O artigo tem por objetivo analisar e estudar a dignidade sexual como bem jurídico penalmente tutelado, de forma a compreender o instituto da dignidade sexual e todo seu arcabouço jurídico normativo brasileiro atual. O método de pesquisa utilizado focou na elaboração do artigo através de compilação, que consiste na exposição do pensamento de vários autores que escreveram sobre o tema escolhido. Desenvolveu-se deste modo uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se como apoio e base contribuições de diversos autores sobre o assunto em questão, por meio de consulta a livros periódicos. Ao final desta pesquisa pudemos ter como resultado o estudo e a análise de diversas normas que regulam no direito penal brasileiro a tutela da dignidade sexual, tendo por óbvio o entendimento de que a todo momento a legislação buscou se atualizar para proteção efetiva deste bem.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.. 1.1 Evolução histórica da dignidade da pessoa humana. 1.2 A dignidade da pessoa humana na ordem internacional. 1.3 A dignidade da pessoa humana e a Constituição Federal de 1988.  CAPÍTULO II – A DIGNIDADE SEXUAL COMO FACETA DA DIGNIDADE HUMANA. 2.1 Histórico sobre a dignidade sexual. 2.2 Destinatários da dignidade sexual. 2.3 Bem jurídico penalmente protegido. CAPÍTULO III – DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. 3.1 Estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável. 3.2 Consumação e tentativa nos delitos contra a dignidade sexual. 3.3 Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. 

 

O presente trabalho tem como objetivo analisar e estudar a dignidade sexual como bem jurídico penalmente tutelado, entendida como tal um desdobramento natural da dignidade da pessoa humana, a qual encontra fundamento constitucional. 

Atualmente, todas as pessoas são dotadas de dignidade sexual, apesar de polêmicas que existiam no passado. Em razão disso, o direito penal não ficou inerte, tendo um capítulo inteiro que trata das diversas formas de lesão a esse sobredito bem jurídico. 

Diversos fatores contribuíram para que fosse possível o reconhecimento da dignidade sexual como um bem jurídico penalmente tutelado, dentre eles destaca-se a evolução do homem e a sua noção como ser sociável, a existência da mulher como ser humano mesmo que dissociada da figura masculina, e a introdução de novos conceitos da sexualidade no contexto social. Todos esses eventos de forma pontual foram cruciais para definir o que é o ser humano, o que é a sua dignidade e, além disso, o que é a sua dignidade sexual.

A Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, que trata a respeito “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual” substituiu o Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940, intitulado como “Dos Crimes Contra os Costumes”, em razão de que este não possuía espaço para inclusão de novos textos que acompanhassem a evolução moral e sociológica do brasileiro, vez que não se sabia mais ao certo quais eram estes costumes e o que seria praticar conduta crime contra os mesmos. 

O Título VI do Código Penal possui redação dada pela Lei 12.015/2009 que expôs em seu bojo as sanções aplicáveis a crimes praticados contra a Dignidade Sexual; aborda ainda em seus capítulos os crimes contra a liberdadesexual, da exposição não autorizada da intimidade sexual, crimes sexuais contra vulneráveis e etc. 

A Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018 trouxe para o Título VI diversas atualizações, dentre elas a expressão “importunação sexual” no artigo 215-A do CPB, a fim de tratar de casos de prática de ato libidinoso sem a devida anuência da vítima e que venham a satisfazer lascívia própria ou de terceiro. Ainda dentre os dispositivos anexados o legislador recorreu ao aumento de pena para estupros realizados de forma coletiva ou em caráter corretivo (IV, artigo 226).

É perceptível a intenção do legislador em tornar puníveis condutas que atentam contra a dignidade sexual de grupos considerados como “frágeis” perante a sociedade, sendo os mais afetados os menores de idade, as mulheres e integrantes de outras comunidades que para esta categoria de crimes podem ser reconhecidos como “minorias” vistas as suas desvantagens e constante dificuldade em se manter seguro diante da figura de seus algozes. 

As modernizações trazidas pela 13.718/2018 para a 12.015/2009 tem como razão o crescimento no número de crimes relacionados a dignidade sexual e o apelo realizado pela ONU (Organização das Nações Unidas) para que os países se conscientizassem e adotassem medidas punitivas eficazes contra aqueles que atentam em desfavor da dignidade da pessoa humana através da exploração/abuso de origem sexual, podendo assim promover campanhas de apoio as vítimas e de prevenção a crimes desta natureza.

Encontra-se expresso ainda no Pacto de San José da Costa Rica, datado de 22 de setembro de 1969, do qual o Brasil é signatário, o direito natural do ser humano em reconhecer sua dignidade, dignidade essa abordada em sentido amplo, visando garantir o conforto existencial e punindo aqueles que afrontam a paz individual, incluindo em práticas que firam a integridade sexual.

A dignidade sexual é um direito envolto por grande delicadeza, uma vez que o Estado democrático de direito se faz responsável por tutelá-lo e garanti-lo a seus cidadãos através da Constituição Federal (1988), pactos e de suas leis penais. Para tanto, quando de um ato incorre uma conduta danosa a este direito, transmite-se ao Estado também a responsabilidade em lidar de forma a punir sujeitos ativos destes crimes e ainda prestar a devida assistência às vitimas destes.

Tecidas breves considerações dos principais pontos abordados neste trabalho, dessa maneira e de forma imparcial, o artigo que se realiza irá analisar esses aspectos, sempre atento a mais alta e mais recente discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. 

 

CAPÍTULO I – A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O presente capítulo visa abordar a dignidade da pessoa humana quanto a sua evolução histórica, seus destaques na ordem internacional e seus reflexos constitucionais, a fim de compreender de forma clara e objetiva os desdobramentos pelos quais este bem jurídico perpassou para atingir o conceito e a tutela atual. 

 

1.1. Evolução histórica da dignidade da pessoa humana

O ser humano sempre buscou meios para se proteger, resguardando seu bem mais precioso, qual seja a vida. Desde a antiguidade sua proteção individual já era demonstrada através de seus hábitos diários, segundo BRAGA (2017) isso era perceptível em razão do racionamento de alimentos e construção de abrigos a fim de evitar intempéries, ou qualquer situação que ameaçasse a sua existência, ou seja, o entendimento era de que para proteger a integridade do indivíduo era necessário proteger sua vida, mantê-lo vivo. 

Com o passar dos tempos houveram algumas alterações quanto ao entendimento de proteção individual, e a partir da visão de RENNER (2016) o valor da pessoa humana como ser social já se encontrava nas raízes do pensamento clássico, daí teria surgido a primeira elaboração para um significado do que seria a dignidade humana, porém, a este tempo, esta se fundaria somente de acordo com a posição ocupada pelo individuo em sociedade, surgindo desta forma, segundo o autor, a existência de pessoas mais, ou menos dignas.

Porém em RAMOS (2020) surge a visão de São Tomás de Aquino sobre a dignidade humana, onde este a traduz como qualidade inerente ao ser humano que nos aparta dos demais seres e objetos do mundo, pois para este filosofo o homem seria a imagem e semelhança de Deus, logo a semelhança no intelecto gerariam a dignidade humana. 

