RESUMO

No campo dos direitos trabalhista e previdenciário a atividade laborativa do trabalhador encarcerado é juridicamente limitada, não subsistindo, por outro lado, no ordenamento jurídico pátrio qualquer procedência para isso, já que a Constituição Federal ampara o trabalhador independentemente de encontra-se privativo de sua liberdade de modo que não haveria vedação para que Estado brasileiro reconhecesse o período dedicado ao labor nas cearas trabalhista e previdenciária. 

Palavras chaves: Direitos trabalhistas. Previdência. Preso.Trabalhador.

ABSTRACT

In the field of labor and social security rights, the labor activity of the Prisoners workers is legally limited. On the other hand, there is no legal precedent in the legal system of the country, since the Federal Constitution protects the workers regardless of whether their liberty so that there would be no prohibition for the Brazilian State to recognize the period dedicated to labor in the labor and social security areas.

Key-words: Labor rights. Social security. Prisoner. Worker.

INTRODUÇÃO

Com o nascimento do Estado Intervencionista em contraposição ao Estado Liberal, o Estado tomou para si algumas responsabilidades com vista no bem comum. Desta feita, algumas políticas públicas também tiveram que ser implementadas para consolidar os direitos dos cidadãos e, em especial, dos trabalhadores.

Uma importante iniciativa foi a seguridade social que abarca o conjunto de ações do Estado que visam assegurar as necessidades básicas da sociedade que compreende a Saúde, Assistência Social e a Previdência Social.

Nesse compasso, nota-se que a partir do mencionado momento histórico, nasce ao poder público, a obrigação de concretizar tais medidas com escopo de consolidar a dignidade da pessoa humana, tendo como alicerce não somente a positivação dos direitos individuais como também agora dos direitos sociais da pessoa humana. 

Nesse artigo, o que se busca é a reflexão acerca valorização do trabalho do preso trabalhador na sua mais ampla escala jurídica, de modo que a atividade laborativa do presidiário não seja apenas um instituto solidificado na ceara do direito penal, mas passe a ter o seu devido valor também no ramo do direito do trabalho e, por consequência, no direito previdenciário.

1.    DO TRABALHO DO PRESO: FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA

O legislador constituinte estabeleceu no bojo do inciso III do artigo 5º da CF/88 que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.” [1]

O inciso XLVII do art. 5º na alínea “c” dispõe que não haverá pena de trabalhos forçosos. Aqui, quis o constituinte rechaçar expressamente qualquer possibilidade de vincular a ideia de castigo e sofrimento ao trabalho do condenado.

Tal dispositivo está em consonância com o item 1) da cláusula 71 das Regras Mínimas da ONU para Tratamento dos Reclusos, na qual prescreve que “O trabalho na prisão não deve ser penoso.”[2]

Assim, o trabalho prisional não pode se afigurar como trabalho análogo a escravidão, visto que está protegido pelo manto constitucional e, por conseguinte, por todos os princípios dele inerente. Claro, ressalvados aqueles limitados em razão da falta de liberdade. Ainda assim, observa-se:

A Constituição Federal de 1988 garante, com base nos art. 3º, 5º e 7º, sob o farol da Dignidade Humana: que é livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante e que a lei punira qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.[3]

Ainda no art. 5º, no inciso XLIX, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.” O inciso em discussão consagra o principio da humanidade que consiste em:

Tratar o condenado como pessoa humana [...] deve orientar toda ação estatal voltada ao condenado, não só na feitura da lei e no âmbito do cumprimento efetivo da pena, como também na aplicação da sanção administrativa e no resgate do condenado como pessoa humana.”[4]

No mesmo sentido, Luiz Regis Prado conclui que “a execução penal humanizada é crucial para o resgate da pessoa humana, que se encontra oculta na pessoa do condenado”.[5]

Nesse passo, o trabalho consolida-se como um importante mecanismo para que o preso possa ultrapassar o período que encontra-se encarcerado e torná-lo socialmente útil:

