O presente trabalho tem como objetivo abordar o bloqueio judicial de verbas públicas como mecanismo de garantia ao acesso à saúde no Estado do Tocantins. Trata-se de direito assegurado pela Constituição Federal de 1998 juntamente com a promoção de previdência e assistência social. A judicialização da saúde tem sido necessária devido a ineficiência do Sistema Único de Saúde. A tutela juridicamente a ser protegida é a efetivação do tratamento crucial à vida do usuário do sistema retro mencionado. Ao acionar o judiciário, o Magistrado deve observar o exposto pelo requerente e atuar com seus poderes instrutórios, podendo ainda aplicar medidas coercitivas com objetivo de cumprimento do comando judicial, dentre eles a multa e o bloqueio de verbas públicas. O trabalho se deu por meio de pesquisas bibliográficas e documentais, através do método dedutivo. Assim, nas situações descritas, não deve o descaso da administração pública de sobrepor ao direito fundamental do indivíduo.

INTRODUÇÃO

Para tratar do tema, é ideal trazer à tona o termo “judicialização da saúde”. Este se consagra pela propositura de ações judiciais nas quais possuem como causa de pedir a concretização do acesso ao direito a saúde de forma integral. 

A problemática do assunto dá-se pelas formas de concretização desse direito, mesmo após acionar o Judiciário para obter tal cumprimento, observado a ingerência do estado no que tange as políticas de efetivação a saúde e o não cumprimento de decisões judiciais aplicadas conforme poder geral de cautela do Magistrado.

Por se tratar de assunto de certa forma recente, há muitas discussões sobre a respeito do tema. Não há ainda doutrina majoritária em defesa da judicialização tampouco acerca dos bloqueios de verbas públicas nessas demandas.

A discussão desse direito é trazida pela Carta Magna de 1988 que abordou no artigo 196 o acesso a saúde como direito de todos e obrigação do Estado, a ser garantido por meio da universalidade e igualdade de acesso, sem distinção para aqueles que necessitarem. Para a concretização do exposto na Lei Maior, a lei de número 8.080 de 19 de setembro de 1990 regulou o Sistema Único de Saúde. Nada obstante, a oferta do Estado não tem conseguido atender as necessidades dos cidadãos. Isto posto, como o bloqueio judicial de verbas públicas tem garantido o acesso a saúde nas demandas judiciais do Estado do Tocantins?

O objetivo deste trabalho é compreender o bloqueio judicial de verbas públicas como garantia do direito ao acesso à saúde no Estado do Tocantins, observado o flagrante descumprimento da obrigação estatal ao arrepio do preceito constitucional.

Para o desenvolvimento deste trabalho foi empregado o método dedutivo perante a análise geral de dados dos processos que tramitam no Estado do Tocantins na busca de um resultado particular, tendo a razão como raciocínio numa pesquisa aplicada em torno de bibliografias e jurisprudências acerca do tema, dispostas pelo Tribunal do mesmo Estado. 

 

1. CONTEXTO HISTÓRICO-NORMATIVO: GÊNESE DO DIREITO À SAÚDE

Ab initio, essencial é conceituar o que se entende por direito, sob a ótica da sociedade. Para Miguel Reale (2002), direito corresponde à exigência posta de uma convivência social organizada, pois nenhuma comunidade poderia viver sem um mínimo de ordem, direção e solidariedade. Vê-se na prática o aludido conceito a partir da observação das leis que regem o Brasil na modernidade, as suas constantes mudanças, cujo fim maior é resguardar os direitos e impor deveres ao cidadão, bem como assegurar a convivência pacífica.

Nesse espeque, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada no ano de 1948, foi proclamada “como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações”. Pode se extrair do artigo 25 do referido diploma que toda pessoa tem direito a um padrão de vida que seja capaz de assegurar para si próprio e sua família, dentre outros, saúde e bem-estar, entre os quais, por decorrência lógica e expressa previsão legal, incluem-se os cuidados médicos. Esta garantia abrange todo o homem, desde o cidadão vulnerável e hipossuficiente, até o que vive em condições econômico-sociais adequadas.

Por consectário, verifica-se que a gênese do direito à saúde dá-se muito antes da Constituição da República Federativa do Brasil. O direito a saúde é uma garantia positivada que carrega consigo grandes marcos e revoluções históricas principalmente pelas diferentes conceituações da própria palavra, saúde.

Ademais, por intermédio da Organização das Nações Unidas, foi criada a Organização Mundial da Saúde e, a partir daí a saúde passou a ser tratada como saber social. Nesta mesma oportunidade, a palavra saúde deixou de ser associada a ausência de doenças e passou a ser considerada sinônimo de estado completo de bem-estar físico, mental e social, não somente na ausência da enfermidade. (SCLIAR, 2007).

No âmbito nacional, destaca-se o ano de 1964, período de grandes mudanças políticas e sociais devido o início do novo regime governamental. De acordo com os estudos de Carlos Henrique Assunção Paiva e Luiz Antonio Teixeira (2014), nesse interregno o país vivia na dicotomia entre medicina da previdência e a saúde pública. Segundo os autores, a primeira divisão voltava-se as ações de saúde individual do trabalhador formal, prioritariamente em zonas urbanas, e a saúde pública, que tinha como característica a prevenção de doenças, direcionava-se ao mais pobres.