Indica RENNER (2016) que nos séculos XVII e XVIII, as ideias acerca da dignidade da pessoa humana começaram a ganhar maior relevância no meio social, impulsionadas por Immanuel Kant. Segundo KANT (1795) através da tradução de CARVALHO (1964), cada ser humano seria um fim em si mesmo, e entre os fins tudo tem um preço e uma dignidade. 

Desta forma o pensamento de Immanuel Kant (1795) acerca da dignidade da pessoa humana se baseia na seguinte tese:

[...] Uma coisa que tem um preço pode ser substituída por qualquer outra coisa equivalente; pelo contrário, o que está acima de todo preço e, por conseguinte, o que não admite equivalente, é o que tem uma dignidade. (KANT, 1795, online)

Sendo assim, podemos interpretar o pensamento do filósofo de forma que àquilo a que atribuímos preço, valor monetário, pode ser substituído, porém, o que não se admite pecúnia é ao que se atribui dignidade, sendo assim perceptível também a importância do ser humano e seu caráter insubstituível.

Com a revolução francesa no ano de 1789, na visão de DOBARRO (2013), restaram materializados os alicerces dos direitos humanos atribuídos ao homem como ser individual e ao cidadão enquanto ser social. Este autor considera que a dignidade humana foi um ponto de extrema importância para a consagração dos direitos fundamentais e do entendimento de fraternidade.

Mas, é mais a frente, na contramão ao ocorrido na segunda guerra mundial, com a morte de milhares de pessoas que segundo CORRÊA (2013) houve o maior estímulo em instituir um princípio ligado a dignidade da pessoa humana a fim de preservá-la e evitar que este fato voltasse a vitimar tantos. Segundo BOBBIO (2004) somente após todo esse fato gerador é que o problema teria passado da esfera nacional para internacional envolvendo desta forma todas as nações e seus respectivos povos.

Neste diapasão, leciona RENNER (2016) que no ano de 1948 surge através de Assembleia Geral das nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmando que todos os homens são livres e iguais em dignidade e direitos. 

Tal situação de acordo com PIOVESAN (2006) teria inovado no conceito de direitos humanos ao introduzir a chamada concepção contemporânea dos direitos do homem, desta forma passou-se ao entendimento da universalidade e internacionalidade desses direitos, e ainda da interdependência da existência do homem e de seus direitos. 

Neste sentido leciona RENNER (2016) leciona sobre a concepção histórica dos direitos humanos, a saber: 

A concepção dos direitos humanos, portanto, é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, o qual é extremamente recente na história, surgindo a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo, levando em consideração que o Estado foi o grande violador de direitos humanos. (RENNER, 2016, online)

A partir disto a questão de violação da dignidade humana restou inconcebível, deixando assim o âmbito nacional e alcançando a comunidade internacional, em razão de sua relevância. 

Atualmente a dignidade da pessoa humana é entendida como um conjunto de princípios e valores que, como preceitua LENZI (2019) e este tem por função a garantia de que todos os cidadãos tenham seus direitos respeitados pelo Estado, possuindo assim como objetivo principal o bem-estar do indivíduo. 

Ressalta-se desta forma que a dignidade da pessoa humana alcançou diversos patamares durante a história, por muitas vezes quando ignorada restou para as nações inúmeras mortes, visto isto, demonstra-se de forma clara e objetiva a necessidade do respeito à dignidade da pessoa humana. 

 

1.2. A dignidade da pessoa humana na ordem internacional

A dignidade da pessoa humana possui destaque também na ordem internacional, inclusive foi através dela que o Brasil adotou medidas que se atentavam a este importante e atual princípio.  Segundo AVANCINI (2013) a dignidade da pessoa humana evoca a valorização do homem frente à sociedade e ao Estado, em razão disto, inúmeros instrumentos internacionais foram firmados com fim de reconhecer a dignidade humana internacionalmente, para que assim países do mundo todos se tornassem signatários e seguissem as orientações em um plano interno. 

Os mais importantes documentos internacionais se originaram, como citado alhures, pelo resultado do impacto da segunda guerra mundial e o número de mortos registrados em razão desta, destacando-se desta forma a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) criada pela Carta das Nações Unidas (1945). Em seguida a Assembleia Geral da ONU editou a Declaração Universal dos Direitos do homem (1948), sendo que este documento juntamente com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1967) e Pacto Internacional dos Direitos Econômico, Sociais e Culturais (1966), formam a Carta Internacional dos Direitos Humanos. (JOSÉ CLÁUDIO ROCHA, online, 2018)

A Carta das Nações Unidas que deu origem a ONU no ano de 1945, possui, na visão de SOUSA (2020), como finalidade retratar as expectativas e os propósitos da organização para com as nações. A autora destaca ainda que para a ONU, os principais propósitos da organização são os de manter viva a segurança internacional, contribuir para as relações amistosas das nações e promover o respeito à dignidade da pessoa humana. 

 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, editada em 10 de dezembro de 1948, restou conhecida como documento marcante na história dos Direitos Humanos, considerada o mais universal de todas, em razão de ter sido escrita por representantes de todas as nações do mundo e abrangendo por sua vez todas as tradições legais, traçando assim, os direitos fundamentais que são a base para uma sociedade justa e igualitária, de forma a promover a dignidade a esses povos. (UNIDOS PELOS DIREITOS HUMANOS, 2015).

Porém logo após a adoção da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) veio para o mundo à maior corrida armamentista até então vista, a Guerra Fria, segundo ROCHA (2018), esta literalmente veio para congelar as expectativas relacionadas aos direitos humanos. 

Desta forma em 1966, segundo PIOVESAN (2006), no momento de trazer a declaração para a prática tornou-se impossível a adoção de somente um pacto, sendo assim, em razão de todo o cenário, desencadeou-se a criação de dois pactos e ainda pelo que preceituado pela autora alhures citada, alguns países socialistas não assinaram o pacto dos Direitos Civis e Políticos, enquanto outras nações capitalistas não assinaram o pacto de Direitos Econômicos e Sociais.

Em se tratando do fim da guerra fria possui caráter positivo, em razão de que, com base em todo cenário em que o mundo se encontrava tornou-se viável a tentativa de reforçar os direitos humanos na ordem mundial, esta se deu através da Declaração de Viena em 1993, e considera ROCHA (2018):

A maior conquista desse documento, no entanto, se deu em razão da proclamação dos princípios de direitos humanos que corresponde à universalidade, indissociabilidade, indivisibilidade e unidade substancial desses direitos, onde o direito ao desenvolvimento, o direito a paz, entre outros, passaram a serem tão importantes quanto os direitos individuais ou direitos civis e políticos. (ROCHA, 2018, online)

Desta forma é possível perceber que houve mais uma vez a tentativa de lutar pelos direitos humanos e pela dignidade da pessoa humana enquanto ser sociável e que consideravelmente se trata de um marco recente para este instituto, visto que ocorreu no ano de 1993, como dito alhures. 

Ainda em meio a toda esta problemática internacional surge para o continente americano a Convenção Americana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica que corresponde a um tratado celebrado pelos integrantes da Organização de Estados Americanos (OEA), adotada e aberta à assinatura durante a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e tendo entrado em vigor em 18 de julho de 1978. Esta convenção tinha por objetivo a “consolidação entre os países americanos de um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais, independentemente do país onde a pessoa viva ou tenha nascido.” (SANTIAGO, 2011). 

