Não obstante a semelhança que se lhes possa atribuir, o Processo Cautelar e a Antecipação de Tutela são institutos demasiado distintos.

Passemos a analisar , brevemente, cada um deles, apenas com o escopo de evidenciar a distinção que se lhes apresenta.

A primeira diferença, e a que mais salta aos olhos, consiste no fato de a Medida Cautelar ser um processo, de certo modo, autônomo, enquanto a Antecipação de Tutela é requerida no próprio processo concebido como principal.

É cediço que a função político-social do processo, qual seja, a solução dos conflitos existentes na sociedade e, por conseguinte, a pacificação social, faz com que ele seja visto como o instrumento das partes para a obtenção do direito e da justiça. O processo é o meio para o atingimento de um fim, e este é o bem da vida almejado pela prestação jurisdicional: tal é a visão instrumental do processo.

A parte que provoca o órgão jurisdicional almeja obter, sempre, resultados úteis e práticos. Ocorre, todavia, que, muito embora o Estado-Juiz proclame o direito aplicável ao caso, o qual representa exatamente o resultado perquirido pelo autor, tal resultado não é obtido na prática, atendo-se, tão somente, ao que ficou determinado no decisum, no papel, sem passar para a ordem prática, sem seu cumprimento efetivo; ou ainda o fato de que a demora da prestação jurisdicional pode acarretar no perecimento do resultado almejado. E é aí que entra em ação o instituto do Processo Cautelar.

Pressupondo o ajuizamento de um processo concebido como principal, o Processo Cautelar é a ação que visa garantir a efetividade e os resultado úteis e práticos daquele processo; é o instrumento de que dispõe a parte para salvaguardar o cumprimento de ulterior decisão que lhe seja favorável. E, concebendo o processo como instrumento, como vimos acima, tem-se que o Processo Cautelar é o instrumento do instrumento.

Entre os pressupostos ensejadores do deferimento do pedido do Processo Cautelar, estão o fumus bonis iuris e o periculum in mora. Esta é a comprovação de que a demora na solução da lide tornaria inútil todo o processo, porquanto o objeto pereceria. E aquele é a plausibilidade de que o direito alegado seja comprovado.

Exemplo clássico de aplicação do Processo Cautelar, é aquele em que, na execução, o reus debendi, com o intuito de frustrá-la, dilapida seu patrimônio de maneira que impossibilite a execução: se nada tem, nada será executado. O credor, por sua vez, ciente da prática de tal ato, ajuíza a Cautelar, para que o juiz determine seja separado do patrimônio do devedor uma determinada quantia ou coisa, capaz de satisfazer a execução. Tal é o Processo Cautelar incidente, assim denominado porque produzirá seus efeitos em um processo que já está em curso.

Pode ocorrer também de o autor, antes de ajuizar a ação , ajuíze a Cautelar para garantir os efeitos do processo que ulteriormente se instalará. Trata-se do Processo Cautelar preparatório.

Os arts. 796 a 812 do Código de Processo Civil disciplinam a chamada Teoria Geral do Processo Cautelar, merecendo destaque o art. 798, que autoriza o ajuizamento de Medidas Cautelares Inominadas, que são as Cautelares genéricas, que não tem um “nome específico”. Também há aquelas que são específicas, que possuem “nome”, e que vêm disciplinadas nos arts. 813 e seguintes do Código de Processo Civil, tais como Medida Cautelar de Arresto, de Seqüestro, de Produção Antecipada de Provas e etc. : são as chamadas Medidas Cautelares Nominadas.

A Antecipação de Tutela, como o próprio nome sugere, é o instituto através do qual a parte que o requer visa antecipar os efeitos práticos da sentença de mérito, antes desta ser prolatada. Seu deferimento pressupõe esteja presente o conteúdo probatório a que se refere o art. 273, do Código de Processo Civil.

Como exemplo de Antecipação de Tutela podemos citar o caso, bastante comum, aliás, do autor que ajuíza ação perante o Juizado Especial Cível, em face de seu plano de saúde para que possa submeter-se à cirurgia que o plano anteriormente “cobria” e que, ulteriormente, numa atitude completamente arbitrária, nega-se a fazê-lo, alegando que tal procedimento cirúrgico não está mais acobertado pelo plano. Ocorre, no entanto, que a demora na prestação jurisdicional pode trazer sérios riscos para o autor, inclusive a morte. Então, o autor ajuíza a ação alegando o que lhe for de direito, como ressarcimento por danos morais e materiais e etc. e pede, como antecipação de tutela, seja-lhe deferida liminar autorizando a realização do procedimento cirúrgico. Caso deferida, submeter-se-á ele à cirurgia e, ulteriormente, quando da apreciação do mérito, serão apreciados os demais pedidos, inclusive aquele foi objeto da antecipação de tutela e que, aliás, nada impede seja indeferido e o autor seja compelido a ressarcir a empresa pelas despesas decorrentes da cirurgia.

Podemos citar, ainda, o exemplo da funcionária grávida, demitida injustamente. Ela vem a juízo pleitear seja declarada nula a dispensa com a conseqüente reintegração no emprego. Então ela ajuíza uma reclamação trabalhista com pedido de antecipação de tutela, para que lhe seja deferida a reintegração no emprego antes da prolação da sentença de mérito. O juiz, diante de tal fato, e tendo em vista o estado gravídico da reclamante, concede-lhe a liminar e expede o competente Mandado de Reintegração, para que a autora seja reintegrada no emprego, com todas as vantagens a que fazia jus, percebendo, ainda, os salários vencidos e vincendos, e, ulteriormente, quando da apreciação do mérito, decide se mantém ou não a reintegração.

Pelos dois exemplos acima, dá-se pra perceber que, embora a Antecipação de Tutela possua caráter satisfativo, não é definitiva, porquanto a liminar pode ser cassada a qualquer tempo e, especialmente, quando da apreciação do mérito da causa.

Não obstante a Antecipação de Tutela ser concedida em juízo provisório, o magistrado ao apreciá-la deve ser extremamente cauteloso, porquanto a sua concessão pode ter conseqüências irreversíveis, assim como o não acolhimento do pedido pode ter conseqüências igualmente gravíssimas. Destarte, além dos subsídios que a lei lhe confere, deve o magistrado valer-se de seu senso de justiça, para que a prestação jurisdicional seja adequadamente distribuída entre as partes, e que o processo atinja sua função político-social, qual seja, como vimos acima, a solução dos conflitos existentes na sociedade e, por corolário, a pacificação social.

(Texto elaborado em setembro/2006)

 

Como citar o texto:

PISCO, Felipe Ognibene..Processo cautelar x antecipação de tutela. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 197. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1536/processo-cautelar-x-antecipacao-tutela. Acesso em 24 set. 2006.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.