RESUMO

Em 22 de Dezembro de 2003 o Brasil aprovou a Lei Nº 10.826, também conhecida como Estatuto do Desarmamento, dispondo sobre o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição no país. Com o intuito de reduzir o número de armas de fogo em circulação e, consequentemente, o elevado índice de violência, de homicídios e crimes provenientes de seu uso, o estatuto trouxe uma série de empecilhos para quem deseja adquirir uma arma de fogo, além de proibir seu porte, resguardando-se algumas exceções. Quase vinte anos depois de sua aprovação, no entanto, o Brasil ainda apresenta índices alarmantes de crimes bárbaros associados ao uso de armas de fogo. Apesar das dificuldades trazidas para quem deseja ter uma arma de fogo e a proibição do seu porte, até então, segundo as estatísticas, o número de mortes pelo seu uso não diminuiu. Mais recentemente, foi publicado o decreto 9.685/19, com o objetivo de flexibilizar a posse de armas de fogo para aqueles cidadãos que preenchessem os requisitos básicos previstos pelo Estatuto do Desarmamento. Apesar de revogado na sequência, o presente decreto abriu um precedente atual para suscitar uma nova discussão acerca da capacidade da flexibilização da posse regular de arma de fogo configurar fator de aumento ou redução da violência.

Palavras-chave: Estatuto do Desarmamento. Flexibilização da Posse de Armas. Redução da Criminalidade.

ABSTRACT

On December 22, 2003, Brazil passed Law No. 10,826, also known as the Disarmament Statute, providing for the registration, possession, and marketing of firearms and ammunition in the country. In order to reduce the number of firearms in circulation and, consequently, the high rate of violence, homicides and crimes resulting from their use, the statute has brought a series of obstacles for those who want to acquire a firearm, in addition to prohibit its carriage, safeguarding some exceptions. Almost twenty years after its approval, however, Brazil still has alarming rates of barbaric crimes associated with the use of firearms. Despite the difficulties brought to those who wish to have a firearm and the prohibition of its possession, until then, according to statistics, the number of deaths from its use has not decreased. More recently, Decree 9,685 / 19 was published with the aim of making firearms more flexible for those citizens who met the basic requirements of the Disarmament Statute. Although repealed thereafter, the present decree set a current precedent to raise a new discussion about the ability to flexibilize regular firearm ownership as a factor for increasing or reducing violence.

Keywords: Disarmament Statute. Possession of Weapons Flexibility. Criminality Reduction

 

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.  2 HISTÓRICO E LEGISLAÇÃO REFERENTE ÀS ARMAS DE FOGO NO BRASIL. 2.1 HISTÓRICO DO CONTROLE DO USO DAS ARMAS DE FOGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 2.2 SISTEMA NACIONAL DE ARMAS – SINARM. 3 ESTATUTO DO DESARMAMENTO. 3.1 DA POSSE E DO PORTE DE ARMA DE FOGO. 3.2 REQUISITOS PARA A POSSE DE ARMA DE FOGO. 3.3 REQUISITOS PARA O PORTE DE ARMA DE FOGO. 3.4 DAS PENAS PARA A POSSE E PORTE ILEGAL DE ARMAS DE FOGO. 4 A FLEXIBILIZAÇÃO DO PORTE E DA POSSE DE ARMAS DE FOGO EM RELAÇÃO À REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE. 4.1 DECRETO 9.785/2019.

4.2 A RELAÇÃO ENTRE A FLEXIBILIZAÇÃO DA PASSE E DO PORTE DE ARMAS E A REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

1 INTRODUÇÃO

Promulgado em 2003, o Estatuto do Desarmamento tinha como propósito reduzir a circulação e a comercialização de armas de fogo e, assim, mitigar os altos índices de violência relacionados ao uso de armas de fogo.

No entanto, quase duas décadas após a aprovação do Estatuto do Desarmamento, o Brasil ainda apresenta índices alarmantes de crimes violentos associados ao uso de armas de fogo, apesar das restrições legais previstas no referido estatuto para quem deseja ter a posse de uma arma de fogo e a proibição expressa do seu porte.

Vale ressaltar, nesse cenário, que posse e porte de arma de fogo têm conotações distintas. A posse de arma significa a manutenção de uma arma de fogo no interior de uma residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho, enquanto que o porte de arma de fogo é o uso da arma dentro ou fora da residência, podendo, o cidadão detentor deste porte, se locomover com o objeto.

