A notícia de um fato delituoso seduz a população. Igualmente, os meios de comunicação tem um interesse especial nos processos criminais, mormente quando os investigados são pessoas das camadas hipossuficientes. Como espetáculo são tratados os processos que conduzem os julgamentos pela mídia. Exprimem, de fato, um aspecto particular sobre este fato social e seus sujeitos.

A divulgação de informações relacionadas a um delito exercem uma influência tão grande sobre a opinião pública que há doutrinadores que descortinam essa ligação para delinear tratar-se de um Quarto Poder inserido na ordem democrática brasileira. Cada vez mais imponente, por conta das redes sociais, o julgamento pela mídia (trial by media), conduz muitas dúvidas e principalmente “certezas” aos juízos individuais e judiciais, que são extrapoladoras das garantias constitucionais individuais, de direitos humanos, e, na maioria das vezes, tratam-se de notícias falsas (fake news), que ganham rápido espaço de destaque, tão somente por seu poder de repercussão e sensacionalismo.

O sentimento de insegurança, tanto pública como jurídica, é reforçado diariamente pelas mídias, fazendo crer à sociedade que Direitos humanos e garantias fundamentais sejam tidos como obstáculos para a eficácia repressiva do Estado. Especialmente em casos criminais, há direta afronta aos direitos de imagem e presunção de inocência, como maneira a reduzir indivíduos a objetos e mitigar sua condição como sujeito de direitos. Como esclarece Sabadell:

Após um crime ou um escândalo político, muitos se sentem indignados com o sistema de Justiça e multiplicam os apelos por uma política repressiva. Passada a comoção, muda a opinião. [...] Nada indica, porém que todos estes cidadãos votariam em um partido que apregoa o estabelecimento da pena capital ou que aceitariam que essa pena fosse aplicada a um de seus familiares.

Ao problema de credibilidade das respostas junta-se um segundo. A maior parte da população possui uma imagem parcial e incompleta sobre o sistema jurídico e, dessa forma, as respostas não refletem um conhecimento da realidade do direito, mas somente uma opinião confusa e ideológica. A pessoa comum não possui conhecimento suficiente para analisar, por exemplo, se a Justiça combate eficientemente a criminalidade ou se os juízes são imparciais. Se for perguntado, o cidadão tentará generalizar em base às poucas experiências pessoais e, sobretudo repetindo a opinião pública veiculada pela mídia, que dá particular destaque aos problemas e escândalos (exemplo: ‘corrupção de juízes’) e nunca noticiam o cotidiano normal do sistema jurídico.[1]

Nos tribunais do júri, onde se despertam as maiores paixões e debates mais efusivos, encontra-se um palco perfeito para o julgamento midiático, nos casos de grande repercussão, facilmente contaminam-se os jurados e até magistrados. A influência à formação do juízos de valor, tanto do juiz penal quando dos indivíduos que assistem de forma parcial o trâmite processual, fazem com que as decisões recaiam sobre elementos completamente distantes da verdade dos fatos.

No conselho de sentença, cuja responsabilidade é transcendental, a  deliberação não deve ocorrer para sofisma de uma narrativa, e sim para o deslinde de uma causa através das provas, do direito e da sensibilidade democrática. Ou como Sandel expõe:

Os jurados não estão ali simplesmente para votar; eles deliberam sobre as provas e as leis. E as decisões são fundamentadas nas diversas experiências de vida que os jurados das várias categorias sociais levam consigo. O dever de participar do júri não é apenas uma forma de resolver os casos. É também uma forma de educação cívica e uma expressão da cidadania em um regime democrático.[2]

Devendo pouco importar o que terceiros, alheios ao processo, pensam ou deixam pensar sobre as decisões que dele são emanadas, não podendo o julgamento da mídia prevalecer sobre o julgamento das instituições de Justiça.

A pressão midiática e o clamor popular traçam uma ideia muito maniqueísta da realidade, que serve apenas como meio de rotulação e distanciamento das condutas que não se acreditam poder ser praticadas pelos julgadores da mídia, o que não é uma verdade, porquanto o próprio crime de homicídio, é o mais pluralista, não tem preconceito, pode ser praticado por qualquer um de nós.

A justiça sumária, os linchamentos e a espetacularização dos processos só fortalecem a imparcialidade e são, a antítese da própria ideia de Justiça, trata-se de violência de um ou de muitos contra um cidadão em particular. São ações inúteis para os reais problemas sociais.

No processo penal do espetáculo, em que o julgamento acontece antes mesmo de prolatada uma sentença, não há espaço para a ressocialização, somente para o ódio, o que acaba por dificultar ainda mais a função social do advogado criminalista, que já lida com instituições morosas e marginalizadas.

 

NOTAS:

[1] SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 254.

[2] SANDEL. Michel J.. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. p. 94. [ePub]

Data da conclusão/última revisão: 24/1/2020

 

Como citar o texto:

RODRIGUES, Rafael Leal..Trial By Media: O Processo Penal do Espetáculo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1690. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4676/trial-by-media-processo-penal-espetaculo. Acesso em 17 fev. 2020.

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