A filosofia inspiradora do penitenciarismo moderno fundamentava-se na premissa de que o encarceramento do indivíduo-delinqüente somente se justifica ética e politicamente se concomitante com o exercício de uma atividade laboral, visando transformá-lo em cidadão socialmente útil. Assim, o conceito de prisão como pena com função ressocializadora pressupõe necessariamente a prática do trabalho prisional.[6]

Desta forma, com fulcro na ressocialização e tendo em vista tratar-se o presidiário de um cidadão, o trabalho deve possibilitar a este certas aptidões que possam ser utilizadas ao sair do presídio:

Tem-se a busca por um trabalho condizente com as perspectivas encontradas quando em liberdade, de maneira que, com o passar do tempo, poderá o preso estar apto, tanto fisicamente, quanto psicologicamente, à hierarquia, senso de disciplina, relacionamentos com outras pessoas, entre outras situações adstritas à atividade laborativa.[7]

A realização de uma atividade por parte do trabalhador preso, desde que orientada de acordo com a sua aptidão e capacidade, propicia ao mesmo a sua valorização enquanto ser humano e a concretização de sua dignidade. Além disso, tal atividade possibilita que o detento se prepare para a sua vida futura fora do estabelecimento penitenciário, como cidadão capaz de colaborar com a sociedade da qual foi retirado.[8]

Verifica-se, pois, que os ensinamentos supradescritos estão em perfeita harmonia com o item 4) da cláusula 71 das Regras Mínimas da ONU para Tratamento dos Reclusos, a qual dispõe que “Tanto quanto possível, o trabalho proporcionado deve ser de natureza que mantenha ou aumente as capacidades dos reclusos para ganharem honestamente a vida depois de libertado.”[9]

Por conseguinte, nota-se que a doutrina evoluiu no sentido de posicionar-se favorável ao trabalho do preso como mecanismo importante para reinserir-se na sociedade após o cumprimento da sua pena:

Atualmente, a doutrina jurídica dominante concebe o trabalho do presidiário como uma forma de ressocialização, a qual somente pode ocorrer na medida em que forem concedidos ao preso trabalhador direitos semelhantes àqueles conferidos aos demais trabalhadores. Caso contrário, haveria uma barreira à plena reinserção social do recluso, até mesmo porque a sociedade lhe estaria negando direitos que são conferidos a todos os outros membros da mesma.[10]

Todavia, sabe-se que embora o sistema jurídico brasileiro seja detentor de um robusto arcabouço de direitos ao presidiário, considerando-o como cidadão, não se pode olvidar que o que se tem na prática é a constante violação desses direitos. Nesse compasso “as diversas críticas que são direcionadas ao sistema penitenciário brasileiro transitam pelo desrespeito no que concerne à questão da implementação dos direitos outorgados ao preso, seja condenado ou provisório.”[11]

Ademais, o trabalho prisional tem se desenvolvido atualmente no país em um contexto caracterizado, entre outros aspectos, pelo pagamento irrisório e em desrespeito às normas de segurança e higiene do trabalho, lacunas da previdência social, de modo que o trabalho acaba tendo, muitas vezes, o caráter de sanção e não de reinserção social.[12] Nessa toada:

A reintegração social não depende unilateralmente do trabalho objetivado na produção, mas envolve uma relação trabalhista com respeito aos direitos sociais básicos do preso trabalhador, sendo que a contemporaneidade constitucional garante uma série de direitos aos trabalhadores e excluir tais benefícios do âmbito do trabalho prisional seria uma atitude antijurídica e ilegítima.[13]

Desta maneira, “o trabalho não viola o homem como fim em si mesmo, desde que seja prestado em condições dignas, e qualquer situação que reduza o homem a mero objeto de trabalho estará caracterizando a condição indigna de trabalho.”[14]

Assim, embora a legislação brasileira precise evoluir muito para equipar o trabalho do preso ao do trabalhador livre, se fosse integralmente cumprida na forma estabelecida hoje, já representaria um avanço:

Nessa vinculação existente entre Estado e condenado, existe uma séria de direitos e deveres, que a ambos incumbe. Sempre que o Estado outorgar direitos ao condenado, emergirá um dever seu para com este, na mesma monta. Sempre que seja firmado um dever a ser respeitado pelo apenado, representará direito do Estado exigir o seu cumprimento.[15]

Desta maneira, faz-se necessário o respeito a dignidade do condenado e, por consequência, todos os seus direitos inerentes à sua condição de pessoa humana:

Não obstante a grande frustração quanto aos resultados positivos da função ressocializadora da pena, é preciso manter a firme crença na necessidade de se garantir ao preso a oportunidade de optar voluntariamente por uma futura reinserção social, que represente a expectativa de uma vida em liberdade com o mínimo de dignidade.

Em suma, se o trabalho do preso destoar dos direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, estará muito mais ligado a exploração de mão de obra do que propriamente atendendo o fim educativo e produtivo previstos no art. 28 da LEP, isto porque talvez “o trabalho seja o direito social que mais contribua para a elevação da dignidade da pessoa humana, já que fomenta a socialização do homem com o seus pares, refina suas aptidões e vocações e propicia grande evolução pessoal [...]”[16]

2.    DA LEGISLAÇÃO PENAL

Para fins de melhor compreensão do tema proposto nesse trabalho, iremos percorrer alguns dispositivos da Lei de Execução Penal (LEP) e do Código Penal (CP), visto que o sistema penal brasileiro foi pensado para empregar à atividade laborativa do preso fim axiológico.

Nesse diapasão, no título I da LEP, são mencionados os objetivos que dão alicerce a esse diploma legal. Assim, consoante ao art. 1º “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”[17]

Frisa-se que o art. 3º da LEP preleciona que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.” [18]

Do mesmo modo, o art. 38 do Código Penal prescreve que “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.” [19]

No que tange a atividade laborativa do preso propriamente dita, cumpre destacar que nos ditames do caput do art. 28 da LEP “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”.[20]

Ademais, embora o § 2º do art. 28 disponha que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho e a doutrina majoritária ser favorável a essa determinação legal, Luisa Rocha Cabral ressalta que o dispositivo contraria o Código Penal Brasileiro, uma vez que o art. 38 desse diploma legal dispõe que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”[21] Deste modo:

Não é possível dissociar da integridade moral, bem como da promoção da integridade física, os direitos assegurados pela CLT, pois tais direitos não deveriam ser cerceados pela privação da liberdade, tendo em vista a possibilidade de coexistência entre eles.[22]

Nesse diapasão, a autora alega que não assiste qualquer razão plausível a não aplicação do regime celetista ao preso trabalhador. Segundo ela:

A não aplicabilidade da CLT ao trabalho realizado pelo preso teria caráter discriminatório, uma vez que a única diferença entre o trabalhador preso e o trabalhador comum seria o fato de àquele ter sido aplicada a pena privativa de liberdade.[23]

Assim, evidencia-se que “ao se privar o trabalhador preso dos direitos celetistas, portanto, as únicas beneficiadas são as empresas que se utilizam dessa mão-de-obra em detrimento das demais.”[24] Outrossim, mais uma vez o legislador penal colocou o trabalhador livre e preso em pé de desigualdade:

Outra consequência dessa privação consistiria no enriquecimento ilegítimo do empregador, por meio da exploração, legalmente prevista, do sentenciado. A exclusão do trabalho prisional interno prestado para organizações de direito privado da regulação celetista, prevista na LEP, fere a isonomia, prevista no art. 5º da Constituição, entre o trabalhador comum e o trabalhador presidiário.[25]

O caput do art. 29 reza que “O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo”. Quanto ao produto da remuneração nota-se:

Art. 29. [...]

