SUMÁRIO

 

0. Filosofia de linguagem 1. A analise da tipicidade (violação de uma norma) pela filosofia de linguagem 1.1 Colisão de Regra e Princípio 1.2 soluções para a colisão de princípios 1.3 Critérios para a ponderação 2. A analise da ação pela filosofia de linguagem 2.1 A teoria da ação significativa na pratica 4. Conclusões finais Referências

Resumo

Este artigo visa estudar a contribuição da Filosofia de linguagem, tanto na versão de Heidegger como de Wittgenstein ao Direito Penal, abordando a importância da linguagem para definir a tipicidade e constatar a presença de ação significante. Constatando esta importância na teoria, será mostrado como a Filosofia de linguagem influencia no caso concreto na nova lei contra pedofilia.

Palavras Chaves: Filosofia de Linguagem, Wittgenstein, Heidegger, Ação significante

Introdução

Este artigo visa analisar a Contribuição da Filosofia de Linguagem para o Direito Penal. Para isso, num primeiro passo, será abordado a influencia da Filosofia de Linguagem na constatação da tipicidade, para depois analisar sua influencia sobre a constatação da presença de ação significante.

O tema é importante para analisar, se conceitos essenciais como tipo e ação dependem de interpretação ou se são absolutos.

Portanto a pergunta principal a ser respondido por este artigo, é se, tipicidade e ação são conceitos absolutos, ou se dependem das circunstancias e de interpretação no caso concreto. .

A hipótese é, que apesar de poder parecer, que tanto tipo como ação são absolutos, afinal no tipo ou a conduta e prevista na lei ou não é, e na ação, ou houve conduta humana dirigida ou não houve, a situação não é tão claro assim. Tanto o tipo como a ação podem ser alteradas pela interpretação mediante a Filosofia de linguagem.

0. FILOSOFIA DE LINGUAGEM

Direito é linguagem. Tanto as normas legais, como a doutrina e a aplicação da norma pela jurisprudência são feitos mediante linguagem. Mesmo o costume e outras normas não escritas são transmitidos mediante linguagem na tradição oral.

Sendo assim a linguagem é a essência do direito humano, ou seja, sem linguagem não há direito. Diante desta importância da linguagem para o Direito, é extremamente importante dedicar-se no estudo do Direito também ao estudo da filosofia da própria linguagem. Isso é a pretensão da aplicação da Filosofia da Linguagem ao Direito.

Embora, como mostrou Coseriu , a filosofia da linguagem já é estudada desde a antiguidade, ela adquiriu maior relevância a partir das analises de Heidegger e Wittgenstein. Embora as abordagens dos dois filósofos sejam diferentes, ambas estudam a linguagem como expressão da realidade.. Heidegger destaca que na comunicação, não pode ser mais aceita a constelação sujeito-objeto, pois a linguagem une e integra o antes considerado objeto, de tal forma que a constelação é sujeito-sujeito. Este compreensão tem enorme relevância para a interpretação de textos e linguagem em geral e da origem a uma nova forma de hermenêutica, que parte do pressuposto, que não há interpretação neutra. O interprete é sujeito e integra o que deve ser interpretado. As conseqüências disso para o direito e em especial para o direito penal, são abordadas no primeiro tópico.

Wittgenstein, considerado por uns o maior filosofo do século XX , por sua vez é o primeiro filosofo a ter realizado o “giro linguístico”. A partir do giro linguístico a filosofia não analisa mais como o mundo é, mas bem como ele é sendo descrito. Não interessa mais tanto a realidade, mas bem o que se diz a seu respeito, ou seja, como a realidade é sendo compreendida e interpretada. No direito penal isso será importante, porque deixa se de analisar a ação em si, para analisar como a ação é sendo vista e interpretada pela sociedade.

Analisando a descrição do mundo pela linguagem Wittgenstein descobriu também que as próprias palavras não tem um sentido próprio, tem o sentido, que o uso lhe atribui.

Esta constatação pode parecer banal, mas tem consequências existenciais para o Direito Penal, porque a aplicação desta constatação de Wittgenstein não faz nada menos de fulminar o princípio da legalidade, como será mostrado no segundo tópico.

Pelo dito já fica claro, que a Filosofia da Linguagem é bastante significativo para o Direito Penal o que será tratado neste artigo.

Para Pérez “os conceitos mais básicos para a construção do sistema penal são dois: o de ação e o de norma” . Assim não pode surpreender que a filosofia de linguagem pode contribuir na analise destes conceitos.

Na aplicação ao caso concreto isso significa, que a filosofia de linguagem pode ajudar a verificar se num caso concreto houve ação (significante) ou não, ou se uma norma foi violada.

Na analise da ação se verifica, se realmente uma conduta ou omissão pode ser considerada ação, no sentido de ação significante, e na analise da norma, significa, se a ação significante, violou uma norma existente.

Analise-se estes dois aspectos em detalhes:

1. A ANALISE DA TIPICIDADE (VIOLAÇÃO DE UMA NORMA) PELA FILOSOFIA DE LINGUAGEM

O princípio da legalidade garante que só pode ser crime uma ação/omissão que dolosamente ou, se a lei expressamente admite culposamente, viola um tipo legal, que, como garante o principio da anterioridade, anterior a pratica do ato, definiu o ato como crime. O motivo é proteger o cidadão de arbitrariedade de parte do Estado, e estabelecer as regras do jogo. O cidadão tem que saber de antemão o que lhe é proibido. A primeira vista não parece justo punir alguém por uma conduta, que não era proibido quando era praticada . Pois bem, constatado, que só um ato típico pode configura crime, entrar a Filosofia da Linguagem, para analisar se uma norma foi violada. Neste ponto a analise ainda não é à respeito da existência ou não de uma ação/omissão, cuja existência nesta analise se presume, ela é, neste momento, à respeito da interpretação da Norma.