Nesse ínterim, uma das promessas de campanha do atual presidente da República era, justamente, a proposta de revisão do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, de modo a facilitar a posse e o porte de armas no país e, assim, permitir que o cidadão “de bem” tenha meios de autodefesa.

Assim, no dia 15 de janeiro de 2019, foi publicado o decreto 9.685/19, no intuito de flexibilizar a posse de armas de fogo para cidadãos que preencherem os requisitos básicos que já eram previstos pelo Estatuto do Desarmamento, quais sejam: não possuir antecedentes criminais; ser maior de 25 anos de idade; ter ocupação lícita; não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; e, ter realizado o curso para o manejo de arma de fogo.

O intento do referido decreto era o de, tão somente, flexibilizar a posse legal de arma de fogo para aqueles indivíduos que se comprovarem aptos, mediante procedimento de requerimento de posse. A posse irregular, ilegal; o porte ilegal de arma de fogo; bem como o comércio ilegal ou tráfico internacional de armas continuariam sendo delitos, previstos pelo Estatuto do Desarmamento, nos artigos 12 e seguintes da referida lei.

Se por um lado, a edição do decreto é pauta de campanha, veiculada como forma de combater a criminalidade, alguns especialistas a entendem como potencial de aumento da sensação de segurança da população, por outro, há quem entenda que a medida é insuficiente e pode, até mesmo, provocar efeito inverso ao apregoado.

Destarte, dias após sua divulgação, o decreto 9.685/19, foi contestado numa análise dos técnicos da consultoria legislativa do Senado, que constataram que o referido dispositivo amplia o porte de armas no país e, consequentemente, “extrapola” o chamado “poder regulamentar”, que diz respeito à prerrogativa dada pela Constituição Federal ao chefe do Poder Executivo para produzir regulamentos e decretos sem que seja preciso enviar uma proposta ao Legislativo.

O presente estudo, portanto, pretende fazer uma análise da legislação atual referente à posse e ao porte de arma de fogo, fazendo um levantamento de dados bibliográficos acerca deste tema, bem como verificar as alterações intentadas pelo decreto em relação ao Estatuto do Desarmamento e as possibilidades de redução dos crimes envolvendo armas de fogo.

 

2 HISTÓRICO E LEGISLAÇÃO REFERENTE ÀS ARMAS DE FOGO NO BRASIL

2.1 HISTÓRICO DO CONTROLE DO USO DAS ARMAS DE FOGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O controle do poderio bélico no território brasileiro não é uma preocupação estatal recente, buscando, sempre, o legislador, coibir o uso das armas de fogo, podendo ser observado no decorrer do tempo seu papel na repressão do efetivo uso, no porte e na simples posse de um artefato dessa espécie.

O primeiro dispositivo referente ao emprego das armas de fogo, detinha a alcunha de “Ordenações Filipinas”. Vigorando no período compreendido entre 1603 a 1830, tratavam-se de cinco livros que regiam o ordenamento jurídico no Brasil, sendo o Livro V responsável pelo Direito Penal. Mais especificamente o Título LXXX, colocava como infratora a pessoa encontrada com arma de ‘péla’ de chumbo, de ferro ou de pedra feitiça. Assim, quem o fosse seria apenado com um mês de prisão, multado em quatro mil réis e açoitado publicamente, sendo o indivíduo a quem, por nascimento, não caiba açoite, este seria “exilado” para a África por dois anos. (BISPO, 2010, p. 101-111)

Posteriormente, em 1831 entrou em vigor o Código Criminal do Império do Brasil, que trazia em sua Parte Quarta “dos crimes policiais”, no capítulo V os artigos 297, 298 e 299 que tratavam do “uso das armas defesas”, atribuindo penalidades àqueles que fizessem uso de armas ofensivas proibidas e restringindo a posse de armas para uso dos oficiais de justiça e militares em diligencia e os autorizados pelos juízes de paz. (BICALHO, 2000, p. 224)

O decreto 24.602, de 06 de julho de 1934, por sua vez, instaurou paralelamente à responsabilização penal, o controle administrativo da fabricação e comercialização de armas, munições e explosivos pelo Exército Brasileiro.