Após inúmeros ciclos econômicos e sociais, na segunda metade da década de 70, dá-se início à chamada “reforma sanitária”, que tinha como característica o conjunto de ideias objetivando mudanças essenciais na área da saúde. Nesse mesmo tempo, foi criado o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), conforme Paiva e Teixeira (2014).

Sobre os papéis importantes dessas instituições, entende-se que:

De forma sintética, podemos dizer que essas instituições foram peças-chave para o processo de construção de identidade em torno de uma área de conhecimento batizada no Brasil como saúde coletiva. Campo marcado pela diversidade de saberes e disciplinas, abordagens e perspectivas, foi o palco de um importante movimento de crítica às velhas formas de se praticar saúde pública. (PAIVA e TEIXEIRA, 2014, p. 22, grifou-se)

Adiante, o final da década de setenta evidenciou novos rumos do país, pois além de alterações governamentais, os movimentos sociais começaram a ter mais visibilidade, principalmente manifestações populares pela saúde. Paiva e Teixeira (2014) explicam ainda que no fim dos anos 80, deu-se início a um ideal que pretendia a melhoria das condições sanitárias, ampliação do direito à cidadania e extensão da saúde a toda a população brasileira.

Ainda no conhecimento dos autores e no mesmo contexto, reunindo diferentes setores da sociedade, ocorreu a oitava Conferência Nacional da Saúde em 1986, que teve como tema o dever do Estado e o direito do cidadão no tocante à saúde, a reformulação do sistema nacional de saúde e o financiamento do setor. Tais discussões foram traduzidas na crescente preocupação com a efetividade deste direito.

Na sequência, no ano de 1988, com a promulgação da nova Carta Magna, o direito à saúde passa a ser expressamente consagrado no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo parte do conjunto de ações destinadas à seguridade, assistência e previdência social. Nesse sentido, essencial destacar o teor do artigo 196 do aludido documento, verbis:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).

Com o fito de dar efetividade ao elencado no artigo 196, no ano de 1990, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), através da Lei Orgânica de nº 8.080/90, cuja finalidade é garantir o acesso universal e integral, sem discriminação para aqueles que dele necessitam, sem distinção em nenhum viés, até mesmo econômico.

 

2. A (in) EFICIÊNCIA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

Reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como o maior sistema gratuito e universal do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS), em seus 32 anos de existência, abrange desde o atendimento simples, de baixa complexidade (denominado nível primário ou porta de entrada) como orientações sobre doenças, avaliações médicas, exames e procedimentos básicos nas Unidades Básicas de Saúde, até a realização de cirurgias e transplantes de órgãos e tecidos, bem como o tratamento integral com medicamentos de baixo e alto custo, estes últimos denominados como atenção terciária, devido ao alto grau de complexidade. Além disso, importante destacar, a disponibilização de vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e assistência completa para pessoas com hanseníase, vírus da imunodeficiência humana (HIV), câncer e tuberculose. (MINISTÉRIO DA SAÚDE)

Acerca da atuação deste sistema público, dados do Ministério da Saúde publicados no ano de 2008, demonstraram que mais de 70% da população necessita do SUS, sendo este responsável naquela época pela realização de mais de 11 mil transplantes, 2,3 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 2 milhões de partos, além de programas nacionais de controle de tabagismo, Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) e imunização que atingem resultados inigualáveis ao redor do mundo.

Nada obstante os registros astronômicos – sobretudo se comparados com demais países que, geralmente, não oferecem assistência gratuita de saúde – de procedimentos realizados através do SUS, a reportagem realizada pela rádio Central Brasileira de Notícias (CBN) e divulgada no dia 22 de setembro de 2018, evidencia duas realidades de quem depende exclusivamente desse sistema de saúde.

A primeira exposição se refere a uma paciente que precisou de transplante de fígado o qual custava, em média, 100 mil reais, e que, se não fosse por intermédio deste sistema do Governo, nunca teria condições de realizar o referido procedimento crucial para sua saúde. E a situação de outra paciente, que possuía uma comorbidade na coluna, e aguardava em fila de espera do tratamento há três anos, tendo 5 mil pessoas na sua frente. Desacreditada do sistema, a paciente afirmou que nunca será atendida pela rede pública.

Esses dois casos trazidos à guisa de exemplo, retratam a realidade, ambos lados da moeda, das pessoas que necessitam de medicamentos, exames e cirurgias e que não dispõem de recursos para buscar solução na rede privada de saúde, o que permite visualizar que, conquanto na teoria seja universal o acesso, o SUS não atende a todos os cidadãos que dele precisam. 

A questão sob a ótica normativa, a partir da Carta Política de 1988, afigura-se, à primeira vista, como a solução dos problemas enfrentados da sociedade em relação à saúde, mercê do caráter universal, integral e gratuito da prestação. Entretanto, na prática a situação é de inimaginável descaso, ou seja, muito distante das garantias legais.

Conforme leciona Catanheide (2016), as políticas públicas de efetivação ao acesso à saúde não têm conseguido responder às necessidades dos cidadãos, o que se percebe ante a falha na dispensação dos medicamentos, não incorporação dos profissionais que prescrevem as listas de fármacos disponíveis e pressão por parte do setor que produz a favor do uso de medicamentos que não são contemplados nas listas do SUS.