Insta tratar ainda do nascimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, ou como é doutrinariamente mencionado o DIDH, este segundo NOVO (2018) se trata de conjunto de normas consuetudinárias e tratados internacionais, como os supramencionados, que buscam estipular os comportamentos e os benefícios que as pessoas ou grupos de pessoas podem esperar ou exigir do Governo, este possui como finalidade intrínseca a sua forma a proteção a vida, saúde e dignidade humana. 

Quanto ao caráter punitivo do DIDH existem atualmente dois tribunais responsáveis, quais sejam o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Internacional de Justiça, ambos estão localizados em Haia, na Holanda e ambos existem para punir, porém de forma distinta, neste sentido BRIGAGÃO (2018) destaca as seguintes distinções: 

O Tribunal Penal Internacional constitui-se em órgão independente. Possui personalidade jurídica de direito internacional própria e é criado por um tratado específico, e, portanto, não integra a ONU. Já o Tribunal Internacional de Justiça é um órgão integrante da ONU e, portanto, não é um órgão independente. Outra distinção é a de que o Tribunal Penal Internacional julga pessoas responsáveis pela violação dos direitos humanos e não julga Estados. O Tribunal Penal Internacional julga o indivíduo. Já o Tribunal Internacional de Justiça ele julga o Estado e não o indivíduo. (BRIGAGÃO, 2018, online

Desta forma qualquer infração praticada por um indivíduo contra alguém e consequentemente contra os tratados internacionais, são de atribuição do Tribunal Penal Internacional – TPI que visa à punição do indivíduo. Já o Tribunal Internacional de Justiça julga o Estado responsável por tentar ou ser omisso aos direitos humanos e a dignidade humana de seu povo. 

Assim ainda quanto ao que consta aos países signatários do Pacto de San José da Costa Rica, cita-se a Corte Interamericana de Direitos Humanos a exemplo de tribunal regional competente para julgar ações contra o Estado em razão de violação dos direitos humanos e sua dignidade. Como exemplo de julgados nesta corte têm o caso Fazenda Brasil Verde em face do Brasil, onde o país atuou como réu em razão de ter agido de forma negligente quanto ao caso, que em síntese apertada se tratava de uma ocorrência de trabalho escravo. (PARISE,2019) 

Todo o arcabouço jurídico internacional aqui apresentado, seja na forma de tratado ou na forma de direito, e sanções punitivas, possui um único objetivo, qual seja a obtenção de uma sociedade mais justa e igualitária que vise a todo o momento o bem estar social do indivíduo e por consequência sua dignidade humana.

 

1.3. A dignidade da pessoa humana e a Constituição Federal de 1988.

A dignidade da pessoa humana de forma a abarcar toda a essência do que o ser humano é passou-se de um mero conceito a um bem jurídico, que deve ser tutelado de forma ampla, haja vista que todo ser humano é dotado de dignidade e direitos inerentes a ela, sendo desta forma possível interpretá-la como alicerce para todos os demais direitos em um ordenamento jurídico. 

Na visão de MARREIRO (2013) a dignidade da pessoa humana transcendeu a metafísica, alcançando assim o posto de pilar dos direitos humanos, desta forma, viabilizou-se que os valores humanos e a dignidade humana não fossem considerados somente como fundamento de muitos Tratados Internacionais, mas sim como parte da maioria das atuais constituições democráticas.

Em reflexo aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana nas constituições brasileiras, temos que as primeiras “edições” da Carta Magna, trataram basicamente sobre direitos civis e políticos, sendo estes aqueles que por sua vez exigiam uma atuação negativa do Estado. 

Tudo teve início com a Constituição Imperial de 25 de março de 1824, essa que segundo IURCONVITE (2010) sofreu influência das constituições espanhola, portuguesa e francesa. Esta Carta Maior ficou conhecida por ter consagrado os principais direitos humanos relacionados à integridade física, como saúde e ainda a liberdade do homem, como por exemplo, a liberdade religiosa e a livre expressão de pensamentos, que atualmente são contempladas pela dignidade da pessoa humana, mas na época não recebiam o título.

 A partir da proclamação da República em 1889, restou promulgada em 24 de fevereiro de 1891 a primeira Constituição Dos Estados Unidos Do Brasil, de acordo com FEIJÓ (2011). Esta por sua vez abordava a forma republicana em espelho a constituição dos Estados Unidos, desta forma passou a ser instituído no Brasil o poder legislativo e seus órgãos componentes, e quanto a dignidade humana  IURCONVITE (2010) demonstra através do artigo 72º, atribuindo destaque aos §§ 2º, 8º e 21 da respectiva constituição: 

Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

§ 2º - Todos são iguais perante a lei. (...)

§ 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública. (...)

§ 21 - Fica, igualmente, abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra. (...) (BRASIL, 1981, online)

 

Sendo assim percebia-se forte influência do modelo estadunidense no modelo brasileiro, porém esta deixou de se atentar para a realidade brasileira e pecou quanto a alguns direitos sociais, em razão disso não obteve eficácia. 

Na data de 16 de julho de 1934, já com o Presidente Getúlio Vargas no poder desde 1930, foi promulgada a terceira Constituição do Brasil, que trouxe em peso a conscientização pelos direitos sociais e principalmente trabalhistas. NOJOSA (2015) afirma que esta constituição buscou assegurar a Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, e ainda por sua vez levar segurança e dignidade ao trabalho. 

Porém, em 10 de dezembro de 1937, inspirado no regime autoritário polonês, o então presidente Getúlio Vargas, promoveu a promulgação da quarta constituição federal que, segundo SANTOS (2003), impunha a sociedade um modelo fascizante, onde vários direitos humanos foram revogados, a exemplo disto temos que eram autorizados os atos de invadir domicílios, prender e exilar opositores, além de ter sido retirado do trabalhador o direito de greve. Ainda na contramão da evolução dos direitos humanos, devolveu ao Estado o direito de aplicar a pena de morte, tudo isto como resultado de um estado de emergência em que se encontrava o país.

Com a queda de Getúlio Vargas IURCONVITE (2010) expõe que incidiu sobre o país um período de redemocratização, a fim de trazer de volta garantias aos cidadãos e menos imposição do Estado na vida da sociedade, em razão disso caminhasse para a promulgação de uma nova constituição, qual seja a de 1946, que por sua vez reduziu as atribuições do poder Executivo, visando assim restabelecer o equilíbrio entre os poderes.

Assim logo em 1967, mais precisamente no dia 15 de março, o Marechal Arthur da Costa e Silva, promulga nova constituição, esta que reviveu alguns fantasmas da constituição de 1937, e na visão de NOJOSA (2015) nasceu tão autoritária quanto, visto que o então presidente visava garantir à segurança nacional a cima de tudo, de forma a deixar questões sociais de lado. 

Desta forma, no Brasil, após o regime militar, culminou-se então na promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 05 de outubro de 1988, popularmente conhecida como Constituição Cidadã e que é a atual constituição brasileira. KUMAGAI e MARTA (2010) consagram ainda, que esta carta magna veio devolver e desenvolver direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, visto que o país acabara de sair de um regime ditatorial, altamente autoritário. 