No âmbito penal, adveio a Lei das Contravenções Penais, através do Decreto-Lei 3.688, de 03 de outubro de 1941, tipificando, pela primeira vez, o simples porte da arma de fogo como sendo infração penal. No entanto, ainda era uma tipificação bem sutil, se comparada ao enquadramento do crime de calúnia: enquanto o “crime de calúnia” (artigo 138 do Código Penal), penalizava o sujeito ativo com multa e detenção de seis meses à dois anos, a contravenção descrita no artigo 19 da Lei das Contravenções Penais cominava em pena de prisão simples de quinze dias à seis meses ou multa. (BICALHO, 2000, p. 224)

O Decreto-lei 3.688/41, que qualificava o delito do porte ilegal de armas de fogo apenas como contravenção penal vigorou no país até 1997. Porém, a relevância mínima dada ao uso de armas de fogo e a aplicação de penas insignificantes, frente à grande agitação social, prescindia a tomada de medidas condizentes com a gravidade que representava. Foi quando surgiram os primeiros movimentos pró-desarmamento no Brasil e o controle de armas de fogo começou a entrar na pauta de preocupações nacional. Somando-se a isso, os dados e pesquisas que apareciam mostravam relação direta entre o fácil acesso às armas de fogo e o aumento do número de homicídios, comprovando que quanto mais armas em circulação, mais morte.

Assim, em fevereiro de 1997 entrou em vigor a Lei 9.437 criminalizando condutas e aplicando-lhes penas mais severas às disposições que existiam até então.

Em junho de 2003, por sua vez, foi organizada uma Marcha Silenciosa, com sapatos de vítimas de armas de fogo, em frente ao Congresso Nacional, chamando bastante atenção da mídia e da opinião pública. Os legisladores tomaram para si o tema e criaram uma comissão mista, com deputados federais e senadores para formular uma nova lei. Esta comissão analisou todos os projetos que falavam sobre o tema nas duas casas e reescreveram uma lei conjunta: o Estatuto do Desarmamento.

 

2.2 SISTEMA NACIONAL DE ARMAS - SINARM

No ano de 1997 foi sancionada a Lei 9.347, de 12 de dezembro de 1996, que instituiu o Sistema de Cadastro de Armas, chamado SINARM – Sistema Nacional de Armas -, tipificando o porte ilegal de armas como crime, ao invés de contravenção, como previa a legislação anterior. Além disso, a lei ainda previu como crime outros tipos de conduta, como a posse, detenção, porte, venda, emprego, empréstimo, dentre outras ações ligadas as armas de fogo.

Inicialmente, ainda no capítulo I, a Lei Nº 9.437 instituiu o Sistema Nacional de Armas (SINARM), vinculado ao Ministério da Justiça no âmbito da Polícia Federal, estendendo a todo território nacional a circunscrição do sistema e suas competências.

I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro;

II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;

III – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores;

IV – identificar as modificações que alterem as características ou funcionamento de arma de fogo;

V – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;

VI – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais. (BRASIL, 1997)

O segundo capítulo, do referido estatuto, versou acerca do registro das armas de fogo, prevendo a obrigatoriedade de se proceder com o registro das mesmas, com exceção das obsoletas. Desse modo, o certificado de registro depende de autorização do SINARM, validade em todo o território nacional e autorizam o proprietário a manter sua arma de fogo em sua residência ou local de trabalho, desde que seja ele o responsável legal pelo estabelecimento.

Um pouco mais adiante, no capítulo terceiro, a lei Nº 9.437/97 traz as previsões relativas ao porte de arma de fogo. Assim como nos itens mencionados anteriormente, a lei é bastante resumida nesse quesito, relegando a aquisição de armas a atos regulamentares, tratando-se, portanto, de norma de eficácia limitada. 

Para se obter uma autorização para o porte de armas de fogo, por sua vez, o requerente devia comprovar idoneidade moral, efetiva necessidade, comportamento social produtivo, capacidade técnica e aptidão para o manuseio do objeto. O terceiro capítulo dividia o porte de armas em dois grupos: a) estadual, que validava sua utilização apenas dentro dos limites do Estado de domicílio do requerente; e o b) federal, que era válido em todo o território nacional, a ser expedida em situações extraordinárias.

Em relação à tipificação dos crimes e das penas, a Lei do SINARM é bastante antiquada, utilizando múltiplos termos para caracterização do mesmo crime, de modo que os atos de possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter e ocultar arma de fogo, de uso permitido, em desacordo com a legislação, incorreriam em um mesmo crime, cominando na mesma pena: detenção de um a dois anos, e multa.

