Resumo: O objetivo do presente artigo científico é a apresentação da importância da garantia da dignidade humana e da racionalidade (ao invés da emoção) na atividade de jus puniendi do Estado, tanto para a incriminação das condutas quanto para o julgamento do caso, a aplicação e a execução da pena. A reação à prática de um delito deve respeitar os direitos e garantias fundamentais, previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988. É necessário evitar que o Direito Penal tenha o caráter de vingança, característica marcante no passado. O estudo sobre a vingança tem caráter interdisciplinar, e é muito utilizado o mito de Medeia para a explicação deste fenômeno.

Palavras-chave: Direito Constitucional; Direito Penal; Direitos e Garantias Fundamentais; Vingança; Medeia

 Sommario: Lo scopo di questo lavoro di ricerca è presentare l-importanza di garantire la dignità umana alla luce della puniendi lo ius Stato. La reazione alla commissione di un reato deve rispettare i diritti e le garanzie previste dalla Costituzione federale del 1988. E -necessario assicurare che il diritto penale ha la vendetta della natura, una caratteristica tipica del passato. Lo studio della vendetta ha carattere interdisciplinare, ed è ampiamente usato il mito Medea per spiegare questo fenomeno.

Parole chiave: Diritto costituzionale; Diritto penale; Diritti e garanzie fondamentali; Revenge; Medea

Sumário: 1. Introdução; 2. Direito Penal e a proteção dos cidadãos frente à atuação Estatal; 3. Vingança e o mito de Medeia; 4. Conclusão; 5. Referências

1. Introdução

O Direito Penal Brasileiro é um ramo do Direito autônomo, com princípios e regras próprios. É essencial o respeito às normas previstas na Constituição Federal brasileira vigente para o estudo sobre os princípios penais. Os princípios constitucionais são limitadores do Direito Penal. Segundo Gianpaolo Smanio e Humberto Fabretti (obra - Introdução ao Direito Penal: Criminologia, Princípios e Cidadania. 2ª ed. Atlas. São Paulo. 2012. p.131):

“As limitações que a Constituição Federal estabeleceu para o legislador penal estão previstas no extenso rol do art. 5º, como direitos e garantias individuais e coletivos, determinando, assim, às vezes de forma expressa e às vezes de forma implícita, os limites ao jus puniendi estatal. Forjam-se, portanto, na Constituição Federal, os princípios limitadores do Direito Penal. Entretanto, conforme lição de Paulo Queiroz (Direito Penal – Parte Geral – 5 ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2009. P. 42), “os princípios constitucionais não exercem somente a função limitadora, mas, sim, uma dupla função, pois se de um lado constituem um limite à intervenção estatal (função de garantia), de outro lado são um instrumento de justificação desta intervenção (função legitimadora), motivo pelo qual tanto servem à legitimação quanto à deslegitimação do sistema. Portanto, temos que a Constituição Federal é a linha intransponível do Direito Penal. Entretanto, as disposições constitucionais são de extrema relevância para todo o direito, por se tratarem de normas hierarquicamente superiores dentro do sistema normativo, em especial para o direito penal, que está limitado pelas garantias constitucionais aos indivíduos”.

Para a garantia do Estado Democrático de Direito Brasileiro, é necessário que o Poder Público, as pessoas jurídicas e físicas sigam os princípios basilares insculpidos na Constituição Federal de 1988, além das legislações infraconstitucionais, que devem estar em harmonia com a Lei Maior vigente. Na esfera penal e processual penal, diversos são os princípios, que devem ser respeitados por todos. A atividade punitiva do Estado está relacionada com a imparcialidade, a legalidade e com a irretroatividade das leis mais severas (e retroatividade das leis mais benéficas ao réu), e a pena deve ser atribuída de modo correspondente à previsão legal, garantindo-se a sua individualização e o seu caráter humano, além das condições de ressocialização do egresso do sistema penitenciário.

A pena não deve ter caráter vingativo, mas sim educador e ressocializador. Desta forma, a vingança não pode ser a fundamentação para a condenação criminal.