Uma norma, ou, especificamente uma lei penal, é linguagem escrita. Como tal é preciso, que seu significado seja entendido pelo interprete. Esta interpretação deve levar em consideração, além do próprio texto da lei, o ordenamento jurídico com tal, principalmente a Constituição, a sociedade na qual foi escrita e a sociedade na qual será aplicada. Pois pode ocorrer, que uma norma pela mudança dos costumes e forma de vida da sociedade perde seu sentido, apesar de formalmente ainda existe .

Para integrar a lei penal na sociedade pode se usar a filosofia de linguagem, na versão de Heidegger e Gadamer. Martin Heidegger descreve na sua obra “Sein und Zeit ” o circulo hermenêutico, e Gadamar ampliou esta idéia em “Hermeneutik: Wahrheit und Methode ”.

O círculo hermenêutico adverte, que qualquer interpretação sofre a influencia de pré-juízos, alheios ao texto, baseados na expectativa ao texto e nos pré-conhecimentos do interprete . Porém diferente das tentativas anteriores de sair do circulo, Heidegger entende, que não deve se tentar sair do circulo, mas o importante é entrar nele da forma correta , ou seja, com pré-juizos racionais. Gadamer também reconhece, que não é possível que o interprete esqueça todos pré-conhecimentos, para interpretar o texto de forma neutro, mas exige a abertura do interprete para a opinião do outro. Uma vez iniciada a interpretação de um texto, este mesmo serve também como base de pré-compreensão para o resto do texto, assim se forma um circulo de interpretação, o inicio do texto serve como pré-compreensão para a próxima parte do texto, e esta próxima parte como pré-compreensão para a parte final, e uma vez lido todo o texto, este servirá novamente como pré-compreensão para uma nova leitura do mesmo texto, possibilitando assim uma compreensão mais profunda. Assim interpretação não reproduz, mas produz. O interprete pode e vai entender o autor de forma diferente de que ele mesmo se entendeu, e, quem sabe, talvez até melhor. Por isso a interpretação da lei varia de interprete para interprete, dependendo dos pré-juizos. Estes são formados pelas expectativas ao texto, os costumes e as normas constitucionais. Tendo em vista, que as expectativas ao texto dependem muita da própria ideologia e bagagem, e compreensível, que o mesmo texto legal pode ser interpretado de formas totalmente diferentes.

Isso fica mais claro ainda, se a interpretação leva, como deve fazer, em conta, os princípios constitucionais.

A palavra princípio em sentido amplo, conforme Abbagnano, significa: "Ponto de partida e fundamento de um processo qualquer" .

No direito, especificamente, existem três tipos de princípios, os princípios gerais de direito , os princípios constitucionais e os infraconstitucionais . Estes últimos são os princípios, positivados ou implícitos na legislação infraconstitucional. Os princípios constitucionais são normas contidas nas constituições, que visam sobre direitos fundamentais. Podem ser explícitos, ou seja, escritos, ou implícitos, ou seja, deduz-se sua existência pelo fato de que a Constituição é a Constituição . "Os princípios gerais do direito não tem conceito definido" . Conforme Streck, alguns doutrinadores definem, que estes princípios correspondem a normas de direito natural, verdades jurídicas universais e imutáveis . Para Streck, estes princípios não têm um significado isolado, eles "adquirem um significado apenas quando considerados em conjunto com o restante do sistema jurídico: daí a necessidade de se pressupô-lo como uma totalidade" . Na continuação deste artigo, quando usada a expressão "princípio" refere-se aos princípios constitucionais, como sinônimo de "direitos fundamentais".

Conforme Alexy, norma é o gênero, do qual princípio e regra são espécies. Alexy escreve que tanto regras como princípios são normas porque ambos prescrevem o que é devido .

Uma diferença entre ambos é que as regras nos proporcionam o critério de nossas ações, dizendo o que devemos ou não fazer em situações especificas, enquanto os princípios nos proporcionam critérios para nos posicionar diante de uma situação concreta. Aos princípios só se pode dar um sentido operativo aplicando-os a um caso concreto .

Enquanto duas regras , não podem existir junto, quando estão contraditórias, dois princípios contraditórios podem coexistir, sem se invalidarem. Alexy ensina que, enquanto o conflito de regras só admite a declaração de invalidez de uma das regras ou a inclusão de uma cláusula de exceção que elimina o conflito, a colisão de princípios não traz consigo uma invalidação de um dos dois princípios nem a inclusão de uma cláusula de exceção. Este conflito se resolve pela ponderação dos princípios no caso concreto. Ou seja, no caso concreto será ponderado, a qual princípio deve ser atribuído maior peso .

Portanto regras não podem conviver se contraditórias, pois se terá outra norma que prescreve qual regra prevalece. Já os princípios contraditórios podem conviver e serão ponderados no caso concreto, sem poder-se saber de antemão qual princípio prevalecerá. Assim pode ser que numa colisão entre dois princípios num caso prevalece um princípio e em outro caso semelhar, mas um pouco diferente, prevalece, justamente por causa desta diferença, o outro princípio.

Destarte, as regras só admitem um cumprimento pleno, enquanto os princípios admitem um cumprimento gradual , por isso Alexy chama os princípios de "mandamentos de otimização" .

Apresentadas algumas diferenças entre regras e princípios pode-se, no próximo passo, analisar como se resolve o conflito entre regras e princípios.

1.1 COLISÃO DE REGRA E PRINCÍPIO

Um princípio constitucional pode colidir com dois tipos diferentes de regras. Pode colidir com uma regra que não se baseia num princípio constitucional ou pode colidir com uma que se baseia num princípio constitucional.

Na colisão de um princípio com uma regra que não se baseia num princípio constitucional prevalece o princípio, a regra é considerada inconstitucional . Com referência a estas regras Streck ensina que: "a violação de um princípio passa a ser mais grave que a transgressão de uma regra jurídica" porque as normas constitucionais "são vinculativos e têm eficácia" e, portanto ainda conforme Streck, desrespeitar uma norma constitucional significa "uma ruptura da própria Constituição" . E isso, conforme Canotilho vale também para as normas programáticas, a qual "é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da constituição" .