As únicas distinções no âmbito das punições estavam nos casos ditos “qualificados” e no único majorante do artigo, que estipulava o aumento da pena na metade caso o agente fosse servidor público.

 

3 ESTATUTO DO DESARMAMENTO

A Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento é bem mais criteriosa e detalhista que a legislação anterior, de 1997, em relação ao porte de armas, proibindo-o tacitamente em todo o território nacional, excetuando-se alguns casos, mediante o preenchimento de diversos pré-requisitos.

Regulamento pelo Decreto Nº  5.123, de 1º de julho de 2004, o Estatuto do Desarmamento estabeleceu que, somente, serão expedidas as autorizações para o porte de armas no Brasil, em virtude da obrigatoriedade da devida formação profissional, para aquele que comprovassem a real necessidade desse instituto para o cumprimento efetivo de suas atividades profissionais.

Em relação ao comércio de munição, no intuito exercer maior sobre a venda desses artefatos, a referida lei apenas permite que sejam vendidas as com calibre correspondente ao da arma registrada. Além disso, as empresas que confeccionam esse tipo de produto, passaram a ser obrigadas a comunicar a venda à autoridade competente e manter um banco de dados com todas as características das armas, além de responderem legalmente por suas mercadorias enquanto não forem vendidas. 

Outra inovação trazida pelo Estatuto do Desarmamento, foi a legitimação da Polícia Federal para expedir os certificados de registros além de estabelecer outros requisitos para a aquisição de uma arma de fogo, a serem comprovados periodicamente tais como: declarar efetiva necessidade, idoneidade, ocupação lícita, residência certa, aptidão psicológica e capacidade técnica para o manuseio.

 

3.1 DA POSSE E DO PORTE DE ARMA DE FOGO

Antes de se proceder com a análise das leis vigentes acerca do porte e da posse de armas de fogo, faz-se oportuno, primeiramente, identificar e delimitar ambos os conceitos.

Desta feita, a regulamentação acerca da posse de arma de fogo, encontra-se prevista no art. 12 do Estatuto do Desarmamento:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (BRASIL, 2003)

Nas Palavras de Facciolli (2015, p. 107) a “A arma, deve, portanto, permanecer depositada em local abrigado, seja ele casa ou outro local onde o proprietário, comprovadamente esteja residindo ou trabalhando”.

Ou seja, a posse de arma de fogo munição ou acessório só será permitida quando o agente mantém a arma no interior da sua residência e nas dependências dela, bem como no seu local de trabalho, desde que seja proprietário do empreendimento, não é necessário ser dono do imóvel, ou ainda ser responsável jurídico do estabelecimento ou empresa.

De acordo com decisão do Superior Tribunal de Justiça, dada pelo Ministro Felix Fisher acerca do tema:

I - Não se pode confundir posse irregular de arma de fogo com o porte ilegal de arma de fogo. Com o advento do Estatuto do Desarmamento, tais condutas restaram bem delineadas. A posse consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo. O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho. (BRASIL, 2008)

Já o porte de arma é residual, abrangendo tudo aquilo que não é enquadrado na posse de armas, significando, essencialmente, a prerrogativa do indivíduo de carregar a arma de fogo consigo, devidamente municiada e pronta para ser usada, em lugares que perpassem o ambiente residencial ou o local de trabalho.

Assim, conforme o art. 6º do Estatuto do Desarmamento, é proibido o porte de arma de fogo, ficando, este, restrito aos membros de instituições que visam à soberania nacional (Forças Armadas) e a segurança pública e privada, de entidades desportivas legais que utilizam armas de fogo em suas modalidades, aos integrantes das carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria Fiscal do Trabalho, cargos Auditor Fiscal e Analista Tributário e, por fim, aos caçadores de subsistência. (BRASIL, 2003)

O art. 6º, § 5º também traz a hipótese do porte de arma de fogo, na categoria de caçador para subsistência, para os residentes em áreas rurais, maiores de 25 anos que comprovem depender da arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar, sendo a arma de uso permitido, de tiro simples, com um ou dois canos, de alma lisa e calibre igual ou inferior a 16, desde que comprove a efetiva necessidade em requerimento. O artigo 6º § 6º, dispõe ainda, que o caçador que der outro uso à sua arma de fogo responderá, conforme o caso, por porte ilegal ou por disparo de arma de fogo de uso permitido.