§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.[26]

De outra banda, o § 2º do art. 29 prescreve: “ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade”. Por sua vez, segundo o art. 30 “as tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas”.[27]

Importante ressaltar que no ponto em questão, há uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 336) ajuizada pelo então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, cujo mérito questiona a remuneração do trabalho do preso, visto ter sido fixado em valor inferior ao salário mínimo. Segundo o Procurador, o art. 29, caput, viola os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além do disposto no artigo 7º, inciso IV, que garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais o direito ao salário mínimo.[28]

Depreende-se do andamento processual, que a referida ADPF encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, estando os autos conclusos desde 15 de agosto de 2017 ao Ministro Relator Luiz Fux.[29]

Nessa vereda, observa-se que o importante de 3/4 (três quartos) do salário mínimo é incapaz suprir as necessidades básicas do trabalhador constitucionalmente previstas. Nota-se:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;[30]

Da mesma maneira, Júlio Fabrini Mirabete sustenta que “a remuneração do detento deve ser equitativa à percebida pelo trabalhador comum e as condições de trabalho, tais como segurança, higiene e direitos previdenciários e sociais, devem também se equiparar às fornecidas ao trabalhador livre”. [31]

Por tudo isso, o que se percebe é que o preso trabalhador é prejudicado em face do trabalhador comum:

Se o objetivo do trabalho prisional é a ressocialização do preso, o percebimento de salário inferior ao mínimo frustra a sua finalidade, na medida em que o presidiário recebe menos que qualquer outro trabalhador única e exclusivamente em função de ter-lhe sido aplicada a pena privativa de liberdade. Trata-se de discriminação injustificada e que favorece a exploração lucrativa do trabalho do encarcerado em detrimento da finalidade do trabalho prisional: a reintegração ao convívio social.[32]

O art. 31 da LEP preleciona que “o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”.[33] A este respeito, é importante que a atividade desempenhada pelo preso trabalhador, leve em conta, sempre que possível, suas aptidões:

O contrato deve firmar-se em função das aptidões do trabalhador e na possibilidade fática de que ele desempenhe a atividade para a qual é contratado. A habilidade, a aptidão e a capacidade de desempenhar determinados serviços estão presentes em indivíduos presos e livres e não se pode discriminar o trabalhador presidiário exclusivamente em função de este ter sido sentenciado com a pena privativa de liberdade.[34]

Não se pode olvidar que os empregadores do condenado, precisam ter levar em conta a formação profissional do preso. Nessa seara, observa-se o seguinte dispositivo da LEP:

Art. 34. O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado.

§ 1o. Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada.       2oOs governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.[35]

        

Desta feita, tais convênios deverão ter em vista o desenvolvimento de projetos que possam resultar em abertura de canteiros de trabalho dentro das unidades penais e, especialmente:

Suprir as deficiências do Estado, no que tange à estruturação da atividade laboral e da oportunização de curso técnicos dentro dos estabelecimentos penais, mas, sobretudo para uma integração entre presos e sociedade, como ponto referencial da função educativa e produtiva que detém o trabalho do preso.[36]

A LEP reporta-se ao trabalho do preso ora como dever ora como direito. Vejamos:

Art. 39. Constituem deveres do condenado:

[...]

V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

[...]

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;[37]

Nesse diapasão, dos dispositivos supramencionados pode-se concluir:

O trabalho que figura tanto como um dever (art. 39, V, LEP), quanto como um direito do preso (art. 41, II, LEP), que pode ser realizado no interior e exterior dos estabelecimentos penais, figura como um dos grandes pilares que sustentam a finalidade ressocializadora da sanção penal. O trabalho desenvolvido pelo preso cumpre uma função social no que concerne à aplicação reprimenda bem como a sua preparação quando do seu retorno ao convívio social.[38]

Guilherme de Souza Nucci explica como o trabalho é encarado dentro de cada regime prisional:

[...] elegeu-se como dever do preso o trabalho, quando em regime fechado e semiaberto, porém com direito a remição [...] Em regime aberto, indica-se a opção de trabalhar, estudar ou exercer outra atividade autorizada, embora se queira, visivelmente incentivar o sentenciado a ganhar cultura e conhecimento, o que somente abre suas possibilidades de emprego e de vida honesta. [...] Encontrando-se em liberdade, deve trabalhar para se sustentar (e os seus), mas pode estudar.[39]

