RESUMO 

Apesar de a Constituição Federal de 1988 não ter instituído expressamente a ressocialização como objetivo específico da pena, depreende-se de vários dispositivos que esta é a finalidade da pena privativa de liberdade, inferindo-se, ainda, que o princípio da dignidade da pessoa humana, tida como “valor fundamentador do sistema de direitos fundamentais”, assim como seus desdobramentos, configuram elementos indispensáveis para aqueles que estão sob a tutela direta do Estado, juntamente com o direito à vida e o direito à integridade física e moral. Desse modo, o presente estudo, tem por objetivo fazer uma reflexão acerca do Direito Penal e aplicabilidade prática de seus dispositivos frente à população carcerária brasileira, bem como sua eficiência para a contenção da criminalidade, verificando-se a observância dos direitos e garantias fundamentais dos presos. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica e documental, partindo da análise da evolução histórica do Direito Penal no Brasil, desde o período colonial, cerca da legislação existente, visto que, para entender o sistema atual, é preciso vislumbrar a origem das primeiras leis de execução penal criadas no país. Sem dúvida alguma, a ideologia por trás da pena, com o atravessar dos séculos, sofreu uma série de transformações, uma vez que, inicialmente, criadas com intuito de vingança social, hoje, as penas atuam como fórmulas simultâneas de correção, prevenção e proteção social. No entanto, com a terceira maior população carcerária do mundo, vivendo em condições precárias e sub-humanas, a reincidência criminal ainda é extremamente elevada e as penas restritivas de liberdade, que deveriam servir de intimidação e coibição para a prática de novos crimes, simplesmente não funcionam, uma vez que os índices de violência, no Brasil, tornam-se cada vez maiores, juntamente com a população prisional, chegando ao ponto de não haver instituições suficientes para abrigar dignamente tantos presos. Assim, o presente trabalho trata da necessidade de atenção à política criminal e penitenciária, com foco na ineficiência tanto no cumprimento da pena e na repressão, quanto na incapacidade do sistema penitenciário de ressocializar o preso, devido à falta de políticas públicas voltadas para a reintegração do preso à sociedade e à falta de controle estatal no que diz respeito ao domínio das facções criminosas dentro dos presídios.  

Palavras-chave: Direito Penal Brasileiro; Direitos Fundamentais; População Carcerária.

ABSTRACT

Although the Federal Constitution of 1988 did not expressly institute resocialization as a specific objective of punishment, it can be seen from several provisions that this is the purpose of the custodial sentence, and it is also inferred that the principle of the dignity of the human person , considered as the "founding value of the system of fundamental rights", as well as its unfolding, are indispensable elements for those who are under the direct tutelage of the State, together with the right to life and the right to physical and moral integrity. Thus, the purpose of this study is to reflect on the criminal law and the practical applicability of its provisions in relation to the Brazilian prison population, as well as its efficiency in the containment of crime, observing the observance of the fundamental rights and guarantees of prisoners The methodology used was the bibliographical and documentary revision, starting from the analysis of the historical evolution of the Criminal Law in Brazil, since the colonial period, close to the existing legislation, since to understand the current system, it is necessary to glimpse the origin of the first laws of penalties created in the country. Undoubtedly, the ideology behind punishment, with the passing of the centuries, has undergone a series of transformations, since, initially, created for the purpose of social revenge, today, the penalties act as simultaneous formulas of correction, prevention and protection Social. However, with the third largest prison population in the world, living in precarious and subhuman conditions, criminal recidivism is still extremely high and restrictive sentences of freedom, which should act as intimidation and restraint for the commission of new crimes, simply do not work, since the rates of violence in Brazil are increasing with the prison population, to the point that there are not enough institutions to shelter so many prisoners with dignity. Thus, the present work addresses the need for attention to criminal and penitentiary policy, focusing on inefficiency both in punishment and repression, and in the inability of the penitentiary system to re-socialize the prisoner, due to the lack of public policies aimed at reintegration of the prisoner to society and the lack of state control over the criminal factions within prisons.

Keywords: Brazilian Criminal Law; Fundamental Rights; Prison Population.

1. Introdução

O Direito Penal, deu-se início com o surgimento da sociedade, com o intuito de regularizar a convivência entre os indivíduos, não tem como falar em homens livres de delitos.

De acordo com relatos antigos, a pena era uma punição divina, já que os povos primitivos acreditavam que os fenômenos naturais eram como resposta dos Deuses em reprovação a alguma ação realizada pelo homem, desta forma as penas eram aplicadas pela sociedade, que pretendiam demonstrar aos deuses que a coletividade desaprovava o ato praticado. Estas causas e efeitos passaram a ser o que conhecemos hoje como crimes e penas.

