ser analisada em conformidade com o caso concreto.

 

3. CONCLUSÃO

Continuidade normativo-típica ou abolitio criminis?

O indivíduo que está respondendo ou foi condenado por molestamento e, ao se analisar a sua conduta no caso concreto, percebe-se que ela se adequa à descrição típica do art. 147-A do CP. O indivíduo continuará respondendo pela contravenção penal do art. 65, visto que, que não houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica. O princípio da continuidade normativa ocorre quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo delito no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.

Já o indivíduo está respondendo ou foi condenado por molestamento e, ao se analisar a sua conduta no caso concreto, percebe-se que ela não se adequa à descrição típica do art. 147-A do CP. Por exemplo, uma pessoa que tenha molestado uma única vez a vítima. Como não houve habitualidade, a conduta não se amolda ao art. 147-A do CP. Teremos que concluir que houve abolitio criminis, acarretando assim a extinção da punibilidade.

O estudo tem como objetivo contribuir para reflexões jurídicas sobre o tema, muito ainda há de discutir a respeito desse novo instituto.

 

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Processual Penal. 19ª ed. Saraiva: São Paulo, 2012.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 12 maio. 2021.

CÓDIGO PENAL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 12 maio. 2021.

LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. Decreto-lei nº 3688, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3688.htm. Acesso em: 12 maio. 2021.

LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MOLINA, Antonio García Pablos. Introdução ao Direito Penal. Ed. Universitaria Ramón Areces, Madrid, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Data da conclusão/última revisão: 13/05/2021

 

Como citar o texto:

ALMEIDA, Reginaldo Pires de..O delito de perseguição (Stalking): continuidade normativo-típica ou abolitio criminis?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 20, nº 1044. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/11266/o-delito-perseguicao-stalking-continuidade-normativo-tipica-ou-abolitio-criminis-. Acesso em 22 ago. 2021.

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