INTRODUÇÃO

 

“Onde o intérprete passa por cima da Constituição, ele não mais interpreta, senão ele modifica ou a rompe.” (Konrad Hesse)

O Judiciário é bastante criticado pela sociedade, dado que cada vez mais o número de processos se avoluma, causando uma lentidão em seus julgados e pela posterior ineficácia deles, ocasionando uma sensação de insegurança quando se procura esse Poder para resolver algum conflito.

Ao monopolizar o poder jurisdicional, o Estado passou a ser responsável por estendê-lo a todos, em repúdio à ideia da autotutela. Tornou-se, com isso, garantidor do resultado útil do processo. O acesso à justiça, tão difundido na nova ordem constitucional, está relacionado não somente à abertura das portas da Justiça à todos, mas ao compromisso de uma efetiva entrega do bem jurídico, em tempo razoável e de forma segura.

Dessa forma, o processo há de ser um instrumento efetivo de atuação do direito material violado ou ameaçado. Em outras palavras: as decisões prolatadas no âmbito de um processo judicial devem operar seus efeitos no mundo real.

 

Neste sentido pergunta-se: é possível que o Estado, utilizando-se de seu poder de imperium, através da privação da liberdade, possa cumprir suas determinações no âmbito cível?

A verdade hoje é uma só: o Poder Judiciário encontra-se em xeque. Os processos se arrastam durante anos para solucionar as lides e, aliado a este fato, o grande número de decisões judiciais descumpridas só fazem aumentar o descrédito e o desrespeito ao Poder Judiciário.

Portanto, o presente trabalho vem, pensando na efetividade do processo e na dignidade da jurisdição, estudar a possibilidade de utilização do instituto da prisão civil como uma forma de coerção para efetivação dos direitos, já que, se bem utilizado, pode trazer significativas mudanças ao judiciário brasileiro, notadamente, porque quando sujeitos inescrupulosos se aproveitam do engessamento do Poder Judiciário e não cumprem as ordens emanadas por este Poder da República, afrontam ao Estado brasileiro como um todo.

1. DO ACESSO À JUSTIÇA

Todas as teorias que se propõem a explicar de que forma se deu a união das pessoas em sociedade são unânimes em afirmar o papel estabilizador do Estado.

Para Hobbes, os homens se uniram para que não houvesse a destruição mútua, assim, parcela da liberdade individual seria restringida para que o Estado (Leviatã) pudesse trazer a tranquilidade e provesse aos anseios mínimos que mantêm-se a sociedade unida.

Nesse intento, retirou dos homens a autotutela, ou seja, o uso das próprias mãos, para que ele – o Estado – pudesse prover à justiça, de forma humana e igual para todos.

Na realização desta função, o Estado dispõe de diversos órgãos para realizar a tutela dos interesses, desde o legislador (que regulamenta os fatos do cotidiano) passando pelos funcionários da Justiça (em sentido amplo, para abarcar delegados, oficiais, escrivães, etc.) e, ao final, ao Estado-Juiz, na pessoa do magistrado, que irá aplicar o direito.

A atual Constituição disciplina no inciso XXXV do art. 5º que, “A lei não excluirá da apreciação do poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito;”, consignando o chamado princípio da inafastabilidade de jurisdição, ou acesso à justiça.

Este artigo visa garantir ao cidadão o direito de provocar o pronunciamento jurisdicional acerca de um litígio. Ou seja, o direito de ver dito o direito.

Segundo Marinoni, o direito à tutela jurisdicional não pode

“deixar de ser pensado como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos e, assim, a contrapartida da proibição da autotutela. O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade dos direitos, uma vez que esses últimos, diante das situações de ameaça ou agressão, sempre restam na dependência da sua plena realização. Não é por outro motivo que o direito à prestação jurisdicional já foi proclamado como o mais importante dos direitos, exatamente por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos” [1]

No concernente à expressão “acesso à justiça”, há duas formas de interpretação para fins de se chegar a um conceito mais condizente com a dignidade da pessoa humana e, portanto, confirmar sua natureza de direito fundamental: a material e a formal. Para Mauro Cappelletti e Bryant Garth[2], a expressão em análise

“serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico [...]. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.”