A saúde pública, de fato, não tem alcançado o que estabelece os textos legais. Os entes públicos se esquivam de suas obrigações, ao argumento de carência orçamentária, protelam a prestação social, à alegação de necessário prévio procedimento administrativo, e, ao fim, o cidadão permanece desamparado.

A forma como se dá a gestão pública desses recursos revelam o esquecimento da prestação concreta do direito à saúde. Como observa Cotta:

O governo parece ter adotado a postura de deixar o setor à própria sorte. Como resultado, constata-se que, concomitantemente ao processo de sucateamento da saúde pública, se expandem as diferentes modalidades de seguros privados de saúde. (COTTA, 1998).

Ademais, o relatório elaborado e divulgado pelo THE WORLD BANK[3] no ano de 2018, executado a partir dos estudos da instituição no setor de saúde e nominado como “Proposta de Reforma do Sistema Único de Saúde Brasileiro” informa que “o Brasil enfrenta desafios para prover serviços de saúde eficientes e sustentáveis para sua população”. No mesmo documento é apontado ainda que “há espaço para o SUS obter melhores resultados com o nível atual de gasto público”.

Isso porque “as ineficiências do sistema público de saúde custam R$ 22 bilhões por ano aos cofres públicos (aproximadamente 20% de todo o gasto com saúde no Brasil)”.

Ainda de acordo com o documento as ineficiências do sistema,

[...] são os desa­fios relacionados à disponibilidade, dis­tribuição e desempenho da força de tra­balho em saúde. A densidade de profissionais de saúde, particularmente médicos, por habitantes é menor do que o encontrado em países com nível similar de de­senvolvimento e bastante inferior à média entre os paí­ses da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além disso, a distribuição geográfica e setorial é marcada por grandes desigualdades, pois a maioria dos profissionais estão localizados em áreas urba­nas, atraídos por ganhos adicionais no setor privado e/ou onde existe atenção especializada. Apesar da escassez de médicos, o Brasil ainda utiliza pouco outros profissionais na prestação de serviços de saúde. (THE WORLD BANK, 2018, p.5)

No que tange à demora excessiva para os atendimentos públicos de saúde, o enunciado de nº 93 da III Jornada de Direito a Saúde, de março de 2019, dispõe que nas demandas de saúde pública (SUS), o período de espera não pode ser maior que 100 (cem) dias para exames e consultas e 180 (cento e oitenta) dias para tratamentos e cirurgias. Nada obstante, corriqueiramente, vê-se situações clínicas se tornarem emergentes ou urgentes, devido a morosidade em proceder ao tratamento adequado.

À título de exemplo, como forma de ilustrar a falta de eficiência do SUS no Estado do Tocantins, traz-se à baila o Agravo de Instrumento de número 00135758720198270000, caso concreto do Sr. G. C. na da comarca de Alvorada - TO, tratando-se se ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada para realização de procedimento cirúrgico craniano e cirurgia plástica para retorno dos globos oculares para a cavidade facial. 

Extraindo informações do arquivo, o ente estatal inconformado com a decisão que determinou bloqueio de verbas de suas contas, interpôs agravo de instrumento argumentando afronta a regulamentação orçamentária de destinação do dinheiro público.

Ainda nisso e, conforme mesmo documento, restou comprovado as várias tentativas de que o polo passivo cumprisse com seu dever, não tendo motivos para ter se esquivado visto o quadro de profissionais e servidores disponíveis na consumação do que era pedido. Ademais, ressalte-se que o ente se escondeu através de petições procrastinatórias no próprio processo, sendo a última saída do Magistrado o bloqueio de verbas do mesmo ente.

Adiante, na Ação Civil Pública proposta na Comarca de Pedro Afonso -TO, também teve comando nos autos originários para bloqueio de ativos financeiros do ente público para custeio de medicamento substancial ao caso da Autora. Ademais, o Agravo de Instrumento de número 00223473920198270000 interposto pelo Estado para recorrer daquela decisão foi improvido, mantendo a ordem já posta, afim de efetivar o que era preciso.

Essas situações acima descritas acontecem com ligeira frequência no Estado do Tocantins. Percebe-se, assim, o a vulnerabilidade para o agravamento do quadro clínico sujeito que necessita do sistema público de saúde frente a omissão dos serviços por parte de quem deveria ser o garantidor. 

Assim, ante a inefetividade, na prática, das garantias constitucionais relacionadas à saúde, não há outra saída ao necessitado, senão o ajuizamento de ações objetivando coagir o gestor público a cumprir com a lei.

 

3. PODER JUDICIÁRIO: UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO

Uma vez consagrado em lei o acesso universal à saúde e ante ao caos na prestação social, passa a ser imprescindível a intervenção do Poder Judiciário na gestão de saúde, por meio de ações judiciais. Essa situação teve início com o ajuizamento de demandas reivindicando medicamentos e procedimentos médicos para pessoas acometidas com HIV/Aids (VENTURA, 2010).

Apesar do significante avanço nas políticas públicas de assistências as pessoas portadoras de tal patologia e, conseguintemente, a diminuição de demandas judiciais nesse sentido, houve aumento considerável na quantidade de demandas envolvendo garantias individuais para o fornecimento de insumos, medicamentos e procedimentos médicos. (VENTURA, 2010).

A judicialização de um direito, para Silvia Diniz do Nascimento (2010), é a “concretização das expectativas constitucionais”. A autora afirma que, no estágio atual, pode-se romper o ideal de que o Direito advém apenas do Legislativo e Executivo.

