Resumo: O presente artigo tem como tema central o Labelling Approach e a seletividade penal como consequência da falência do sistema prisional, que se encontra, atualmente, em decadência; trata-se de um sistema falido. A partir desse princípio, verifica-se como a teoria do etiquetamento contribui para este fato e como a ressocialização poderia reverter ou pelo menos, amenizar esse quadro que, em se tratando de fato social; portanto, de interesse público e de enorme relevância para o direito e para a sociedade. Percebe-se que não há interesse na mudança desta política criminal, uma vez que não atende interesses políticos governamentais, o que tem trazido problemas na esfera de segurança, família, sociedade num todo, e, principalmente, na impossibilidade de tratar o que pratica o crime, com egresso na comunidade onde vivia; esses fatos por si só, já trazem, e muito, a problemática em vigor e a importância de uma mudança nesse trato.

Palavras-Chave: Estigmatização. Seletividade. Sistema. Prisional. Etiquetamento.

 

Introdução

O crime como fenômeno social tem estabelecido seu papel dentro da sociedade, como ponto marcante dos conflitos existenciais conviventes, dos seres humanos. Numa análise teleológica , torna-se essencial, fazer com que aqueles que são praticantes de atos delituosos, sejam levados às raias da justiça, a fim de responder por seus atos; todavia, para que este ciclo criminoso possa realmente ter um desfecho, faz-se necessário, apontar de fato e de verdade, quem reproduziu a materialidade do crime, sem que haja nenhuma sombra de dúvidas; afinal, indicar um ser humano como criminoso, pode mudar toda sua vida, porque a partir desse momento, erroneamente, possuirá uma etiqueta social, difícil de ser removida; daí a importância da apuração: séria, científica, objetiva e realística, para não haver dúvida alguma sobre autoria.

Na esteira do que se observa, verifica-se a cadência da figura do etiquetamento dos seres humanos que passaram pelo processo de serem aprisionados e respondidos por seus crimes. Após a prisão, têm sido rigorosamente abandonados, e o retrato que se percebe na sociedade é de apreensão.

Outrossim, segurança não tem atingido o prisma necessário, uma vez que nosso sistema prisional, contempla a ideia basilar de não haver prisão de caráter perpétuo; ou seja, aqueles que serão aprisionados voltarão para a sociedade.

Perante a ideia de retorno daquele que foi uma vez condenado e aprisionado, o quadro que se tem a frente, é claramente desanimador, uma vez que a sociedade não está preparada para receber o egresso na comunidade, tornando-o novamente marginalizado; agora não mais pela prática de um crime, e sim; porque ao pagar sua dívida com a sociedade, agora tem que ser reconduzido a uma vida social, podendo fazer com que tenha trabalho e possa não voltar mais para o crime. Nesta senda o que cumpriu sua pena, não consegue emprego, não consegue se recolocar e, muito menos, não se sente mais pertencente à cidade, ao bairro onde morou. Desta feita, percebe-se que há uma desconexão entre a proposta de não haver prisão perpétua, e como a sociedade deverá tratar aqueles que saem do sistema prisional.

Ao expressar a ideia de Labelling Approach, verifica-se ser uma postura tanto governamental, como social, a de etiquetar as pessoas que passaram pelo sistema carcerário, tornando muito difícil a volta delas ao convívio social e principalmente não ter a possibilidade de se apoderar de uma nova vida.

Outrossim, a pesquisa conduzirá a abordagem sobre uma das principais questões discutidas na contemporaneidade, pela sociedade brasileira, ao estabelecer o crescimento do crime; e a morosidade do Estado, em combater, de forma eficaz e eficiente, a conjuntura desse fenômeno.

Destarte é cabível apontar a relação que vem sendo estabelecida entre a leniência das atuais políticas criminais de supostamente prevenir e combater a criminalidade, e demonstrar as vísceras falidas do sistema prisional e sua incapacidade de ressocializar os apenados e a seletividade penal e do Labelling Approach.

Nesta máxima, a questão mencionada ultrapassa, e muito, o campo do direito penal e processual; adentrando na seara da criminologia e suas ciências correlacionadas, trazendo em sua esteira o direito constitucional.

Analisando este ponto, é oportuno expor, em destaque, que muito embora o direito penal e a criminologia integrem o ramo das ciências criminais; essas disciplinas, em seu bojo, divergem-se tanto em relação ao objeto, quanto no que se refere a metodologia e forma de aplicação de ambas, no campo prático. Assim, enquanto a primeira se responsabiliza por estudar o crime em si – o dever ser –, a segunda, por sua vez, contribui com estudos sobre os fatores que levam o indivíduo a cometê-lo – o ser.

Em síntese, a ressocialização seria um meio alternativo de evitar o inchaço e, consequentemente, a falência do sistema prisional. Ocorre que, o indivíduo que está ou já foi preso, não tem qualquer oportunidade para se ressocializar; isso porque a sociedade lhe põe um rótulo: como se uma vez preso, bandido, criminoso, sempre o será.

Contudo, tem-se na política criminal a estratégia e meios de controle social da criminalidade (penais e não penais); ou seja, a Política Criminal compreende o “conjunto de procedimentos por meio do qual o corpo social forma as respostas ao fenômeno criminal”, em outras palavras, significa que a Política Criminal vem sendo a forma de resposta ao crime, criada pela sociedade com intuito de punir de maneira apropriada o indivíduo que infringir as leis.

O direito penal é, assim, elitista e seletivo, fazendo cair seu peso sobre as classes sociais menos favorecidas; não atuando devidamente naquelas que detêm o poder de fazer as leis. Portanto, o sistema nada mais é do que uma estrutura vertical, dominada por poderes existentes na sociedade, com tempo de desigualdade e provocadora de desigualdade.

Sendo assim, a presente pesquisa tem como objetivo analisar o sistema prisional, onde ocorre uma seletividade penal, tendo como consequência um etiquetamento; pois funciona segundo os estereotípicos do criminoso, os quais são confirmados pelo próprio sistema.

 

1.     Estigmatização como consequência do etiquetamento

A Teoria do etiquetamento (Labelling Approach) teve seu destaque sociológico entre 1960 e 1970. Tendo como referência Howard S. Becker, dessa corrente internacionalista, tinha como interesse dois processos sociais: o primeiro sendo o processo de criação e aplicação das normas (o que nos dá o conceito de criminalização primária e secundária), e o segundo; sendo o processo de desvio pessoal (o qual ocorre mediante o etiquetamento do desvio primário e secundário).

Na esteira desta discussão há a questão central de controle social, algo difundido e mantido há muito tempo entre Estado e seus cidadãos, afinal, a sociedade de controle, punge a ideia de estender o etiquetamento, além do imaginado, postulando uma marginalização em larga escala, de pessoas por questões de terem cumprido pena, ou terem sido condenadas a algum tipo de crime e, por fincar a questão de que uma vez marcado, estará de forma definitiva etiquetada, sem a menor chance de mudar esta situação.

