INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da humanidade, destaca-se a necessidade do homem em viver agrupado as diferentes espécies, formando, os clãs, as tribos e as famílias, sendo preciso que regras de convivência fossem estabelecidas, a fim de impedir sua extinção. A Idade Antiga é o período histórico marcado por punições de caráter exclusivamente cruéis e vingativas, sem proporcionalidade entre a ofensa e a aplicação do castigo, sendo o período são divididos em três fases, quais sejam: vingança privada, divina e pública.

Vale dizer que na Antiguidade, durante o período da vingança privada surgiu a Lei de Talião ou Lei de Retaliação, presente no Código de Hamurabi, rei da Babilônia, enquanto na vingança divina um dos principais destaques é o Código de Manu, na Índia, e, por conseguinte, na vingança pública, mais especificamente em Roma, destacou-se a Lei das XII tábuas. Nesta linha, a presente pesquisa tem por objetivo uma abordagem sistemática da evolução histórica da pena na Idade Antiga, destacando os pontos relevantes da vingança privada, divina e pública, bem como o desenvolvimento com o passar dos anos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia empregada para a elaboração deste está assentada na utilização de revisões bibliográficas, pesquisa em sites atrelados a temática, bem como a utilização doutrinária para sustentar as ideias ora apresentadas.

 

DESENVOLVIMENTO

Desde o surgimento da humanidade nota-se no homem, a necessidade de viver agrupado as diferentes espécies, como forma de se proteger das tribos inimigas. Assim, surgiu na idade antiga a idéia de pena, proveniente do latim poena e do grego poiné, que significa “inflição de dor física ou moral ao transgressor de uma lei” (GRECO, 2017, p. 50). Em contrapartida, Cesare Beccaria (2000, s.p, apud Gonçalves, 2014, p. 67) ensina que, se alguém causasse dano a outrem, a pena deveria ser aplicada na mesma proporção do dano social, e que a pena de morte, a tortura e qualquer outro tipo de pena cruel não deveriam existir, tendo em vista seu caráter cruel. Acrescenta ainda que, a aplicação das penas não deveria ser coletiva, mas que prevenisse o crime e recuperasse o criminoso.

Acerca disso, Hobbes (2009, p. 218, apud GONÇALVES, 2014, p. 67) conceitua a pena como um dano:

Pena é um dano infligido a autoridade Pública àquele que fez ou omitiu aquilo que, pela mesma autoridade é julgado transgressão da Lei, com a finalidade de que a vontade dos homens fique desse modo, mais inclinada à obediência. (HOBBES, 2009, p. 218, apud GONÇALVES, 2014, p. 67)

Conforme disserta Greco (2017), a partir do momento que o homem passou a viver agrupado num ambiente social, esteve presente a ideia de punição, associada ao princípio de castigar pelos atos que atentasse contra algum indivíduo ou mesmo contra o grupo o qual pertencia, não originária de leis formais, uma vez que não existiam na época, mas sim de regras costumeiras, provenientes da cultura para satisfazer o sentimento de justiça e preservar o corpo social. Desta forma, destaca-se que não havia um Estado capaz de proporcionar aos indivíduos segurança contra as arbitrariedades praticadas do mais forte contra o mais fraco, além da falta de regulamentação jurídica para solução de conflitos em geral. Em complementação aduzem Cintra, Grinover e Dinamarco (2013, p. 29, apud JACOB, 2016, p. 13) que: “os dois traços específicos da autotutela são a ausência de juiz distinto das partes e a imposição da decisão por uma das partes a outra”.

Como é cediço, o período da Idade Antiga ou fase primitiva, se estendeu desde o surgimento da escrita (4000 a.C a 3500 a.C) até a queda do Império Romano do Ocidente (476, d.C) e o início da Idade Média (século V), marcada pelo surgimento da vingança privada, vingança divina e vingança pública (CALDEIRA, 2009, p. 259). Nesse sentido, inicialmente não se tinha ideia da proporcionalidade entre a ofensa causada e o castigo imposto ao transgressor, e muito menos um sistema orgânico de princípios capazes de assegurar aos indivíduos quaisquer violações e abusos, como se encontra atualmente (SILVA, 2011, p. 7).

Conforme Masson (2009, s.p, apud TEIXEIRA, 2008, p.13), o período da vingança privada na Idade Antiga é caracterizado pela “vingança entre grupos, que encaravam a infração como uma ofensa não relacionada diretamente à vítima, mas, sobretudo ao grupo”, diante de tamanha desproporção das punições. Liberatti (2011, s.p.) alude que, era comum o homem praticar a ofensa com as próprias mãos, a fim de retribuir o mal praticado, através de brutalidades desproporcionais, gerando intensas lutas entre grupos e famílias, que com o passar do tempo, causava na extinção dos grupos.