2. Direito Penal e a proteção dos cidadãos frente à atuação Estatal

Diversos questionamentos estão relacionados com o estudo sobre este tema, dentre os quais: O que é o Direito Penal? Quais são as funções do Direito Penal para a sociedade? O revide às agressões é ilimitado, ou esbarra em limites? Inúmeras questões relacionadas com o Direito Penal foram, são e serão muito discutidas. É importante a contextualização histórica do tema. O Direito Penal está relacionado com diversas questões, dentre as quais: as garantias dos cidadãos frente ao Estado (o Leviatã), a convivência pacífica entre os cidadãos. O estudo do Direito, e mesmo a sua configuração, vem se alterando ao longo dos anos. Se, antigamente, a função estatal se esgotava na punição desmedida do indivíduo, atualmente se discute a liquidez na pós- modernidade e seus reflexos nas relações entre os indivíduos. As transformações, cada vez mais rápidas, refletem diretamente na atuação do legislador. É fundamental a análise dos princípios que regem o direito penal para a análise da segurança jurídica nas relações do Estado com os cidadãos, e entre os cidadãos, na esfera penal (objeto de estudo do módulo).

Neste ponto, é importante destacar a relação do Direito Penal com o Processo Penal. Tomemos por base o Código Penal Brasileiro, que apresenta as condutas que são proibidas. Caso estas condutas sejam praticadas, haverá a respectiva sanção (pena e dosimetria da pena), que já se encontra previamente tipificada. O Estado é o titular exclusivo do direito de punir. Trata-se de poder que deve seguir as normas constitucionalmente previstas vigentes. Este poder é abstrato e genérico, devendo alcançar a todos os que pratiquem as condutas penalmente tipificadas, respeitando a pena e a dosimetria de pena previstas, além de garantir os direitos previstos na Lei de Execução Penal (Lei nº. 7210/84). É importante destacar, entretanto, que antes mesmo da Constituição Federal de 1988 já existiam discussões a respeito da relação entre o cometimento das infrações, a sociedade e o direito de punir do Estado. Dentre as inúmeras fases referentes ao Direito Penal, no passado, houve uma época em que resposta era pautada apenas pela vingança, sem direito ao contraditório, a ampla defesa e a condenação proporcional ao fato típico cometido. O foco desta pesquisa volta-se para a análise do mito de Medeia e a vingança. Alguns pesquisadores relacionam o mito de Medeia à prática do infanticídio, porém, esta não é a principal discussão deste artigo. 

3. Vingança e o mito de Medeia

A vingança, muito estudada no Direito Penal, especialmente nas reações dos grupos (na antiguidade) quando um dos membros sofria algum tipo de violência, é muito citada também na análise de mitos, por exemplo, Medeia, escrito por Eurípedes, dramaturgo grego, que escreveu a peça em 431 antes de Cristo.

Esta análise é muito importante para percebermos a antiguidade dos atos vingativos e sua relação com a punição desmedida. Para tanto, é importante um panorama sobre o referido mito. Ana Paula Cabrera explica que (CABRERA, Ana Paula. Medeia à luz do Direito: infanticida ou homicida?. Fragmentum, N. 38, Vol. 1. Laboratório Corpus: UFSM, Jul./ Set. 2013. Disponível em: http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/fragmentum/article/viewFile/13767/8638. Acesso em 16 de março de 2015):

“Considerada uma tragédia proto-moderna, Medeia é um autêntico drama do seu tempo, pelo conflito entre o egoísmo ilimitado, paixão e vingança. No mito, Jasão tem a ajuda da princesa da Cólquida para recuperar o velocino de ouro. Esta, por amor ao aventureiro grego, mata seu irmão e voltase contra sua família, fazendo uso de práticas mágicas”.

Em Corinto, a felicidade de Medeia foi pouca. Jasão queria deixá-la para casar-se com Glauce, uma princesa, filha do rei do local. Jasão explica para Medeia que, apesar de seu prestígio no outro reinado, ela, naquele reino, ela é uma bárbara. Friamente, ele afirma que eles poderiam continuar o relacionamento, deste que ela passasse a ser sua amante, ao invés de esposa.