Atualmente, sanção penal brasileira possui a finalidade de punir o indivíduo através da retribuição pela pratica delituosa e a prevenção, para o não cometimento de novos crimes. A pena, neste contexto, é marcada por ser um castigo, uma intimidação ou reafirmação do Direito Penal e um recolhimento do indivíduo que a praticou para ressocialização.

A definição é direta e destinada ao fim que possui, ou seja, punir o indivíduo que cometeu a pratica delituosa e prevenir para que o mesmo não pratique mais crimes, e educar a sociedade através da intimidação. Contudo, a doutrina diverge na concepção do que realmente seria a sanção penal para o delinquente.

A pena é regida por características próprias como a legalidade, a anterioridade, a personalidade, a individualidade, a inderrogabilidade, a proporcionalidade e a humanidade, assegurando ao delinquente o cumprimento digno da pena que lhe é destinada; fazendo menção ao que versa a Lei para agravantes e atenuantes.

Como a sanção penal tem a finalidade primordial de retribuir ao indivíduo que comete o crime uma pena, ou seja, penalizá-lo pela pratica de um ato que não foi aprovado pela sociedade. Os legisladores, de forma sábia, elencaram espécies penais que são utilizadas, para variar de acordo com crime praticado.

Assim sendo, o presente artigo trata de analisar a evolução histórica do Direito Penal brasileiro, bem como as ordenações do Reino de Portugal e as leis imperiais. Aborda, ainda, as teorias que explicam a pena e a forma como o Brasil entende a punição: quais seus objetivos com a pena e sua execução na prática. Além de um juízo de valor, sem adentrar na temática da eficácia da atual aplicação da norma brasileira, mediante revisão bibliográfica.

2. O Direito Penal no Brasil

Direito Penal, conforme instrui Guilherme de Souza Nucci: “é o corpo de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação.” (NUCCI, Guilherme de Souza. 2010, p. 39)

Um Estado Democrático de Direito fundamenta-se na concepção de justiça social, visando a promoção da cidadania baseada na dignidade da pessoa humana e na legalidade. Dessa forma, para que o Estado seja, efetivamente, um Estado Democrático de Direito, é essencial professar e assegurar os direitos fundamentais de seus cidadãos, de modo que tais direitos estejam vinculados à toda produção e interpretação do ordenamento jurídico nacional.

Assim, o professor José Afonso da Silva assevera que:

“A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício”. (SILVA, Jose Afonso. 2003, p. 119 – 220)

Em síntese, a finalidade de um Estado Democrático de direito é a libertação da pessoa humana de qualquer forma de opressão. No âmbito do Direito Penal, tal situação seria traduzida na segurança de o indivíduo ter respeitadas as garantias e os direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988, onde a liberdade deve ser versada como regra, somente sendo admitida sua privação em casos excepcionais, de maneira que a pena não pode ser, apenas um fim em si mesmo, sem que haja nem um outro objetivo a ser atingido em prol da sociedade.

Partindo dessa premissa, com o intuito de restringir e delimitar o arbítrio do legislador e, assim, impedir a criação penas tirânicas com cominação de sanções cruéis, se apresenta um dos princípios constituintes do Direito penal, o princípio da intervenção mínima, baseado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) que, em seu artigo 8º determinou: “a lei só deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias”.

O Entendimento de Bittencourt tem por mérito auxiliar no entendimento deste princípio:

“O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária” (BITENCOURT, Cezar Roberto. 2010, p.43)

Portanto, infere-se, que o Direito penal deve ser encarado como a última opção do sistema legislativo, somente devendo ser acionado quando não mais houver opção senão a criação da lei penal.

Conforme, sabiamente, asseverou Guilherme de Souza Nucci:

“o direito penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do direito. Fracassadas outras formas de punição e de composição de conflitos, lança se mão da lei penal, para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados.” (NUCCI, Guilherme de Souza. 2010, p. 47)

O princípio da mínima intervenção, conforme se pode observar, decorre de um dos mais fundamentais princípios norteadores da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana, considerado como o princípio constitucional máximo (NUNES, 2009, p. 49), mandamento objetivo de todo o ordenamento jurídico, seja de ordem constitucional ou inferior, não podendo o intérprete da lei ignorar tal condição e não dar alcance às normas que lhe restabeleçam a condição de viver dignamente como ser humano, de modo que o princípio da dignidade atua como elemento fundador de outras garantias na constituição, tal como ocorre com as regras do direito do penal quando pressupõe que não haverá pena de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis (art. 5º, XLVII, CF/88).

Assim sendo, a busca pela humanização do instituto das prisões encontra respaldo não só na Constituição brasileira, mas atua como finalidade precípua do próprio ordenamento jurídico e da atividade estatal, não podendo servir de instrumento para aplicação de penas cruéis, desumanas ou degradantes, nem servir de depósito de pessoas, amontoadas em péssimas condições de sobrevivência.