O art. 14 do Estatuto do Desarmamento estabelece o tipo penal do Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (BRASIL, 2003)

Para a aquisição, registro de porte e posse de arme de uso permitido, destacam-se duas instituições públicas responsáveis por controlar o comércio e uso de armas em território nacional, quais seja: O SIGMA, Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, órgão relacionado ao Exército Brasileiro, o qual é responsável pelo armamento das forças armadas e auxiliares, bem como dos caçadores, colecionadores e atiradores esportistas; e o SINARM, Sistema Nacional de Armas, órgão vinculado ao Departamento de Polícia Federal e que controla as demais armas de fogo de uso permitido.

 

3.2 REQUISITOS PARA A POSSE DE ARMA DE FOGO

O art. 12 do Decreto 5.123/04, que, por sua vez, regulamenta o Estatuto do Desarmamento, elenca um rol de requisitos a serem cumpridos pelo interessado em adquirir a arma, sendo eles:

I - declarar efetiva necessidade;

II - ter, no mínimo, vinte e cinco anos;

III - apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal;

IV - comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico;

V - apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

VI - comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo;

VII - comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado. (BRASIL, 2004)

Como se pode observar, a COMPROVAÇÃO de efetiva necessidade prevista no art. 7º da Lei 9.437/1997 foi substituída pelo termo DECLARAR, quando a referida lei foi revogada pela promulgação do Estatuto do Desarmamento, e no seu lugar entraram as seguintes regras:

1 – Para adquirir uma arma de fogo, o cidadão precisa DECLARAR a efetiva necessidade (não comprovar) – art. 4º, caput;

2 – Para requerer o Porte de Armas do art. 10º, o cidadão precisa DEMONSTRAR efetiva necessidade (não comprovar) – art. 10º, § 1º, I;

3 – A única categoria que precisa COMPROVAR efetiva necessidade, é a dos caçadores de subsistência – Art. 6º, § 5º.

 

3.3 REQUISITOS PARA O PORTE DE ARMA DE FOGO

O Estatuto do Desarmamento proíbe o porte de armas em seu artigo sexto, ao mesmo tempo que define as exceções possíveis nos incisos subsequentes:

Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

I – os integrantes das Forças Armadas;

II- os integrantes de órgãos referidoss incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP);   

III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;

V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;  

§ 1º  As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI.

§ 1º-B. Os integrantes do quadro efetivo de agentes e guardas prisionais poderão portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, desde que estejam: 

(BRASIL, 2003)

Nesse cenário, temos o art. 144, da Constituição Federal, com a seguinte redação:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988)

O art. 6º, § 5º, traz, ainda, a hipótese do porte de arma de fogo, na categoria de caçador para subsistência, para os residentes em áreas rurais, maiores de 25 anos que comprovem depender da arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar, sendo a arma de uso permitido, de tiro simples, com um ou dois canos, de alma lisa e calibre igual ou inferior a 16, desde que comprove a efetiva necessidade em requerimento.

Todavia, todas as hipóteses citadas, devem corresponder aos requisitos legais estipulados no Estatuto do Desarmamento, para poderem conseguir o acesso à arma de fogo. São previstos, ainda, em alguns casos, a possibilidade de limitação quanto à modalidade do porte, podendo ser funcional (ligado ao cargo ocupado, para o exercício de sua função ou atividade), ou pessoal (para defesa pessoal), dependendo da categoria do titular.

Excepcionalmente, a Polícia Federal poderá conceder porte de arma de fogo, conforme o art. 10º do Estatuto do Desarmamento que traz a hipótese do porte para defesa pessoal, chamado de autorização de porte de arma de fogo, sendo ato administrativo discricionário e precário, sujeito à análise das condições pessoais do interessado, podendo ser revogável por ato fundamentado da Administração, a qualquer tempo, devendo o interessado estar submetido a quadro de perigo direto e concreto, ou seja, em situação de perigo distinto dos demais cidadãos.

 

3.4 DAS PENAS PARA A POSSE E PORTE ILEGAL DE ARMAS DE FOGO

Diferentemente da Lei do SINARM, o Estatuto do Desarmamento trata os crimes relacionados às armas de fogo de maneira mais detalhada, as diferentes condutas são tipificadas em crimes específicos, estabelecendo uma maior coerência entre a gravidade da conduta do agente e o rigor da respectiva pena. 