            Segundo citação tem-se uma grande referência nesse enfoque, em que o mesmo destaca;

O enfoque do etiquetamento (Labelling Approach) alcançou grande ressonância sociológica entre 1960 e 1970. Howard S. Becker (Chicago, 1928), referente essencial dessa corrente interacionista, centrou seu interesse em dois processos sociais que tinham passado, até então, bastante despercebidos: o processo de criação e aplicação de normas (que dará lugar aos conceitos de criminalização primária e secundária) e o processo de desvio pessoal (que será explicado mediante os mecanismos do etiquetamento e o desvio primário e secundário). (ELBERT, 2009, p.170 apud Howard S. Becker).

Becker sustentava que aqueles que possuem poderes suficientes para configurar as regras, criminalizam aqueles que não possuem os mesmos poderes. Partindo desse princípio, surgem ideias de que tais regras, de certo modo, incidem no comportamento da sociedade, levando em consideração o interesse sociológico, e levando em conta que esse etiquetamento é o resultado dessas regras, em determinados indivíduos.

Assim aponta se pode observar;

Essa corrente sustentará que a criminalidade é criada pela sociedade, mediante a imposição de “etiquetas criminais” a certos indivíduos. Tal processo teria lugar mediante uma criminalização primária (estabelecimento de normas) e uma secundária (imposição dessas normas ao sujeito responsável, etiquetando-o). (ELBERT, 2009, p. 171).

Nos dizeres de Ruther, citado para o destaque do etiquetamento;

Não há criminalidade como existe um pedaço de ferro, pois este se apresenta como um objeto físico independente da valoração e descrição que os humanos lhe podem dar. Como tal, este ferro não se transforma, mesmo quando se altera sua valoração e descrição. A criminalidade, ao contrário, existe preponderantemente nos pressupostos normativos e valorativos dos membros da sociedade. [...] A criminalidade que realmente existe em uma sociedade é aquela cuja imagem pode ser transportada para a realidade em virtude de uma fixação concreta (estabelecimento) e aplicação (imposição) de normas. (ELBERT, 2009, p.173).

Partindo dessa premissa, tem-se como compreender o Labelling Approach com a Seletividade Penal, uma vez que o crime não é definido pela conduta do agente, mas pelas suas circunstâncias, tendo em vista que nem todos os crimes são perseguidos pela sociedade e/ou Estado, punindo-se assim, somente parte dos crimes e das pessoas, o que chamamos de seletividade.

Ao receber o rótulo, fica difícil de viver em sociedade novamente, acarretando uma série de fatores negativos com o agente selecionado, ocorrendo a desestruturação do pensamento social de que bandido será sempre bandido, ou seja, retirando-se a etiqueta que se impõe no delinquente.

Para certificar e aprofundar esta questão de etiquetamento, pode se perceber como a prisão é voltada de forma particular àqueles que são presos, condenados, criminalizados:

A tese central dessa corrente pode ser definida, em termos muito gerais, pela afirmação de que cada um de nós se torna aquilo que os outros veem em nós e, de acordo com essa mecânica, a prisão cumpre uma função reprodutora: a pessoa rotulada como delinquente assume, finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está preparado para essa rotulação e para o reforço desses papéis. (Zaffaroni,1996, p.60),

Na linguagem majorada de Zaffaroni descrita acima, “[...] a prisão cumpre uma função [...]”, dar vazão à questão de separar, selecionar pessoas que passam pelo seu interior como prisioneiros daqueles que simplesmente, por questão muitas vezes de possuir posses e contratar ótimos profissionais, embora tenham praticado crimes, se são presos, na pior das hipóteses, receberão tratamento totalmente diferenciado. Só por esta realidade cruel, pode-se enfatizar a demanda de perceber que há uma divisão clara na sociedade, quando se trata de determinados grupos de pessoas e, um grupo homogêneo que pode ser considerado a “nata da sociedade”. Há inúmeros casos no país, um bom exemplo é o caso do índio Galdino, à guisa clássica de como ainda pode ocorrer casos espúrios na justiça;

É o resumo que a promotora que cuidou do caso do índio Galdino, Maria José Miranda Pereira, faz do processo. Há 15 anos, cinco jovens de classe média colocaram fogo no pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, bairro nobre de Brasília. Ele morreu em consequência do crime bárbaro. Com trânsito no Judiciário e dinheiro para contratar os melhores advogados, os jovens assassinos tiveram benefícios e regalias que outros presos não possuem e ficaram atrás das grades pouco mais da metade do tempo a que foram condenados. (MARQUEZ, 2012. Disponível em: <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/assassinos-do-indio-galdino-tiveram-tratamento-diferenciado-diz-promotora-20120420.html> Acesso em: 12.05.2018).

Essa separação, esse etiquetamento, não ocorre com qualquer pessoa, e muito menos em qualquer classe social. Não é diferente o que acontece com tais indivíduos de classe menos favorecida; que em algum momento em suas vidas, devido à determinadas circunstâncias, fazem com que fiquem propícios para infringir as leis; ou seja, as regras impostas pela sociedade e pelo ordenamento jurídico.

Nesta mesma direção pode se observar como há descrição desta condição nas seguintes palavras;

Todos os grupos sociais fazem regras, em certos momentos e em algumas circunstâncias, impô-las. Regras sociais definem situações e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando algumas ações como “certas” e proibindo outras como “erradas”. Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem não se esperava viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider. (HOWARD, 2008, p. 15).

Criminalidade é criada pela sociedade, mediante a imposição de “etiquetas criminais” aos indivíduos que cometem crimes, desta forma seria possível digredir que direito penal é assim, elitista e seletivo, fazendo cair seu peso sobre as classes sociais menos favorecidas; não atuando devidamente naquelas que detêm o poder de fazer as leis, como se observou no caso do índio Galdino.

O indivíduo, estigmatizado / rotulado como delinquente, recebe assim, um status social, que fará com que as pessoas futuramente aceitem esse papel de desviante, ou seja, assumindo assim uma personalidade que a sociedade, de modo geral, lhe atribuiu, dano início a uma carreira criminosa.

Segundo), o desvio se torna para o indivíduo uma definição de suas reações;

A característica central da situação de vida, do indivíduo estigmatizado pode, agora, ser explicada. É uma questão do que é com frequência, embora vagamente, chamado de "aceitação". Aqueles que têm relações com ele não conseguem lhe dar o respeito e a consideração que os aspectos não contaminados de sua identidade social os haviam levado a prever e que ele havia previsto receber; ele faz eco a essa negativa descobrindo que alguns de seus atributos a garantem. (GOFFMAN, 2003, p.11).

Numa sociedade de tolerância com aqueles que são criminalizados, julgados e condenados, é perto de zero, afinal, parece existir no coeficiente mental daqueles que vivem em sociedade “que uma vez criminoso, sempre criminoso”, esta dura característica aplicada de forma coordenada não limita ou separa os praticantes de crimes, por exemplo, de menor potencial ofensivo; daqueles que praticam os de maior potencial ofensivo. Assim pode se entender que há unanimidade no aspecto de estigmatizar e etiquetar.

A priori é bom notar que ao se tratar da questão criminalidade, deve-se levar em conta que o efeito do aprisionamento pode reproduzir uma atmosfera dentro dos presídios, bem como, quando o cumprimento da pena é satisfeito, e é necessário voltar para a sociedade;

Sustenta-se que a criminalidade primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por impregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que a conduta venha a ser praticada, perpetuando o comportamento delinquente e aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado, o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da sociedade, rotinas de cárcere etc. (FILHO, 2014, p.74).