Quanto aos direitos em específico restam evidentes que se buscou de todas as formas tutelar a dignidade da pessoa humana em diferentes preâmbulos, em razão de todas as mazelas que este instituto viveu desde a Constituição de 1937. Neste sentido a Constituição Federal de 1988 elencou em seu artigo 1º, III a dignidade da pessoa humana como fundamento de forma a considerá-la como princípio para formação de todo arcabouço jurídico normativo posterior, assim vejamos: 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (...)

III -  a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988, online)

Para SANTANA (2010) a finalidade da instituição deste princípio em nosso ordenamento jurídico foi de assegurar ao homem o mínimo de direitos a serem respeitados socialmente e de forma estatal, para que este possa ter uma vida saudável e prospera em sociedade. 

Em razão disto, se tratando de um princípio, podemos encontrar a dignidade da pessoa humana como sustentação para as demais tutelas expostas na Constituição, como por exemplo, no artigo 226§7º onde temos a dignidade humana como base da instituição familiar e esta por sua vez como sustentáculo da sociedade. Desta forma é possível interpretar que a constituição federal atribuiu ao princípio da dignidade humana a função de alicerce, coluna de sustentação de todo o ordenamento. Nas palavras de SOMBRA (2002):

Somado aos atributos inerentes aos fundamentos, o princípio da dignidade da pessoa humana reforça a posição ocupada pelas normas fundamentais no centro de gravitação do ordenamento jurídico. O sistema de direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro – e de grande parte dos Estados Sociais e Democráticos de Direito – retira seu fundamento de existência, validade e eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana. (SOMBRA, 2002, online)

Portanto conclui-se que em se tratando da dignidade da pessoa humana em caráter constitucional e nacional, esta passou por diversas dificuldades e ainda inúmeras vezes sofreu violações, como por exemplo, através da pena de morte em estado de emergência e a retirada de alguns direitos sociais, porém sobreviveu e sobrevive até a atualidade como um pilar de sustentação de toda a sociedade. 

 

CAPÍTULO II – A DIGNIDADE SEXUAL COMO FACETA DA DIGNIDADE HUMANA.

Este capítulo tem por objetivo abordar a dignidade sexual como faceta da dignidade humana, de forma a esclarecer pontos como o histórico da dignidade sexual, os destinatários deste instituto e o bem jurídico penalmente protegido, qual seja a dignidade sexual como parte constituinte da dignidade humana.

 

2.1. Histórico sobre a dignidade sexual.

Como definido em capítulo anterior a dignidade da pessoa humana se trata de um princípio que rege todo o ordenamento jurídico e possui reflexo inclusive sob Direito Penal. Através do aspecto subjetivo temos que a dignidade da pessoa humana abarca sentimento de respeito e autoestima do ser humano, constituindo parte essencial da personalidade individual. (NUCCI, 2015) 

A dignidade sexual por sua vez, é considerada como parte indissociável da dignidade humana, visto que esta é intrínseca ao ser humano e a sua intimidade, desta forma sendo tutelada também na esfera penal. Nas palavras de NUCCI (2015) “a dignidade sexual liga-se à sexualidade humana, ou seja, o conjunto dos fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um.” 

Pode-se dizer que este instituto possui nova roupagem, porém este teve seu início histórico para o ordenamento jurídico junto aos costumes, que possuíam tutela do estado. Os costumes possuem, na visão de SANTANA (2010), seu contexto arraigado no pudor, pois ao que tudo indica, quando a mulher ocultou suas partes pudendas deu-se origem ao pudor e de certa forma a intimidade individual. 

Desta forma o pudor veio a ser o sentir que não diz respeito somente ao indivíduo, mas também a toda coletividade, por atingir de forma direta a moral, passando a ditar normas a serem estabelecidas em nome da moral e dos bons costumes. Estas normas foram recepcionadas a fim de que os indivíduos pudessem conviver e o Estado não ficou inerte quanto à tutela destes direitos. (SANTANA, 2010). 

Assim a primeira amostra do Estado em tentar reprimir crimes relacionados à dignidade sexual, surge naquele título capitulado como crimes contra os costumes no Código Penal de 1940. Para NORONHA (2000) a legislação em nada sofreria se adotasse a nomenclatura de crime contra o pudor, tendo em vista que todos os delitos que compuseram esse título encontravam-se ligados de forma direta a ofensa de sentimento individual e social, ou seja, sentimento de vergonha originado por um ato de natureza sexual.

Nas palavras de SANTANA (2010), define-se o instituto dos crimes contra os costumes como “condutas que a sociedade de forma reiterada rechaçou e que o indivíduo, de modo geral, acreditou não ser corretas, a ponto de o Direito considerá-las ilícitos penais.”.

A partir deste ideal de moralidade e pudor perante a sociedade nasce a ideia de que para se alcançar a dignidade humana plena o ser humano deve ser portador de dignidade sexual, de forma a ser considerado como um ser que possui sua intimidade e sexualidade preservados, podendo este somente alcançar a satisfação de sua lascívia na forma consensual. (NUCCI, 2015)

Desta forma em 07 de agosto de 2009 estabeleceu-se nova redação para o Título VI do Código Penal através da Lei nº 12.015/09, substituindo o termo crimes contra os costumes por crimes contra a  dignidade sexual visto não se saber mais ao certo do que se tratavam os costumes e como estes poderiam tutelar as novas relações que insurgiram no meio social. (SANTANA, 2010)

Outro importante ponto que influiu na alteração do título penal se origina em razão das modificações ocorridas em sociedade perante o advento da pós-modernidade, modificações estas que trouxeram novas e graves preocupações e mais relevantes do que visar proteger virgindade de mulheres pela honra destas, como acontecia com o revogado crime de sedução. Foi através desta alteração que o Estado passou a analisar e enfrentar outros desafios, a exemplo da exploração sexual de crianças e adolescentes. (GRECO, 2011)

Percebendo o legislador a ausência estatal perante os avanços da criminalidade sexual, nasce no ano de 2018 a Lei n.º 13.718/18 que foi inserida no ordenamento jurídico para gerar modificações significativas no Código Penal Brasileiro, bem como revogar dispositivo da Lei das Contravenções Penais. (BRASIL, 2018)

A supracitada lei de 2018 se trata de uma norma de natureza híbrida, visto que sua matéria aborda uma norma de natureza penal (material) e processual. Por se submeter ao princípio da retroatividade benéfica, a lei em análise não pode ao tempo de sua criação retroagir para prejudicar réus, logo, não alcançou fatos anteriores a ela. Como dispõe o artigo 5º, inc. XL, da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).

Desta forma, no mesmo ano, surgem para o ordenamento jurídico brasileiro novas alterações acerca da lei que abarca a dignidade sexual, a Lei n.º 13.772/18 foi inserida para “reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.” (BRASIL, 2018). 

Dentre as diversas alterações que o legislador abordou perante a lei supracitada temos como destaque a modificação sofrida pela redação do inciso II do Artigo 7º da Lei Maria da Penha, onde se buscou reforço para caracterização e reconhecimento da violação da intimidade da mulher, assevera-se: “Isto é, houve um acréscimo no referido inciso para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura hipótese de violência doméstica e familiar”. (AZEVEDO, 2018).