O artigo 12 da referida Lei atribui pena de detenção de 1 a 3 anos, e multa, para a posse irregular de arma de fogo de uso permitido. Isto é, não é permitido que o indivíduo mantenha sob sua posse tal artefato, acessórios ou munição sem o devido registro.

O artigo 13 discorre acerca da omissão de cautela, prevendo pena de 1 a 2 anos de detenção, e multa, para quem não observar as devidas cautelas que impeçam menores de 18 anos ou pessoa portadora de deficiência mental de se apropriar de sua arma de fogo ou que esteja em sua posse.

O novo estatuto do desarmamento dispõe sobre o crime de Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Permitido em seu artigo 14, assim redigido:

"Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente." (BRASIL, 2003)

A posse em residência ou no local de trabalho caracteriza o crime do artigo 12, se a arma não for registrada, enquanto o porte, em outros locais, caracteriza o crime do artigo 14, se o agente não tiver a devida autorização expedida pela Polícia Federal, ainda que a arma seja registrada.

O objeto material do delito é a arma de fogo de uso permitido. Em se tratando de arma de uso proibido ou restrito, tanto a posse em residência quanto o porte caracterizam crimes mais graves, previstos no artigo 16, caput, do Estatuto. Se a arma estiver com a numeração, marca ou qualquer sinal identificador raspado, suprimido ou alterado, a posse ou o porte caracteriza o crime do artigo 16, parágrafo único, IV, do Estatuto.

 

4 A FLEXIBILIZAÇÃO DO PORTE E DA POSSE DE ARMAS DE FOGO EM RELAÇÃO À REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE

4.1 DECRETO 9.785/2019

O decreto assinado em 07 de maio de 2019, pelo atual Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, pretendia regulamentar a Lei nº 10.826/2003 e, assim, dispor sobre a aquisição, cadastro, registro, posse, porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema Nacional de Gerenciamento Militar de Armas.

Dentre as mudanças pretendidas pelo supracitado decreto, novas categorias ficariam autorizadas a transportar armas, como os Advogados, agentes de trânsito, conselheiros tutelares, caminhoneiros, políticos eleitos, sem precisar comprovar efetiva necessidade para transportar armas fora de casa, os adolescentes não precisam mais de autorização judicial para praticar tiro esportivo, e principalmente, as armas mais letais deixaram de ser de uso restrito das Forças armadas.

No entanto, rapidamente, passou-se a questionar a constitucionalidade e a legalidade do referido decreto, uma vez que extrapola as disposições previstas no Estatuto do Desarmamento, visto que, ao invés de regular as normas aprovadas no Congresso Nacional – que determinam a redução de armamentos na população brasileira – o decreto ampliou e facilitou a posse e o porte de armas de fogo, inclusive de calibres antes reservados às forças de segurança pública e militares.

Assim, poucos dias após a publicação do decreto alvo deste tópico, foi tomada a decisão de revogar o decreto sobre regras referentes às armas de fogo para que o Congresso pudesse discutir o porte do armamento. Até então, apenas as novas regras referentes ao porte de armas foram revogadas. Em seu lugar, o governo reeditará as regras anteriores, de 2004. Essas normas ficam valendo enquanto o Congresso não vota o projeto de lei encaminhado pelo governo.

 

4.2 A RELAÇÃO ENTRE A FLEXIBILIZAÇÃO DA PASSE E DO PORTE DE ARMAS E A REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE

No Brasil o porte de armas é regulado pelo Estatuto do Desarmamento, que dispõe acerca do registro, da posse e da comercialização de armas de fogo e munição, restringindo o acesso de armas pelos civis e só permite sua posse e porte mediante o cumprimento de certos requisitos como comprovação de idoneidade por meio da apresentação de certidão negativa, ocupação lícita, aptidão psicológica, capacidade técnica e a presença de uma declaração que exponha os fatos e circunstâncias que justifiquem a necessidade de uma arma, como acontece com pessoas que exercem cargos de risco ou que se encontram em perigo de vida.

Criado com o intuito de reduzir as mortes causadas por arma de fogo, o Estatuto do Desarmamento tem sua redação, constantemente, sendo colocada em pauta, no que diz respeitos ao alcance de seus efeitos.