A vedação da pena de morte representa respeito a garantia do direito à vida, enquanto a vedação de penas de caráter perpétuo representa o cumprimento do direito fundamental à liberdade. O princípio da humanidade pode ser encontrado no artigo 4º, II, da Constituição Federal, que trata da defesa dos direitos humanos e também no artigo 5º, incisos III, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII e XLIX, que proíbe: pena de morte, salvo em caso de guerra declarada; penas de caráter perpétuo; trabalhos forçados; banimento; penas cruéis; cumprimento da pena em locais adequados; respeito à integridade física e moral:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;” (BRASIL, 1988, p. 3)

Portanto, o principal intento da pena, é a prevenção geral através da intimidação, sem deixar de lado as possíveis necessidades de prevenção especial, no que tange à ressocialização do delinquente. A pena como forma de retribuição do crime, no sentido de expiação ou de compensação da culpabilidade, nada mais significa do que a imposição de um mal que se justifica por ter sido cometido e representado pelo crime.

Respaldados pela Lei de Execuções Penais, é válido considerar que os dois sustentáculos da pena (punir e ressocializar) devem ser aplicados de forma cumulativa, visando não só a reprimenda estatal, a retribuição pelo mal causado à sociedade, mas além da punição a implantação da correção ao comportamento desviado, consubstanciado na demonstração ao preso de que ele tem condições de responder pelo crime praticado e, mesmo assim, ser aceito de volta a sociedade, que não o discriminará.

Assim, acordo com Nucci:

“A pena é a sanção do Estado, valendo-se do devido processo legal, cuja finalidade é a repressão ao crime e a prevenção a novos delitos, objetivando reeducar o delinquente, retirá-lo do convívio social enquanto for necessário, bem como reafirmar os valores protegidos pelo Direito Penal e intimidar a sociedade para que o crime seja evitado”. (NUCCI, 2006, p.378)

O termo “pena” vem do latim poena, porém com derivação do grego poine, significando dor, castigo, punição, expiação, penitência, sofrimento, trabalho, fadiga, submissão, vingança e recompensa. Delmanto (2002) conceitua pena como sendo “a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. Ela tem finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora”. (DELMANTO, 2002, p. 67) (grifo nosso)

Outro conceito de pena é o de Capez (2003), que traz a seguinte definição:

“Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade” (CAPEZ, 2007, p.358)

Segundo Santos (2006), a pena tem a função de prevenção geral positiva, ou seja, a partir da reação estatal perante fatos puníveis, que protege a consciência social da norma e resguarda, desta forma, o delinquente, ajudando-o dentro do possível, utilizando os critérios da proporcionalidade.

O sistema penal brasileiro apresenta às penas as seguintes características: a. é personalíssima, só atingindo o autor do crime (Constituição Federal, art. 5° XLV); b. a sua aplicação é disciplinada pela lei (CP, art. 1°, e CF, art. 5°, XXXIX); c. é inderrogável, no sentido da certeza de sua aplicação; d. é proporcional ao crime (CF, art. 5°, XLVI e XLVII); e. anterioridade, onde a lei já deve estar em vigor na época em que for praticada a infração penal (CP, art. 1°, e CF, art. 5°, XXXIX); f. individualidade, a sua imposição e cumprimento deverão ser individualizados de acordo com a culpabilidade e o mérito do sentenciado (CF, art. 5°, XLVI); g. humanidade, não são admitidas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, perpétuas (CP, art.75), de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5°, XLVII).

Em regra, o sistema prisional ou local de cumprimento da pena, conforme sua natureza deverá contar com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e pratica esportiva, com instalação destinada a estagio de estudantes universitários. Serão instaladas, ainda, salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante e haverá instalação destinada à Defensoria Pública.

Mas, o que se observa, na prática, é um sistema prisional falido, sem capacidade para sustentar a quantidade de presos atualmente existente. Conforme as palavras de Xavier:

“Em junho de 2014, tínhamos 563.526 presos cumprindo pena nos estabelecimentos prisionais, quando só se dispõem de 357.219 vagas, o que representava um déficit de 206.307 vagas. Com isso, temos a relação de 1,57 presos/vaga, o que torna o Brasil vice-campeão mundial nesse quesito, atrás apenas da Bolívia” (XAVIER, 2012, p.201).