Outra importante alteração se deu em razão da inclusão do artigo 216-B no Código Penal, que se trata da produção, seja através de fotografia, filmagens ou registros, independente do meio, de conteúdo de cunho sexual privado e íntimo sem a autorização de quem está sendo gravado e/ou fotografado. (BRASIL, 2018).

Neste liame PROCOPIO (2019) assevera que “a inovação legislativa busca coibir a exposição não autorizada da intimidade sexual alheia, por meio do registro da cena, sem autorização” isso se dá em razão da tutela de imagem, com fim de proteger mulheres de possíveis exposições e degradação de imagem social. 

Conclui-se que através de toda evolução histórica da dignidade humana deu-se origem a dignidade sexual que por sua vez só recebeu este título através de sua tipificação no ordenamento jurídico penal brasileiro, ou seja, os crimes contra os costumes evoluíram de forma a tutelar os crimes contra a dignidade sexual em sentido amplo e também estrito. 

 

2.2. Destinatários da dignidade sexual.

Segundo a definição apresentada por FERREIRA (1999) em dicionário o termo destinatário se refere a “pessoa que é o alvo daquilo que se pretende enviar; alvo ou objeto.”, juridicamente este termo não se afasta de sua definição original, visto que destinatário é aquele que é alvo de princípio ou instituto, aquele que o Estado através da lei pretende tutelar. 

Na visão de NUCCI (2015) da mesma forma que a dignidade da pessoa humana versa sobre todos os seres humanos independente de raça, cor, credo, gênero e orientação sexual, a dignidade sexual tem o mesmo fim, visando sempre tutelar o bem estar do indivíduo e de sua intimidade perante a sociedade. NUCCI (2015) complementa ao afirmar:

Respeitar a dignidade sexual significa tolerar a realização da sensualidade da pessoa adulta, maior de 18 anos, sem obstáculos ou entraves, desde que se faça sem violência ou grave ameaça a terceiros. Sob tal enfoque, torna-se vítima de crime contra a dignidade sexual aquele que foi coagido, física ou moralmente, a participar da satisfação da lascívia do agente, sem apresentar concordância com o ato. Pode, ainda, tornar-se ofendido aquele que, para a satisfação de outro interesse do agente, foi levado a atos sexuais não aprovados. (NUCCI, 2015, Online)

Extraindo do que foi dito, afirma-se, portanto que a dignidade sexual é alcançada por todos e respeitá-la significa não tolerar a sensualizarão da pessoa menor de 18 anos, garantindo a esta o respeito a sua dignidade sexual. (NUCCI, 2015)

Os destinatários em específico podem ser categorizados entre crianças, adolescentes, adultos, idosos e atribuir independência de gênero, seja mulher ou homem, todos estes são tutelados pelo Código Penal a fim de coibir a prática de atos de natureza da violação sexual, algumas destas categorias possuem maior atenção levando em consideração a vulnerabilidade de seus componentes. 

Considera-se criança, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aquela que possuir idade até os 12 anos incompletos, estas por sua vez, possuem direitos que derivam dos direitos humanos e estes possuem como fundamento a dignidade. Em razão disto a criança é destinatária de todos os direitos humanos, ela é igual ao adulto, inclusive a dignidade sexual, todavia, pela sua condição de fragilidade estrutural e vulnerabilidade em geral, é portadora de maior número de direitos. (DANTAS, 2009) 

Quanto aos adolescentes, vê-se que estes são aqueles com idade igual a 12 anos completos e que alcancem até os 18 anos, portadores do mesmo respaldo jurídico que as crianças perante o arcabouço normativo expressado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visto que estes possuem até os 14 anos incompletos características de vulnerabilidade perante as relações sexuais, não importando que seja consensual para se tratar de estupro. (LEI Nº 8.069, 1990)

Para aqueles adolescentes com idade superior a 14 anos completos adota-se postura de responsabilidade perante os pais ou responsáveis, já que todas as relações são diretamente ligadas ao consentimento destes, visto que não se considera estupro ato praticado com consentimento do adolescente que seja de conhecimento e concordância dos pais. (LEI Nº 8.069, 1990)

Em que pese os adultos investidos de dignidade sexual, estes possuem sua tutela expressada somente através do caráter punitivo do Código Penal, visto que o ato de punir seria uma forma de “amedrontar” aquele em que pensasse em praticar ato contra a dignidade sexual de outrem. (ALLEGRO, 2005)

Quanto às mulheres em especial há que se falar quanto a dignidade sexual dentro do casamento, em razão do fato de que até pouco tempo atrás o estupro marital, ou estupro realizado pelo cônjuge, não era considerado ilícito, como elenca NORONHA (2002): 

As relações conjugais são pertinentes à vida conjugal, constituindo direito e dever recíproco dos que casaram. O marido tem direito à posse sexual da mulher, ao qual ela não se pode opor. Casando-se, dormindo sob o mesmo teto, aceitando a vida comum, a mulher não se pode furtar ao congresso sexual, cujo fim mais nobre é o da perpetuação da espécie. A violência por parte do marido não constituirá, em princípio, crime de estupro, desde que a razão da esposa para não ceder à união sexual seja mero capricho ou fútil motivo, podendo, todavia, ele responder pelo excesso cometido. (NORONHA, 2002, Online).

Porém, como abordado por NUCCI (2015) a dignidade sexual atribui à pessoa humana o direito de que o ato sexual se dê sem violência ou grave ameaça de terceiros, desta forma, a mulher passou a ser tutelada de forma mais atenciosa a fim de evitar que suas relações sexuais se dessem através de violência física ou moral, com fim único de levar prazer ao agente ativo do ato.

Esta também passou a ter sua dignidade sexual tutelada pela Lei Maria da Penha através das alterações das leis 13.718 e 13.778 ambas do ano de 2018, que buscaram, como referenciado alhures, reconhecer a violação da intimidade da mulher, inclusive perante o seio familiar e através de seu cônjuge. (BRASIL, 2018)

Quanto aos idosos, estes também são destinatários da dignidade sexual, ou seja, alvos deste instituto, assim como as crianças possuem respaldo jurídico em legislação própria e destinada diretamente a eles, qual seja o Estatuto do Idoso, que visa proteger o idoso em suas relações em razão de seu retorno ao estado de vulnerabilidade tal qual na infância. (BRASIL, 2003).

Todos os destinatários da dignidade sexual possuem sua sexualidade assegurada segundo a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada no ano de 1988, arraigada pelo instituto da dignidade da pessoa humana, em seu artigo 1º, III. Porém de forma a garantir punibilidade aos que tentarem contra a dignidade sexual de outrem, suscita-se pelo código penal, mais precisamente no título VI, que foi recentemente atualizado e recebe a denominação de Crimes Contra a Dignidade Sexual. (BRASIL, 2018)

 

2.3. Bem jurídico penalmente protegido. 

O bem jurídico penalmente protegido passa inicialmente por uma construção do que é bem jurídico. Para PRADO (1997) “o bem jurídico em sentido amplo é tudo aquilo que tem valor para o ser humano”, então a partir desta visão temos que o ser humano seria o ponto de partida para valoração daquilo que é bem, pois é através daquilo que o homem atribui estima que se pode considerar a ideia de bem. 