Esse processo que é submetido àqueles que praticaram crimes, também chamado de processo “institucionalizador”, recria naquela pessoa que passa seu tempo no cárcere, o etiquetamento, mesmo que nunca mais volte a delinquir, estará marcado para sempre, porque sua condenação restará como algo que o assolará em sua trajetória, não é sem sentido que ao se divisar tal quadro, percebe-se não haver programas para facilitar o acesso aos egressos; tentando no mínimo oferecer oportunidade para não se tornar reincidente. Sem uma política criminal, que volte seus esforços nesta direção, será pouco provável que o número de reincidentes no Brasil, seja mudado, haverá continuidade em crescer como se percebe a cada ano, o número alarmante de reincidentes.

Destarte nesta mesma tônica é importante perceber qual reação social é causada após o episódio, prisão, para um indivíduo); afinal, algo marcante e que acaba por desconstruir a personalidade social, acaba por ocorrer, quando a pessoa é confinada numa cela, dentro de um presídio, como se pode ver no comentário a seguir:

[...] sobre o desvio secundário e sobre carreiras criminosas, põem-se em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a concepção reeducativa da pena. Na verdade, esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. [...] pode-se observar, as teorias do labelling baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário, não deixaram de considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto de reação social [...]. (BARATTA, 2002, p. 90-91).

Como se pode observar as mudanças produzidas no período em que se passa preso, vêm acompanhadas com o período subsequente que ocorre, quando a pessoa tem a sua liberdade e volta à sociedade. Primeiro, ele encontra as pessoas muito diferentes em relação a ele, há um preconceito que nem de longe é disfarçado; e em segundo, essa reação das pessoas em relação ao egresso causa uma sensação de não pertencimento, o que fatalmente assola aquele que é rotulado e etiquetado como alguém que é criminoso.

 

1.1. Os mecanismos sociais

A sociedade ao longo dos anos desenvolveu alguns mecanismos como forma de proteção própria, além de estender sua preocupação com a não solução de alguns casos, e terminantemente, verificar a efetiva participação na questão da segurança pública, tem-se verificado um comportamento em bloco, ou seja, agrupado em matéria criminal.

Entretanto é inegável que o Direito Penal exerce um controle social, na tangência de verificar os crimes e sua afetação à sociedade, sendo um subproduto do meio que se vive, das imagens projetadas e de forma capilar a engrenagem motora da expressão de vontade;

                                                                                                                       

Ora, durante a segunda metade do século XVIII, eu creio que se vê aparecer algo de novo, que é uma outra tecnologia de poder, não disciplinar dessa feita. Uma tecnologia de poder que não exclui a primeira, que não exclui a técnica disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-la implantando-se de certo modo dela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia. Essa técnica não suprime a técnica disciplinar simplesmente porque é de outro nível, está em outra escala, tem outra superfície de suporte e é auxiliada por instrumentos totalmente diferentes. (FOUCAUL, 2000, p. 288-289).

Destarte ser um mecanismo necessário para manter a situação sobre controle, tem que se imaginar a atmosfera que se poderia ter, caso não fosse exercida esta postura protetiva. É certo que quando se fala de controle, aparentemente, se pensa estar maculando a democracia, mas sem dúvida, é um ledo engano, uma vez que para se ter liberdade, e mais propriamente, direito, se faz necessário haver certo acompanhamento ao comportamento desenvolvido na sociedade.

É evidente que não se pode fazer o que quiser, muito menos imaginar ser cada pessoa única, até porque, quando se trata de sociedade, vive-se com toda variação de pessoas; multiculturais, com pensamento e comportamentos diferentes do que se pode pensar ou desejar, contudo, mesmo assim, há de se respeitar, manter a tolerância em destaque e aceitar, mesmo o que se imagina ser diferente.

Nesta senda cumpre observar o que se extrai do filósofo Foucault, observando a dominação e tratando da questão desse poder, uma vez reconhecer a existência desta forma de exercício de poder, e mais, como ele penetra no tecido social, alcançando a população de um modo geral; e alguns grupos de forma específica, sem nenhuma cerimônia;

É preciso não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o poder não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detém exclusivamente e aqueles que não os possuem. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. (Foucault, 2004, p. 193),

Há nesta esteira de apreciação mecanismos sociais; alguns desenvolvidos pela própria racionalidade humana, ou irracionalidade, que está além do poder comentado por Foucault, esses são ferramentas que sinalizam como é a reação da pessoa social, no contexto do crime, como reage àqueles que são acusados, condenados por determinados crimes, e como passa a ser sua vida, após a condenação. O labelling approuch tem sido sinalizado como uma forma de etiquetamento e até mesmo rotulação, como um paradigma movido pela reação social, e a priori uma forma de controle social.

Observa-se um destaque neste tema para Howard em seu livro Outsiders;

[...] não importa qual seja a importância da operação de rotulação executada pelos empreendedores de moral, não se pode absolutamente considerá-la como a única explicação do que fazem de fato os desviantes. Seria absurdo sugerir que os ladrões à mão armada atacam as pessoas simplesmente porque alguém os rotulou com ladrões à mão armada, ou que tudo que faz um homossexual é decorrente do fato que alguém o rotulou como tal. Entretanto, uma das mais importantes contribuições desse enfoque foi chamar a atenção sobre as conseqüências que implicam, para um indivíduo, o fato de ser rotulado como desviante: torna-se mais difícil para ele prosseguir as atividades habituais de sua vida cotidiana, e essas dificuldades o incitam às ações ‘anormais’[...] O grau em que o fato de ser qualificado de desviante conduz a essa conseqüência deve ser estabelecido em cada caso, por um procedimento empírico e não por um decreto teórico. (BECKER ,2008, p. 203).

Há, sem margem de dúvidas, uma disposição atual e eminente sobre a questão de etiquetar e rotular a pessoa indicada como autor do crime, todo cuidado deve ser tomado, uma vez ser esta a postura da sociedade, o simples fato de estar respondendo por crime, gera um cenário aterrador, e se não, a pessoa acusada, o autor do crime, o estigma que se coloca sobre seus ombros, faz com que nem uma vida inteira de práticas boas possa retirá-lo. Infelizmente esta pessoa estará rotulada para sempre.

Em decorrência deste fenômeno social, consoante, é fácil observar como se pode etiquetar a pessoa a ponto de gerar um estigma sobre sua vida, selando sua existência com este rótulo que jamais abandonará o estigmatizado;

[...] desse processo de socialização/ é aquela na qual a pessoa estigmatizada aprende e incorpora o ponto de vista dos normais, adquirindo, portanto, as crenças da sociedade mais ampla em relação à identidade e uma idéia geral do que significa possuir um estigma particular. Uma outra fase é aquela na qual ela aprende que possui um estigma particular e, dessa vez detalhadamente, as conseqüências de possuí-lo. A sincronização e interação dessas duas fases iniciais da carreira moral formam modelos importantes, estabelecendo as bases para um desenvolvimento posterior, e fornecendo meios de distinguir entre as carreiras morais disponíveis para os estigmatizados. Poderá se mencionar quatro desses modelos. (GOFFMAN, 2004, p. 30).

