A penhora na execução fiscal poderá em caráter excepcional recair sobre o faturamento de uma empresa somente quando esta não possuir outros bens para serem penhorados.

Art. 11[...]

§ 1º - Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção.

Nos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior (THEODORO Júnior, Humberto – Lei de Execução Fiscal, 9ª ed., São Paulo – Saraiva, 2004, p 104), dos bens penhoráveis o dinheiro prefere aos demais, contudo essa preferência se refere ao montante que o devedor já possui e não a valores incertos e futuros, integrantes do capital de giro da empresa. Mas a respeitável opinião do ilustre doutrinador não espelha o que vem sendo aplicado pelos Tribunais brasileiros, de modo que atualmente tal procedimento é aceito tanto pela jurisprudência como por outros doutrinadores, que advertem ser uma medida excepcional, devendo-se aplica-la observando a legislação vigente e mormente o princípio da razoabilidade.

Como já decidido no Superior Tribunal de Justiça:

A penhora sobre o faturamento mensal da empresa pressupõe a nomeação de um administrador, inexistência de outros bens e percentual que não inviabilize a gestão da empresa.

STJ, 1ªT., HC 25.533/SP, ac. de 25-11-2003, Rel. Min. Luiz Fux

No âmbito cível, o Código de Processo Civil também dispôs em seu artigo 716, sobre a constrição de empresas para a satisfação do credor, desde que esta medida seja a menos gravosa para o devedor e que se demonstre eficiente para o recebimento do devido.

Art. 716. O juiz da execução pode conceder ao credor o usufruto de imóvel ou de empresa, quando o reputar menos gravoso ao devedor e eficiente para o recebimento da dívida.

O Superior Tribunal de Justiça em julgamento do Recurso Especial nº48.959-SP, decidiu com o acórdão de 11 de fevereiro de 1998:

I – A penhora em dinheiro (art. 11,I da Lei n. 6.830/80 e art. 655, I do CPC) pressupõe numerário existente, certo, determinado e disponível no patrimônio do executado.

II – A penhora sobre percentual do movimento de caixa da empresa-executada configura penhora do próprio estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, hipótese só admitida excepcionalmente (§1º do art. 11 da Lei n. 6.830/80), ou seja, após ter sido infrutífera a tentativa de constrição sobre outros bens arrolados nos incisos do art. 11 da Lei de Execução Fiscal.

 

Entretanto, nesse mesmo processo, quando do julgamento do recurso interposto perante o Tribunal de Justiça de São Paulo a 13ª Câmara Cível proferiu acórdão unânime negando provimento ao agravo de instrumento com o fundamento de que,

a possibilidade de penhora sobre dinheiro está estritamente ligada à existência concreta de numerário e sua localização. A penhora deve incidir sobre bens, tais considerados aqueles existentes como coisas do mundo e não sobre rendas ou movimento de caixa futuros, cujo valor se desconhece.

 

Ainda nesta decisão o acórdão apontou que a penhora sobre faturamento constitui restrição sobre renda futura sendo portanto, um fato aleatório ou incerto, e que a penhora deveria recair sobre um bem definido e existente, pois caso contrário poderia acarretar incerteza à parte, uma vez que não se pode ter a certeza do montante do faturamento, ou quanto tempo será necessário para garantir a execução, visto que o faturamento dos estabelecimentos comerciais, industriais entre outros, não são iguais ou constantes em todos os períodos, variando de acordo com a demanda do produto ou serviço, além de outras variáveis como a situação econômica, política e social do local onde estão instalados os estabelecimentos.

Contudo, o Código de Processo Civil ao dispor sobre a constrição de bens do devedor para o pagamento de suas dívidas, possibilitou a nomeação de um perito para avaliar os frutos e rendimentos do bem, além de estipular o tempo aproximado que será necessário permanecer a constrição.

Art. 722. Se o devedor concordar com o pedido, o juiz nomeará perito para:

I - avaliar os frutos e rendimentos do imóvel;

II - calcular o tempo necessário para a liquidação da dívida.

[...]