Na concepção de Waiselfsz (2017, p. 15), apesar de todas as restrições e burocracia impostas pelo Estatuto do Desarmamento, o Mapa da Violência demonstra que o número de mortes desde a sua publicação, não diminuiu, de fato. No ano em que a citada lei foi aprovada, foram 39.325 mortes, e no ano de 2014 esse número subiu para 44.861 mortes. Ou seja, as mortes relacionadas ao uso de arma de fogo só aumentaram, independentemente das previsões contidas no Estatuto do Desarmamento.

Ainda na opinião do autor, o Mapa da Violência é um dos mais confiáveis estudos estatísticos, registrando, em 2016, o quantitativo de 967.851 pessoas, vítimas de disparo de arma de fogo, entre os anos de 1980 a 2014, sem contar as várias ocorrências que não são registradas, por diversos motivos, e que consequentemente, não entram na pesquisa.

O que se infere é que, passados mais de quinze anos da aprovação do Estatuto do Desarmamento, aumentou-se a burocratização do processo para o cidadão de bem possuir uma arma para sua defesa pessoal, mas impacto algum teve na redução da violência no país, uma vez que o número de mortes por arma de fogo não diminuiu conforme o esperado, ao passo que o número de armas de fogo nas mãos dos bandidos cresceu disparadamente, sendo que, boa parte dessas armas não são registradas.

Eis que das 15 milhões de armas nas mãos de brasileiros, 8 milhões não têm registros, ou seja, são ilegais, e 4 milhões dessas estão nas mãos de bandidos, conforme dados do mapa da violência de 2014, com apoio da UNESCO e com dados da Polícia Federal (VIEIRA; SILVA, 2018)

Embora exista essa corrente que acredita na ineficácia do Estatuto do Desarmamento, uma outra parcela da doutrina e da jurisprudência acredita, piamente, no exercício de seus efeitos. Em Nota Técnica expedida pelo Ministério Público Federal, em resposta ao decreto 9.785, de 7 de maio de 2019, assinado pelo presidente da República, acredita-se na segunda versão, conforme disposto abaixo:

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2017 o Brasil alcançou a marca histórica de 63.895 homicídios. Isso equivale a uma taxa de 30,8 mortes para cada 100 mil habitantes, ou seja, ao menos 30 vezes maior que os índices europeus. Segundo o Ipea (Atlas da Violência 2018), 71,1% dos homicídios no país são provocados por armas de fogo, índices próximos de países como El Salvador (76,9%) e Honduras (83,4%). Essa proporção permanece estável desde 2003, quando sancionado o Estatuto do Desarmamento.

Na concepção do Ministério Público Federal, os índices de homicídio por arma de fogo mantiveram-se estáveis desde o ano que foi promulgado o estatuto, até os dias de hoje:

Importante ressaltar que os índices de homicídio por arma de fogo eram 40% do total de homicídios na década 1980 e cresceram ininterruptamente até 2003 – ano no qual foi sancionado o Estatuto – quando atingiram o patamar de 71,1%, ficando estável até 2016. O número de homicídios por arma de fogo passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014, crescimento de 592,8%. Se não fosse o Estatuto do Desarmamento e limitação da posse e porte de armas, estima-se que entre 2004 e 2013 teriam ocorrido mais 160 mil mortes violentas no país. (BRASIL, MPF, 2019)

Por sua vez, estudos do Instituto Sou da Paz (2015) apontam que a redução no número de armas legais em circulação produz efeitos positivos na circulação de armas ilícitas, pois parcela relevante das armas ilícitas tem origem lícita.

Deve-se ressaltar, também, o impacto da posse de armamento nos feminicídios e crimes de intolerância sexual. Em 2016, 2.339 mulheres foram mortas por arma de fogo no Brasil, o que significa, aproximadamente, metade dos homicídios de pessoas do sexo feminino naquele ano, segundo dados disponíveis do Ministério da Saúde, em levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz. Dessas, 560 foram mortas dentro de casa. Em números absolutos, o Brasil é o país que mais pratica feminicídios na América Latina (1.133 vítimas em 2017). (BRASIL, MPF, 2019)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estatuto do Desarmamento foi criado em 2003, com o objetivo de reduzir a circulação de armas e estabelecer penas rigorosas para crimes como o porte ilegal e o contrabando, sendo regulamentando por meio do decreto A regulamentação do estatuto ocorreu por meio do Decreto Nº 5.123, de 1º de julho de 2004.

Atualmente, para se ter uma arma é preciso ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência fixa. Não é permitido ter sido preso ou responder a algum processo criminal.