Assim, quando não se consegue resolver as demandas dentro o próprio Sistema Único de Saúde, recorre-se ao Poder Judiciário, a quem incumbirá dar aplicação factual das expectativas constitucionais. Isso se dá pois, apesar de o SUS ser o maior sistema de apoio a saúde do mundo, o mesmo tem suas inúmeras limitações que atingem diretamente a população, a necessitar da judicialização da saúde, com a finalidade de alcançar o tratamento integral necessário.

Nesse raciocínio:

A alta intensidade da demanda judicial no âmbito da saúde reflete essa busca de aproximação, ou melhor, de efetividade de um aspecto desse direito, que é o acesso aos meios materiais para seu alcance. No caso do Brasil, o Estado é o principal responsável e cumula deveres legais de proteção da saúde, no âmbito individual e coletivo, e de prover os meios para o cuidado de todos os cidadãos. (VENTURA, 2010, p. 84)

 

De acordo com o Enunciado de nº 12 da III Jornada de Direito a Saúde, a inefetividade do tratamento oferecido pelo SUS:

deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças) indicando o tratamento eficaz, periodicidade, medicamentos, doses e fazendo referência ainda sobre a situação do registro ou uso autorizado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, fundamentando a necessidade do tratamento com base em medicina de evidências [...] (REDAÇÃO DADA PELA III JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE – 18.03.2019).

Assim, não alcançado o tratamento pela via administrativa, deve o enfermo buscar a tutela jurisdicional como forma de concretizar o direito fundamental à saúde.

 

3.1 Situação de urgência: Antecipação dos efeitos da sentença

Ante o caráter emergencial das demandas que visam a tutela da saúde, ao ingressar com ação judicial para o fornecimento de medicamentos, cirurgias, insumos, exames entre outros, a parte requerente não pode ser obrigada a aguardar todo o trâmite legal do processo. É certo que o devido processo legal é necessário para a produção de provas e convicção do magistrado para proferir sentença exaurindo o pleito, porém inviável para o paciente em situação emergencial.

Para os casos em que não se pode aguardar o tramite legal, a lei n.º 13.105 de março de 2015 que instituiu o Novo Código de Processo Civil, no livro V, estabelece a tutela provisória. Com fulcro no artigo 294 e seguintes do aludido diploma, esta poderá respaldar-se em urgência ou evidência. Daniel Amorim Assumpção Neves (2016) explica que tutela provisória pode ser deferida mesmo que o juiz não tendo conhecimento de todos os elementos essenciais para se convencer do necessário.

Ainda segundo o Autor, a tutela provisória é fundamentada em juízo de possibilidade, sem haver certeza do direito da parte, apenas uma verossimilhança de que esse direito seja de fato compreendido. 

Apesar de ser firmada como provisória, não há como pensar que neste contexto, a provisoriedade seja sinônimo de temporariedade, visto que desse modo também faria juízo de validade e não é este motivo de estudo e sim, a conversão ou substituição da provisória pela tutela definitiva, consolidando a decisão antecipadamente concedida.

Sabe-se que, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, consoante artigo 5º da carta magna de 1988, inciso XXXV. Pode se entender que o instituto da tutela provisória se baseia nesse artigo da Constituição, que elenca a garantia de acesso a jurisdição, e permite que o Poder Judiciário evite qualquer dano que possa ocorrer em razão da demora do processo.

Segundo o parágrafo único do artigo 294 ainda do Código de Processo Civil, a tutela provisória de urgência (objeto de estudo acerca dos processos judiciais de saúde), possui duas classificações quanto a natureza: antecipada (satisfativa) ou cautelar (instrumental), podendo ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

O artigo 300 da mesma lei leciona que a tutela provisória de urgência é reconhecida sempre que “houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”, nomeadamente, fumus boni iuris e periculum in mora, e,

Em outras palavras, justifica-se pela probabilidade de o requerente ter razão (apresentação de prova forte, embora ainda não cabal), sendo certo que só haverá resposta jurisdicional com a decisão imediata quanto ao mérito (perigo de dano). Quer dizer, só adianta e só haverá prestação jurisdicional efetiva se for agora, no futuro já não adianta mais (duração razoável do processo e tutela tempestiva). (VEZZONI, 2016, p. 29)

Nessa análise, o Conselho Nacional de Justiça dispõe dos enunciados da I, II e III Jornada de Direito da Saúde, sendo essa última realizada em março de 2019. Em se tratando de urgência, perigo na morosidade do processo e probabilidade de direito, os enunciados elucidam as particularidades nas quais os documentos, embora ainda não cabais como especula a autora retro mencionada, devem se enquadrar para que seja saltado aos olhos do julgador a necessidade da concessão imediata do pedido do Requerente. 

No que tange aos documentos necessários para proposição de demanda de saúde, importante destacar os enunciados de nº. 32, 51, 67 ao definirem que “a petição inicial nas demandas de saúde deve estar instruída com todos os documentos relacionados com o diagnóstico e tratamento do paciente” [...]. Ademais, “a caracterização da urgência/emergência requer relatório médico circunstanciado, com expressa menção do quadro clínico de risco imediato”. É necessário ainda que o receituário médico seja inequívoco, com letra legível e que não tenha somente o Código de Classificação Internacional de Doenças (CID), mas sim a explicação da enfermidade do Paciente.