Há, sem dúvida, um momento em que a pessoa percebe estar etiquetada, que há um controle absoluto sobre sua vida, que aceita esta rotulação e passa a viver sob esta égide sem se preocupar de estar ou não fazendo o que indicam ser o correto, seus valores assumem uma estrutura diferenciada, e fica sugestionado a entender que sua existência é capitaneada por um código distinto daquele seguido pela sociedade num todo. Como afirma Howard Becker, assume uma conduta desviante que será seu Norte doravante.

 

2.    A seletividade penal como consequência da ineficácia

A aplicação da justiça criminal é elitista e seletiva, fazendo cair seu peso sobre as classes sociais menos favorecidas; não atuando devidamente naquelas que detêm o poder de fazer as leis e de aplicá-las.

Assim sendo, fica por óbvio, claro, que vencer esse sistema de coisas não é algo de natureza fácil, ao contrário, é uma lástima de que admitir, mas várias pessoas que passaram por essa seletividade, dificilmente conseguirão se sair bem, quando sair da prisão; será um ser humano marcado, etiquetado e, dificilmente conseguirá sair do ciclo, crime/condenação igual prisão, ficando nesse ciclo vicioso, sem conseguir progredir e se afastar definitivamente do crime, como retrata;

Segundo esta perspectiva interacionista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como criminosas. Crime e reação social são conceitos interdependentes, recíprocos, inseparáveis. A infração não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade atribuída à mesma através de complexos processos de interação social, processos altamente seletivos e discriminatórios. O labelling approach, consequentemente, supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria definição da criminalidade. Esta – se diz – não é como um pedaço de ferro, um objeto físico, senão o resultado de um processo social de interação (definição e seleção): existe somente no pressuposto normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade. Não lhe interessam as causas da desviação (primária), senão os processos de criminalização e mantém que é o controle social o que cria a criminalidade. Por ele, o interesse da investigação se desloca do infrator e seu meio para aqueles que o definem como infrator, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e funcionamento do controle social ou a gênesis da norma e não os déficits e carências do indivíduo. Este não é senão a vítima dos processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do denominado paradigma do controle. (MOLINA,1996, p. 226-227).

Dá-se a teoria do Labelling Approach ou etiquetamento social, quando a partir do que será punido e quem será punido, levando-se uma relação com a seletividade penal.

O nosso sistema penitenciário é um retrato dessa seletividade, onde se tem determinada catalogação dos criminosos, deixando de fora outros tipos de delinquentes.

Como bem menciona Zaffaroni (1991, p. 130) “estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência de colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.)”, ou seja, não basta praticar um crime para ser levado às raias da justiça e a possibilidade de uma condenação, verifica-se também a espécie de crime praticado, e infelizmente numa sociedade permissiva e protecionista de personagens que são coadjuvantes, os atores principais podem quase tudo, sem a devida penalização prevista.

Neste elã é possível imaginar o seguinte quadro, estereotipado por aquele que segundo a sociedade assume uma conduta desviante;

Para ser rotulado de criminoso só é necessário cometer um único crime, isso é tudo a que o termo formalmente se refere. No entanto a palavra traz consigo muitas conotações que especificam traços auxiliares característicos de qualquer pessoa que carregue o rótulo. [...]. Assim, a detenção por ato desviante expõe uma pessoa à probabilidade de vir a ser encarcerada como desviante ou indesejável em muitos aspectos. (BECKER, 2008, p. 45):

Apreciando ou não a razão de ser do poder, é estabelecer quem é o comandado, aquele que servirá à mesa do rei, que se conformará em ser apenas uma pessoa sem importância e, quando mudar este status será para assumir outro muito pior, que é o de ser criminoso. Assim tem sido na história da humanidade, com algumas poucas exceções, pode-se observar que infelizmente há uma casta mundial de pessoas que estarão à margem de possibilidades de poder sair de seu centro rudimentar.

Aproveitando-se de uma maneira de produzir um efeito devastador na figura daquele que pratica crime, foi-se estabelecendo e emoldurando um modelo que poderia atravessar séculos, como bem coloca;

Desde sua própria origem o poder punitivo mostrou uma formidável capacidade de perversão, montada – como sempre – sobre um preconceito que impõe medo, neste caso sobre a velha crença vulgar europeia da maleficia das bruxas, admitida e ratificada abertamente pelos acadêmicos de seu tempo”. Também entende que “a infinita bondade do dominus se manifestava em sua generosa empresa libertadora dos males cósmicos que ameaçavam todos, e que se expressavam em Satã, através da bruxaria ou da heresia. ”. (ZAFFARONI, 2007, p.4).

Na esteira desta citação podem-se contemplar algumas palavras que reafirmam o que Zaffaroni afirma de maneira cálida, por exemplo, a palavra penitenciária é de flagrante alocução ser algo incrustrado para se fazer um paralelo com penitência, algo comum, frequente e conhecido; pena derivada da mesma ideia ligada à religião, como algo a ser conquistado através de um ser mítico, sobrenatural, em primeira análise Deus, e em um plano não tão secundário o Estado, na figura de seu monarca, hoje presidente.

Contribuindo para esta dicção, encontra-se que do alto de sua filosofia histórica e arquitetônica, traz lampejos de como se originou esta trama a respeito do castigo e punição àqueles que desobedeciam às leis;

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da poria principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.1 Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’Amsterdam].2 Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas... Afirma-se que, embora ele sempre tivesse sido um grande praguejador, nenhuma blasfêmia lhe escapou dos lábios; apenas as dores excessivas faziam-no dar gritos horríveis, e muitas vezes repetia: “Meu Deus, tende piedade de mim; Jesus, socorrei-me”. Os espectadores ficaram todos edificados com a solicitude da cura de Saint-Paul que, a despeito de sua idade avançada, não perdia nenhum momento para consolar o paciente. ” (FOUCAULT, 2008, p. 9),

Assim, atingindo o auge do martírio, encontrando-se desvalido a quase perder a consciência, neste momento sem nenhum pudor, sem nenhum constrangimento, exigia-se que o condenado fosse levado a confessar seus erros, para poder ter uma morte mais rápida, e aqueles que não eram condenados à morte, o suplício durava horas a fio, levando o condenado a uma violência tão brutal que suscitasse nos que assistiam a este “espetáculo” a temer a prática criminosa. Tal fato nunca aconteceu, os crimes e criminosos sempre existiram e há quem diga que na época da dívida de sangue, do suplício, os crimes eram tão sangrentos e violentos quanto era a punição pública.

O que realmente importava era o Estado demonstrar seu poder através de seus tentáculos e escrutínios; afinal, dominar é seu grande objetivo, como se pode observar na citação;

Abandonando o arcabouço dessas ideias medievais, o Estado assume a política interna e há então necessidade de um poder de polícia. Surge um Estado de polícia voltado às pessoas residentes no Estado e que necessitam serem controladas. Surgem tratados de polícia, com diferentes normas sistematizando o objeto da polícia – sendo este quase infinito. Em suma, quem governa o Estado e tem que controlar os súditos através do poder público, passa a ter um objetivo ilimitado, pois se trata de um estado de equilíbrio sempre desequilibrado para manutenção de seu povo, em que a relação Estado/ Súdito é sempre frágil, deixando assim os habitantes do Estado sempre a necessitar do governo de forma total e segura – não para o povo, mas para quem governa. Nesse Estado de polícia não há limitação em seus objetivos, demonstrando ser a razão do Estado atingir em seu apogeu uma forma ilimitada de controlar seus habitantes. (DUARTE, 2014, p. 33).