Assim num conflito entre um princípio constitucional e uma regra, que não tem como objetivo proteger outro princípio constitucional, o princípio prevalece. Pois se prevalecesse a regra, significaria o desrespeito à Constituição , o que não só não pode ser admitido, por esta ser hierarquicamente superior, mas também porque, a interpretação conforme a Constituição é um princípio imanente da Constituição que deve ser considerado . Desta forma, qualquer regra deve ser interpretada conforme a Constituição, portanto, em caso de colisão de regra e princípio Constitucional a regra deve ser interpretada conforme a Constituição, e se não for possível, deve prevalecer o princípio, porque se toda regra deve ser interpretada conforme a Constituição, esta não pode prevalecer sobre um princípio Constitucional.

Um exemplo seria o furto de um bombom no supermercado. A regra, que penaliza o furto, artigo 155 do Código Penal, se baseia no princípio do direito à propriedade, princípio constitucional. No caso de furto de um bombom este princípio colide com o princípio da liberdade do autor do fato. Pela ponderação se vê, que a proteção de um bem de valor insignificante, não justifica a limitação do princípio liberdade. Portanto pela ponderação, usando o princípio da proporcionalidade, e invocando o princípio da insignificância, se percebe, que prevalece o princípio da liberdade, não aplicando-se portanto a regra, ou seja no caso do furto de um bombom, o princípio prevalece diante da regra . Mas se o furto fosse de uma jóia valiosa, o quadro muda, a colisão de Regra e Princípio é a mesma , mas neste caso deve prevalecer a regra, aplicando se a pena prevista. Ou seja, na colisão de uma regra, que se baseia num princípio constitucional e um princípio, deve ser ponderado em cada caso, se prevalece a regra ou o Princípio.

1.2 SOLUÇÕES PARA A COLISÃO DE PRINCÍPIOS

Alexy ensina que todos os princípios a priori tem o mesmo valor e peso. Caso dois ou mais princípios colidem, deve ser ponderado no caso concreto qual princípio deve prevalecer para fazer Justiça. Não se resolve o conflito eliminando um dos princípios do rol dos princípios, também não se estabelece uma regra geral, pela qual um princípio prevalece diante de outro, e tampouco se estabelece uma regra de exceção, pela qual em tese um princípio prevalece, mas que em certos casos pode prevalecer o outro. Assim, não existe uma preferência absoluta de um princípio diante de outro mas uma preferência condicionada . Alexy escreve:

A solução da colisão consiste, ao contrário, em estabelecer, considerando as circunstancias do caso, uma relação de preferência condicionada dos princípios. O estabelecimento da relação de preferência condicionada dos princípios, por sua vez, consiste em que, em referência ao caso sejam indicadas as condições sob as quais um dos princípios precede o outro. Em outras condições, a relação de preferência condicionada dos princípios pode ser ao contrario .

A colisão se resolve pela ponderação no caso concreto, mas a lei da colisão, elaborada por Alexy, diz, que se as condições em dois casos diferentes são iguais, deve prevalecer em ambos os casos o mesmo princípio, porém se as condições concretas são diferentes pode prevalecer no conflito dos mesmos princípios o outro princípio .

Assim a solução da colisão de princípios se da no caso concreto mediante a ponderação. Como os princípios são "mandados de otimização" devem ser aplicados, para melhor atender a necessidade da sociedade . Para avaliar, qual princípio é no caso concreto o mais justo, se utiliza o princípio da proporcionalidade, como critério da ponderação.

Alexy mesmo não indica critérios "segundo os quais fosse possível avaliar a adequação de um enunciado de preferência" . Mas ele indica as máximas da proporcionalidade. A ponderação é feito pelo princípio da proporcionalidade , e este contém três máximas, que sempre devem ser observadas. Estas máximas são, a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito . Adequação significa, que as medidas tomadas são aptos para atingir o fim desejado. Necessidade significa verificar, se a medida tomada é a menos gravosa para alcançar os fins desejadas, e a proporcionalidade em sentido estrito é a analise se as vantagens superam as desvantagens .

Na colisão de princípios se pondera os princípios em colisão. No caso concreto será analisado, se a aplicação de ambos os princípios é adequado e necessário, e se realmente for, será analisado, a proporcionalidade em sentido estrito. Assim por exemplo em casos de colisão do principio do direito a imagem com o direito a liberdade de imprensa, muitas vezes já se pode constatar, que a transmissão da imagem não é a medida menos gravosa para atingir o fim informar a população. Poderia-se se limitar a apenas mencionar o nome, ou narrar o fato. Nestes caso nem sequer há colisão de princípios porque o invocado principio da liberdade de imprensa não passa no critério da necessidade.

Alexy conclui, que "para princípios, só será decisiva a dimensão do peso, e isso segundo as respectivas circunstâncias especiais de cada caso" .

No mesmo sentido Günther:

Alexy ajusta o problema de colisão ao caso concreto. Por meio da lei de colisão e da sua ampliação na forma da "lei de ponderação", será possível formar enunciados de precedência referentes às circunstâncias especiais do caso, cujos sinais característicos factuais, combinados com uma determinada conseqüência jurídica, poderão ser transformados em uma regra definitiva. A adequação de um princípio resultará da determinação da relação frente a todos os demais princípios aplicáveis na situação, e das condições efetivas, das quais a concretização do princípio dependerá.

Ou seja, no conflito de princípios, o juiz pondera em cada caso, conforme as circunstâncias, qual princípio deve prevalecer.

Não pode existir uma precedência absoluta entre os princípios, esta necessariamente depende da ponderação no caso concreto. Neste sentido conclui Prieto Sanchis, que o conflito de princípios se resolve pela ponderação, avaliando as circunstancias do caso concreto, estabelecendo entre os princípios uma preferência condicionada, porque se fosse estabelecido uma preferência absoluta, estaria se formulando uma regra , que num princípio é inadmissível, justamente porque, para estabelecer uma preferência absoluta se deveria poder prever todos os casos possíveis, de colisão de princípios, e aceitar como universalmente aceito em todos eles a preferência do princípio, a qual foi atribuída a preferência absoluta.