Nos casos de tutela antecipada requerida em caráter antecedente em que a urgência for ao mesmo tempo da propositura da ação, o artigo 303 do Código de Processo Civil decide que “a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo”.

Advém que, a própria lei que rege a tutela afirma que essa não será concedida de houver elementos que ameaçam a irreversibilidade da decisão. Bem dizendo, é necessária cautela na decisão e observação possibilidade de ressarcimento de danos que a parte contrária possa sofrer com o veredito.

A respeito dessa disposição, Vezzoni (2016, p.30, grifo nosso) escreve que

Como regra, nada poderá ser antecipado se depois não puder ser minimamente indenizado [...]. Em outras palavras [...] se ao fim e ao cabo o autor não tiver razão, deverá devolver o bem ou o direito como estava, ou se assim não for possível, indenizar o réu pelos prejuízos sofridos. Se isso não se faz possível, então a antecipação, a princípio, não será viável.Dizemos a princípio pois, em uma vasta gama de situações, o conflito em juízo baseia-se em um direito de tamanha importância que prevalece em relação à irreversibilidade. Basta pensar nos direitos sociais como a saúde ou os de primeira geração, como a vida.

 

Assim, tamanha situação deve ser respeitosamente dispensável em processos que tratam de saúde, não havendo possibilidades ao Requerente, se não, a antecipação dos efeitos do ato que finaliza o processo. Isso porque, caso haja morosidade nas decisões processuais, o dano irreversível sucederá na vida do Requerente, contrário do que supõe a lei.

Concedida a tutela antecipada, a decisão que a possibilita torna-se estável desde que não interposto o recurso contra aquela resolução, conforme artigo 304 do mesmo código. Ademais, o parágrafo sexto ressalta que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes”. 

Acerca da satisfação do pleito importante saber o pensamento de Vezzoni (2016, p.32) salientando que

[...] por basear-se na probabilidade, não significa que a tutela se torne definitiva, imutável, mas apenas estável, de sorte que a parte prejudicada com a medida poderá, se for de seu interesse, ingressar com um processo com a finalidade de provar, de maneira mais profunda, a inexistência ou a improcedência da demanda estabilizada. De qualquer sorte, ultrapassado o prazo de dois anos sem que as partes tenham buscado a revisão, a reforma ou a invalidação da medida, ela se tornará definitiva, sem qualquer possibilidade de alteração.

 

Com brevidade, Gonçalves (2017) leciona a tutela provisória de urgência de natureza antecipada, utilizada nos casos de processos de saúde, se configura dessa forma pois é necessária a satisfação antecipada do que se pretende no processo, concedendo de imediato o tratamento necessário ao requerente, sem que seja citado o requerido, observados o perigo na demora e provas inequívocas quanto a indispensabilidade da intervenção terapêutica.

Assim, demonstrado o quadro clínico do paciente conforme pede os enunciados das Jornadas de Direito da Saúde, que, em situação vulnerável necessita da efetivação no tratamento, resta ao Magistrado, vislumbrado os requisitos elencados pelo Código de Processo Civil, a concessão da decisão liminar ou ao tramite do processo que determine ao ente público o cumprimento mais breve possível com a sua obrigação constitucional, observado o perigo na demora da concessão do tratamento.

 

3.2 Medidas coercitivas e o poder geral de cautela

O processo molda uma relação entre sujeitos que, na relação jurídica, corroboram com direitos e deveres, conforme entendimento de Vezzoni (2016).

Dito isso e, conforme mesma Autora, as partes do processo podem ser 

Todo e qualquer ente, não necessariamente uma pessoa que, podendo titularizar direitos e obrigações, pede em juízo e/ou sofre uma pretensão. Em outras palavras, poderá ser parte, legítima ou não, com pedido procedente ou não, qualquer sujeito de direito, desde que possua, minimamente, personalidade jurídica. [...] podem ser autores ou réus [...] requerentes ou requeridos [...] exequentes ou executados [...] ou meros interessados [...].

 

Acerca do Juiz, a mesma autora leciona que se trata peça imparcial ao tramite, para que, observado o conflito de interesses, a sentença final seja a melhor possível para ambos os lados envolvidos. Deve se observar que esse órgão não é estranho aos sujeitos, pois o mesmo não deve polir uma das partes e sim ser atuante no processo e fazer valer dos poderes instrutórios.

Ainda no tratante dessa figura de suma importância ao processo, o Novo Código de Processo Civil elencou claramente no artigo 139, os poderes, deveres e responsabilidades do juiz ao dirigir o processo, incumbindo-lhe, dentre outros cuidados: 

I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela duração razoável do processo; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias; IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; [...] (BRASIL, 2015).

Oferecendo destaque o inciso IV deste artigo, apercebe-se que o Magistrado pode aplicar as medidas que bem entender para que seja assegurado as partes o cumprimento legal, conferindo-lhe o poder geral de cutela.