Nas palavras de Carlos;

[...]. Pode-se reiterar que as normas são resultados dos conflitos e das relações de poder que se desenvolvem na sociedade, e que, por consequência, os grupos com maior poder estabelecem normas que os favorecem, prejudicando outros que, ainda majoritários, têm menos ou nenhum poder social. (ALBERTO, 2009, p. 171):

Nesta divisão, a priori é evidente que há uma maneira de se perceber que os grupos têm uma sobreposição de outros grupos que não compõem o suprassumo do poder. Quem cria as normas e leis, o faz, protegendo a si e aos seus, para numa eventual possibilidade de transgressão daqueles que estão à frente de toda a sociedade e que criam mecanismos para prevenir qualquer eventualidade, não sejam punidos.

 

2.1 A política criminal e seu papel no etiquetamento

O Direito Penal tem em sua gênese sociológica a ideia de estender além da lei, a compreensão do momento social que se está vivenciando para poder agir com maior rigor, ou mais flexibilidade. Pode - se observar desta postura, uma maneira de respeitar a dinâmica do Direito Penal e seu livre exercício dentro das esferas que se propõe existir, como indica Guilherme de Souza;

Política criminal: para uns é ciência; para outros, apenas uma técnica ou um método de observação e análise crítica do direito penal. Parece-nos que política criminal é um modo de raciocinar e estudar o direito penal, fazendo-o de modo crítico, voltado ao direito posto, expondo seus defeitos, sugerindo reformas e aperfeiçoamentos, bem como com vistas à criação de novos institutos jurídicos que possam satisfazer as finalidades primordiais de controle social desse ramo do ordenamento. “Todo Direito penal responde a uma determinada Política criminal, e toda Política criminal depende da política geral própria do Estado a que corresponde” (MIR PUIG, Estado, pena y delito, p. 3). A política criminal se dá tanto antes da criação da norma penal como também por ocasião de sua aplicação. Ensina HELENO FRAGOSO que o nome de política criminal foi dado a importante movimento doutrinário, devido a VON LISZT, que teve influência como “tendência técnica, em face da luta de escolas penais, que havia no princípio deste século na Itália e na Alemanha. Essa corrente doutrinária apresentava soluções legislativas que acolhiam as exigências de mais eficiente repressão à criminalidade, mantendo as linhas básicas do Direito Penal clássico”. (NUCCI, 2017, p. 21).

Discorrendo sobre esse tema é de valia observar que há inteligência quando se percebe que em síntese, política criminal “é um modo de raciocinar e estudar o direito penal”, ou seja, uma forma racional de entender o momento, e aplicar a uma espécie de dosagem para aquela época, ou momento para conduzir a situação, margeado dentro de uma postura relativamente coerente, assim é dito;

Trazendo a atenção algo de suma importância: Estabelecendo a diferença entre política criminal e criminologia, Sérgio Salomão Shecaira diz que “aquela implica as estratégias a adotarem-se dentro do Estado no que concerne à criminalidade e seu controle; já a criminologia converte-se, em face da política criminal, em uma ciência de referências, na base material, no substrato teórico dessa estratégia. A política criminal, pois, não pode ser considerada uma ciência igual à criminologia e ao direito penal. É uma disciplina que não tem um método próprio e que está disseminada pelos diversos poderes da União, bem como pelas diferentes esferas de atuação do próprio Estado”. (NUCCI, 2016, p. 55).

A política criminal tem seu papel importante na formação e crescimento da sociedade, contudo, não se pode remediar em nome desta estrutura da questão ser humano e suas necessidades não se podem transigir da exigência mínima de respeito aos Direitos Humanos e sua demonstração cristalina na Constituição Federal, no caso de ser estritamente necessária a prisão, deve possuir no mínimo, o necessário para retirar a ideia de castigo e punição, e se transformar num momento de reabilitação, há uma ideia central

O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e “humanidade”. Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ação punitiva. Redução de intensidade? Talvez. Mudança de objetivo, certamente. Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que, então, se exerce? A resposta dos teóricos — daqueles que abriram, por volta de 1780, o período que ainda não se encerrou — é simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na própria indagação. Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Mably formulou o princípio decisivo: Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo. (FOUCAULT, 2008, p. 18).

Houve certamente uma mudança na forma de aplicar a pena, saindo do cenário litúrgico, o suplício, e entra agora a alma, que é atingida em cheio na maneira de ferir, de impingir uma marca indelével, sem a dor alucinante, porém, agora se pune o interior, o conceito de como se pode ser visto um ser humano, como se pode torturá-lo, sem colocar um único dedo sobre sua pele.

Com vistas na busca do equilíbrio normativo, há de se lembrar que o Direito Penal é a ultima ratio, não deve se transformar na primeira e muito menos na mais importante. Como se pode confirmar no texto a seguir;

Sob a influência do Movimento de Lei e Ordem, o direito penal, ultima ratio, vem se tornando a prima ratio na tentativa desenfreada de se materializar a justiça. Entretanto, ao invés de conferir maior eficácia ao sistema penal, tais soluções têm produzido um efeito inverso, contrário à essência do Estado Democrático de Direito, violando alguns dos mais básicos princípios consagrados por nossa Constituição Federal. (BOLDT, disponível em , acesso em: 24 maio 2018, 2006).

O texto de cores escuras e tom imperativo é um convite a tratar dos assuntos pertinentes à questão de política criminal, como algo de suma importância e na ordem do dia, e não como algo estipulado, sem calcular os danos que pode haver, resta comprovado de forma clara nas palavras de;

Destarte, passamos a conviver com algumas leis que representam um verdadeiro retrocesso no que tange aos direitos e garantias individuais, verdadeira concessão aos postulados do movimento da law and order, que defende medidas drásticas no combate à criminalidade, como, por exemplo, penas mais severas, que deverão ser cumpridas em regime fechado, proibição de liberdade provisória e o desprezo de certos direitos e garantias processuais. O exemplo mais significativo dessa tendência é a Lei nº 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos [...]. (ALMEIDA, 2004, p. 97).

No debate pequeno, sem responsabilidade com o passado e nem se importando com o futuro, escuta-se de forma amedrontadora, que a solução para o crime é penas mais altas e as punições mais severas e, quando se chama a razão, percebe-se o descontrole em demonstrar que há muito mais como, expressões aposentadas e naufragadas por um horizonte satisfatório que se firmava e que por conjunturas estão à deriva.

Destarte mesmo diante do infortúnio, cumpre lembrar a maneira como pessoas são levadas às prisões que não contribuem com nenhum processo de ressocialização e muito menos em reabilitar aquele que ali adentra.