Esse é o mesmo sentido defendido por Cândido Rangel Dinamarco, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover, para quem

“o acesso à justiça não é a mera admissão do processo ou a possibilidade de ingressar em juízo; é sim, a garantia de que os cidadãos possam demandar e defender-se adequadamente em juízo, isto é, ter acesso à efetividade no processo com os meios e recursos a ele inerentes de modo a obter um provimento jurisdicional saudável.” [3]

Também é o escólio de Marinoni, quando afirma que

"[...] todos sabem, de fato, que o direito de acesso à justiça, garantido pelo artigo 5.º, XXXV, da Constituição da República, não quer dizer apenas que todos têm direito de ir a juízo, mas também quer significar que todos têm direito à adequada tutela jurisdicional ou à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva [...]” [4]

Assim, se o princípio do acesso à justiça for interpretado com o sentido e conteúdo de acesso ao Poder Judiciário, ter-se-á a conceituação meramente formal. De outra vertente, se observada a definição material da expressão e considerada a justiça em seus valores, o acesso à justiça será tido como o acesso a uma ordem jurídica justa e com um resultado justo, ou seja, “o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano.” [5]

Em outras palavras, o acesso à justiça tem de ser entendido como efetivo acesso à ordem jurídica. O mero tornar disponível o acesso do cidadão não basta, é necessário que a resposta seja dada em tempo hábil e a contento. Nesse passo, as recentes reformas legislativas, a exemplo da que se passou com o processo de execução, demonstram a tendência dos legisladores em tentar agilizar a Justiça.

No escólio de Ada Pellegrini Grinover, “o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional não somente possibilita o acesso à justiça, mas também assegura a garantia efetiva contra qualquer forma de denegação de tutela.” [6]

Dessa forma, com a inafastabilidade do controle jurisdicional, garante-se que toda relação jurídica conflituosa seja objeto de apreciação pelo Poder Judiciário de modo a resolver o litígio a contento pelas partes, para tanto, várias garantias são consagradas pela Constituição Federal, como o devido processo legal, a celeridade processual e a efetividade processual.

1.1. Due process of law

Conforme rememora Dinamarco, Araújo Cintra e Grinover, a Constituição de 1988 adotou pela primeira vez nas Cartas constitucionais brasileiras a fórmula originária do direito anglo-saxão do devido processo legal (Due process of Law).[7]

Assim disciplina o inciso LIV do art. 5º da Constituição: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

Tal princípio consubstancia uma das mais relevantes garantias constitucionais do processo, garantia essa que deve ser combinada com o princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Esses três princípios, conjuntamente, afirmam as garantias processuais do indivíduo no nosso Estado Democrático de Direito, para um pleno acesso à justiça.

Nesse contexto, já entendeu o STF, na conformidade da doutrina pátria, que o devido processo legal tem duas vertentes: a primeira (tradicional) é a vertente instrumental, substantiva ou material; e a segunda, procedimental, processual ou formal, in verbis:

"Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process – constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa."[8]

Essa primeira vertente significa as garantias processuais que o devido processo legal contém, como o direito à defesa, réplica, direito à produção de provas, etc.

A segunda vertente, material, refere-se à maneira pela qual a lei, o regulamento, o ato administrativo, ou a ordem judicial são executados, se o procedimento empregado por aqueles que estão incumbidos da aplicação da lei ou regulamento viola o devido processo legal, sem se cogitar da substância do ato.

No mesmo sentido é o escólio de Cândido Rangel Dinamarco, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover,

“O devido processo legal, como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional. Nota-se que o mais importante dos princípios é o do devido processo legal, já que assegurando este, estar-se-á garantindo os demais princípios elencados na Constituição Federal. ”[9]

Em resumo, portanto, por um lado dispõe que o Estado, sempre que impuser qualquer tipo de restrição ao patrimônio ou à liberdade de alguém, deverá seguir a lei; por outro lado, significa que todos têm direito à jurisdição prestada nos termos da lei, ou seja, a prestação jurisdicional deve seguir o que está previsto em lei, buscando, antes de tudo, a justiça.

1.2. Da celeridade processual

A questão da razoável duração do processo é entendida em vários países como uma projeção do princípio do devido processo legal, conforme reconhecido inicialmente na Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.[10]

Influenciada pelo pacto europeu, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, da qual o Brasil foi signatário, internalizada no direito brasileiro por meio do Decreto 678, de 06/11/1992, tratou, no art. 8º, do devido processo e da celeridade.