Sendo assim:

A atividade jurisdicional nem sempre se completa com a mera declaração do direito. Da mesma forma, o dever de probidade processual das partes e terceiros (principalmente do vencido) não se esgota com o simples participar do processo na fase cognitiva. Sejam de que natureza for (declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais, executivas), é necessário que as decisões jurisdicionais (inclusive as arbitrais), provisórias ou finais, sejam cumpridas, isto é, efetivadas. Efetivação essa que, quando depender de comportamento de uma das partes, deve se dar sem embaraços, isto é, sem o emprego de expedientes que retardem ou dificultem o cumprimento da decisão (art. 77, IV, do CPC/2015). A parte não conta com ninguém mais, a não ser o magistrado, para fazer a decisão judicial valer. Que os juízes se conscientizem que a efetivação é tão, ou até mais importante, do que a própria declaração do direito (vide art. 297 do CPC/2015). (CABRAL, 2016, p. 251)

 

Nesse proceder, o artigo 297 do Código de Processo Civil permite que o juiz se valha do poder geral de cautela para dar efetividade a decisão liminar que concedeu a tutela provisória requestada. O mencionado artigo dispõe que “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória”.

Assim, por força do poder geral de cautela, entende-se que não deve o juiz aplicar apenas medidas expressas em lei, como arresto, sequestro e protesto contra alienação ou arrolamento de bens, conforme elenca artigo 301, pode o magistrado, para que a tutela de urgência seja efetivada, valer-se de qualquer outra diligência necessária ao cumprimento do comando judicial, ou seja, fica a critério do juiz aplicar as medidas cabíveis.

Dentre as medidas cabíveis, pode-se destacar a chamada astreintes ou multa. Este é um mecanismo de coerção, ou seja, mecanismo para forçar o cumprimento do que foi determinado pelo magistrado, sob pena de prejuízo ao patrimônio do requerido.

Nesse sentido, entende Gonçalves (2017):

O juiz só fixará a multa depois de impor ao réu o cumprimento da obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa. Isso pode ocorrer logo no início do processo, se ele deferir tutela provisória, impondo ao réu alguma dessas obrigações e concedendo-lhe prazo para cumpri-la, ou então, na sentença condenatória.

Percebe se que tão logo seja deferida tutela antecipada, fica o requerido ciente das astreintes caso não obedeça a instrução judicial. Diante da disposição, a multa (ou astreinte), tem por finalidade a coação ao cumprimento legal do comando judicial.

Muito se discute sobre a aplicabilidade desse instituto à Fazenda Pública, responsável pelo acesso a saúde, porém o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que a multa com objetivo de coerção pode ser aplicada a Fazenda Pública conforme julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial, julgado em 15/08/2013:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. APLICAÇÃO DE MULTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (ASTREINTES). POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. 1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento sedimentado de que, em se tratando de obrigação de fazer, é permitida ao Juízo a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública. Precedentes: AgRg no REsp 1129903/GO, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 24/11/2010; AgRg no Ag 1247323/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 01/07/2010; AgRg no REsp 1064704/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 17/11/2008). 2. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1358472 RS 2012/0264537-7, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª turma, julgado em 15/08/2013, grifo nosso)

 

Em julgamento de apelação cível em processo de fornecimento de medicamento a gestante, o eminente Desembargador registrou que:

É permitida multa coercitiva contra a Fazenda Pública, objetivando coagir o ente público a cumprir obrigação que deve ser imediatamente executada, para que a ordem judicial não perca a natureza compulsória. (TJMS 0801773-28.2015.8.12.0029, Rel. Des. Odemilson Roberto Castro Fassa, 4ª Câmara Cível, julgado em: 22/03/2017)

 

Ainda na seara da efetividade da jurisdição, o artigo 4º do Código de Processo Civil elenca o direito das partes em obter a resposta em prazo ponderado, inclusive a atividade satisfativa, ao passo em que o artigo 6º estatui que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Verifica-se, nesse quadrante, a teor do artigo 297 do Código de Processo Civil, que o rol de medidas coercitivas não é limitado, o que permite ao magistrado esgote todas as medidas cabíveis ao cumprimento do comando. A título exemplificativo, pode ser que a parte adversa, já ciente da fixação de multa diária na liminar concedida, venha a descumprir a determinação judicial, a ensejar na majoração da multa cominatória, vezes sem que haja nenhuma preocupação da parte ré em cumprir o que lhe é imposto. Diante de tal situação, em que a parte é solvente e a astreinte é ineficaz, deve o magistrado buscar a efetividade por outro mecanismo. Daí a importância do bloqueio de verbas públicas para garantir o direito à saúde.

 

4. ANÁLISE PARADIGMÁTICA DA MATERIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE POR MEIO DO BLOQUEIO JUDICIAL DE VERBAS PÚBLICAS NOS PROCESSOS JUDICIAIS DO ESTADO DO TOCANTINS

Com a finalidade de ilustrar o descaso do ente público e ilustrar a efetividade do bloqueio de verbas públicas, passa-se a, através da análise paradigmática de jurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, discorrer sobre casos concretos em que a atuação proativa do julgador, com fulcro no poder geral de cautela, foi essencial para a garantia da máxima efetividade ao direito à saúde.

 

4.1 Agravo de instrumento n.º 0007754-78.2014.827.0000

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado do Tocantins contra decisão interlocutória no processo originário na qual a Magistrada da Comarca de Araguaína - Tocantins adotou medida coercitiva para o cumprimento do comando judicial por parte do agravante, no processo do menor R. de S. F. representado pela sua genitora R.F. da S. 

Em apanhado, trata-se de menor necessitando de um único medicamento de alto custo e não é encontrado no Brasil, necessitando de importação, porém a família é incapaz de arcar com os custos para tal.