 

3. O sistema prisional brasileiro e suas falências por falta de políticas públicas

Para compreender o sistema prisional brasileiro, sua falência e superlotação, coloca-se em tela a falta de estrutura, contendo-se em nossos presídios celas superlotadas, com a mínima condição adequada para os infratores; levando em conta a decadência do sistema penitenciário brasileiro que atinge não somente os apenados mas também as pessoas em que estão em contato direto e indiretamente com essa realidade carcerária.

Há uma indicação não tão antiga que demonstra como o sistema carcerário em sua plenitude, na maioria dos países se encontra fragmentado, veja o comentário que parece contemporâneo, mas é da década de 70/80, que Foucault faz sem a menor cerimônia;

Nos últimos anos, houve revoltas em prisões em muitos lugares do mundo. Os objetivos que tinham, suas palavras de ordem, seu desenrolar tinham certamente qualquer coisa de paradoxal. Eram revoltas contra toda uma miséria física que dura há mais de um século: contra o frio, contra a sufocação e o excesso de população, contra as paredes velhas, contra a fome, contra os golpes. Mas eram também revoltas contra as prisões-modelos, contra os tranqüilizantes (sic), contra o isolamento, contra o serviço médico ou educativo. Revoltas cujos objetivos eram só materiais? Revoltas contraditórias contra a decadência, e ao mesmo tempo contra o conforto; contra os guardas, e ao mesmo tempo contra os psiquiatras? De fato, tratava-se realmente dos corpos e de coisas materiais em todos esses movimentos: como se trata disso nos inúmeros discursos que a prisão tem produzido desde o começo do século XIX. O que provocou esses discursos e essas revoltas, essas lembranças e invectivas foram realmente essas pequenas, essas ínfimas coisas materiais. Quem quiser tem toda liberdade de ver nisso apenas reivindicações cegas ou suspeitar que haja aí estratégias estranhas. Tratava-se bem de uma revolta, ao nível dos corpos, contra o próprio corpo da prisão. O que estava em jogo não era o quadro rude demais ou ascético demais, rudimentar demais ou aperfeiçoado demais da prisão, era sua materialidade na medida em que ele é instrumento e vetor de poder; era toda essa tecnologia do poder sobre o corpo, que a tecnologia da “alma” — a dos educadores, dos psicólogos e dos psiquiatras — não consegue mascarar nem compensar, pela boa razão de que não passa de um de seus instrumentos. É desta prisão, com todos os investimentos políticos do corpo que ela reúne em sua arquitetura fechada que eu gostaria de fazer a história. (FOUCAULT, 2008, p. 29).

Não tão longe do tempo que se chama hoje, o presente não tem em nada, mudado este cenário que carrega por si, um misto de apreensão e pessimismo, aparentando que o ser humano num todo não consegue se sobrepor, subir e não retornar às origens horrendas.

Fazendo um aporte no que era o sistema prisional, e como esta é de grande valia, nota-se o que Foucault em sua maneira única de enxergar aponta;

Dentre tantas modificações, atenho-me a uma: o desaparecimento dos suplícios. Hoje existe a tendência a desconsiderá-lo; talvez, em seu tempo, tal desaparecimento tenha sido visto com muita superficialidade ou com exagerada ênfase como “humanização” que autorizava a não analisá-lo. De qualquer forma, qual é sua importância, comparando-o às grandes transformações institucionais, com códigos explícitos e gerais, com regras unificadas de procedimento; o júri adotado quase em toda parte, a definição do caráter essencialmente corretivo da pena, e essa tendência que se vem acentuando sempre mais desde o século XIX a modular os castigos segundo os indivíduos culpados? Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação, merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de novos arranjos com maior profundidade? No entanto, um fato é certo: em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal. (FOUCAULT, 2008, p. 12):

A marca, ou símbolo ou etiquetamento, hoje prestado àqueles que entram no sistema carcerário, ficam impressos na alma da pessoa; além de uma ficha negativa, exposta a cada momento que é parado numa blitz, ou na procura de um emprego que lhe é solicitado o atestado de antecedentes, entre muitas coisas que o marcam para o resto de sua vida. Há também o fato do ambiente onde ficam, verdadeiros depósitos humanos.

Para se poder aproximar com uma lupa de como funciona internamente o sistema carcerário brasileiro se fazem propícias nas seguintes palavras;

Como só isso não bastasse há dados que demonstram a forma como a pessoa que entra no sistema carcerário é tratada. Além de ser algo inimaginável, é também impensável em qualquer possibilidade mínima de se quer pensar em ressocialização, ou de não haver índices altos de reincidência. Foi admitida uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), que trouxe o seguinte relatório inicial: “Em suas diligencias, a CPI se deparou com situações de miséria humana. No distrito de Contagem, na cela n° 1 um senhor de cerca de 60 anos tinha o corpo coberto de feridas e estava misturado com outros 46 detentos. Imagem inesquecível! No Centro de Detenção Provisória de Pinheiros em São Paulo, vários presos com tuberculose misturavam-se, em cela superlotada, com outros presos aparentemente “saudáveis”. Em Ponte Nova, os presos usavam creolina para curar doenças de pele. Em Brasília, os doentes mentais não dispunham de médico psiquiátrico. Na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, presos com gangrena na perna. Em Santa Catarina, o dentista arranca o dente bom e deixa o ruim no lugar. Em Ponte Nova e Rio Piracicaba, em Minas Gerais, registrou-se a ocorrência de 33 presos mortos queimados. ” (DUARTE, 2017, p. 142).

Dentro ainda desta perspectiva, mensurando como a superlotação tem atravancado de forma brutal o sistema, pode-se requerer, rever este mesmo relatório supracitado, para avançar na questão carcerária; afinal, há muito comentário de como é as entranhas de um presídio, mas sem dúvida, poucas pessoas conhecem como funciona e principalmente como é seu escrutínio dentro do sistema;

A penalização não é mais pública, não há espetáculos públicos reunidos na praça, estes foram substituídos por outra espécie de tratamento, um diferente de exposição pública, nos dias atuais a forma é outra, como se pode se ver no relatório: “A superlotação é talvez a mãe de todos os demais problemas do sistema carcerário. Celas superlotadas ocasionam insalubridade, doenças, motins, rebeliões, mortes, degradação da pessoa humana. A CPI encontrou homens amontoados como lixo humano em celas cheias, se revezando para dormir, ou dormindo em cima do vaso sanitário. Em outros estabelecimentos, homens seminus gemendo diante da cela entupida com temperaturas de até 50 graus. Em outros estabelecimentos, redes sobre redes em cima de camas ou do lado de fora da cela em face da falta de espaço. Mulheres com suas crianças recém-nascidas espremidas em celas sujas. Celas com gambiarras, água armazenada, fogareiros improvisados, papel de toda natureza misturados com dezenas de homens. Celas escuras, sem luz, com paredes encardidas cheias de “homens morcegos”. Dezenas de homens fazendo suas necessidades fisiológicas em celas superlotadas sem água por dias a fio. Homens que são obrigados a receberem suas mulheres e companheiras em cubículos apodrecidos.” Na chamada política criminal, não enxerga a tragédia que se contrapõe a este sistema tão desumano como possa parecer, é evidente que nenhuma pessoa do executivo vai querer se interpor e construir novos presídios e estabelecer um critério de ambiente salubre, e com celas com um número muito menor do que temos nos dias atuais, isso seria decretar que o crime está vencendo o Estado, essa mea culpa jamais o executivo irá assumir, tratará o problema como algo localizado e não como algo que perdeu o controle. (DUARTE, 2017, p. 143).

