Recentes acontecimentos infirmaram a soberania do estado brasileiro. A notória hiposuficiência da instituição estatal em face da nova face da criminalidade, corroborada pela postura alienada dos dirigentes da res pública, trazem à população uma sensação de absoluta carência, desamparo, medo, indignação.

É certo que os demagógicos discursos populistas não podem orientar as ações do estado. Noutro vértice, urge o abissal descompasso entre o processo de especialização do crime e o do aporte repressivo do estado. Basta atentar para a multifacetariedade das condutas criminosas, a diversidade das formas de ação, enfim, a organização do crime, que passou de uma anomalia à uma patologia social, arraigada a própria estrutura da sociedade, e que se prolifera diuturnamente, diante da indiligência do estado no cumprimento de suas funções mais essenciais.

As exasperadas críticas tecidas a atual conjuntura – sendo otimista – ainda se põe dispersas, sem um foco, daí porque atinam ora ao poder Legislativo, quando demonstram insatisfação com o sistema legal, ora com o Executivo, no que respeita a ausência de políticas resolutivas e não meramente paliativas, e ora atentam contra o Poder Judiciário, imputando-lhe responsabilidade pela desordem em razão de sua postura deveras “benevolente”.

Sob este preâmbulo, eis que se revela importante conclusão: Trata-se de um mal institucional, e não de uma deficiência funcional. Com efeito, não se está diante de um problema advindo de uma das funções do estado (legislativa, executiva e judiciária), mas sim de uma debilidade da própria instituição Estado, que não se confunde, obviamente, com “o governo”.

Em outras palavras, não basta melhorar somente o sistema legal, ainda que tal também seja necessário. Da mesma forma, não basta que o judiciário atue de forma menos benevolente, aliás, não só não basta como é impossível, haja vista que, a denominada “postura do judiciário” nada mais é que a eficácia dos primados constitucionais, ou seja, o judiciário não tem opinião, mas reflete, em termos jurisdicionais, o que determina a magna carta. Por fim, de nada valeria que apenas o Poder Executivo se comprometesse com políticas estruturais, visto que a eficácia destas está adstrita ao conjunto de aspectos da organização social.

Diante deste quadro, é latente a idéia de instituição, que representa um conjunto, um organismo, um sistema, onde as unidades interdependentes passam a lograr relevância substancial na medida em que se coadunem em face de uma univocidade. Este caráter institucional, calcado nos ideais de um estado democrático e republicano, cuja pilastra mestra é o sistema de separação de poderes, da mesma forma que visa subsidiar um mecanismo de pesos e contrapesos, acaba, por corolário, adstringindo a atuação do estado a uma estrutura intrincada, burocrática e, sobremaneira, vulnerável a inúmeras variáveis, já que este método interdependente dá substancial relevância à muitos fatores, de natureza peculiar.

Em suma, a priori, deve-se ordenar a atuação estatal a partir de uma postura institucional, e não funcional. Cabe sim ao estado, titular do Poder uno e indivisível de dirigir a sociedade, não só os direitos inerentes a tal posição de supremacia, o contra ponto destes direitos é a responsabilidade pela promoção do bem estar comum, e tal não se dá através de intervenções casuísticas e pontuais, mas sim diante de uma postura institucional coerente, uníssona, comprometida e constante.

Não obstante, é possível também vislumbrar nas próprias funções a figura institucional. Neste sentido, quando se reporta a atuação de qualquer dos poderes/funções do estado, neles também se pode identificar a adstrição ao conjunto institucional. À ilustrar, quando o judiciário atua, o faz com supedâneo nos parâmetros emanados pelo substrato socioeconômico, político, jurídico e cultural, assim, sua intervenção não reflete um entendimento fragmentado, mas a um ideal de organização civil consubstanciado nas entidades constitutivas do Estado.

Latente também que, só há que se falar em postura do estado diante da consciência de seus dirigentes, o que não vem sendo demonstrado pelas atuais atitudes daqueles que as emanam, jungidas de uma onipotência descabida, alienada da realidade dos fatos.

A partir desta ótica institucional, poder-se-ia, como já se declinou, rechaçar de plano as medidas estritamente populistas, como a exasperação de penas, a mudança dos paradigmas legais etc. Contudo, não se quer dizer que tais medidas não sejam plausíveis, ao contrário, são, desde que promovidas como um dos mecanismos de um processo que contemple medidas profiláticas (políticas sociais) e também repressivas.

À concluir, não se pode crer em medidas “mágicas”. As circunstâncias não serão alteradas se o Código Penal criar crimes, se o poder Executivo possuir aporte estrutural capaz de subsidiar uma força policial sine qua non, ou mesmo se o judiciário aplicar com rigorismo extremado a força da lei. Com isso, só que conseguirá construir um cenário caótico, onde se estará constantemente medindo forças, de um lado o Estado e seus associados, vivendo a luz dos parâmetros eleitos democraticamente – ou não – como sendo os ideais, enquanto que de outro lado, teremos um universo de “marginais”, assim entendidos como todos que não se enquadrem na concepção de associados, reproduzindo em pleno século XXI o cenário do ápice do Império Romano, onde quem não era cidadão romano, era bárbaro.

Convém finalmente admoestar que, por mais que o sistema de tripartição de poderes revele um óbice a celeridade e muitas vezes a eficiência do Estado, serve também como mecanismo de equilíbrio, de maneira a não permitir a emersão de uma estrutura inoponível, já que se assim ocorrer, ter-se-á uma iminente tirania, sem barreiras na ética tampouco na legalidade, sucumbindo, por derradeiro, a mais tênue expectativa de um estado de direito, seja a onipotência de uma entidade a que se intitule “Estado” – posto que este pressupõe e legitimidade – seja pelo que se convencionou denominar “quarto Poder” ou “Poder paralelo.

 

Como citar o texto:

SILVA, Flávio Alexandre..Estado, Poder e Crime, um panorama sob a ótica institucional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 193. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1484/estado-poder-crime-panorama-sob-otica-institucional. Acesso em 29 ago. 2006.

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