Todavia, ainda que tido como dever do preso, é importe frisar que o Estado não pode forçar o preso a realizar atividade laborativa, visto que o fazendo, estaria afrontando os direitos do preso não afetados pela privação de sua liberdade. Assim:

Num Estado Democrático de Direito, o preso, mesmo tolhido em sua liberdade física de locomoção, tem a liberdade de se autodeterminar para o trabalho e decidir se quer ou não exercer uma atividade laboral no interior de um estabelecimento penal.[40]

Com efeito, a legislação penal, também elenca como direito do preso a previdência social. Assim dispõe o Código Penal e a LEP respectivamente:

Art. 39 - O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social.

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

[...]

III - Previdência Social;[41]

Para melhor explanação do tema, vejamos a questão previdenciária no tópico seguinte.

3.    DO PRESIDIÁRIO COMO SEGURADO OBRIGATÓRIO

Antes do Decreto n. 7.054/2009 entrar em vigor, o Regulamento da Previdência Social dispunha no art. 9º, V, “o”:

Art. 9ºSão segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas:

[...]

V - como contribuinte individual:

[...]

o)o segurado recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-aberto, que, nesta condição, preste serviço, dentro ou fora da unidade penal, a uma ou mais empresas, com ou sem intermediação da organização carcerária ou entidade afim, ou que exerce atividade artesanal por conta própria;[42]

Ora, verifica-se que a modificação trazida pelo Decreto n. 7.054/2009 – modificação esta que coloca o preso em condições de segurado facultativo - na verdade trouxe um retrocesso aos direitos do presidiário, visto que “como filiação obrigatória, compreende-se que todo aquele que exercer qualquer atividade remunerada torna-se segurado obrigatório.”[43]

Nota-se que a legislação vigente é paradoxal ao estatuir as condições do preso como segurado facultativo.

O legislador infraconstitucional, em afronta a Constituição Federal, nega que o preso trabalhador preenche todos os requisitos para ser classificado como segurado obrigatório, visto que é pessoa física que exerce atividade remunerada. Fato é: não há óbice para caracterizar o preso trabalhador como empregado, visto que ele se adéqua a todos os parâmetros legais para o ser.

Desta maneira, ainda que a LEP diga que o trabalho do preso não é amparado pela CLT, não há qualquer fundamento constitucional que dê base para tal disposição, muito pelo contrário, já que o presidiário é pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência de forma onerosa estando em perfeita consonância com o art. 3º CLT.

Quanto a remuneração, já se verificou que o valor previsto na legislação penal no importante de 3/4 do salário mínimo não assiste qualquer embasamento constitucional, visto que o disposto no art. 7º da CF é bem claro quanto às necessidades básicas que o salário mínimo deve atingir, razão pela qual a ADPF 336 está em tramitação, justamente para que seja reconhecido o salário mínimo como contraprestação do trabalho do presidiário.[44]

Nessa esteira, denota-se que é primordial o reconhecimento da atividade laborativa do presidiário não só na esfera penal para o abatimento da pena pelo instituto da remição, mas também que o período demandado ao trabalho durante o encarceramento seja também reconhecido pela nossa legislação trabalhista, uma vez que isso fará com que o preso trabalhador tenha os seus direitos como empregado positivado.

Por derradeiro, se a legislação avançar nesse sentido - o que pela análise sistemática da legislação vigente parece razoável, visto que a falta de sua liberdade não é motivo suficiente para cercear os diretos trabalhistas do presidiário nos moldes que se tem hoje - se teria, por consequência, o gozo dos direitos previdenciários, de forma que o recolhimento das contribuições sociais perante a previdência social deveria ser feita pelo próprio empregador e com os devidos descontos na folha de pagamento do preso como é feito ao trabalhador livre.