Ao ingressar com ação de obrigação de fazer, o Autor requereu liminarmente (tutela provisória de urgência) a disponibilização contínua do fármaco conforme se quadro clínico e prescrição médica.

Na mesma direção, a Magistrada, atendendo ao pedido do Autor, concedeu a antecipação dos efeitos de sentença, compelindo o Estado do Tocantins a fornecer conforme o receituário médico o fármaco necessário à sua saúde no prazo máximo de 10 dias a contar da intimação do mesmo, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) em prol do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a ser pago pelo Governador do Estado naquela época, caso o comando não fosse cumprido.

O Autor tendo informado pela segunda vez o descumprimento do dever legal por parte do Requerido, ora ente Estadual, não restou alternativa a Magistrada se não aplicar medida coercitiva afim de dar palpabilidade a carência do Paciente mediante a urgência da situação, determinando o bloqueio de valores das contas do Estado do Tocantins, no valor informado para a necessidade do autor. 

Tal decisão contrariou o Agravante, que alegou nesta interposição não ser o responsável pela dispensação do medicamento, impossibilidade de antecipação de tutela contra ente público, além de afirmar ser nulo o bloqueio de verbas públicas.

O acórdão negou provimento ao recurso e manteve a decisão interlocutória determinando a contenção de verbas públicas para efetivação do tratamento do Agravado, pois conforme o voto do relator,

[...] tal medida se faz necessária para a efetivação da prestação jurisdicional, visto que, no decorrer de um ano de tramitação do feito, o agravante informou o fornecimento de apenas dois frascos do medicamento, o qual se mostra imprescindível à manutenção da vida da agravada. (TJTO, AI 00077547820148270000, Rel. Des. Marco Villas Boas, Juiz em substituição GILSON COELHO, 3ª Turma da 2ª Câmara Cível, julgado em 15/10/2014).

Assim, entende-se que a cautela da Magistrada mais uma vez se fez necessária para que o Paciente permanecesse na garantia do seu direito fundamental.

 

4.2 Agravo de Instrumento n.º 00141417520158270000

Este recurso traz à tona a ação civil pública na comarca de Dianópolis, Estado do Tocantins. No processo originário houve decisão interlocutória que deferiu o pedido (advindo do agravante) de bloqueio de verbas públicas, tendo e vista a necessidade de realização de procedimento cirúrgico de catarata. 

Conforme relatado, na ação proposta contra o município mencionado e contra o Estado do Tocantins houve deferimento de liminar para que o primeiro fornecesse transporte, alimentação e estadia na cidade de Palmas para o Paciente e acompanhante afim de realização de consulta, exames e tudo o que fosse necessário ao acometimento cirúrgico. Além disso, ordenou que o segundo providenciasse a realização do procedimento médico solicitado sob pena de custeio em outro estado que disponibilizasse o serviço.

Ocorre que após a permissão do pedido liminar, fora informado por diversas nos autos originários que o Paciente havia realizado todo tramite anterior ao procedimento, faltando apenas a concretização deste, mas o ente responsável continuava inerte ao comando.

Apresentando orçamentos referente a intervenção médica, o órgão imparcial do processo fez valer de sua cautela para que fosse efetivado o que era de direito do autor, deferiu o pedido de bloqueio no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) diretamente da conta corrente do ente. 

O Estado, em sua inconformidade com a decisão e no seu inteiro direito de recorrer do que determinou o Magistrado no processo alegou, principalmente, que a decisão proferida feriu o princípio da separação dos três poderes.

Engenhosamente a desembargadora relatora entendeu que

É inconteste que o Estado do Tocantins não está cumprindo com o seu dever, nem mesmo tendo sido determinado judicialmente, motivo pelo qual não há de se falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes, pois perfeitamente possível que o judiciário determine ao Estado a adoção de medidas necessárias para a manutenção da vida do jurisdicionado que bate às suas portas ante a omissão estatal e, no caso de descumprimento a efetivação de bloqueio de ativos financeiros, posto ser o meio cabível para o cumprimento da decisão judicial. (TJTO, AI 0014141-75.2015.827.0000, Rel. Desa. Ângela Prudente, 3ª Turma da 2ª Câmara Cível, julgado em 14/12/2015)

 

Além disso, deixou claro o entendimento do Supremo Tribunal Federal com relação a esse argumento, sendo

[...] Este Tribunal entende que reconhecer a legitimidade do Poder Judiciário para determinar a concretização de políticas públicas constitucionalmente previstas, quando houver omissão da administração pública, não configura violação do princípio da separação dos poderes, haja vista não se tratar de ingerência ilegítima de um poder na esfera de outro. (STF, RE 820910 CE, AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, julgado em 26/08/2014)

 

Desse modo, o Agravante teve provimento do recurso negado, podendo o Agravado realizar o que era indispensável a sua saúde utilizando-se do dinheiro público bloqueado.