Gonçalves (2014, p. 64) saliente que o caráter das punições era tal, que as práticas de mutilações como a amputação de braços, pernas, olhos, língua, em suas formas mais variadas possíveis, constituía, de certa maneira, um espetáculo para as multidões desse período histórico. Assim sendo, as penas aplicadas nesse contexto de vingança privada na Idade Antiga eram a “perda da paz” e a “vingança de sangue”. A “perda da paz” ou “pena de banimento” era imposta contra um membro do próprio grupo, enquanto a “vingança de sangue” aplicada ao integrante do grupo rival, e considerada uma obrigação religiosa e sagrada (LIBERATTI, 2011, s.p).

Insta salientar que o conjunto de punições cada vez mais severas, desencadeou o surgimento de guerras entre os diversos grupos. A ofensa, portanto, chegava a causar o aniquilamento do indivíduo. Por esse motivo, viu-se a necessidade de criar regras de conduta capazes de devolver ao infrator o mal causado na mesma proporção. Surgia a Lei de Talião, também conhecida como Lei da Retaliação. Em consonância com Teixeira (2008, p. 23), o castigo “consistia em infligir ao agressor um dano ou mal idêntico ao que ele causara à sua vítima, originando a célebre afirmação “olho por olho, dente por dente, sangue por sangue”.            Mirabete (2011, p. 16) ao dissertar acerca da lei de Talião menciona que ela aparece nas leis mais antigas, como no Código de Hamurabi, rei da Babilônia no século XXIII a.C., e representa “um grande avanço na história do Direito Penal por reduzir a abrangência da ação punitiva.” Neste sentido, Silva (2011, p. 8) assevera que o talião buscava delimitar o castigo causado e estabelecer a proporcionalidade entre a ofensa e a punição, como por exemplo, se alguém quebrasse o nariz de outrem, teria o seu nariz quebrado e, poderia atingir inclusive outras pessoas que não tivessem envolvimento com o episódio.

Rosseto (2014, p. 4) sustenta que a razão primordial para a imposição de limites à vingança privada “foi a própria preservação e sobrevivência da comunidade, posta em perigo pela vingança particular, impregnada de emoção e ausência de proporção com a ofensa. Diz ainda que, a coletividade teve grande influência em participação da promoção da transação da pena, como forma de solucionar os conflitos, por meio da composição.

Noutro giro, a vingança divina, segundo Greco (2017, p.49) é caracteriza por influenciar a religião dos povos da antiguidade, “aplicada aos sacerdotes que supostamente tinham um relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com a sua vontade”. Dessarte, o castigo visava satisfazer a divindade ofendida pelo crime e, cabia ao sacerdote aplicar o castigo, com notória crueldade para o infrator, uma vez que estabelecia relação com a grandeza do ofendido (TEIXEIRA, 2008, p. 25).

Consoante Silva (2011, p. 8), “a pessoa é castigada porque os deuses assim exigem e a punição é necessária para a limpeza e salvação da alma”, impondo medo com as penas severas e desumanas. Jacob (2016, p. 15) aduz que, na época, acreditava-se que os eventos da natureza, como chuva, trovões, terremotos eram a maneira que os deuses tinham de demonstrar sua fúria diante dos homens, originando os totens e tabus. Os totens eram animais, vegetais ou algum outro objeto considerado símbolo de proteção do grupo, enquanto o tabu se limitava a proibição de ir a determinado local, e inclusive se alimentar de certos produtos, impondo no caso de violação, o castigo divino ao culpado. Ademais, um dos principais códigos que se destacou nesse período foi o de Manu, que tinha por escopo a purificação da alma do criminoso através do castigo para que pudesse alcançar a bem aventurança.

Por fim, Jacob (2016, p. 15) acrescenta que, no período chamado de vingança pública, evidencia-se o surgimento do estado como detentor do ius puniend, evocando para si a função de resolver determinados conflitos e a responsabilidade de delegar aos seus representantes a autoridade de punir. Diante do desenvolvimento político da sociedade da época e um melhor nível de organização comunitária, “o Estado avocou o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, conferindo aos seus agentes o dever de punir em nome dos súditos”, retirando do particular a função de castigar o infrator.

Beccaria (s.d.) ensina que, no caso de delito, surge a figura do soberano que afirma a violação do contrato social e o acusado, que em contrapartida, nega a violação, e que é preciso que entre eles haja um terceiro que decida a contestação. No entanto, aplicando esse princípio na vingança pública, nota-se que o soberano, por mais que fosse detentor de poder de punir, praticava intensas arbitrariedades e a pena mantinha a característica de crueldade, a fim de intimidar a sociedade, praticando-as em praça pública, com o intuito de reprimir a prática do delito, pois assim estariam cumprindo a principal finalidade: garantir a segurança dos soberanos ou príncipes, que interpretavam a pena como símbolo de absoluto poder (SILVA, 2011, p. 8).

Corroborando com este entendimento, Noronha (1995, p. 24 apud JACOB, 2017, p. 16) disserta que a preocupação era defender a integridade do soberano e dos seus favorecidos. Prevalecia assim, o arbítrio judicial, aliado às desigualdades das classes na aplicação das punições, inclusive no tocante a desumanidade das penas de morte, práticas como o esquartejamento, estrangulação, arrastamento do indivíduo, além do sigilo dos processos, os meios inquisitoriais, associando as leis imprecisas, lacunosas e imperfeitas, favorecendo o absolutismo monárquico e postergando os direitos da criatura humana.