Se há uma única exceção, não pode se falar em preferência absoluta. Como esta previsão é impossível, não pode haver preferência absoluta de um princípio sobre outro .

1.3 CRITÉRIOS PARA A PONDERAÇÃO

Em caso de colisão de princípios deve ser analisado cada caso concreto para ponderar qual princípio deve prevalecer. A questão é como ponderar, qual princípio deve prevalecer? O princípio da proporcionalidade naturalmente será aplicado, mas como o julgador pode decidir o que no caso concreto é proporcionalmente melhor para fazer justiça?

Alexy propõe a Lei da ponderação, que prescreve, que quanto maior o grau do não cumprimento de um princípio é, tanto maior tem que ser a importância de cumprimento do outro . Ou em outras palavras quanto maior o prejuízo causado pela desconsideração de um princípio, maiores devem ser as vantagens obtidas pela preferência do outro. Esta Lei da ponderação é importante para destacar, que o peso de cada princípio deve ser considerado, mas não é um critério para saber qual princípio tem o maior peso.

Existem critérios para avaliar, qual princípio é proporcionalmente mais adequado para o caso concreto?

Alexy analisou se existem princípios absolutos, que devem prevalecer sempre. Analisou o princípio da dignidade humana e chegou a conclusão de que nem ele é absoluto . Cita como exemplo, que o princípio da dignidade humana pode sucumbir ao interesse da sociedade, no caso de prisão perpetua de criminosos perigosos . Além disso este princípio não pode servir de critério na ponderação porque o conceito e tão aberto, que pode ser facilmente interpretado pelo lado desejado.

Já Dussel formulou o critério material da produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana, como critério da ética. Embora a primeira vista este princípio parece um bom critério para a ponderação, ele não funciona, porque o princípio da vida também não é absoluto, como se vê pelo fato, de que nossa legislação permite, se for necessário, tirar a vida em legitima defesa, até da propriedade. Ou seja, não é um valor absoluto, e portanto sua valoração depende de cada caso. Assim não pode servir como critério para a ponderação.

Em não havendo critérios materiais, resta apenas o critério formal apresentado por Habermas , o discurso. O próprio Habermas e Alexy adaptaram a teoria do Discurso para o direito. Conforme Alexy devem ser estabelecidas regras para o discurso . Resumindo estas regras dizem que cada participante pode falar, e que cada afirmação deve ser fundamentada, quando solicitada. Se for fundamentado e apresentado um contra-argumento, deve ser respondido este contra-argumento. Se se quiser argumentar contra precedentes deve se fundamentar isso . Estas regras devem ser respeitadas, e fiscalizadas pelo Juiz. Este, em base dos argumentos apresentados, toma sua decisão. Para isso é necessário, que o juiz seja imparcial.

Sendo imparcial o juiz avalia, em base da argumentação apresentada pelas partes, qual princípio no caso concreto atende melhor à justiça, ao bem comum e à paz social. Para garantir esta justiça e a segurança jurídica é de importância fundamental, que a decisão seja fundamentada. Os argumentos devem ser avaliados e apreciados de forma imparcial.

Na decisão do Juiz existe o campo de descoberta, na qual o Juiz toma sua decisão. Este é parcial, influenciado pela matriz cultural do Juiz, formada pela educação, pela religião, pela formação acadêmica e pelos estudos, assim é possível, que ele tenha opinião formada a respeito de certos casos. Por exemplo pode ser, que um Juiz católico, sempre decida contra o aborto, independente dos argumentos apresentados no discurso.

Assim o juiz, como ser humano não pode ser neutro, mas, mesmo não sendo neutro, deve ser imparcial e analisar toda argumentação e fundamentar sua decisão.

Esta fundamentação acontece no campo de justificação e não permite arbitrariedade, porque deve seguir requisitos essenciais. Assim a fundamentação da decisão deve ser coerente e consistente com o sistema jurídico, ou seja, em circunstancias iguais, a decisão deve ser a mesma, o que impede que seja tomada uma decisão para favorecer uma determinada pessoa, e num caso igual de outra pessoa, a decisão é outra. Porém se mudam as circunstancias pode ser mudada a decisão. Além disso, a decisão deve ser adequada. Ou seja, as conseqüências positivas devem ser maiores de que as negativas. Aplica-se o princípio da proporcionalidade, que consiste nas três máximas: adequação, necessidade, e proporcionalidade em sentido estrito .

Como critério para avaliar qual princípio é mais adequado, é invocado como primeiro referente a ética.

Na necessidade de fundamentação reside a garantia que o discurso seja apreciado devidamente.

Pelo dito mostra-se também a importância da doutrina. Inconformado com uma norma ou interpretação injusta, o doutrinador escreve um artigo, e este pode ser lido por um juiz, e, se bem feito, o juiz pode-se convencer de que o doutrinador tem razão, e assim, num caso que envolve a matéria, ele se lembrará do artigo, e este fará parte da matriz cultural do juiz, que influencia em seu julgamento. Além disso pode servir de base para a fundamentação da sentença. O artigo também pode ser lido por um advogado, que usa a argumentação apresentada num processo, e o juiz se convence, e julga no sentido pretendido pelo doutrinador.

Embora não se possa estabelecer critérios materiais para a ponderação da colisão de princípios, pode-se apresentar argumentações a favor ou contra um princípio em caso de colisão. Assim, pode-se discutir academicamente, por exemplo, qual princípio deve prevalecer no caso de colisão do princípio de direito à propriedade e do direito à liberdade, nos casos de crimes contra o patrimônio. Não se pode definir de antemão que sempre deve prevalecer um princípio, porque pode haver exceções não previsíveis, porque pelos previsíveis, poderia se formular uma regra de exceção. Também não se pode estabelecer critérios materiais pelas quais se pode resolver o caso. Mas o que se pode fazer, é dar argumentações, por que um dos princípios deveria prevalecer, nos casos hipotéticos analisados. Isso é a tarefa da doutrina.