A Polícia Federal é a responsável por avaliar os pedidos, que devem ter comprovação de capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento e declarar a efetiva necessidade da arma.

Desde a sua promulgação, no entanto, as discussões para rever a proibição do porte e da posse de armas de fogo continuaram e não são consensuais na sociedade e, principalmente, no meio político.

Nas últimas eleições, o líder nas intenções de voto para a Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), colocou a proposta no centro do debate. Capitão reformado do Exército, o ex-deputado federal é, declaradamente, um dos maiores defensores do armamento da população e o sinal da arma com os dedos virou uma de suas marcas registradas.

Em seu plano de governo, há a proposta de “reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros!”

Assim, o atual presidente da República assinou o Decreto nº 9.785/2019 com o declarado objetivo de reverter a política pública de redução de armas de fogo adotada com a edição da Lei nº 10.826/2003. Esta última instituiu um sistema de permissividade restrita de posse e porte de armas, visando diminuir a circulação, a posse e o porte de armas, e o presente decreto adveio com o nítido intuito de alterar substancialmente essa orientação, para um modelo de elegibilidade geral à posse e ao porte de armas de fogo.

No entanto, essa possiblidade de flexibilização foi, rapidamente, questionada em relação à sua constitucionalidade e legalidade, sendo considerada uma afronta ao Estatuto do Desarmamento, que visava, justamente, reduzir a circulação de armas.

Dias depois de sua publicação, o decreto foi revogado, após emissão de Nota Técnica do Ministério Publico Federal. Através de minuciosos levantamentos, foi constatado que o Decreto 9.785/2019, o qual, a pretexto de regulamentar a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), ostensivamente inverteu o vetor normativo. Ao invés de regular as normas aprovadas no Congresso Nacional – que determinam a redução de armamentos na população brasileira – o decreto ampliou e facilitou a posse e o porte de armas de fogo, inclusive de calibres antes reservados às forças de segurança pública e militares.

Estudos apontados pelo MPF demonstram que a flexibilização da posse e porte de armas de fogo, além de inconstitucional, afronta as bases científicas que reiteradamente demonstram que a expansão do porte de armas, longe de reduzir a violência, é prejudicial à segurança pública, de modo que a expansão do arsenal de armas de fogo de origem lícita contribui para a utilização ilícita e criminosa dessas mesmas armas. Estudo do Instituto Sou da Paz aponta que a redução no número de armas legais em circulação produz efeitos positivos na circulação de armas ilícitas, pois parcela relevante das armas ilícitas tem origem lícita.

Assim, de acordo com os dados apresentados no decorrer deste estudo, é possível dimensionar e concluir que, seja em meio urbano, seja em meio rural, a posse e o porte generalizado de armas de fogo agravarão o já muito sério problema atual de segurança pública no Brasil, uma vez que o afrouxamento das permissões de posse de arma não pode solucionar a questão.

No contexto atual, falta policiamento, controle de fronteira, dos presídios. Não adianta armar a população e ter a desordem do outro lado. A pessoa pode agir em legítima defesa, mas o governo mal consegue controlar as facções que dominam os presídios, o armamento nas favelas. Em primeiro lugar, é preciso se preocupar com a segurança pública, antes de armar civilmente a população.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto n° 20.602 de 06 de julho de 1934. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24602-6-julho-1934-503043-publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em 11 ago. 2019.

_______. Lei Nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Institui o Sistema Nacional de Armas - SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/cciviL_03/leis/L9437.htm. Acesso em 12 ago. 2019.

_______. Lei Nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.826.htm. Acesso em 12 ago. 2019.

_______. Decreto Nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5123.htm. Acesso em 13 ago. 2019.

_______. Decreto nº 9.785, de 07 de maio de 2009. Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9785.htm. Acesso em 15 ago. 2019. 

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Data da conclusão/última revisão: 30/11/2019

 

Como citar o texto:

ROCHA, Francisco Adson Bezerra; PIETZSCH, Ingo Dieter..A flexibilização da posse regular de arma de fogo enquanto fator de aumento ou redução da criminalidade sob a ótica do Estatuto do Desarmamento. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1675. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4653/a-flexibilizacao-posse-regular-arma-fogo-enquanto-fator-aumento-ou-reducao-criminalidade-sob-otica-estatuto-desarmamento. Acesso em 18 dez. 2019.

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