 

RESULTADO E DISCUSSÃO

Como acima exposto, a Idade Antiga foi o período marcado por intensas crueldades e arbitrariedades praticadas não somente a um indivíduo em especial, mas ao seu grupamento como um todo, razão pela qual, surgiram com o tempo, conjuntos de regras que visavam limitar o poder de quem viesse a aplicar o castigo. Na vingança privada, buscava-se retribuir o mal praticado, podendo o ato ser praticado não somente por quem sofrera o dano, como também seus parentes ou o grupo social em que tivesse inserido. Na vingança divina, por sua vez, cabia ao sacerdote aplicar a pena, que pretendia satisfazer a divindade ofendida pelo crime, punindo o infrator com rigor. Por fim, na vingança pública nota-se a evolução dos grupamentos sociais e a proteção dos soberanos, com a finalidade de intimidar os indivíduos quanto a futura transgressão das regras (GRECO, 2017, p. 52).

Diante disso, é de extrema relevância destacar que o Direito Penal surgiu com a humanidade, visto que as pessoas desde o início não se ajustaram às regras que lhes eram impostas, e cometiam infrações. Assim, é imperioso comparar as penas daquela época com as previstas no ordenamento jurídico brasileiro atual. Destaca-se aqui que, as penas que outrora eram desumanas, sucumbiram e não é mais esta a situação que se verifica, levando em conta que a Carta Magna de 1988 foi ostensiva ao destacar em seu tão consagrado artigo 5º, a vedação a tais espécies de pena. No inciso XLVI da Constituição Federal vislumbra-se que a lei regulará a individualização da pena e adotará entre outras, as penas de: privação da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. (GONÇALVES, 2014, p. 66)

Outrossim, dentre os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, o artigo 5º XLV prevê que a pena não poderá passar da pessoa do condenado, devendo somente ele o responsável pelos atos praticados. Assim, como anteriormente exposto, não ocorria na Idade Antiga, pois a família, tribo ou clã do infrator, poderia sofrer as consequências da infração. Cesare Beccaria (s.d., s.p, apud GONÇALVES, s.d, p. 67), ao tratar sobre as penas, leciona que “o apenado é um ser, portanto, seus direitos deveriam ser respeitados, como o direito à vida e a ressocialização, e que a pena de morte e o direito de vingança não teriam significado.”

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, evidencia-se que a pena passou pelas diferentes fases, guardando em cada uma delas, características peculiares e inerentes a realidade vivida pela sociedade da época. Desta feita, com a evolução da pena, entende-se que deve ser aplicada a fim de corrigir o indivíduo que praticou um delito, e ser capaz de cumprir sua função ressocializadora. Daí vislumbra-se a importância do estudo da origem e evolução da pena, uma vez que contribuíram para o surgimento de diversos códigos penais existentes na atualidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Edição Ridendo Castigat Mores. Disponível em: . Acesso em 16 mai. 2018.

CALDEIRA, Felipe Machado. A Evolução Histórica, Filosófica e Teórica da Pena. Disponível em: Acesso em 12 mai. 2018.

FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão. RAMALHETE, Raquel (trad.). Petrópolis, Vozes, 1987.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. v. 1. 19. ed. Niterói: Impetus, 2017

GONÇALVES, Cleide de Oliveira. A evolução das penas e prisões em um contexto histórico. Disponível em: Acesso em 11 abr. 2018.

JACOB, Cleilson. A evolução das penas e a contribuição do agente penitenciário na execução penal, como fator ressocializador do preso: Uma análise frente à lei de execução penal. 70f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – Universidade Federal de Rondônia, Cacoal, 2016. Disponível em: Acesso em: 10 mai. 2018.

LIBERATTI, Giovana de Oliveira. A evolução histórica e doutrinária da pena e sua finalidade à luz do ideal da ressocialização. In: Boletim Jurídico, Uberaba, a. 13, n. 1.150. Disponível em: Acesso em: 12 mai. 2018.

MASSON, Cléber. Direito penal: esquematizado. São Paulo, Editora Método, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo, Editora Atlas, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral; arts. 1º ao 120 do Código Penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017.

ROSSETO, Énio Luiz. Teoria e Aplicação da pena. São Paulo, Editora Atlas, 2014.

SILVA, César Dario Mariano da. Manual de Direito Penal: Parte geral e parte especial do Código Penal. 7 ed., rev.. atual. e ampl. Rio de Janeiro: GZ Ed. 2011.

TEIXEIRA, Sérgio William Domingues. Estudo sobre a evolução da pena, dos sistemas prisionais e da realidade brasileira em execução penal – proposta para a melhoria do desempenho de uma vara de execução penal. Disponível em: Acesso em 30 abr. 2018

Data da conclusão/última revisão: 20/5/2018

 

Como citar o texto:

CAETANO, Mariane da Cruz; RANGEL, Tauã Lima Verdan..Aspectos principais da evolução da pena na idade antiga. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1532. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4072/aspectos-principais-evolucao-pena-idade-antiga. Acesso em 24 mai. 2018.

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