Cabe ao jurista defender suas idéias e argumentar em seu favor e fazer doutrina, apesar de que, na pratica Warat tem toda razão, quando adverte, que “a historia das verdades jurídicas é inseparável (até o momento) da história do poder ”.

E como tanto esta historia do poder como as expectativas entrem na precompreensão, eles fazem parte da interpretação, formando assim um circulo vicioso. Ou seja, um doutrinador de renome escreve algo no interesse do poder, os tribunais aplicam, e agora na nova interpretação, o interprete já esta influenciado pelas idéias do poder, o que afeta a imparcialidade. Por isso na o pratica é difícil, mesmo com teses coerentes derrubar interesses políticos. Exemplo claro no Brasil é a cobrança por bancos de juros acima de 1% mês, que foi autorizado pelos Tribunais Superiores apesar da, então ainda vigente, expressa vedação constitucional, com teses pouco convincentes.

2. A ANALISE DA AÇÃO PELA FILOSOFIA DE LINGUAGEM

Wittgenstein destacou que mais importa a interpretação do mundo, do que o mundo em si, ou seja, é mais importante analisar, como as pessoas descrevem o mundo de que analisar o mundo. Isso porque a descrição do mundo transmite a interpretação e percepção da realidade. É compreensível, que realmente é mais importante analisar como as pessoas entendem o mundo, do que como ele é. A final a realidade subjetiva é a percepção. O mesmo se aplica a ação. Não importa tanto a ação em si, mas bem, como esta ação é compreendida e interpretada pela sociedade. Mas Wittgenstein não só é relevante para constatar a presença de ação significante como ainda será mostrado, como também é importante para definir a tipicidade. Isso porque para Wittgenstein o significado de uma palavra não é independente, ele dependo do uso, do significado na pratica. Amstutz e Niggli concluíram a partir disso, que nenhuma norma legal possui um único significado, que todos entendem da mesma forma, e que, portanto só a partir da aplicação da regra no caso concreto pode se saber, qual e o significado desta regra . Ou seja, já que nenhuma lei possui um significado absoluto, vai depender da interpretação do judiciário qual é o sentido atualmente valido da norma. Obviamente isso desafia o princípio da legalidade, eis que o cidadão não pode confiar no significado atribuído a palavra pelos dicionários, já que para o judiciário interessa o significado atribuído a palavra da lei pelo judiciário. Um exemplo é o Art. 233 CP, que tipifica a pratica de ato obsceno em lugar publico. Ora, para o Aurélio a expressão obsceno necessariamente implica conotação sexual. Mesmo assim, o simples fato de alguém ficar nu em lugar publico, e considerado, pelo judiciário ato obsceno, mesmo se no caso concreto a nudez não tenha nenhuma conotação sexual. Ou seja, o judiciário atribui um sentido próprio, diferente do usual, a expressão obsceno, e com isso, altera o sentido da palavra e da norma, ampliando a tipicidade da conduta. Obviamente isso viola o principio da legalidade, mas, seguinte Wittgenstein, tendo em vista, que uma palavra adquire seu significado pelo uso, há como fundamentar esta violação, mas como o judiciário desta forma invade o espaço do legislador, esta fundamentação não deveria prevalecer.

Uma vez constatada a tipicidade, seja tipicidade real ou forçada mediante atribuição de significados diferentes do previsto no dicionário a palavras, deve ser analisada, se o ato foi cometido mediante dolo ou imprudência, não é qualquer ação, que interessa o direito penal, mas só a ação intencional ou imprudente, assim a analise da ação deve cumprir sua função limitadora, excluindo as condutas que não tem relevância para o direito penal , como por exemplo, condutas inconscientes, reflexos.

Entendendo a ação como uma conduta humana voluntária dirigida a um fim, levanta se o problema, destacado por Vives, como saber se ação for intencional, eis que atender aos “inverificáveis processos mentais” é impossível. O julgador não tem como olhar na cabeça do autor da ação é não pode saber se a conduta era voluntária e dirigida a um fim. Na pratica a atribuição do dolo é feita motivada pela emoção. Se vê isso, por exemplo, em casos de acidentes de transito, onde um motorista embriagado mata pessoas. Frequentemente estes casos são denunciados e julgados como homicídio doloso, apesar de que é extremamente improvável que o motorista considerou sequer a possibilidade do resultado morte, menos ainda aceitou ele, ou seja, nesta ação não há dolo eventual, nem sequer culpa consciente, mas bem culpa inconsciente, porque por imprudência, o motorista não prevía o resulta, que deveria ter previsto. Isso é a definição de culpa inconsciente. Mas na pratica, já que não da para olhar na cabeça do autor do delito, e que em falta de outros critérios, usa se o critério da emoção e da simpatia, se imputa o dolo, se as vitimas são mais simpáticas de que o Réu.

Vives Anton, baseado nas acima expostas idéias de Wittgenstein, propõe uma saída para este problema. Ele entende, que não importa tanto a ação em si, mas o seu significado. Ou seja, não importa tanto, o que foi feito, mas o qual é o significado desta ação . Naturalmente este significado deve ser interpretado, e para isso se analisa as circunstancias.

Resumindo, Vives entende que uma mesma ação, pode ser uma ação relevante para o direito, como pode ser uma ação totalmente irrelevante, dependendo das circunstâncias externas verificáveis no caso concreto. Para o finalismo, a mesma ação também podia ser típica ou não, dependendo se houve dolo ou não, mas a verificação do dolo dependia de condições internas, não verificáveis do autor, a diferença na teoria da ação significativa e, que estes condições internas, foram substituídas por circunstancias externas verificáveis, reduzindo significativamente a incerteza e arbitrariedade.