Neste liame, ROXIN (2006) consagra acerca do tema que:

Podem-se definir os bens jurídicos como circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos. (ROXIN, 2006, Online)

Para TELES (2004), em caráter pluralista, atribui-se ao bem jurídico a seguinte definição “são bens jurídicos a vida, a liberdade, a propriedade, o casamento, a família, a honra, a saúde, enfim, todos os valores importantes para a sociedade”. 

De forma a complementar, TOLEDO (1994) complementa afirmando que: 

Bens jurídicos são valores éticos sociais que o Direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob a sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas. (TOLEDO, 1994, p. 16).

Visto isso, nas palavras de BITTENCOURT (2010), bens jurídicos "[...] são bens vitais da sociedade e do indivíduo, que merecem proteção legal exatamente em razão de sua significação social. [...] A soma dos bens jurídicos constitui, afinal, a ordem social".

Desta forma, TOLEDO (1994) conclui que nem todo bem é jurídico, e que nem todo bem jurídico possui tutela através do Direito Penal, pois nesta seara só seriam aplicáveis aqueles de maior relevância, quais sejam os que demandam de “proteção especial”, já que os outros ramos do Direito mostraram-se incompetentes para poder atuar nesse preâmbulo. 

A partir do momento em que os bens jurídicos passam a ser penalmente tutelados, passam também a ter como objetivo o interesse em uma norma jurídica, quando essa norma recebe tutela, deverá prever também punição caso haja a sua violação com uma pena, ou seja, os bens jurídicos penalmente tutelados são uma relação de indivíduo com objeto, protegido pelo Estado, que revelam os seus interesses. (ROEBER, 2015)

O único titular dos bens jurídicos é o Estado, e até os próprios homens são um bem jurídico do Estado, pois o direito não existe para o homem, e sim o homem para o direito. Neste sentido ZAFFARONI (2002), define o bem jurídico penalmente tutelado como a relação de disponibilidade de um indivíduo para com um objeto, do qual é protegido pelo Estado, ou seja, possui tutela estatal, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que lhe causam transtornos e de certa forma o afetam.

O bem jurídico cumpre, para ROEBER (2015) duas funções nas quais, ambas são necessárias para os limites da racionalidade do governo:

a) a função garantidora: A função garantia ou garantidora se origina na proteção da dignidade do ser humano, agindo em concordância com a lei, e cumprindo suas garantias de acordo com Direito Penal para a proteção dos bens jurídicos;

 b) a função teológico-sistemática: A função teológico-sistemático, ou dogmático estabelece um padrão dos tipos de penalidades, que através desses o interprete deverá analisar se a conduta típica causou perigo ao bem jurídico tutelado pela norma, caso contrário, dependendo poderá resultar nas características da conduta. (ROEBER, 2015, Online).

Portanto, compreende-se como bem jurídico a soma de uma coisa útil, válida ou necessária ao ser humano como um valor agregado, visto que de certa forma o Direito Penal não tem o poder de intervir para tutelar qualquer bem, somente deve intervir para a proteção destes bens jurídicos fundamentais, tais como os valores, interesses sociais e individuais, assim como, por exemplo, a dignidade sexual. (ROEBER, 2015)

Neste sentido, o tipo penal, veda certos tipos de condutas por considerá-las prejudiciais ao bem jurídico e através disso pode-se concluir que a normatização criminal existe para defender bens, ou seja, para tutelá-los através da investidura estatal. Desta forma, percebe-se a forma repressiva adotada pela legislação. A tipificação penal manifesta-se para punir as ações que vão pela contramão da preservação dos bens jurídicos. (ALLEGRO, 2005)

Desta forma, o direito penal define como crime o ato de causar lesão a um bem jurídico tutelado. Esta proteção se origina em razão de o legislador considerar a conduta delitiva como sendo não consoante com os interesses sociais comuns aos indivíduos, pois houve uma supervalorização daquele bem jurídico, sendo importante que fosse protegido de uma forma coercitiva, com o intuito de compelir práticas criminosas, fazendo com que o sujeito ativo do crime não agredisse o bem de outrem. (ALLEGRO, 2005)

Assim, acerca das funções limitadoras oriundas da teoria do bem jurídico GOMES (2002) salienta que, o núcleo essencial do denominado princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, ao lado de tantos outros princípios fundamentais, possui função de delimitar o poder de punir estatal. 

Desta forma analisa-se que a teoria do bem jurídico impõe barreiras para o direito de punir estatal, já que condiciona a atividade legislativa a criação de tipos penais incriminadores acerca de condutas que causem lesão bens jurídicos dotados de dignidade penal. (GOMES, 2002)

Conclui-se deste modo que em suma o bem jurídico em sentido amplo é tudo aquilo que possui valor para o ser humano, quanto ao bem jurídico penalmente tutelado temos que se trata de tutela estatal sobre bens indisponíveis e é através desta proteção da instituição do Estado que é possível perceber a atuação do legislador em tipificar penalmente condutas que afetam aos referidos bens. 

 

CAPÍTULO III - DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

Faz-se necessário para completude do presente artigo o estudo aprofundado de crimes contra a dignidade sexual, sendo o enfoque deste capítulo o esclarecimento acerca do estupro, violação sexual mediante fraude e o estupro de vulneráveis. Insta analisar também a perspectiva da consumação e tentativa nos delitos contra a dignidade sexual. Sendo tratado em último as características da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual. 

 

3.1. Estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável.

Após o advento da Lei nº 12.015/2009 o Título VI do código penal deixou de regular acerca de crimes contra os costumes e passou a tratar de crimes contra a dignidade sexual, expressão essa que como citado alhures está diretamente ligada à liberdade e o desenvolvimento sexual da pessoa humana enquanto individuo em sociedade. 

Dentre os crimes contra a dignidade sexual destacam-se estupro, violação sexual mediante fraude e o estupro de vulnerável. O estupro é aquele que se encontra expresso no artigo 213 do Código Penal e possui o seguinte enunciado: 

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: 

Pena- reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 

§ 1 Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: 

Pena- reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 

§ 2 Se da conduta resulta morte: 

Pena- reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (BRASIL, 2009, online)

Desta forma temos que a legislação passou a adotar que aquele pratica conjunção mediante violência ou grave ameaça, obrigando a vítima a praticar ou permitindo que com ela se pratique ato libidinoso de outra natureza, incorre nas penas previstas pelo artigo 213. Mas se da conduta tem-se como resultado lesão corporal de natureza grave, se a vítima é menor de 18 anos e maior de 14 anos ou se da conduta criminosa a vítima vem a óbito temos para estes casos um agravamento da pena, de forma fazer com que quem praticou o crime receba uma pena mais gravosa. (CUNHA, 2016)

Destaca-se que o artigo 1º, V, da Lei nº 8.072/1990, qual seja a lei dos crimes hediondos, classifica o estupro praticado tanto na forma simples quanto na forma qualificada como um crime hediondo, impossibilitando desta forma a caracterização de certos regimes na aplicação da pena. (BRASIL, 1990)

Nos casos de estupro o crime é visto como bi comum, isto significa dizer que qualquer pessoa que o pratique independente de ser homem ou mulher sofrerá com as consequências de seus atos. Assim percebe-se também que não há distinção de gênero, tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos ativos ou passivos do crime. (CUNHA, 2016)