 

Admitindo-se a penhora sobre faturamento, deve-se observar que apenas uma parte dos recursos deverão ser destinados a satisfação do crédito, pois se todo o rendimento da empresa for comprometido, esta não possuirá meios suficientes para exercer a sua atividade, uma vez que para continuar em funcionamento é necessário que o estabelecimento compre matérias primas, pague os salários de seus trabalhadores, entre outras despesas essenciais. Exemplificando o exposto, pode-se citar a decisão proferida em sede de recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça que manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao determinar a diminuição do percentual sob constrição do faturamento da empresa, de modo a evitar uma excessiva onerosidade ao executado – cabe ressaltar que neste mesmo processo o executado ofereceu bens à penhora, entretanto o exeqüente se opôs fundamentadamente, alegando que os bens apresentados seriam de difícil alienação judicial.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DETERMINAÇÃO, PELO JUÍZO MONOCRÁTICO, DE PENHORA DE 10% (DEZ POR CENTO) DO FATURAMENTO MENSAL DA EMPRESA AGRAVANTE NESTE FEITO, E EM MAIS NOVE OUTROS PROCESSOS - MEDIDA DEMASIADAMENTE ONEROSA, CAPAZ, INCLUSIVE, DE- DESESTABILIZAR A SAÚDE FINANCEIRA DE QUALQUER EMPRESA - ARTIGO 620 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - IINTERPRETAÇÃO DE FORMA PONDERADA, POIS, EM QUE PESE A REGRA DE QUE A EFETIVAÇÃO DA EXECUÇÃO SER REALIZADA DA FORMA MENOS GRAVOSA PARA O DEVEDOR TAL EXECUÇAO, EM CONTRAPARTIDA, NAO PODE ACARRETAR PREJUIZO DESNECESSARIO AO CREDOR. No caso em comento, deve ser permitida a penhora incidente sobre o faturamento mensal da agravante, no entanto, o percentual arbitrado pelo Juízo singular deve ser reduzido, em observância ao princípio da razoabilidade.

STJ, REsp. 823.449, Min. Rel. Castro Meira

 

Para evitar a constrição desenfreada do faturamento da empresa, de modo prejudicial, o magistrado ao determinar a penhora sobre a receita do estabelecimento deverá nomear um administrador, devendo este apresentar em dez dias a forma de administração e o esquema de pagamento.

 

Relativo as empresas que funcionem mediante concessão ou autorização, a penhora será realizada conforme o valor do crédito, sobre a renda, determinados bens, ou todo o patrimônio, devendo o magistrado nomear preferencialmente como depositário um de seus diretores. Entretanto, se a penhora recair sobre todo o patrimônio, a execução prosseguirá ouvindo-se o Poder Público que outorgou a concessão, em momento anterior a arrematação ou a adjudicação (PACHECO, José da Silva – Comentários à Lei de Execução Fiscal, 9ªed., São Paulo – Saraiva, 2002, p 171).

 

Quanto a nomeação de administrador pelo magistrado no âmbito cível, o Código de Processo Civil dispôs:

Art. 719. Na sentença, o juiz nomeará administrador que será investido de todos os poderes que concernem ao usufrutuário.

Parágrafo único. Pode ser administrador:

I - o credor, consentindo o devedor;

II - o devedor, consentindo o credor.

 

A constrição não deve recair sobre valores destinados ao pagamento dos salários dos trabalhadores do estabelecimento, sendo de bom senso apenas recair sobre o lucro efetivo ou sobre parte dele, excluindo-se os gastos operacionais.

Humberto Theodoro expõe que para tal tipo de penhora é necessária a constrição de toda a empresa, submetendo-a a um administrador judicial que irá planejar a disposição da receita, destinando parte ao pagamento do crédito ajuizado, sem prejudicar o giro econômico (THEODORO Júnior, Humberto – Lei de Execução Fiscal, 9ª ed., São Paulo – Saraiva, 2004, p 105).

O Superior Tribunal de Justiça proferiu entendimento de que o artigo 677 do Código de Processo Civil “condiciona a penhora do estabelecimento à investidura de depositário que acumulará tal encargo com aquele de administrador” (STJ, 1ªT., AgRg no REsp 263.908/SP, ac. de 15-10-2002, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros). Assim, o depositário-adminstrador arrecada e administra o estabelecimento do devedor, de modo a destinar parte do crédito ao pagamento do débito fiscal. A referida Corte ainda dispôs que ao permitir que o Estado se aproprie do faturamento por meio de penhora simples, seria consentir a quebra da ordem de preferência pelo exeqüente, de modo a fraudar os credores (STJ, 1ªTª., REsp. 442.421-0/SP, ac. de 03-10-2002, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros). Assim, a exigência do depositário-administrador se demonstra necessária, pois este realizará um plano de satisfação gradual dos credores.

Ainda é importante ressaltar o previsto no art. 652 do Código Civil, a possibilidade da prisão civil do administrador, nos casos em que o depositário não restituir o que lhe foi confiado, quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, assim como ressarcir os prejuízos, pelo descumprimento de alguma das atribuições impostas, caracterizando-o como depositário infiel.

A prisão civil supra mencionada, é uma das duas possibilidades que ainda restam em nosso ordenamento jurídico, pois tal instituto foi praticamente excluído do direito brasileiro conforme o inciso LXVII art. 5º da Constituição Federal.