Segundo Rocha (2016):

“No que diz respeito aos tipos de penas aplicáveis [...], deve-se ter em mente que a pena privativa de liberdade deve ser de caráter excepcional e subsidiário, tendo em vista que se trata de pena mais gravosa e que pode trazer consequências ainda maiores ao indivíduo que a cumpre e à sociedade. No entanto, não é essa, infelizmente, a tendência que acompanhamos no Judiciário brasileiro, que supervaloriza, muitas vezes, a pena privativa de liberdade em detrimento das penas alternativas, ainda que o caso concreto autorize-as. Essa realidade é explicada, em parte, pela própria cultura da nossa sociedade, que possui a ideia de que para que seja punido, o criminoso deve necessariamente passar por um presídio, pois, caso contrário, haverá a sensação de impunibilidade”. (ROCHA, 2016).

A lei como um todo, portanto, tem como objetivo primordial, ao privar a liberdade do homem como penalização, que ele aprenda a respeitar e se submeter às regras da sociedade, que seja reeducado. No entanto, os entraves do sistema carcerário são muitos, sendo os mais graves a superlotação e, consequentemente, a falta de infraestrutura, aliados aos constrangimentos irregulares que os apenados sofrem.

Mediante à falência do sistema prisional brasileiro, exigem-se novos métodos para a execução das penas, não bastando que se atire o condenado à reclusão e aos maus tratos. A Lei de Execução Penal, por sua vez, se apresenta bastante adiantada neste sentido, prevendo direitos e mecanismos de reeducação do preso, mas, por não ser cumprida eficientemente, não gera o efeito necessário.

Entretanto, para entender o motivo de, apesar das várias modificações sofridas pelo Direito Penal Brasileiro, buscarem ao máximo cumprirem as afirmações contidas na legislação vigente, na doutrina e na jurisprudência, no que diz respeito à obediência dos direitos e garantias fundamentais do condenado, é preciso, antes, estudar toda a evolução histórica do Direito Penal no Brasil, desde o Período Colonial até as últimas atualizações legais.

2.1 Código Criminal do Império

Após a proclamação da República, a primeira Constituição Brasileira, a de 1824, previa a elaboração de uma nova legislação penal, de modo que o primeiro código criminal independente do Brasil a ser elaborado, foi Código Criminal do Império, sancionado em 16 de dezembro de 1830, por Dom Pedro I, aos moldes do Direito Português, aglomerando em um único código, um conjunto de normas penais sistematizadas e reduzidas, aplicadas à legislação penal brasileira: “organizar-se-á o quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade” (BRASIL, art. 179, parágrafo 18).

O referido código era constituído por quatro partes – dos crimes e das penas; dos crimes públicos, dos crimes particulares e dos crimes policiais – sendo composta cada uma por títulos, capítulos e seções, determinando que nenhum crime fosse punido com penas que não estivessem estabelecidas nas leis conforme a gradação de máximo, médio e mínimo, em razão das possíveis atenuantes ou agravantes (Código Criminal, art. 33). Dessa forma, foram determinados como criminosos (autores) aqueles que cometiam, constrangiam ou mandavam alguém cometer crimes. Além disso, não haveria crime ou delito, ou quaisquer palavras sinônimas neste código, sem uma lei anterior que o qualificasse (Código Criminal, art. 1º).

Os menores de quatorze anos foram isentos de responsabilidade penal (Código Criminal, art. 10). Entretanto, caso fosse comprovado que haviam cometido crime ou delito, com discernimento, seriam encerrados nas casas de correção, com período de reclusão limite até o réu completar dezessete anos (Código Criminal, art. 13).

A legislação criminal seguida durante o Império exprimiu uma ruptura em relação às penalidades martirizantes da codificação portuguesa (esquartejamento, amputação, açoites etc.), por privilegiar a aplicação da pena de privação da liberdade (o encarceramento) praticamente inexistente no livro V, mas, que foi aplicada predominantemente no Código de 1830 (SALLA, 2006, p. 46).

Nos casos da aplicação da pena de morte podia ocorrer uma combinação de suplícios (açoites e tenazes quentes), além do esquartejamento antes ou depois da morte, de acordo com a condição do criminoso e o tipo de crime (LARA, 1999, p. 22).

A aplicação generalizada da pena de prisão, a partir do século XIX, foi fruto do ideário iluminista, dado o caráter igualitário da penalidade de confiscar um direito comum, a liberdade, de todos os que haviam sido elevados à categoria de cidadãos (SALLA, 2006, p. 46). Sua aplicação é prevista nos quatro títulos da parte segunda do Código de 1830, que tratou dos crimes públicos contra a existência política do Império, o exercício dos poderes políticos, o livre gozo dos direitos políticos dos cidadãos e a segurança interna (MALERBA, 1994, p. 119).

De acordo com a orientação do direito clássico, a Constituição de 1824 aboliu “os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis” (BRASIL, 1824, art. 179, parágrafo 19), além de eliminar as mutilações e os castigos corporais. Entretanto, foram mantidas as penas de açoites, aplicadas exclusivamente aos escravos, as de morte e de galés, assim como as de banimento, degredo, desterro, multa, suspensão e perda de emprego.

