A palavra prisão provém de sua raiz latina “prensio”, cujo significado consiste em “Agarrar, prender”. No ordenamento jurídico penal pátrio, tal como na esmagadora maioria dos países que consagram um estado democrático de direito, há duas modalidades de prisões penais: prisão pena (ad poenam) e prisão sem pena (ad custodiam). A primeira, consagra em última análise aplicação de sanção penal, previamente definida, após o transocorrer de processo judicial, com todas as garantias processuais ao réu.

No Brasil, em razão do princípio da presunção de inocência ser tanto regra de tratamento quanto de julgamento, somente é possível a aplicação da prisão pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória, para a acusação, sendo que a jurisprudência é firme em vedar, salvo em benefício do setenciado, a fim de auferir os benefícios de execução penal, a execução provisória da pena, notadamente nos casos dos recursos extraordinárias, que por carecerem de efeito suspensivo no plano infraconstitucional, poderiam suscitar a defesa da execução provisória da pena, o que não ocorre – como já mencionado – em razão do princípio da presunção de inocência, de tal forma que na eventual hipótese de um recurso especial ou extraordinário, da defesa, contra decreto condenatório, não será possível execução provisória da pena. Exceto a possibilidade de fruição, no caso de prisão cautelar, pelo réu, dos benefícios da execução penal, tal como a progressão de regime, “Verbi gratia”.

Por sua vez, a prisão sem pena é aquela de nítida natureza processual, que não encerra uma punição em si, mas, em verdade, busca a cautelaridade na segregação do agente a fim de resguardar o próprio fim processual (ao menos em tese). Isto é, seu objetivo é o processo em si, e não o seu objeto. O seu natural desenvolvimento, razão pela qual já se antecipa a críca ao conjunctura ordem pública que teria mais fim extraprocessual do que processual. Destaca-se que em razão da natureza jurídica das medidas cautelares serem o processo, são denominadas, por alguns autores, de processo ao quadrado.

Além da prisão penal, que se subdive nos dois segmentos acima abordados, também há prisão civil, que no Brasil, por dicção constitucional, somente é cabível no caso do devedor de alimentos e depositário infiel, sendo que a última, foi proscrita do ordenamento jurídico pátrio, em razão de interpretação judicial, que por considerar a natureza jurídica supra legal do pacto de são josé da costa rica, que somente fraqueia a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos, entendeu, pois, ser inaplicável a legislação infraconstitucional que disciplina a prisão do depositário infiel, de tal forma que é certo afirmar que a única modalidade de prisão civil que subsiste no Brasil, em razão tanto dos controles de constitucionalidade quanto de convencionalidade é a do devedor de aliemntos.

No mais a mais, ainda que com a reforma provocada pela lei 12.403/11, no CPP, tenho sido expressamente revogada a prisão administrativa, ainda há autores, a exemplo do magistrado paulista Guilherme de Souza Nucci, defensores de que as prisões durante estado de defesa e sítio, decretadas por autoridade administrativa, bem como as de natureza militar disciplinar, têm o conteúdo de uma prisão administrativa.

Pois bem, superada a digressão acerca do tema prisão, cumpre enfrentar aquela objeto do presente artigo, qual seja a cautelar, e mais precisamente um dos seus pressupostos – fator de intenso debate jurídico - ordem pública.

Hodiernamento, no odenamento jurídico pátrio, após inúmeras reformas no CPP que buscaram compatibilizar nosso diploma instrumental processual, de forte raiz fascista e inquisitorial, aos ditames da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que em seu art. 129, inciso I, adota o sistema acusatório (actum trium personarum), subsistem apenas três prisões processuais, duas previstas no próprio CPP, e outra na lei 7.690/90.

A primeira é a prisão em flagrante. Cumpre destacar que muito embora a doutrina majoritária, a exemplo de Denilson Feitoza, ainda entenda que se trata de prisão autonôma, com a reforma provocada pela lei 12.403/11, que é categórica, ao dispor no art. 310, do CPP, que o flagrante é convalidade em relaxamento, liberdade provisória, ou prisão preventiva, há inúmeras vozes doutrinárias, como Renato Brasileiro de Lima, Aury Lopes Júnior e Nestor Távora, no sentido de que se trata, em verdade, de nítda prisão pré cautelar, já que não é um fim em si mesmo, mas meio acautelatório para outra modalidade de prisão, qual seja a preventiva ou temporária.

Por sua vez, a prisão temporária, que veio a fim de substituir a proscrita, e incompatível com a nova ordem constitucional, prisão por averiguação. Sua natureza jurídica é nitidamente pré processual, com o fulcro de auxiliar na investigação criminal, e não no processo propriamente dito.

A prisão preventiva está prevista no art. 312, do CPP. A despeito do art. 310, com a redação imposta pela lei 12.403/11, que passou a elencar outros requisitos para a sua decretação, tem por pressupostos: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência na instrução criminal, aplicação da lei penal no tempo.

Cumpre destacar que tais elementos são alternativos e não aditivos, de tal forma que basta a presença de um, e não de todos, a fim de que sirva de embasamento legal para decretação da prisão preventiva.

Em relação ao pressuposto de garantia da ordem econômica, cumpre registra o elogio tecido pelo autor Guilherme de Souza Nucci, que a exemplo de tecer severas críticas à prisão especial, entende que com o pressuposto da garantia da ordem pública, houve uma democratização das prisões, pois setores econômicos outrora intangíveis pelo judiciário, passaram a carecer de tal privilégio.