2.1 A TEORIA DA AÇÃO SIGNIFICATIVA NA PRATICA

Mostra-se a utilidade do acima exposto, analisandos os Art. 240 e 241 do ECA na sua nova redação . Esta regra é altamente questionável, pois não só avança as barreiras de imputação de forma incompatível com o Estado Constitucional, como também penaliza condutas, que nem por perto chegam a violar um bem jurídico tutelado e introduz um verdadeiro direito penal do autor. Além disso, a má redação quase garante a aplicação da analogia em malam parte e deixa lugar para subjetivismo.

Mas também permite em casos concretos a constatação da não existência de crime, por falta de ação significante, como será agora mostrado.

Uma conduta só é relevante penalmente, quando se iniciou a execução de um fato típico. Enquanto o cidadão sonha, fantasia, imagina, visualiza, planeja ou desfruta na sua mente a execução de um fato típico, isso em nada interessa o direito penal, da mesma forma, se o individuo, desenha ou cria virtualmente no computador a imagem do crime realizado, ou até se ele, para seu uso exclusivo, cria um jogo de computação, na qual simula, por exemplo, matar uma criança. Mesmo se o jogo fosse bastante realista, com detalhes chocantes, mesmo assim, para o direito penal esta conduta seria irrelevante e embora, poderia indicar sérios problemas mentais, não justificaria internação, pois a aplicação de medida de segurança pressupõe no mínimo a tentativa de um fato típico. Como a tentativa só é possível a partir do início da execução, o jogo não configuraria fato típico. E assim tem que ser. O cidadão deve ter o direito de pensar o que quiser, e viver suas fantasias livremente, desde que não viola nenhum bem jurídico tutelado. Como a criação de um jogo de computação para uso particular, a fotomontagem, o desenho particular, que retrata ou simula cenas cruéis ou ate perversos, não prejudica ninguém, não há justificativa de tipificar e punir estes atos. Assim é corretamente com o homicídio e qualquer outro crime, pode se fantasiar sobre qualquer deles impune, só não pode tentar de comete-lo. A exceção é a simulação de pornografia envolvendo menores. Ou seja, se alguém cria no seu computador uma personagem com traços humanos, que aparenta ser menor de idade, e simula esta personagem em cenas pornográficas, estamos diante de um fato típico, previsto no Art. 241-C do ECA. Ou seja, de repente a simples fantasia, sem violação a qualquer bem jurídico tutelado virou crime.

Trata-se aqui de um avanço da barreira de imputação inaceitável, pois a barreira da imputação, que começa normalmente com o inicio da execução foi avançado até a o momento da fantasia, nem sequer alcançou o estagio do planejamento, pois fantasiar com sexo com menores, de forma alguma significa a intenção de pratica-lo, como fantasiar com adultério, também não significa pratica-lo. Pode até em ambos os casos ser, que a fantasia só não é colocada em pratica por medo das conseqüências penais e patrimoniais, mas mesmo assim não e colocada em pratica, portanto avançar a barreira de imputação ao estagio da fantasia e simplesmente inaceitável num estado constitucional.

A justificação para este avanço da barreira de imputação é a facilitação da obtenção de prova e direito penal do autor. A lei aqui abordada existe em forma semelhar na legislação alemã e é sendo discutida pela doutrina alemã. Assim Schroeder explica, que a justificação da tipificação da posse de pornografia infantil serve para poder punir pessoas, que produzem material pornográfico, porém de uma forma que as pessoas no material não são reconhecível. Podendo punir a mera posse não é mais motivo para absolvição a negação da participação na filmagem ou a produção da mesma. A mesma idéia, para Schroeder, se aplica para a justificação da punição da posse de material que simula pornografia infantil. Como a simulação digital é indistinguível de material real, poderia se argüida em defesa, que o material encontrado foi feito virtualmente em computador, não sendo real. O ônus da prova caberia a acusação e como seria difícil produzi-lo, resolveu o legislador punir a posse, mesmo de material simulado, para facilitar a produção de prova.

Outro argumento pelo avanço da barreira de imputação, mencionado por Schroeder, é o direito penal do autor. O legislador entende, que quem possui material de pornografia infantil, mais cedo ou tarde, vai violentar pessoas reais.

Obviamente isso é direito penal do autor. A pessoa não é sendo punido pelo que fez, (até por que na concepção e Roxin não fez nada penalmente relevante ainda), senão pelo que é (pedófilo).

Deve ficar claro, que não é crime, e jamais poderia ser crime, ser pedófilo . Só pode ser crime uma conduta típica, não uma forma de ser. A palavra pedofilia vem do grego ?????????? (pedophilia) ?????? (paidos) (que significa "criança") e ????? (philia) ("amizade") e designa hoje, a preferência de crianças (até 12) ou adolescentes (12-18) como objeto de atos libidinosos. Não é necessária a presença da criança no ato libidinoso para se configurar a pedofilia. (Exemplo:. uso de fotos de crianças para atos libidinosos) A pedofilia, por si só, não é um crime, mas sim, um estado psicológico, e uma conduta sexual, hoje não aceitada por nossa classe dominante. ( Na Ásia ainda existem paises (p.e. Índia, Paquistão), onde meninas de 10 anos ou menos casam e tenham relações sexuais com seu marido). E até no nosso pais, tanto na tradição indígena, como nas periferias das cidades do norte e noroeste, como nas zonas rurais do norte e noroeste, e totalmente normal meninas de 12, 13 anos viverem em união estável (considerando-se casado). Na Roma e Grécia antiga relações sexuais com menores de ambos os sexos eram pratica comum, tanto nas cortes como na elite. (Platão: o banquete).

Assim, tendo explicado, que a pedofilia, por si, não é crime, deve ficar claro, que condutas motivados por pedofilia, só podem ser penalmente relevantes, quando violam um bem jurídico tutelado, como, por exemplo, a liberdade sexual de crianças e adolescentes. Assim, o mero fato de alguém ser pedófilo, não pode ser crime. Porem, a tipificação da posse de material pornográfico infantil, avança para este caminho. Roxin deixa claro, que “os simples atentados contra a moral não são suficientes para a justificação de uma norma penal. Sempre que eles não diminuem a liberdade e a segurança de alguém, não lesionam um bem jurídico. ” Portanto, para Roxin, a posse de material pornográfico infantil, real ou virtual, por si só, não deveria ser crime.