A pena de banimento (art. 50) privava os réus dos direitos de cidadão brasileiro e de habitar perpetuamente o território do Império. No entanto, apesar de previsto o banimento não foi estipulado diretamente como pena para nenhum crime (SALLA, 2006, p. 367). A pena de degredo (art. 51) obrigava “os réus a residir no lugar destinado pela sentença, sem poderem sair dele, durante o tempo, que a mesma lhes marcar” (BRASIL, 1830, p.6). Sua aplicação deveria ser feita nos casos de estupro (art. 221) e no exercício ilegítimo da autoridade militar (art. 141), o que representou uma diminuição significativa se comparado ao número de crimes – em torno de duzentos e cinquenta e seis – punidos com o degredo nas Ordenações Filipinas (PONTAROLO, 2010).

Pode-se dizer que a pena de degredo praticada durante o período imperial possuiu também uma função ligada ao povoamento nas regiões de fronteira (PIERONI, 2002; PONTAROLO, 2010, p. 17). Já a pena de desterro obrigaria “os réus a sair dos termos dos locais do delito, da sua principal residência, e da principal residência do ofendido, e a não entrar em algum deles durante o período marcado na sentença” (art. 52). Essa pena era prevista nos casos de estupro (art. 219) e de conspiração (art. 107). A pena de multa, por sua vez obrigava os réus ao pagamento de uma quantia pecuniária, imposta de maneira aditiva às penas principais de prisão simples e com trabalho, e de suspensão e perda de empregos.

O Código Criminal de 1830 vigorou durante todo o Império e foi complementado posteriormente pelo Código do Processo Penal de 1832, tendo sido substituído apenas na República, em 1890.

2.2 Código de Processo Criminal de Primeira Instância de 1832

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância foi promulgado pela Lei de 29 de novembro de 1832, publicada por uma Regência, em nome do Imperador Dom Pedro II, tratando da organização judiciária e da parte processual complementar ao Código Criminal de 1830, alterando inteiramente as formas do procedimento penal então vigentes, herdadas da codificação portuguesa.

A primeira parte do Código de Processo Criminal tratou da nova organização judiciária, que manteve nas províncias do Império as divisões em distritos de paz, termos e comarcas. No distrito, constituído por, no mínimo, 75 casas, haveria um juiz de paz eleito nas localidades, que contava, para auxiliá-lo, com um escrivão, inspetores de quarteirões e oficiais de justiça:

“Art. 4º Haverá em cada Distrito um Juiz de Paz, um Escrivão, tantos Inspectores, quantos forem os Quarteirões, e os Oficiais de Justiça, que parecerem necessários.

Art. 5º Haverá em cada Termo, ou Julgado, um Conselho de Jurados, um Juiz Municipal, um Promotor Público, um Escrivão das execuções, e os Oficiais de Justiça, que os Juízes julgarem necessários.

Art. 6º Feita a divisão haverá em cada Comarca um Juiz de Direito: nas Cidades populosas, porém, poderão haver até três Juízes de Direito com jurisdição cumulativa, sendo um deles o Chefe da Polícia. (BRASIL, 1832, p.1)

Seu texto proporcionou muitas garantias de defesa dos acusados com a adoção da ordem do habeas corpus, do direito concedido ao cidadão de promover a ação penal popular, mesmo não sendo vítima, quando os crimes fossem públicos, da instituição dos jurados e dos cargos eletivos de juiz de paz. ( IGLÉSIAS, 1993, p. 151; SLEMIAN, 2008, p. 201; BAJER, 2002, p. 25).

2.3 Código Criminal da República de 1890

Com a Abolição da Escravatura surgiu a necessidade de reforma no Código Criminal de 1830, uma vez que as disposições nele contidas já não se encontravam mais em acordo com a realidade social existente. Assim, após a Proclamação da República, em 1888, o Conselheiro João Batista Pereira, foi mantido pelo Ministro da Justiça Campos Sales, nessa missão de elaborar um projeto de Código Penal, para ocupar lugar do antigo Código de 1830, símbolo de um período que precisaria ser rapidamente esquecido naquele momento (SILVA, 2006, p. 13).

O referido Código foi finalizado num período de três meses e, e após passar por uma comissão revisora instituída pelo Ministro da Justiça, foi aprovado por meio do Decreto 847 de 11 de outubro de 1890, antes mesmos da Constituição da República de 1891 (PIARANGELI, 2001, p. 74). Desse modo, o Direito Penal foi utilizado claramente como um ponto de partida para o controle social seletivo, diferenciando os homens bons dos criminosos.  “Em um ambiente de aristocratização social como o da República Velha, a busca pelos criminosos acabava por tomar os sinais aparentes de pobreza como indícios de propensão à criminalidade” (LOPES; QUEIROZ; ACCA, 2009, p. 427).

