O artigo 4o. da Lei 9.099/95 regulamenta a questão relativa à competência territorial dos Juizados Especiais Cíveis, estabelecendo em seu bojo que:

“É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro: I - do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório; II - do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita; III - do domicílio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza. Parágrafo único. Em qualquer hipótese, poderá a ação ser proposta no foro previsto no inciso I deste artigo".

Ora, de uma análise literal do acima estipulado, verifica-se, de logo, que em regra geral, a competência territorial é predominantemente do domicílio do réu, ou do local onde este exerça suas atividades profissionais.

No entanto, na prática, por vezes se tem constatado o aforamento de ações cíveis em detrimento do acima estipulado, não se verificando do teor da petição inicial a configuração de qualquer das circunstâncias acima arroladas, ou seja, as partes não residem na jurisdição do JEC, bem como não é este o local de cumprimento da obrigação ou o local do fato, para fins de reparação de dano.

Como se trata de competência territorial, e uma vez silente a Lei de Regência, busca o juiz a solução da controvérsia junto ao CPC.

Neste, os artigos 102 e 111 a 114 dispõem que a competência territorial é relativa e que caso esta não seja alegada pelo réu na primeira oportunidade de falar nos autos, será prorrogada, ou seja, será mantida no juízo, perpetuando a jurisdição,somente sendo possível ao juiz manifestar-se de ofício em se tratando se incompetência absoluta:

Art. 102. A competência, em razão do valor e do território, poderá modificar-se pela conexão ou continência, observado o disposto nos artigos seguintes.

Art. 111. A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações.

Art. 112. Argúi-se, por meio de exceção, a incompetência relativa.

Art. 113. A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.

§ 1º. Não sendo, porém, deduzida no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, a parte responderá integralmente pelas custas.

Art. 114. Prorroga-se a competência, se o réu não opuser exceção declinatória do foro e do juízo, no caso e prazo legais.

A questão que se coloca é a aplicação de tais regras no âmbito dos Juizados Especiais e sua adequação à Lei de Regência.

Com efeito, ao disciplinar a questão da competência territorial o artigo 4o. é bastante incisivo, conforme o texto acima já transcrito.

Entendo que a aplicação das regras do CPC já mencionadas, notadamente a que se refere à PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA acarreta o descumprimento do artigo 4o. mencionado, ensejando uma conduta judicial contra legem, ALÉM DE IR DE ENCONTRO AOS CRITÉRIOS QUE NORTEIAM O PROCEDIMENTO APLICADO NOS JECs, NOTADAMENTE OS DA CELERIDADE, ECONOMIA PROCESSUAL E SIMPLICIDADE.

De fato, manter o processamento de uma ação cujas partes não ostentam domicílio na jurisdição da unidade do JEC, bem como que não atende a nenhum dos requisitos legalmente estipulados para fixação da competência territorial deste Juízo, unicamente em razão de não haver a parte ré se manifestado a respeito na primeira oportunidade de falar nos autos é agir, a meu ver, em flagrante dissonância com os critérios que regem a atuação jurisdicional nesta Justiça Especializada.

Defendo que o juiz deve, de logo, por atenção aos critérios acima mencionados, bem como em prol de uma atitude zelosa para com o cumprimento do mandamento legal constante do artigo 4o. da Lei de Regência – muito embora em flagrante descompasso com o determinado pelo artigo 113 do CPC e pela Súmula 33 do STJ – DECLARAR, DE OFÍCIO, A INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL VERIFICADA, de forma a evitar a protelação de um feito que se estenderá bem mais tempo que o devido – uma vez que a maioria dos atos certamente deverão ser deprecados - e cujo processamento desacata expressa determinação legal, notadamente as do artigo 4o. referido.

As manifestações pretorianas não têm demonstrado a mesma opinião aqui expressada, a começar pela mencionada Súmula 33 do STJ:

 

33 - A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.

Outros julgados tem manifestado o mesmo entendimento da Súmula em questão:

COMPETÊNCIA - ART. 4º DA LEI Nº 9.099/95 - SÚMULA 33 DO STJ - A competência prevista na Lei dos Juizados Especiais é relativa, prorrogando-se caso não alegada na primeira manifestação do réu em juízo. Imprópria, deste modo, extinção do feito ex officio, nos termos da Súmula 33 do STJ. Matéria apreciada pelo STJ em julgamento de conflito de competência. Recurso provido. (TJRS - Proc. 71000629154 - 3ª T.R.Cív. - Relª Desª Maria José Schmitt Santanna - J. 15.03.2005)

No entanto, entendo que a postura aqui defendida condiz com a atuação jurisdicional que se espera no âmbito dos JECs e que deve se mostrar SIMPLES, INFORMAL, ECONÔMICA E CÉLERE, de forma a que o jurisdicionado possa estar seguro que o juiz zelará para que o processo de seu interesse tenha o menor tempo de tramitação possível, sem prejuízo da legalidade devida.

(Elaborado em janeiro de 2006)

 

Como citar o texto:

LINARD, Ana Raquel Colares dos Santos..Incompetência territorial: declaração de ofício nos Juizados Especiais Cíveis. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 162. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1009/incompetencia-territorial-declaracao-oficio-juizados-especiais-civeis. Acesso em 23 jan. 2006.

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