O atual Código de Processo Civil, que data de 1973, tratou do assunto de maneira que, cabe ao magistrado buscar a rápida solução do litígio, conforme o art. 125, II do CPC. Em edição anterior a 2004, Humberto Theodoro Junior ao analisar o referido inciso prelecionou que

(...) refere-se ao poder-dever do juiz de velar para a rápida solução do litígio. Os estudiosos do direito processual e o legislador vivem em permanente preocupação pelos reclamos freqüentes contra a morosidade do andamento das causas. (...) deve também o juiz reprimir atividades protelatórias ou inúteis, provocadas pelos advogados.

Posição essa também apresentada por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery quando nos traz que o juiz não pode ensejar nem deixar provocar o retardamento injustificado da prestação jurisdicional. Dar solução rápida ao litígio não significa solução apressada, precipitada. O magistrado deve determinar a prática de todos os atos necessários ao julgamento da demanda. Deve buscar o ponto de equilíbrio entre rápida solução e segurança na decisão judicial, nem sempre fácil de ser encontrado.”[11]

Neste ensejo, a Emenda Constitucional 45/2004 introduziu o inciso LXXVIII ao art. 5º de nossa Constituição, passando a assegurar a todos (sem exceção), o direito à razoável duração do processo, determinado, assim, que se estabeleçam meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

É de notar ainda que a celeridade na tramitação dos processos veio complementar e dotar de maior eficácia outras garantias já previstas na Constituição Federal, tais como a inafastabilidade de jurisdição (art. 5º, XXXV); o contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV) e o devido processo legal (art. 5º, LIV).

Dessa forma, a demora na prestação jurisdicional configura violação ao direito fundamental de acesso à justiça, traduzindo-se na própria negativa da justiça.

Portanto, é certo que o magistrado – personificação do Estado-Juiz – como dirigente processual deve primar pela celeridade da prestação jurisdicional, sempre atento aos prazos processuais, ao trabalho dos serventuários da justiça e ao bom andamento do processo, para que no futuro não possam ser alegadas nulidades que atrasariam, ao final, a aplicação da justiça.

Não menos importante, é a permanente procura pela qualificação dos serventuários da justiça (escrivães, oficiais, escreventes, distribuidores, etc.), posto que certa seja a premissa de que, sabendo bem o direito e atentos às mudanças que por ventura vierem a ocorrer (por exemplo, na modificação do regimento interno quanto à informatização do processo), não haverá a necessidade de se refazer procedimentos ou rever etapas, diminuindo a ocorrências de erros que, mesmo pequeninos, atrapalham o andamento de um processo, desencadeando um “efeito dominó”, atrasando e diminuindo o rendimento global.

Em outra vertente, salienta José Afonso da Silva que,

“A garantia da celeridade de tramitação dos processos constitui um modo de impor limites à textura aberta da razoabilidade, de sorte que, se o magistrado demora no exercício de sua judicatura por causa, por exemplo, de excesso de trabalho, a questão se põe quanto à busca de meios para dar maior celeridade ao cumprimento de suas funções, prevendo-se que o Congresso Nacional promova alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional (...)” [12]

É certo que o processo é um complexo de procedimentos previamente previstos pela legislação e que são de observância obrigatória pelos aplicadores da lei, quando incitados pelo sujeito de direito, para a consecução da justiça.

Assim, “se o processo é o meio a perseguir um fim - o que se aceita como axioma - põe relevante que a técnica é elemento fundamental no trato da disciplina.” [13]

Essa técnica não pode ter complexidade que dificulte ou retarde a prestação jurisdicional para quem se socorre do Estado-Juiz em busca da solução dos interesses conflitantes, assim, o aprimoramento das normas que possam tencionar uma maior celeridade, e aí se alcançar a efetividade do direito, deverá ser o objetivo maior de todos que, direta ou indiretamente, contribuem para a administração e distribuição da justiça.

E é nesse sentido que se deve entender as ferramentas legislativas colocadas à disposição desse Estado-Juiz, como a antecipação de tutela, liminares, primazia da conciliação, ou mesmo por meio de atos outros que garantam a brevidade processual, como o programa “Meta 2” do Conselho Nacional de Justiça.[14]

1.3. Da efetividade das decisões judiciais

Sob o título de “efetividade do processo” queremos designar o conjunto de direitos e garantias que a Constituição atribuiu ao sujeito que, impedido de fazer justiça pelas próprias mãos, provoca a atividade jurisdicional para reivindicar direito de que se considera titular.