Visto isto, passasse a análise da violação sexual mediante fraude, este crime encontra-se previsto no artigo 215 e tem por objetivo punir aqueles que praticam conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso mediante fraude, ou qualquer outro meio que impeça/ dificulte a manifestação de vontade da vítima. A pena para este crime é de reclusão de 2 a 6 anos e caso cometido com fim de se obter vantagem econômica há de se arbitrar também pena de multa. (BRASIL, 2009)

A violação sexual mediante fraude é considerada pelo ordenamento jurídico brasileiro como um crime comum e sua realização pode se dar através de qualquer pessoa. Desta forma pune-se o “estelionato sexual”, quando o agente sem fazer uso que violência ou grave ameaça induz a vítima a praticar ato libidinoso a fim de satisfazer lascívia própria, através de fraude ou meio que impossibilite o direito de escolha da vítima. (MERLO, 2010)

Neste sentido, destaca-se o exemplo utilizado por LUIZ REGIS PRADO: 

Tome-se como exemplo a mulher que, num baile de máscara, no decorrer da festividade, após separar-se momentaneamente do marido, dirige-se a outra pessoa, pensando tratar-se do cônjuge e, objetivando agradá-lo, convida-o para irem ao motel, sendo que a terceira pessoa, aproveitando-se da situação, não só aceita o convite, como sugere que o ato sexual seja realizado também de máscara e na penumbra.(PRADO, 2008, p.277)

Destaca-se nesse sentido que o autor é claro ao definir que a fraude tem que possuir a capacidade de enganar alguém, sendo necessária a análise de todos os fatos para a real configuração da conduta crime. Ressalta-se ainda que a fraude pode impossibilitar que a vítima perceba o erro, mas jamais impedi-la ou impossibilitar sua capacidade de resistência, pois assim restará configurado o estupro de vulnerável. (CUNHA, 2016)

Superada a questão, tem-se para o momento a análise do crime de estupro de vulnerável. O estupro de vulnerável é aquele previsto no artigo 217-A do Código Penal brasileiro e que possui a seguinte rubrica: 

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: 

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 

§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 

§ 2o  (VETADO)

§ 3o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: 

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. 

§ 4o  Se da conduta resulta morte: 

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (BRASIL, 2009, online)

 

O artigo supramencionado tem por objetivo a tutela da dignidade sexual do vulnerável. Assim faz-se necessário o entendimento de quem é o vulnerável para o código penal, para tanto vejamos: 

Entendem-se como vulneráveis aquelas que não possuem a livre capacidade de entender e de querer o que seja o ato sexual e, tampouco, de consentir validamente com a prática de qualquer ato de natureza sexual, entendido como tal toda a conduta que venha a satisfazer o apetite sexual de quem a pratica. (LIMA, 2017, online)

Nesse sentido consideram-se vulneráveis aqueles menores de 14 (catorze) anos, pessoa com enfermidade grave ou deficiência mental, ou aquelas que não estejam em sua plena capacidade cognitiva impossibilitando a tomada de decisões de forma correta, efeito este que pode ser causado, por exemplo, por excesso de bebidas, uso de drogas, efeitos adversos de medicações, entre outros. Considera-se, portanto este crime como um crime comum podendo ser praticado por qualquer pessoa. (LIMA, 2017)

Em que pese à consumação e a tentativa neste caso em específico, temos que o delito se consuma pela prática do ato libidinoso com pessoa vulnerável ou em estado de vulnerabilidade sendo perfeitamente admitida a tentativa deste, quando o ato não se consuma por situação alheia a vontade do agente. (CUNHA, 2016)

Deste modo restam demonstradas as particularidades de cada crime que atentam contra a dignidade sexual da pessoa humana e encontram punição no Código Penal brasileiro. O legislador com o passar dos anos busca a todo momento não permanecer inerte aos crimes que atentam contra este importante instituto do ordenamento jurídico, de forma a promover intensas e constantes melhoras a legislação e o enrijecimento de suas respectivas penas. 

 

3.2. Consumação e tentativa nos delitos contra a dignidade sexual. 

No ordenamento jurídico brasileiro existem duas formas de se configurar uma conduta criminosa, visto que esta pode se dar na modalidade de tentativa ou ser considerada como consumada. O crime tentado possui como objeto duas teorias que distinguem as modalidades de tentativa que são a teoria objetiva e a subjetiva. 

Neste sentido o artigo 14 do código penal brasileiro prevê o seguinte: 

Art. 14 - Diz-se o crime: Crime consumado I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; Tentativa II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. (BRASIL, 1940, online)

Desta forma elucida-se que para que seja a conduta criminosa considerada como consumada devem estar presentes nela todos os elementos de sua definição legal, assim leva-se em contra o verbo do crime, a exemplo disto temos o crime de estupro, este assume a forma consumada quando se executa a ação de “praticar” ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça. Realizado o verbo do crime dar-se-á este como praticado. (CUNHA, 2016)

Quanto à tentativa, esta recai em maiores discussões tendo em vista a existência de duas teorias para explicar sua caracterização. Porém de forma sucinta a tentativa se exprime no momento em que iniciado o ato o agente ativo é incapaz de consumá-lo por motivos alheios a sua vontade. (LEMBO JÚNIOR, 2014)

Para que a tentativa ocorra o crime já deve ter sido iniciado, desta forma ela será considerada imperfeita ou inacabada quando o autor do crime não pratica todos os atos inerentes a execução. Poderá ainda ser perfeita ou crime falho quando mesmo através da prática de todos os atos da conduta criminosa o crime não se consumar. (LEMBO JÚNIOR, 2014)

Outra modalidade de tentativa se exprime pela tentativa branca, que ocorre quando é desferido golpe contra a vítima, mas este não a acerta, e caracteriza-se a tentativa cruenta quando o golpe atingir a vítima, mas sem que se consume a intenção inicial do autor. (MASSON, 2017)

Quanto às teorias que rodeiam o instituto da tentativa temos que a objetiva versa sobre a tentativa estar ligada ao dano ou a lesão sofrida pelo bem jurídico. Neste sentido a sanção aplicar-se-á em razão do iter criminis percorrido pelo agente e ainda se, de alguma maneira, este não tenha conseguido lesar o bem jurídico perseguido. Esta teoria atualmente é a aplicável perante o código penal brasileiro. (MASSON, 2017)

Ainda no que tange a teoria subjetiva temos que esta não é a adotada pelo código penal brasileiro, mas no transmite o seguinte entendimento nas palavras de LEMBO JÚNIOR (2016) “está ligada à intenção do agente, punindo o crime tentado da mesma maneira que o delito consumado.”. Deste modo, percebe-se que para a teoria subjetiva o sujeito ativo do crime seria responsável pela sua intenção e não pelo dano causado em si. 