O Código tem uma preocupação em penalizar condutas desviantes socialmente, como a vadiagem, a mendicância e a embriaguez, em nome da aplicação de uma moderna Ciência do Direito Penal. “Esta ansiedade por separar, no corpo social, o joio do trigo levou ao estabelecimento de uma espécie não-oficial de sociedade estamental na República” (LOPES; QUEIROZ; ACCA, 2009, p. 427).  Comparado ao Código Criminal do Império, o Código Penal da República em termos de estrutura normativa e coerência teórica ficou longe do seu antecessor e foi tido como um dos piores diplomas legais editados (SILVA, 2006, p. 13).

Contudo, uma vantagem do Código Penal de 1890 merece ser ressaltada: a abolição da pena de morte e a instalação do regime penitenciário correcional, com um abrandamento do rigor das penas, o que configurava um avanço para a legislação penal da época (MIRABETE, 2011, p. 23). Em seu artigo 43 estabeleceu as penas: a) prisão celular; b) banimento; c) reclusão; d) prisão com trabalho obrigatório; e) prisão disciplinar; f) interdição; g) suspensão e perda do emprego público, com ou sem inabilitação para exercer outro; h) multa. Não admitiu penas infamantes e restringiu as penas privativas de liberdade individual pelo prazo máximo de 30 anos, vedando com isso as penas de caráter perpétuo. Mas, o Código Penal, mesmo com penas mais brandas, manteve o caráter instrumental tanto de prevenção quanto de repressão e dominação social da pena (SCHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 41).

2.4 O Código Penal de 1940

Embora tenha sido elaborado durante um regime ditatorial, o Código penal de 1940 incorpora fundamentalmente as bases de um direito punitivo democrático e liberal, sendo que seu único vestígio autoritário aparece na disciplina dos crimes contra a organização do trabalho, que, inspirada no direito italiano, estabelece sistema de excepcional rigor na repressão dos ilícitos penais relacionados com a greve, que se configura com a mera paralisação do trabalho com o concurso de pelo menos  três empregados (BRASIL, art. 200, Parág. único, Código Penal). 

A legislação penal foi complementada com o surgimento da Lei das Contravenções Penais em 1941, ainda em vigor e diversas outras leis penais extravagantes, tais como: o Código Penal Militar, de 1944 (substituído posteriormente pelo Código de 1969); Lei de Imprensa, de 1953 (substituída posteriormente pela Lei n° 5.250, de 1967 e que recentemente foi declarado pleno do STF a sua não recepção pela CF/88 ); Lei de economia popular (Lei n° 1.521, de 1951); Lei de segurança do Estado, de 1953 (revogada posteriormente pelo Decreto-Lei n° 898, de 1969).

Permanece, portanto, em vigor, o Código Penal de 1940, com algumas alterações que lhe foram introduzidas, dentre as quais as referentes à lei de n° 6.416 de 1977, que inseriu em seu bojo os estabelecimentos penais semiabertos e abertos, de que é espécie a prisão-albergue.

O Código Penal vigente é dividido pela parte geral, que cuida dos lineamentos de todo o sistema penal e a parte especial, que descreve as figuras típicas, ou crimes, compreendida de oito títulos, dando-se as penas e medidas de segurança. A parte especial por sua vez, possui onze títulos, cada qual refere-se a um bem jurídico tutelado como a vida, o patrimônio, a propriedade imaterial, a organização do trabalho, os costumes, a família, dentre outros.

2.5 O Código Penal de 1960

Com o restabelecimento da Democracia em 1945 e com o advento de uma nova Constituição em 1946, pensou-se logo em um novo Código Penal, embora não houvesse a a pretensão de se elaborar um Código totalmente novo, visto que o Governo considerava o Código de 1940 como a melhor codificação feita até então, um inovador estatuto que foi convertido em lei por via do Decreto-lei n°1.004, de 21 de outubro de 1969, de pronto começou a ser bombardeado com inúmeras críticas, dentre elas, pode-se citar a adoção da pena indeterminada, que foi considerada uma inovação absurdamente inviável e ainda, a redução prevista para dezesseis anos a idade mínima para a imputabilidade, sendo esta dependente de exame criminológico para verificar a devida capacidade de entendimento e autodeterminação do agente. O Código original sofreu algumas alterações em 31 de dezembro de 1973, por meio da lei n° 6.016/73, atendendo-se a muitas das críticas formuladas, no entanto, foi derrogado sem nunca entrar em vigor.