Sob análise das jurisprudências, percebe-se que o Tribunal de Justiça do Tocantins tem ao longo dos anos consolidado o entendimento acerca do bloqueio do numerário público para confirmação do direito à saúde. É notória a omissão do ente responsável ainda com comando judicial, sem nenhuma intimidação perante as medidas cautelares utilizadas para coagi-lo, como é o caso do Agravo Interno no Agravo de Instrumento de número 00205558420188270000, julgado em 2019 na qual defende que:

EMENTA: AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SAÚDE. MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1- Em agravo interno interposto contra decisão que defere pedido de bloqueio de verba pública, não havendo veiculação de qualquer elemento relevante a justificar uma mudança de entendimento, permanecendo idêntica a situação fática e jurídica, impõe seja mantida a decisão agravada, sobretudo quando escorada em razões jurídicas e fáticas devidamente fundamentadas. 2- É possível o bloqueio de ativos financeiros do ente público quando este descumpre reiteradamente a determinação judicial de disponibilização dos fármacos. [...] (Agravo Interno No Agravo De Instrumento nº 0020555-84.2018.827.0000, Rel. Juíza. Célia Regina Regis, 1ª Turma da 1ª Câmara Cível, julgado em 13/02/019, grifo nosso).

 

Além do e do Agravo de Instrumento de número 00140192320198270000 também do mesmo ano, entendendo que 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. BLOQUEIO DE VALORES PARA CUSTEIO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO, VIA BACENJUD. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. [...] 5- Dessa forma, não obstante o Superior Tribunal de Justiça aceitar o bloqueio de verbas públicas para garantir o cumprimento de ordem judicial apenas em casos excepcionais, certo é que a hipótese dos autos encerra situação extrema a justificar tal medida, uma vez que, o Estado do Tocantins foi omisso em cumprir a ordem judicial deferida desde março de 2019, deixando de realizar o procedimento médico. [...] (Agravo De Instrumento nº 0014019-23.2019.827.0000, Rel. Desa. Jacqueline Adorno, 3ª Turma da 1ª Câmara Cível, julgado em 02/12/2019) (grifo nosso)

Imperioso destacar que além da constância do entendimento desse Tribunal, o mesmo se baseia no juízo do Superior Tribunal de Justiça que no Agravo Regimental no Recurso Especial 1073448/RS sob a relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho salientou a pacificidade daquela Corte “no sentido do cabimento de bloqueio de verbas públicas e da fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde”. 

 

CONCLUSÃO

O direito de acesso a saúde trata-se de um preceito constitucional elencado no atrigo 196 da Lei Maior, integrando o conjunto de ações destinadas à seguridade, assistência e previdência social, sendo dever do Estado e direito de todos, sem nenhuma distinção para aqueles que necessitam. Para tanto, a lei orgânica de n° 8.080/90 dispôs sobre a promoção desse direito ao criar o maior sistema gratuito e universal, denominado Sistema Único de Saúde (SUS).

Na contemporaneidade, a judicialização da saúde ganhou destaque devido as políticas públicas de efetivação não estarem alcançando o que estabelece os ditames legais e, por essa razão, é necessário acionar o Judiciário para obter o tratamento crucial a vida do Paciente, a quem cabe dar a efetividade esperada.

Nesse sentido, o cidadão sem outra saída a não ser demandar o Judiciário para concretizar suas expectativas, não deve ser obrigado a esperar todo o tramite legal do processo, ante ao caráter emergencial em que se encontra. Para isso, o Código de Processo Civil dispõe do instituto da tutela provisória de urgência, mormente requestada nos processos de saúde.

Fundamentado em juízo de possibilidade, fica saltado aos olhos da Judicatura o fumus boni iuris e o periculum in mora, sustentado pelos documentos que indiquem com precisão a necessidade da concessão imediata da tutela antecipada. Assim, estando a decisão sob a ótica do Magistrado, o mesmo pode se fazer valer do seu poder geral de cautela elencado no artigo 139 daquele código, assegurando o cumprimento legal ao aplicar medidas necessárias para materialização do pedido, dentre elas o bloqueio de numerário público.

Ao longo do trabalho, pode-se perceber que nos processos de saúde que tramitam no Estado do Tocantins, houve certa resistência da administração pública em cumprir o seu dever, mesmo após comando judicial com aplicação de medidas coercitivas, sob argumentos uma vez procrastinatórios.

Observou-se que não há corrente majoritária em favor da judicialização da saúde, tampouco acerca do bloqueio de verbas públicas como mecanismo de garantia ao direito a saúde nas demandas em que o responsável de esquiva de sua obrigação. Porém, foi possível notar o mar de decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins a favor do bloqueio de ativos financeiros nas contas do ente responsável de modo que, ante a omissão do ente público, o bloqueio de numerários tem sido a mitigação da inefetividade do acesso a saúde, como única forma de consumar o que abrange o preceito constitucional. 

Além da iminente consolidação do entendimento naquele tribunal, pôde-se notar que o do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento sedimentado de que ao Judiciário é permitido a imposição de multa a Fazenda Pública afim de coagir o cumprimento imediato da decisão tomada. Ademais, o Supremo Tribunal de Justiça também deixou claro a legitimidade do Judiciário em fazer valer as políticas públicas quando houver omissão por parte da administração pública, corriqueiramente notado no Estado. 

 

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VEZZONI, Marina. Direito Processual Civil. 2. ed. Barueri: Manoele Ltda, 2016.


 NOTAS:

[3] Banco Mundial.

Data da conclusão/última revisão: 22/05/2020

 

Como citar o texto:

FERREIRA, Larissa Gonçalves Gomes Ferreira; SCHADONG, Flávia Malachias Santos..O bloqueio judicial de verbas públicas como mecanismo de garantia do direito à saúde. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 983. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/10234/o-bloqueio-judicial-verbas-publicas-como-mecanismo-garantia-direito-saude. Acesso em 20 jun. 2020.

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