Embora o Brasil seja signatário do Pacto de San Jose da Costa Rica, aprovado pelo decreto nº678/92, que dispõe sobre a proibição da prisão civil por dívida, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que tal Pacto não possui força para alterar o texto Constitucional, tendo equivalência a uma lei ordinária, apesar de ter sido ratificado pelo Congresso Nacional (Habeas Corpus 72.131 de 22/11/1995). Com a Emenda Constitucional nº45 de 2004, incluiu-se o parágrafo 3º no artigo 5º da Constituição Federal que dispõe:

Art. 5º [...]

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Assim, se o referido Pacto houvesse sido aprovado pelo Congresso Nacional em dois turnos em cada Casa por três quintos de seus membros, a Convenção teria força de norma constitucional.

A 2ª Turma do Superior Tribunal de justiça em um de seus julgados (STJ, 2ªT., RHC 13721, ac. de 04-08-2003, Min. Rel. Francisco Peçanha Martins), proferiu entendimento de não ser cabível a prisão civil do administrador da empresa que não comprovou os depósitos no valor de dez por cento sobre o faturamento do estabelecimento, entendimento este contrário aos magistrados de primeira instância e do Tribunal de Justiça de São Paulo que proferiram entendimento de ser cabível tal prisão se não restar comprovado a retenção do valor.

Já a 1ª Turma da supra citada Corte ao julgar um recurso especial, se pronunciou sobre a validade e a força atribuída ao Pacto de San Jose da Costa Rica de forma adversa:

PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL.

POSSIBILIDADE. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.

1. A prisão civil do depositário infiel de bens penhorados independe do prévio esgotamento de providências para para localizar tais bens. É dever do depositário apresentá-los, tão pronto intimado para tanto.

2. Mantem-se, mesmo após a EC 45/04, o entendimento da jurisprudência do STF e do STJ no sentido de que a adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica não excluiu de nosso ordenamento jurídico a prisão civil do depositário infiel. É que, nos termos do art. 5º, § 3º da CF, com a redação da citada Emenda, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos somente terão força equivalente à das emendas constitucionais.quando "forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros", o que não ocorreu na hipótese.

3. Recurso especial a que se dá provimento.

Acórdão:

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencido o Sr. Ministro José Delgado, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda, Francisco Falcão e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.

STJ, 1ªT., REsp 811693, ac. de 08-06-2006, Min. Rel. Teori Albino Zavascki

Nas palavras do Relator do recurso acima mencionado “é legítima a prisão civil fundada em infidelidade no depósito judicial dos bens penhorados em execução”, decorrendo do “rompimento da relação de fidelidade estabelecida entre o órgão judicante e o depositário”. No mesmo sentido: RHC 13.121/SP, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.11.2005; HC 32.139/SP, 3ªT., Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 24.05.2004; HC 20.066/SP, 2ªT., Min. Franciulli Netto, DJ de 02.06.2003.

Outra decisão contra a prisão civil provém do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

EXECUÇÃO FISCAL - Penhora - Constrição incidente sobre o faturamento da empresa - Circunstância que impõe a nomeação de administrador, na forma do art. 677 do CPC - Inobservância, pelo Juiz, de tal providência que impede a decretação da prisão civil do representante legal da empresa se este não aceitou o encargo de depositário, pois inexistente a infidelidade.

(http://www.direito.com/juris_civil, acesso dia 13-09-2006 15:40)

O Pacto de San Jose da Costa Rica não pode se opor a permissão do artigo 5º, LXVII da Constituição Federal, e não derrogou as normas especiais sobre prisão civil por se tratar de norma infraconstitucional (STF, 1ªT., RE 293378, Min. Moreira Alves, DJ de 10-08-2001).

Art. 5º[...]

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

Pelo exposto, pode-se concluir que a penhora sobre o faturamento de uma empresa é uma medida a ser aplicada em casos excepcionais, somente quando não houver bens penhoráveis suficientes para a satisfação do crédito. Quando tal instrumento for aplicado, deverá ser feito de modo a não prejudicar o andamento das atividades econômicas do estabelecimento, ou seja, de forma menos gravosa ao devedor, assim o magistrado deve se ater ao principio da razoabilidade e permitir a constrição de parte do faturamento de maneira a não onerar excessivamente a empresa e também não prejudicar o direito do credor.

BIBLIOGRAFIA

JENIÊR, Carlos Augusto, coordenador. Execução Fiscal. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

(Elaborado em setembro/2006)

 

Como citar o texto:

SUDO, Felipe Ribeiro..Penhora sobre faturamento na execução fiscal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 199. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1565/penhora-faturamento-execucao-fiscal. Acesso em 13 out. 2006.

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