A superlotação carcerária, por sua vez, é um mal que corrói o sistema penitenciário, conforme preleciona Rogério;

A superlotação carcerária é um fato de risco não somente para os presos, que cumprem suas penas em situações deprimentes, como também para os funcionários encarregados de sua vigilância, pois o sistema penitenciário transforma-se em um verdadeiro barril de pólvora, pronto a explodir a qualquer momento. (GRECO, 2015, p. 228).

Sabe-se que o sistema prisional brasileiro se encontra falido, pois não é de hoje que os meios de comunicação divulgam constantemente imagens de presos em quase todos os Estados do nosso país, cumprindo pena em situações desumanas e convivendo com o problema da superlotação carcerária.

A sociedade de forma geral não se importa com esse fato, pois acreditam que os presidiários merecem tais tratamentos, esquecendo-se que todos nós estamos sujeitos a entrar nesse sistema, ou ainda, que, aquelas pessoas, um dia voltarão ao convívio em sociedade.

Não obstante a ineficiência e crueldade do sistema prisional tem-se também a criminalidade como um resultado de um processo de imputação, ou seja, a criminalidade é uma etiqueta.

A Constituição Federal assegura em seu artigo 5o, caput e inciso lll, que a vida é inviolável e ninguém será submetido à tratamento desumano e degradante atendendo assim, o princípio da dignidade humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil disposto no art. 1º, inciso lll, da Carta Magna.

A Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), por seu turno, dispõe, em seu artigo 85 que: “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com sua estrutura e finalidade”.

Em síntese da decadência que ocorre em nosso sistema penitenciário brasileiro, tem-se a noção de que não atinge somente os que estão inseridos dentro do sistema, como também a sociedade de forma direta ou indireta.

O Estado tornou-se ausente, pois visa levar para o lado penal. É muito fácil colocar culpa no modelo penal do que mudar realmente nosso sistema, nosso modelo, e ressocialização. Falta mais interesse entre o Estado, visar a devida adequação que os presos realmente necessitam, pois, uma hora ou outra eles sairão das cadeias e caberá ao Estado, se sairão da mesma forma que entraram ou se quer foram ressocializados.

Por si só, essa é uma realidade condenável, mas a torna ainda mais inaceitável, o agravante de que esses detentos são despejados num sistema viciado, dominado por facções criminosas e pela promiscuidade entre presos e agentes públicos corruptos, no qual, em vez de ações efetivamente correcionais, prevalecem práticas que acabam transformando os réus de baixa periculosidade em bandidos irrecuperáveis. Mantê-la vai de encontro a movimentos, defendidos e levados a efeito por órgãos da Justiça, para reduzir a alta ebulição de um caldeirão que tem emitido, à custa de violência e tragédias humanas, sinais de combustão.

Se houvesse uma devida distribuição de orçamentos, a fim de melhorias para o nosso sistema prisional, proporcionando melhores condições para os presos, fazendo com que sintam a verdadeira vontade de ressocializá-lo; porque se houvesse essa verdadeira distribuição, haveria também uma melhoria nos trabalhos dentro do sistema, nas celas, em suas comidas, e eles perceberiam que existe sim; um Estado que visa uma melhoria para os mesmos.

A ressocialização do egresso é uma tarefa quase impossível, pois não existem programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a sociedade, hipocritamente, não perdoar àquele que já foi condenado, por ter praticado uma infração penal.

A falta de verbas para a construção de novos presídios é mais um dos fatores que contribuem para a superlotação carcerária, tendo em vista, o número excessivo de infrações penais praticadas em geral. Com base nisso, Rogério Greco (2015, p. 228) afirma que “não fosse a corrupção praticada pelos detentores do poder, os desvios de verbas, aliados a um Direito Penal máximo, cujo simbolismo é reconhecido por todos esses seria um problema a menos na lista de ocupações do Estado. ”

Com efeito, a superlotação, a falta de capacitação dos agentes, a corrupção que ocorre dentro do próprio sistema, a falta de higiene e assistência ao condenado, são fatores que contribuem para a falência do sistema penitenciário brasileiro.

O art. 88 da Lei n. 7.210 de 1984 (Lei de Execução Penal) diz que:

O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a)     Salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b)    Área mínima de 6,00m² (seis metros quadrados).

Não obstante o art. 38 do Código Penal diz que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.

Sendo assim, a influência do sistema prisional brasileiro e sua ineficácia em devidas políticas públicas, vem gerando diretamente e/ou indiretamente na seletividade penal do indivíduo, o que o torna como uma vitrine, ou seja, uma etiqueta perante nossa sociedade.

Em nossa sociedade, dependemos de normas como resultadas dos conflitos e das relações em que se desenvolvem nela. Não obstante, temos os grupos que detêm um maior poder; a eles, qualificamos como delito de colarinho branco, e os que obtêm menor poder ficam prejudicados, pois para eles ocorrem um menor ou nenhum poder social.

Consoante Goffman;

Deve estar claro que os ajustamentos primários e secundários são problemas de definição social e que uma adaptação ou um incentivo legítimo em determinado período de determinada sociedade podem não ser legítimos em momento diferente de sua historia ou em outra sociedade. (GOFFMAN, 1961, p.163).

Destaca ainda, que a carga de significados atribuídos à característica diferencial é construída socialmente. Assim, uma mesma característica pode ser vista como um estigma ou confirmação de normalidade, a depender da sociedade na qual o indivíduo se encontra;

Essa teoria dirige seu interesse à gestação de normas por ser o primeiro passo nos processos de etiquetamento: estabelecer uma definição (lei vigente) que estipule as condições que deve reunir uma conduta para ser delito. Logo segue o processo de aplicação, que é a atribuição a um sujeito do caráter de delinquente. Complementando o jogo dos dois processos anteriores, também intervêm agentes que interagem com o sujeito e etiquetam-no como criminoso, inclusive antes que uma sentença lhe imponha uma definição oficial. (ELBERT, 2009, p.171).

Lombroso explica como, na realidade, os criminosos teriam alguma coisa que os diferenciavam fisicamente das pessoas comuns, diferenciação essa que era feita e o que os tornava menos evoluídos do que as outras pessoas.

Nessa mesma esteira encontra se;

Lombroso estabelece uma Antropologia Criminal centrando sua atenção em caracteres somáticos e biológicos de delinquente, convencido de que atavismo e degeneração se combinam de tal modo que, em cada delinquente, pode detectar-se um bom número de características degenerativas, como a relação peso-altura, a capacidade craniana ou detalhes externos como visão estrábica, orelhas grandes, assimetrias, lábios leporinos, verrugas etc. Esse foi o modelo da denominada Antropologia Criminal. (ELBERT, 2009, p.68).