Mas no Brasil e na Alemanha o é. Porém a analise no caso concreto, pela filosofia de linguagem, pode excluir a ação significante. Para configura o fato típico de posse de material pornográfico infantil, deve se entender primeiro o que é considerado pornográfico. A lei brasileira facilita esta compreensão porque define no Art 241-E, que “a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais”. Portanto não há necessidade de definir a expressão pornográfico, mas deve ser analisado, se houve fins primordialmente sexuais. E aqui entra a filosofia de linguagem.

Se, por exemplo, numa foto de um adolescente desnudo, não aparecem órgãos sexuais, o fato é atípico. Assim estranhamente é atípico, a posse e até a produção e o comercio de fotos de adolescentes nus, que em vez de mostrar os órgãos sexuais, exibem as nádegas, mesmo se os fins são primordialmente sexuais, porque sem duvida alguma, nádegas não são órgãos sexuais . Porém não se duvida, que em ambos os casos, apesar da ausência de tipicidade, por falhas na redação do texto legal, se evidente o fim sexual, principalmente em casos de comercio e produção, a pena será aplicada seja por analogia, apesar de que a lei penal proíbe a aplicação da analogia para prejudicar o Réu, ou seja pela, acima explicada atribuição de novo significado a expressão “órgão sexual”. Pode, por ter o poder, o judiciário resolver, atribuir a esta expressão um significado que inclui também para fins penais pelo púbico e nádegas. Claro, que desta forma viola o princípio da legalidade e invade o espaço do legislador, e, portanto tal pratica não coadune com um estado de direito, mas tendo o poder, nada impede que o judiciário o faça.

Mas uma vez constatado um fato típico, por exemplo, a posse ou produção do foto duma criança nua, onde os órgãos sexuais são exibidos, ainda resta analisar, se os fins são primordialmente sexuais. Como é impossível entrar na cabeça do acusado, devem ser usados outros critérios para definir, quais são os fins da posse e até da produção das fotos.

Pois é evidente, que é uma grande diferença se um pai possui uma foto de seu recém nascido filho tomando banho, mostrando os órgãos sexuais, ou se um pedófilo, já condenado diversas vezes por molestar sexualmente crianças, possui a mesma foto. Porém a dúvida é, quais são critérios objetivas, para verificar e demonstrar estes diferenças no caso concreto. E para isso serve a filosofia de linguagem. Busato, expressando as idéias de Vives, citado por Pérez, deixa claro, que “com a mudança de referencia para uma filosofia de linguagem, a ação passou a ser entendida ´não como algo que os homens fazem, mas como o significado do que fazem; não como um substrato, mas como um sentido.”

Ou seja, não interessa tanto a ação em si, interessa o que esta significa para os demais. Este significado para os demais é constituído não só pela ação, senão também pelas circunstancias em que se produz. Vives explica: “só podemos analisar as manifestações externas, mas, através dessas manifestações externas podemos averiguar a bagagem de conhecimentos do autor (as técnicas que dominava, o que podia prever ou calcular) e entender, assim, ao menos parcialmente, suas intenções expressas na ação ”. Ou seja, se analisa as circunstancias, (quem , que, quando, onde, com quem, para que, por que) e desta analise, pode se em alguns casos excluir a existência de ação significante.

Fletcher partilha a mesma idéia, quando destaca que: “percebemos uma ação só entendendo o contexto no qual ocorre ”.

Sem ação (ou omissão) não há delito. Para Vives só é ação penalmente relevante a ação significante. Desta forma se atribui ao conceito de ação uma função negativa, no sentido, de que, constatado, a inexistência de ação significante, não há crime.

Nos exemplos acima exposto isso significa que no caso do pai que tira ou possui uma foto de seu recém nascido filho tomando banho, mostrando entre outros os órgãos genitais, não há ação significante, porque o significado da ação que as circunstancias transmitem a sociedade é de uma ação normal, penalmente irrelevante, de uma conduta inocente, que não merece reprovação. Portanto, apesar de uma eventual tipicidade, não há delito. Porque as circunstancias mostram que a ação é insignificante. No caso o Art 241-E exclui a tipicidade pelo mesmo motivo, ou seja, aqui a analise da tipicidade e da ação são simultâneas. Isso porque a tipicidade do fato depende do critério subjetivo da motivação (fins sexuais). A analise da motivação se da na analise das circunstancias da ação. Diferente é a situação na analise dos critérios objetivos do Art. 241-E (exibição de órgãos sexuais). Pode até ser que a analise da ação (circunstancias) evidenciaria a finalidade sexual, mas mesmo assim, se não houver exibição de órgãos sexuais, a produção de uma foto de uma criança nua, não é crime .

Do outro lado na presença de tipicidade objetiva, nos casos onde é dispensada a presença de tipicidade subjetiva, pode se recorrer ao conceito da ação significante, para excluir a ação, e com isso o crime. Exemplo é a posse de fotos ou vídeos, que mostram crianças ou adolescentes em atividade sexual explicita. Neste caso, para configurar o tipo, a finalidade é irrelevante. Mas a finalidade não é irrelevante para configurar ação significante. Assim se alguém possui material que mostra adolescentes em atividade sexual com um adulto, e usa este material para chantagear o adulto, deve responder por extorsão, mas não por posse do material, por que isso apenas é o meio, para o fim extorsão. Assim, não há ação significante, não violação do bem jurídico liberdade sexual do adolescente pela posse, nem perigo a liberdade sexual. Portanto, embora típica, não há o crime do 241-B, por falta de ação significante. (Mas o fato configura crime de extorsão)

Casos bastante polêmicos são a produção e posse de obras de artes e de fotos e vídeos naturistas mostrando crianças ou adolescentes exibindo órgãos sexuais. No primeiro caso, seja citado como um exemplo a arte clássica, por exemplo, a pintura “Das Christuskind als Überwinder von Tod und Teufel” de Lucas Cranach d. Ä de 1534. A pintura mostra um nu frontal de Jesus Cristo como criança, portanto se enquadra ao principio no Art. 241-C cc com o Art. 241-E. Assim quem possui replicas do quadro, já que o original se encontra no Museo Schloss Gottorf na Alemanha, pode, em tese, cometer o delito previsto. Depende da finalidade. O mesmo se aplica aos fotos e vídeos naturistas. Como exemplo a reportagem do SBT Repórter sobre a Colina do Sol de 1999. Também houve exposição incluindo nu frontal de crianças e adolescentes de ambos os sexos. Novamente, quem possui a copia da reportagem, pode em tese, infringir o Art. 241-B, depende, conforme Art. 241-E da finalidade.