2.6 Lei de Execução Penal

A Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, trata dos direitos (e deveres) do reeducando (condenado e internado) nas penitenciárias brasileiras e da sua reintegração à sociedade.

Elencado na Lei de Execução Penal, o art. 1° aborda o principal objetivo da execução da sentença penal condenatória: “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 1984, p.1)

O preso, consequentemente, assim como qualquer outra pessoa, é um sujeito possuidor de direito e deveres, uma pessoa humana que deve ser punida pelo crime que cometeu, mas ao qual se de oportunizar a recuperação, já que a reintegração social, como estabelece a Lei de Execução Penal, é uma obrigação do Estado.

A Lei de Execução Penal (LEP) assegura ao preso os seus devidos direitos, quais sejam: direitos políticos, direitos a assistência, educação, religião, corroborando em atividades reabilitadoras. Essencialmente, o período de cumprimento da pena é justamente para reabilitar o sujeito e prepará-lo para o retorno em sociedade. Para Mirabete (2007, p. 63), “se a reabilitação social constitui a finalidade precípua do sistema de execução penal, é evidente que os presos devem ter direitos aos serviços de assistência, que para isso devem ser-lhes obrigatoriamente oferecidos, como dever do Estado”.

Tratando-se dos direitos que o sentenciado possui diante da LEP, para Santos (1998, p. 26), “a Lei de Execução Penal é pródiga no que se refere à concessão dos direitos do preso. Um dos artigos da LEP que espelham com objetividade a ideologia que comandam o referido diploma no tocante ao condenado é o artigo 3°”:

“Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.” (BRASIL, 1984, p.1)

Os artigos 5°, 6°, 7° e 8° por sua vez, estabelecem as condições de individualização dos apenados:

“Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade.

Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e será integrada por fiscais do serviço social.

Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução”. Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semiaberto.(BRASIL, 1984, p.1)

Dentre outros, constituem direitos do preso:

“Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; (BRASIL, 1984, pp. 6-7)

Quanto aos tipos de assistência, temos o disposto no Art 11: “Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V – social; VI – religiosa”. (BRASIL, 1984, p. 2)

A Lei de Execução Penal, portanto, é muito positiva quando alega as assistências, sustentando contribuições quanto a alimentação, higiene, vestuário, serviços médicos, assistência jurídica do seu processo, bibliotecas, ensino de 1º grau, trabalho, apoio de assistência social e até mesmo na religião. As garantias obtidas através da Lei de Execução Penal auxiliam o processo de ressocialização, devendo ser realmente aplicados. Se os programas ressocializadores forem desenvolvidos, na prática, e os sistemas penitenciários brasileiros reformulados, seria possível o fornecimento de condições dignas conforme orienta a lei.

2.7 Sistema Penitenciário Brasileiro

As instalações, são sempre em péssimas condições, com elevados índices de detentos por cela, com relatos frequentes tortura e maus-tratos, tanto por parte de outros detentos, quanto por parte dos próprios agentes prisionais, agindo como um combustível perfeito para a proliferação da violência. A forma indiscriminada de aprisionar acaba por criar um ciclo vicioso de se combater a violência com violência. Ou seja, o modelo é parte do problema: se aprisiona muito e se aprisiona mal.

Segundo Cezar R. Bitencourt, as principais deficiências apresentadas nas prisões são as seguintes:

“a) maus tratos verbais ou de fato (castigos sádicos, crueldade injustificadas, etc.); b) superlotação carcerária (a população excessiva reduz a privacidade do recluso, facilita os abusos sexuais e de condutas erradas); c) falta de higiene (grande quantidade de insetos e parasitas, sujeiras nas celas, corredores); d) condições deficientes de trabalho (que pode significar uma inaceitável exploração do recluso); e) deficiência dos serviços médicos ou completa inexistência; f) assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva (dependendo do delinqüente consegue comprar esse tipo de serviço para utilizar em favor da sua pena); g) regime falimentar deficiente; g) elevado índice de consumo de drogas (muitas vezes originado pela venalidade e corrupção de alguns funcionários penitenciários ou policiais, que permitem o tráfico ilegal de drogas); i) abusos sexuais (agravando o problema do homossexualismo e onanismo, traumatizando os jovens reclusos recém ingressos); j) ambiente propicio a violência (que impera a lei do mais forte ou com mais poder, constrangendo os demais reclusos)”

A separação dos presos provisórios dos condenados, e, entre os condenados, a separação por periculosidade ou gravidade do crime cometido está prevista na lei de execuções penais. No entanto, na prática, não é o que acontece por causa do sucateamento dos presídios e da superlotação. Segundo especialistas, tais medidas evitariam que réus primários convivessem com criminosos veteranos, diminuindo a entrada de novos membros nas "escolas internas do crime".