Nessa toada, não estariam prejudicados o caráter contributivo e compulsório determinados pela legislação previdenciária, de maneira que o presidiário passaria ter o período como encarcerado amparado como segurado obrigatório do Regime Geral da Previdência Social.

CONCLUSÃO

Nota-se que, apesar da Constituição Federal consolidar o presidiário como cidadão e, portanto, assegurando-lhe seus direitos fundamentais pertinentes a sua condição de pessoa humana, o que há na legislação infraconstitucional é uma grande lacuna, principalmente porque o cidadão preso não tem metade dos direitos trabalhistas e previdenciários efetivamente reconhecidos, senão estando a sua própria sorte.

Desta maneira, não há qualquer razoabilidade na inaplicabilidade da CLT aos direitos dos presidiários, ou seja, ainda que a legislação penal diga o contrário, não existe fundamento constitucional para que seja vedada a aplicação das normas trabalhistas ao preso, visto que não há qualquer conflito entre esses direitos e a privação da sua liberdade.

Lamentavelmente, o que se verifica no atual cenário é que os direitos dos presidiários estão muito aquém dos direitos dos trabalhadores livres, de forma que tal desigualdade não se revela plausível, especialmente porque favorece a exploração lucrativa e afasta a finalidade reintegradora da pena.

Ante toda a matéria ventilada, é de rigor não se perder de vista o princípio constitucional da isonomia e elevar o trabalho do presidiário aos mesmos status do trabalhador comum para que finalmente se alcance função ressocializadora no seu mais amplo sentido para que o preso esteja efetivamente preparado quando tiver sua liberdade de volta.

REFERÊNCIAS

ALVIM, Rui Carlos Machado. O trabalho penitenciário e os direitos sociais. São Paulo: Atlas, 1991.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: Acesso em 05 de set. de 2016

________. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.  Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 17 de set de 2016.

________. Lei de Execução Penal. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em . Acesso em 23 de set de 2016.

________. Regulamento da Previdência Social. Decreto nº 3.048 de 6 de maio de 1999. Disponível em Acesso em 29 de set de 2016

________.Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 336. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2016.

________. Supremo Tribunal Federal. Remuneração de presos em três quartos do salário mínimo é tema de ADPF. Brasília: Notícias STF, 2015. Disponível em Acesso em 10 de set de 2016.

CABRAL, Luisa Rocha; SILVA, Juliana Leite. O trabalho penitenciário e a ressocialização do preso no Brasil. Revista do CAAP, 2010 (1), Belo Horizonte, jan-jun 2010.

LEAL, José João. O Princípio Constitucional do Valor Social do Trabalho e Obrigatoriedade do Trabalho Prisional, Novos Estudos Jurídicos. Itajaí, v. 9, n. 1, p.61, jan./abr. 2004. Disponível em . Acesso em 19 set. 2016.

LOPES JÚNIOR, Nilson Martins. Direito Previdenciário: Custeio e Benefícios. 3ª ed. São Paulo: Rideel, 2010.

MIRABETE, Júlio Fabrini. 11ª ed. Execução penal. São Paulo: Atlas, 2004.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11ª ed. rev. e. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

PRADO, Luiz Regis. Direito de execução penal. Denise Hammerschmidt, Douglas Bonaldi Maranhão, Mario Coimbra, Luiz Regis Prado (coordenação). 3ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos de 1995. Disponível em Acesso em 15 de out. 2016.

TREVISAM, Elisaide. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: entre as presas da clandestinidade e as guerras da exclusão. Curitiba: Juruá, 2015.

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em acesso em 24 de set. de 2016.

[2]  Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos de 1995. Disponível em Acesso em 15 de out. 2016.

[3] TREVISAM, Elisaide. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: entre as presas da clandestinidade e as guerras da exclusão. Curitiba: Juruá, 2015, p. 10.

[4] PRADO, Luiz Regis. Direito de execução penal. Denise Hammerschmidt, Douglas Bonaldi Maranhão, Mario Coimbra, Luiz Regis Prado (coordenação). 3ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 26.