E como não se pode olhar dentro da cabeça da pessoa que possui as imagens, novamente se recorre aos critérios de Vives e Fletcher, analisando as circunstancias.

Tendo em vista ainda a função negativa do conceito da ação, isso significa, que, caso analisando as circunstancias, se chega a conclusão, que a posse do material não possui finalidades sexuais, o fato é atípico. Por exemplo, no caso de um colecionador de Arte, ou de uma pessoa normal com bons antecedentes etc.

Se, porém algumas circunstâncias são comprometedoras, não se pode excluir a tipicidade, embora sua confirmação dependa, de outras circunstancias que devem ser comprovados. Por exemplo, se uma obra de arte, ou vídeos ou fotos naturistas envolvendo crianças exibindo órgãos sexuais, são encontradas na casa de uma pessoa acusado de molestar sexualmente crianças, há uma presunção júris tantum pelas circunstancias, de que as fotos tenhas fins sexuais. Obviamente haverá contraditório e pode, se for o caso, no caso concreto ser comprovado, que as fotos tenham outra finalidade.

Assim tem-se as seguintes constelações:

1. A tipicidade é objetiva

1.1 Na ausência de tipo não interessa a ação. Não há crime. (Exemplos além de formas obvias como fotos de adultos, ou de crianças e adolescentes vestidos, são também, e isso deve mudar, fotos de crianças e adolescentes despidas que não mostram órgãos sexuais, inclusive se são escondidos atrás dos pelos púbicos)

1.2 Na presença de tipicidade objetiva pode se recorrer ao conceito da ação significante, para excluir a ação, e com isso o crime. Exemplo é a posse de fotos ou vídeos, que mostram crianças ou adolescentes em atividade sexual explicita. Neste caso, para configurar o tipo, a finalidade é irrelevante. Mas a finalidade não é irrelevante para configurar ação significante. Assim se alguém possui material que mostra adolescentes e atividade sexual com um adulto, e usa este material para chantagear o adulto, deve responder por extorsão, mas não por posse do material, por que isso apenas é o meio, para fim extorsão. Assim, não há ação significante, não violação do bem jurídico liberdade sexual do adolescente pela posse, nem perigo a liberdade sexual. Portanto, embora típica, não há o crime do 241-B, por falta de ação significante. (Mas o fato configura crime de extorsão)

2. A tipicidade e objetiva e subjetiva

Exemplo posse de fotos de crianças nuas exibindo órgãos sexuais para fins primordialmente sexuais.

Na ausência de tipo objetivo, não há crime. Não há necessidade de analisar o tipo subjetivo. Na presença do tipo objetivo, ainda deve ser analisado o tipo subjetivo.

Isso se da pelas circunstancias. Se as circunstancias indicam a ausência do requisito subjetivo (fins primordialmente sexuais), não há fato típico. A analise da ação significante se da pelos mesmos critérios, assim os dois neste caso se confundem. Assim pode se entender pela ausência de crime, tanto por ausência de tipicidade, como por ausência de ação significante.

Se além do fato típico objetivo, as circunstâncias indicam a presença do tipo subjetivo, as mesmas circunstâncias também indicarão a presença de ação significante. Neste caso haverá oportunidade para o Réu, de provar, que as circunstâncias foram mal interpretadas, ou foram forjadas etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a presente investigação pode se responder a pergunta inicial confirmando a hipótese de trabalho. Realmente tanto a tipicidade de um fato, como a presença de ação significante dependem de uma analise no caso concreto. Mesmo se comprovado a conduta aparentemente típica, deve ser analisada se a conduta é justificada pela presença de normas constitucionais que a autorizam.

Em caso de colisão de princípios constitucionais com a lei penal deve ser analisada se a lei se baseia num principio. Se não a lei não pode prevalecer, se sim deve ser ponderado o peso de cada princípio no caso concreto. Não existe preferência absoluta, ou seja, que um princípio prevalece em frente de outro.

Só existe a preferência condicionada pela qual, no caso concreto, um princípio prevalece. Mas pode ser que em outro caso diferente prevalece o outro princípio.

Na ponderação deve ser avaliada, mediante o princípio da proporcionalidade, qual princípio atende melhor os fins justiça, paz social e bem comum. Para fazer esta avaliação não existem critérios materiais, apenas formais.

O critério formal é o discurso, cujas regras devem ser fiscalizadas pelo juiz. O juiz deve ser imparcial e analisar todos os argumentos trazidos pelas partes.

A segurança jurídica é aumentada pelo fato de que o juiz deve necessariamente fundamentar sua decisão, fundamentando por que deu preferência a um princípio e não ao outro.

Na presença de um fato típico, ainda deve ser analisado se houve ação significante. Isso se consta pelas circunstancias. Se estes indicam a presença de ação significante, prossegue se com o processo, mas se as circunstancias indicam que não a ação penalmente relevante, a função negativa do conceito de ação indica claramente a ausência de crime, motivo pelo qual deve ser arquivado o inquérito o absolvido o Réu, tão logo se verificou a ausência de ação significante.

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Data de elaboração: agosto/2010

 

Como citar o texto:

KOHN, Edgar..Direito Penal e Filosofia da linguagem. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2148/direito-penal-filosofia-linguagem. Acesso em 14 fev. 2011.

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