É nítido, conforme Lourenço e Almeida (2013) que as gangues se aproveitam das brechas e hiatos das instituições formais do estado para exercer a ordem interna dos presídios, mediar conflitos e gerir os mercados ilícitos nas cadeias e nos centros urbanos:

“o domínio das penitenciárias não apenas ajuda a impedir vácuos de poder e lutas internas, como também resolve problemas de recursos humanos e recrutamento. O controle das facções sobre a vida na prisão promove a socialização dos recrutas, a transmissão de capital social entre os presos mais jovens e os mais velhos, e representa oportunidades de aprendizado para os candidatos a futuros líderes”. (LOURENÇO, 2013)

Da mesma maneira, é sabido que o sistema prisional, onde o ócio ocupa a maior parte do tempo de detenção, de modo algum, contribuirá para a melhoria dos detentos, aqueles que, de fato, poderiam requerer algum procedimento de orientação para prepará-los para o retorno da vida em sociedade. A cadeia acaba sendo, para esses e para aqueles, uma escola do crime, fracassando, portanto, no seu propósito inicial que seria proteger a sociedade dos indivíduos perniciosos e ineficiente no seu propósito final de devolver indivíduos melhorados à sociedade que os segregou.

3. Considerações finais

Os grandes índices de criminalidade e as condições dos presídios deixam à mostra a incapacidade do Estado brasileiro na ressocialização do preso, o que causa certo temor à sociedade em contar com o trabalho profissional do egresso do sistema penitenciário. Dizermos que a sociedade ainda se mostra muito preconceituosa, é um pouco injusto, a medida em que qualquer cidadão sabe, tem conhecimento de que o preso não dispõe de condições de se ressocializar por si mesmo, já que o Estado não lhe apoia da forma como deveria ser feita.

Sem dúvida alguma, a ideologia por trás da pena, com o atravessar dos séculos, sofreu uma série de transformações. Inicialmente, criadas com intuito de vingança social, hoje, as penas atuam como fórmulas simultâneas de correção, prevenção e proteção social.

O uso das penas alternativas ainda é incipiente no ordenamento jurídico brasileiro, não raro limitado a pequenos delitos, aparecendo, aos olhos da população quase que como leniência ou impunidade.

Entende-se que a privação da liberdade é, em alguns casos, necessária para a sociedade, mas, é indispensável que medidas sejam tomadas de maneira a ressocializar o preso, a fim de se alcançar o fim penal. Atualmente, a Lei é inaplicável diante da falta de estrutura governamental, de modo que podemos concluir que o Brasil tem uma lei suficientemente humana, que garante direitos e prevê caminhos que, se fossem seguidos, poderiam reduzir o estado de caos prisional apresentado atualmente, como a superlotação carcerária e condições indignas aos presidiários, além da perda do controle sobre os detentos, que dão ordens e cometem outros ilícitos dentro dos presídios.

É inegável, que as gangues se aproveitam das brechas e hiatos das instituições formais do estado para exercer a ordem interna dos presídios, mediar conflitos e gerir os mercados ilícitos nas cadeias e nos centros urbanos. O controle das facções sobre a vida na prisão promove a socialização dos recrutas, a transmissão de capital social entre os presos mais jovens e os mais velhos, representando oportunidades de aprendizado para os candidatos a futuros líderes. 

A falta de políticas públicas e o descaso com as normas já existentes fazem com que a reintegração se faça cada dia mais distante que o ideal, não sendo suficiente a mobilização da sociedade civil e da iniciativa privada no último estágio da política ressocializadora se, no primeiro estágio, o Estado brasileiro não apresentar as ferramentas necessárias para implementação do último.

Assim, mais que investir, é necessário ainda que o Estado brasileiro atue efetivamente não só na construção de mais estabelecimentos prisionais. Para racionalizar a entrada no sistema prisional, seria preciso privilegiar o encarceramento por crimes violentos, em detrimento de delitos menos graves, como furto e pequeno tráfico de droga, que podem ser punidos com penas alternativas à prisão previstas em lei, mas negligenciadas por juízes, visto que diversos estudos sobre os efeitos da prisão sugerem que as penas alternativas ao encarceramento diminuem a taxa de reincidência criminal, além de representarem menores custos para os cofres públicos. Dessa forma, seria possível evitar que muitos criminosos de baixa periculosidade entrassem em contato com facções criminosas nos presídios.

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Data da conclusão/última revisão: 5/10/2019

 

Como citar o texto:

COSTA, Hélio Rocha da; SILVA, Rubens Alves da..Direito penal brasileiro: uma breve análise evolutiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1659. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4580/direito-penal-brasileiro-breve-analise-evolutiva. Acesso em 16 out. 2019.

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