Em que pese os crimes sexuais contra a dignidade sexual aqui apontados, quais sejam, estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável, todos admitem a conduta tentada, pois caso ocorra algum evento alheio a vontade do agente que impossibilite a consumação do crime, este ainda incorrerá na pena até onde lhe cabe a responsabilização pela tentativa. (CUNHA, 2016)

Destaca-se que no que tange à violação sexual mediante fraude, destaca-se que este admite tentativa por se tratar de um crime  de vários atos, ou seja, são necessários diversos atos para se consumar a conduta crime, sendo possível a falha do agente em algum destes. (CUNHA, 2016)

Deste modo conclui-se que a tentativa e a consumação se diferem apenas por um ato que venha a ocorrer de forma natural ou provocada e que seja contrário a vontade do agente ativo da ação. Em crimes contra a dignidade sexual são aceitas ambas a possibilidades, tanto de consumação quanto de tentativa. 

 

3.3. Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual. 

A ação penal é caracterizada pelo direito de provocação do Estado em sua tutela jurisdicional, para que seja possível aplicar o direito penal ao caso concreto, ou seja, para que o direito penal seja efetivamente utilizado no combate a crimes o Estado deve ser provocado de forma a aplicá-lo.

Desta forma esclarece-se que o único titular do "jus puniendi" e da pretensão punitiva é o Estado. A ação penal é considerada como um direito autônomo do autor de satisfazer sua pretensão através do poderio estatal e suas garantias individuais, podendo ser considerado também como um direito abstrato, visto que este independe do resultado útil de seu processamento. (CAPEZ, 2007)

Destaca-se ainda que ação penal verse sobre um direito subjetivo em razão do titular poder exigir do Estado-Juiz a prestação jurisdicional para poder punir aquele que age de forma a desobedecer às normas sociais através de crimes, neste sentido e de forma a complementar a ideia se trata ainda de direito público, em razão de a prestação jurisdicional a ser invocada se tratar de natureza pública. (CAPEZ, 2007)

Em razão do dever estatal em punir condutas criminosas a fim de reprimi-las temos que com os crimes contra a dignidade sexual isto não foi diferente, e a Lei nº 13.718 de 2018 surge para garantir que isto aconteça com maior força e rigidez, para que realmente houvesse o alcance da justiça as vítimas destes crimes. (BRASIL, 2018)

Neste sentido o artigo 225 do Código Penal Brasileiro passou a expor que “nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.”. Desta forma todas as ações que versarem sobre as matérias expostas nos capítulos I e II serão processadas mediante ação penal pública incondicionada. (BRASIL, 2018)

A ação penal pública incondicionada a representação por sua vez, vem a versar sobre a titularidade do Ministério Público e o dever deste em promover denúncias contra crimes. O artigo 129, I da Constituição Federal de 1988 dispõe que é função privativa e institucional do Ministério Público, promover a ação penal pública conforme a lei estabelece. Neste liame o artigo 24 do Código Processual Penal brasileiro prevê que nos crimes de ação penal pública, o Ministério Público deverá promover a denúncia. (CAVALCANTE, 2002)

Desta forma quando a ação penal pública for promovida sem que haja necessidade de queixa e independente da vontade do ofendido, configurar-se-á a ação penal pública incondicionada, em razão de esta ser incondicionada a representação, independer dela. (CAVALCANTE, 2002)

Os crimes contra a dignidade sexual tutelados pelo código penal são todos de ação penal pública incondicionada a representação, em razão de ser obrigação do Estado em punir este tipo de criminalidade, não cabendo a vítima a escolha de representar ou não sobre essas barbaridades. (CABETTE, 2012)

Como bem jurídico penalmente tutelado a dignidade sexual é de total responsabilidade do Estado, tendo em vista todos os pactos e acordos internacionais dos quais o país é signatário, fora a sua própria constituição garantir a dignidade sexual através da dignidade da pessoa humana. Deste modo, na atualidade a dignidade sexual é tutelada penalmente de forma a coibir a ação de indivíduos que atentam contra esta. 

 

CONCLUSÃO

De forma a concluir o presente artigo vê-se que a legislação brasileira vem com os anos se tornando intolerante com relação aos crimes contra a dignidade sexual, sendo que, com as atualizações legislativas as penas aplicáveis têm sido incrementadas a cada dia. 

Por sua vez, a intolerância legislativa tem seu nascimento marcado pelo reconhecimento da dignidade sexual como um gênero da dignidade da pessoa humana que deve ser resguardado e a todo o momento tutelado pela instituição estatal. 

A dignidade da pessoa humana não se define de forma concreta e única, mas possui um caráter amplo e diversificado, onde em síntese é possível entender que todo ser humano merece ser respeitado e considerado como parte integrante da sociedade de forma igualitária e isonômica. Para tanto o Estado é sujeito responsável pela manutenção e aplicação prática desse princípio. 

Percebe-se deste modo que para que o ser humano viva plenamente em sociedade com sua dignidade pessoal devidamente respeitada, necessita que a sua vida, princípios morais e éticos, direitos e deveres fundamentais estejam organizados e seguros. Dentre a moralidade e a dignidade humana encontra-se respaldada a dignidade sexual como bem jurídico. 

A dignidade sexual busca a princípio que seja garantida ao ser humano a liberdade sexual, o poder do homem social médio sobre as suas faculdades sexuais e que seja viabilizada ao mesmo a escolha de se relacionar a partir de mútua vontade entre os envolvidos, sem o uso de violência física ou psicológica. Quando esse bem é violado, nasce para o Estado nova responsabilidade em punir o autor dofato e assegurar à vítima o amparo necessário, vez que houve falha em evitar que a conduta fosse praticada.

Para que este bem seja devidamente e penalmente tutelado, a Lei 12.015/2009, juntamente com a 13.718/2018, tem atuado através do poder de polícia e de políticas públicas na repressão de crimes que atentam contra a liberdade sexual de jovens, crianças, idosos, pessoas com necessidades especiais, homens e mulheres em geral, visto que a dignidade se estende a todos de forma ampla e sem discriminação. 

O ponto de abordagem para principal está na ineficiência do Estado em manter seu poder de forma eficaz a fim de produzir políticas públicas que possam coibir condutas que venham a ferir o supramencionado bem jurídico. A responsabilidade assumida após a concretização do fato é encarada como remediação, quando o ideal seria atuar de forma preventiva. 

No entanto, o que pode muitas vezes dificultar a prevenção destes crimes contra a dignidade sexual da pessoa humana, é que em parte estes são cometidos no seio familiar e suas principais vítimas são crianças e os menores de idade, ou até mesmo mulheres vítimas de violência doméstica. 

Através deste, questiona-se de quem é a responsabilidade de fornecer essa prevenção, haja vista que o Estado não possui visão do que ocorre nos lares dos brasileiros, sendo possível ao mesmo atuar somente quando do fato criminoso se produz a devida denúncia. 

Diante todo esse arcabouço teórico normativo justificou-se a escolha do presente tema para clarificar as inúmeras dúvidas e discussões que poderiam surgir no seio social, acadêmico e profissional acerca da Dignidade Sexual como bem jurídico penalmente tutelado. É uma problemática que se acumula, portanto, há motivos suficientes para desenvolver mais pesquisa focando neste assunto. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Data da conclusão/última revisão: 12/06/2021

 

Como citar o texto:

SILVA, Taís Flávia Ferreira Costa da; LIMA, Adriano Gouveia..A dignidade sexual como bem jurídico penalmente tutelado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 20, nº 1047. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/11300/a-dignidade-sexual-como-bem-juridico-penalmente-tutelado. Acesso em 11 set. 2021.

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