[5]  PRADO, Luiz Regis. Op. Cit., p.39.

[6] LEAL, José João. O Princípio Constitucional do Valor Social do Trabalho e Obrigatoriedade do Trabalho Prisional, Novos Estudos Jurídicos. Itajaí, v. 9, n. 1, p.64, jan./abr. 2004. Disponível em . Acesso em 19 out. 2016.

[7]PRADO, Luiz Regis. Op. Cit., p. 85.

[8] CABRAL, Luisa Rocha; SILVA, Juliana Leite. O trabalho penitenciário e a ressocialização do preso no Brasil. Revista do CAAP, 2010 (1), Belo Horizonte, p. 160, jan-jun 2010.

[9] Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos de 1995. Op. Cit.

[10] CABRAL, Luisa Rocha. Op. Cit., p. 58.

[11] PRADO, Luiz Regis. Op. Cit., p. 90.

[12] ALVIM, Rui Carlos Machado. O trabalho penitenciário e os direitos sociais. São Paulo: Atlas, 1991, p. 30.

[13] CABRAL, Op. Cit.

[14] TREVISAM, Elisaide. Op. Cit., p. 61.

[15] PRADO, Luiz Regis. Op. Cit., p. 90.

[16] TREVISAM, Elisaide. Op. Cit., p. 63.

[17] BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em . Acesso em 23 de set de 2016.

[18] BRASIL. Lei de Execução Penal.Op. Cit.

[19] BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.  Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 17 de set de 2016.

[20] BRASIL. Lei de Execução Penal.Op. Cit.

[21] BRASIL. Código Penal. Op. Cit.

[22] CABRAL, Luisa Rocha; SILVA, Juliana Leite. O trabalho penitenciário e a ressocialização do preso no Brasil. Revista do CAAP, 2010 (1), Belo Horizonte, p. 169, jan-jun 2010.

[23] CABRAL, Op. Cit., p. 171.

[24] CABRAL, Op. Cit., p. 175.

[25] CABRAL, Op. Cit., p. 175.

[26] BRASIL. Lei de Execução Penal. Op. Cit.

[27] BRASIL. Lei de Execução Penal. Op. Cit.

[28] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Remuneração de presos em três quartos do salário mínimo é tema de ADPF. Brasília: Notícias STF, 2015. Disponível em Acesso em 10 de set de 2016.

[29] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 336. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4735779> . Acesso em: 04 jun. 2019.

[30] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Op. Cit.

[31] MIRABETE, Júlio Fabrini. 11ª ed. Execução penal. São Paulo: Atlas, 2004, p. 89.

[32] CABRAL, Luisa Rocha. Op. Cit., p. 165.

[33] BRASIL. Lei de Execução Penal. Op. Cit.

[34] CABRAL, Luisa Rocha; SILVA, Juliana Leite. Op. Cit., p. 171.

[35] BRASIL. Lei de Execução Penal. Op. Cit.

[36] PRADO, Luiz Regis. Op. Cit., p. 85.

[37] BRASIL. Lei de Execução Penal. Op. Cit.

[38] PRADO, Luiz Regis. Op. Cit.,p. 82.

[39] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11ª ed. rev. e. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 985.

[40] LEAL, José João.Op. Cit., p. 61.

[41] BRASIL. Op. Cit.

[42] BRASIL. Regulamento da Previdência Social. Decreto nº 3.048 de 6 de maio de 1999. Disponível em Acesso em 29 de set de 2016

[43] LOPES JÚNIOR, Nilson Martins. Direito Previdenciário: Custeio e Benefícios. 3ª ed. São Paulo: Rideel, 2010, p. 61.

[44] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 336. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2016.

Data da conclusão/última revisão: 1/7/2019

 

Como citar o texto:

PRADO, Monique Rodrigues do..Previdência: o preso trabalhador e a contagem de tempo de contribuição. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1637. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-previdenciario/4457/previdencia-preso-trabalhador-contagem-tempo-contribuicao. Acesso em 18 jul. 2019.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.