Todo ser humano é capaz de cometer um delito, o que falta para que o mesmo prossiga em diante é a oportunidade. Levando em conta tal consideração, é que analisamos que esses indivíduos estigmatizados tiveram a oportunidade, a qual resultou em um delito, conforme;

O crime passa a ter um rosto e este a ser marginalizado através de toda sorte de preconceito há anos estampados na sociedade, que perniciosamente não perdoa, e muito menos alivia a sobrevivência de quem já passou por agruras e em suma, já pagou a dívida contraída com a sociedade e estado, não poderia por força de lei e de perspectiva social, continuar a ser cobrado, uma vez que está quites com a sentença imposta e cumprida. (DUARTE, 2017, p.140).

O fato de se impor um rosto, uma face, demonstra a fragilidade do sistema que não se adequa ao ponto mais importante, que é ressocializar, tornando a pessoa adaptada ao convívio social, podendo contribuir com trabalho e sair de vez do mundo do crime, mas o que tudo indica é que investir no criminoso é melhor que em educação, saúde e na própria segurança preventiva e ostensiva.

O estigmatizado nada mais é do que um atributo negativo, ou seja, é algo em que se conecta com as relações ou uma característica diferenciadora de outro indivíduo.

Tem-se em nosso sistema penal uma seletividade, o que podemos chamar de cifra oculta do crime, onde o crime não chega ao conhecimento da autoridade, ou seja, um processo seletivo. O senso comum, com a ajuda da mídia vem fazendo com que os nossos governantes, no intuito de acatar ao que seria uma certa justiça e/ou vingança, vejam o problema como algo a parte.

Nesse sentido, entende que:

A causa do preso, definitivamente, não angaria a simpatia dos governantes que, mesmo veladamente, no fundo, a aceitam como forma de punição para aquele que praticou a infração penal. Na verdade, o comportamento dos governantes é um reflexo daquilo que a sociedade pensa sobre o tratamento que deve ser dirigido aos presos. (GRECO,2015, p.226)

A população, em geral, vem clamando para que os indivíduos que estão inseridos em nosso sistema prisional sofram, além de suas condenações impostas por sentença. A ressocialização se tornou uma tarefa árdua, pois não existem programas governamentais para a reinserção destes na sociedade, outrossim, porque a sociedade hipocritamente não consegue perdoar, de fato, àqueles que praticaram alguma infração penal.

Para Ferri, o homem era uma verdadeira máquina, condicionada por distintos fatores, e não podia escolher seus comportamentos. As teses de Ferri (apud ELBERT, 2009, p. 71) sobre a conduta delitiva afirmavam que o homem é uma máquina, que não fornece em seus atos nada mais do que recebe do meio físico e moral em que vive.

A política criminal nada mais é do que um conjunto de princípios e regras, nos quais o Estado tem, ou pelo menos, deveria ter, o intuito de promover a prevenção e a repressão das infrações penais. Não obstante, abrange-se a compreensão dos métodos que são aplicados na execução das penas e medidas de segurança, tendo em vista não apenas a reinserção do condenado, mas também o interesse social.

Conforme observa

A resposta, na verdade, encontra-se em um conjunto de ações. Não basta, tão somente, tentar melhorar a vida dos presos dentro do sistema penitenciário. Temos que pensar em programas sociais, que antecedem à pratica da infração penal, como também em programas destinados à ressocialização do preso que, certamente, após algum tempo, nos países que não adotam a pena de morte e a pena de prisão perpétua, voltará ao convívio em sociedade. (GRECO, 2015, p. 241).

A Política Criminal tem-se com sua participação, o intuito do direito que deve vigorar. Em síntese, ela é, ou deveria ser, aquilo em que o Estado faz contra as infrações penais. O Estado no intuito de atingir o fim do crime, usar tal política criminal; ou seja, ela se torna um meio de prevenção e repreensão do crime.

Ademais, a Política Criminal estuda de certo modo as táticas e meios de como controlar a criminalidade em nossa sociedade; ou seja, ela compreende os procedimentos (penais e não penais) os quais de certo modo seriam as respostas do fenômeno criminal, em outras palavras, a política criminal é uma forma de responder o crime, em que se criou pela sociedade, no intuito de punir os indivíduos que violarem as leis.

Visando que a sociedade de classe, que entende o sistema punitivo, esteja ligada à organização, ideologicamente; ou seja, tem-se a finalidade de proteger os interesses de cada classe que se predomina.

No entanto, nota-se que o direito penal, de certo modo tornou-se seletivo eou elitista, com isso, sobressai o peso sobre as classes menores, assim, sua atuação não é aplicada devidamente para aqueles que detêm o poder de criar as leis.

Sendo assim, o sistema se encontra como um esqueleto vertical o qual é dominado pelos poderes existentes da sociedade, perante a desigualdade e provocando, de certo modo, a desigualdade.

 

Considerações finais

            O presente artigo buscou analisar a importância de um estudo minucioso no processo de construção das ideias no que diz respeito à seletividade e etiquetamento de pessoas que vão para os presídios sem pelo menos ter tido um verdadeiro diagnóstico de seu crime e/ou delito, porque depois que a mesma é levada para o presídio, é praticamente impossível retirar a marca de preso, bandido, criminoso. Visto que a sociedade de certo modo se tornou parceira na contribuição, fazendo de modo direto ou indireto que o preso entre num ciclo vicioso de criminalidade, não lhe dando oportunidade de refazer a vida ao sair dos presídios.

Não obstante, ao receber a liberdade, continua carregando o estereótipo de delinquente; tirando dela a possibilidade de regeneração e/ou ressocialização. A sociedade não perdoa o infrator e não vê que se o sistema prisional oferecer o melhor para ele; isso irá refletir de forma positiva dentro da mesma.

Por outro lado, os governantes não têm como objetivo melhorar as condições de vida de quem cometeu uma infração, porque são eles que criam as normas e regras, sendo assim, esse conjunto de princípios regem interesses, não de todos, mas apenas da minoria privilegiada. Essa minoria compreende aqueles que possuem um padrão de vida elevado na sociedade. E por mais que as leis mudem, nunca chegam à homogeneidade.

Portanto, faz-se necessário que o sistema prisional do nosso país, passe por uma formulação no pensamento filosófico de que o infrator tem o que merece; e tenha um comprometimento maior com a sociedade, de forma geral, a fim de apresentar propostas de melhoramento, não só para o preso, mas visando combater essa apreensão e insegurança que o sistema prisional tem causado à sociedade; fazendo com que a mesma se sinta refém não só do delinquente, mas daqueles que detêm o poder.

Conclui-se que, nesse estudo percebe-se que o Labelling Approach deixará de existir no sistema prisional, se os governantes atentarem para a igualdade social, onde o crime será visto de igual modo, independente da classe social do infrator. Uma vez que muitos exemplos de seletividade são vistos diariamente na mídia, mostrando que esse modelo prisional atual, na verdade é modelo de princípio antigo, vigente na atualidade, conservador e dominador.

 

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Data da conclusão/última revisão: 14/6/2018

 

Como citar o texto:

GOMES, Loiny Kévia Dias; SILVA, Marcos Antonio Duarte..O labelling approach e a seletividade penal como consequência da falência do sistema. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1540. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4109/o-labelling-approach-seletividade-penal-como-consequencia-falencia-sistema. Acesso em 28 jun. 2018.

Importante:

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