Provavelmente o elemento mais truncado e que em razão da sua vaguesa semântica mais cause discussão jurídica é a junção “Ordem pública”. Trata-se de um termo vago, que carece de suporte objetivo que tal como a sua pretensão cautelar, pudesse resguarda a segurança jurídica. Ressaltando que em razão do juízo de sumariedade inerente às cautelares, a irradiação da segurança jurídica deve ser até mesmo maior do que no processo, carreado de garantias processuais, e de juízo ordinário, além da própria presunção de inocência como regra de julgamento. 

Pois bem, diante da já ressaltada vaguesa semântica, existem ao menos quatro correntes doutrinárias e jurisprudenciais que tentam conceituar o que se entende por ordem pública.

A primeira corrente é encabeçada pelo autor Aury Lopes Júnior. Para ele, tal disposição, prevista em legislação infraconstitucional, por não ter natureza cautelar processual, mas, em verdade, nitidamente extraprocessual, em razão de, encerrar a própria antecipação da aplicação da pena, bem como a utilização do processo como instrumento de segurança pública, é inconstitucional

não é cautelar, pois não tutela o processo, sendo, portanto, flagrantemente inconstitucional, até, porque, nessa matéria, é imprescindível a estrita observância ao princípio da legalidade e da taxatividade. Considerando a natureza dos direitos limitados (liberdade e presunção de inocência), é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva (in malan artem) que amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformá-la em medida de segurança pública. ( LOPES JR. Aury. Novo regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Porvisória e Medidas Cautelares Diversas pg. 93)

A segunda corrente, criada e  defendida pelo magistrado paulista, Guilherme de Souza Nucci, entende que a junção ordem pública estará caracterizada na conjunctura do trinônimo: repercussão social, gravidade da infração e periculosidade do agente. Assim, buscando embutir elementos descritivos e objetivos à ordem pública – de solar vagueza – o consagrado autor paulista enumera determinados pré requisitos que somente na agregação de todos, no caso concreto, serão fatores sintomáticos da caracterização de garantia de ordem pública, a fim de fundamentar decreto de prisão preventiva, tendo esse pressuposto.

A terceira corrente, que já teve repercussão inclusive no Supremo Tribunal Federal, defende que a ordem pública restará violada quando a repercussão social do crime, tal como a morosidade na aplicação “In concreto” da pena forem de tal monta que coloquem em descrédito as próprias instituições do sistema criminal.

O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública (…) Questão de ordem que se resolve no sentido do indeferimento da liminar (STF, HC-QO 85.298/SP, rel. Min. Marco Aurélio, rel. para o Acórdão, Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 29.03.2005, DJ 04.11.2005)

Por fim, a quarta corrente corrente, de forte repercussão na jurisprudência dos tribunais superiores, mais precisamente no STJ, entende que estará caracterizada violação da ordem pública quando, diante de elementos objetivos e concretos seja possível aferir que determinado agente, usufruindo de sua liberdade, cuja segregação somente se dará com o trânsito em julgado da sentença condenatória, irá prosseguir na sua reiteração criminosa, de tal forma que a garantia da ordem pública seja justamente evitar a violação da ordem social diante da reiteração de crimes que possam, por ventura, serem perpetrados.

Diz o STJ,

A jurisprudência do STJ e a do Supremo Tribunal Federal são uníssonas no sentido de que a periculosidade do agente e o risco de reiteração delitiva demonstram a necessidade de acautelar o meio social para que se resguarde a ordem pública e constituem fundamento idôneo para decretação da prisão preventiva. Precedentes. (HC 285338 / PI)

Pois bem, são essas as quatro correntes que buscam embutir na ordem pública, elementos objetivos que tragam segurança jurídica na sua aplicação. E ainda, extrair a interpretação jurídica possível dessa, por execelência, cláusula geral.

Conclusão

À guisa da conclusão, cumpre registrar que a despeito da dificuldade em se conceituar o que seja ordem pública, até o presente momento, não fora declarada sua inconstitucionalidade, como defendido pelo autor Aury Lopes Júnior, como já ressaltado, no presente artigo, de tal forma que se tratando de disposição legal expressa e em vigor, por mais que o julgador tenha em seu íntimo o equivoco na opção do legislador, cabe a ele aplicar a lei. Como muito bem lembrado por Lênio Streck, uma coisa é não gostar da lei, outra muito diferente é tachá-la de inconstitucional. Assim, é de enorme valida o esforço doutrinário e jurisprudencial na busca de conceituar o que seja ordem pública, a fim de, diante de uma norma em pleno vigor, proporcionar elementos objetivos, inerentes ao processo, quiça então medida de natureza cautelar, para a sua aplicação.

Referências

LOPES JR. Aury. Novo regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Porvisória e Medidas Cautelares Diversas pg. 93

 

 

Elaborado em janeiro/2015

 

Como citar o texto:

MARTINS, Pedro Vinicius Meneguetti..A Ordem Pública Como Pressuposto Para Decretação Da Prisão Preventiva No Processo Penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1237. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3420/a-ordem-publica-como-pressuposto-decretacao-prisao-preventiva-processo-penal. Acesso em 3 mar. 2015.

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