Para conseguir casar-se novamente, Jasão precisava estar livre e desimpedido, portanto, resolveu expulsar Medeia do local. Medeia, muito magoada e furiosa, antes de sair da cidade, concretizou mais uma vingança, unindo sua astúcia com magia. Para tanto, fez com que  Glauce recebesse um presente, à primeira vista, maravilhoso: vestido e jóias muito bonitos, porém, ambos envenenados. Ao vesti-los, Glauce, sua rival, foi tomada pelo fogo, resultado da magia. Seu pai, o rei, desesperado, tentou ajudar a filha e ambos, queimados, faleceram. Antes de fugir, Medeia mata os próprios filhos, demonstrando extrema frieza premeditada vingança em relação ao marido infiel. 

O mito de Medeia é muito estudado tanto para a análise de ataques a outras pessoas, de pais que matam os filhos (filicídios) quanto para os casos de violência doméstica, em decorrência da prática de abuso emocional. A emoção e a vingança não devem embasar a resposta às agressões praticadas.

Para a convivência em sociedade, é necessária uma série de normas que limitam a atuação – das pessoas e do Estado, na reação à violência praticada ou ao mal sofrido. No ordenamento jurídico brasileiro, existe o crime previsto no art. 345, CP (exercício arbitrário das próprias razões).

4.Conclusão

O direito penal, que é analisado o com diversos aspectos relacionados com o convívio em sociedade, não pode ser visto simplesmente como meio que possibilita a ação do Estado sobre os mais caros interesses do cidadão, como a liberdade. O direito penal também é garantia do cidadão contra as possibilidades de o Estado tangenciar sua esfera de direitos. As funções do direito penal e da pena são amplamente debatidas pelos doutrinadores. Dentre as inúmeras funções, pode-se destacar a limitação da atuação dos indivíduos e do Estado na esfera penal.

O Direito Penal e a condenação criminal devem garantir a segurança jurídica das pessoas. Os critérios devem ser objetivos e pautados na legislação brasileira, sempre protegendo a dignidade da pessoa humana. A vingança, muito utilizada no passado para a aplicação das penas, não pode ser aceita como fundamento para as investigações, condenações, aplicações e execuções de pena.

5. Referências

BUSATO, Paulo César; MARTÍNEZ-BUJÁN PEREZ, Carlos; DÍAZ PITA, María del Mar. Modernas tendências sobre o dolo em Direito Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CABRERA, Ana Paula. Medeia à luz do Direito: infanticida ou homicida?. Fragmentum, N. 38, Vol. 1. Laboratório Corpus: UFSM, Jul./ Set. 2013. Disponível em: http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/fragmentum/article/viewFile/13767/8638. Acesso em 16 de março de 2015.

COSTA, José de Faria. Linhas de Direito Penal e de Filosofia. Coimbra: Coimbra, 2005.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte geral. Tomo I. Coimbra e São Paulo: Coimbra e RT, 2007.

DUPONT, Florence. Les montres de Sénéque, Paris: Editora Belin, 1995.

EURÍPIDES. Medeia – Hipólito – As Troianas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

KURY, Mário da Gama, Introdução a Medeia. In: EURÍPIDES. Medeia – Hipólito – As Troianas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione. 7. ed. Roma: Laterza, 2002.

JAKOBS, Günther. Direito penal – parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

MARSDEN, Vanessa Fabiane Machado Gomes. O Mito de Medeia: quando os pais matam seus filhos. Psychiatry on line Brasil. Agosto de 2010. Vol. 15. Nº. 08. Disponível em: http://www.polbr.med.br/ano10/art0810.php. Acesso em 20 de novembro de 2014.

ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribuinais, 2002.

SMANIO, Gianpaolo e FABRETI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao Direito Penal: Criminologia, Princípios e Cidadania. 2ª ed. Atlas. São Paulo. 2012.

 

 

Elaborado em março/2015

 

Como citar o texto:

MACEDO, Maria Fernanda Soares. .Limitações Constitucionais e Direito Penal no ordenamento jurídico brasileiro: uma análise sobre o combate às reações vingativas à luz do mito de Medeia. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1241. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3549/limitacoes-constitucionais-direito-penal-ordenamento-juridico-brasileiro-analise-combate-as-reacoes-vingativas-luz-mito-medeia. Acesso em 19 mar. 2015.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.