Segundo Barroso,

(...) a efetividade significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.[15]

Assim, destoa numa análise do termo acima alguns aspectos inerentes a esse principio, que estaria implícito na norma constitucional do devido processo legal.

Inicialmente, é certo que para um resultado efetivo é necessário o pleno acesso à justiça, a qual, conforme tópico acima, teria como escopo que toda relação jurídica conflituosa seja objeto de apreciação pelo Poder Judiciário de modo a resolver o litígio a contento pelas partes.

Neste mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior, para quem,

(...) o ideal de acesso à justiça se confunde com a aspiração de efetividade da prestação jurisdicional. Por efetividade entende-se a aptidão de um meio ou instrumento para realizar os fins ou produzir os efeitos para que se constitui” [16]

Assim, enquanto não houver um pleno acesso à justiça – seja de modo material ou formal – não existirá a eficácia das decisões judiciais, posto que não será disponibilizada a todos, restringindo a justiça.

“(...) limitações ao ingresso na justiça são históricas, quer pelo âmbito jurídico, quer pelo âmbito factual, relativo aos problemas econômicos e sociais. E isto representa um fator de frustração política permanente, desgastando o Estado quanto à sua legitimidade, assim como a figura de um de seus próprios poderes: o Judiciário.” [17]

 

Ocorre, ainda, que o direito fundamental à efetividade do processo não engloba apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também o de obter, em prazo razoável, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.

Nesse aspecto, “a efetividade da prestação jurisdicional, portanto, não se realiza [somente] com a entrega do bem jurídico em litígio, porquanto se entregue a destempo pode tornar inútil a prestação, ferindo garantia constitucional.” [18]

Ou seja, o processo somente será justo e efetivo se verdadeiramente houver a efetividade das decisões.

Este é o desejo do novo processo brasileiro, conforme menciona Dinamarco,

Todo processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter. Essa máxima de nobre linguagem doutrinária constitui verdadeiro slogan dos modernos movimentos em prol da efetividade do processo e deve servir de alerta contra tomadas de posição que tornem acanhadas ou mesmo inúteis as medidas judiciais, deixando resíduos de injustiça.[19]

É indispensável que o sistema esteja preparado para produzir decisões capazes de propiciar a tutela mais ampla possível aos direitos reconhecidos, e, mais do que isso, sirva como uma forma de pacificação e modificação social, garantindo soluções ao mesmo tempo jurídicas e legítimas.

Dessa forma, não será apenas com uma série de dispositivos legais que acelerem o procedimento judicial ou aumente a gama de direitos protegidos dos cidadãos que trará a verdadeira justiça social, mas sim, a efetiva entrega da prestação jurisdicional.

A efetividade das decisões é a corporização de todo o emaranhado político-jurídico do ordenamento pátrio que perpassa algumas fases: desde a legislação dos direitos e procedimentos, passando pelos órgãos do Poder Judiciário, até desembocar nas “mãos” do cidadão, o qual apenas nesse ponto verá a justiça. O direito deve chegar às mãos do sujeito de direitos.

Nesse mesmo sentido,

O Estado, monopolizador do poder jurisdicional, deve impulsionar sua atividade com mecanismos processuais adequados a impedir - tanto quanto seja possível- a ocorrência de vitórias de Pirro. Em outras palavras: o dever imposto ao indivíduo de submeter- se obrigatoriamente à jurisdição estatal não pode representar um castigo. Pelo contrário: deve ter como contrapartida necessária o dever do Estado de garantir a utilidade da sentença, a aptidão dela de garantir , em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela. [20]

Por fim, a busca do acesso à ordem jurídica efetiva através do processo passa pelas garantias constitucionais da ação e da defesa.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth desde os anos setenta analisavam a efetividade sob tal ângulo:

A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo [preferimos substancial] poderia ser expressa com a completa ‘igualdade das armas’ – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. [21]

É, portanto, oportuno identificar que não é somente o autor que tem direito à prestação jurisdicional, porquanto o réu também busca o resultado útil do processo.[22] Se, de um lado, o autor busca a procedência da ação, com o reconhecimento de que o direito lhe assiste, de outro, o réu busca declaração em contrário.

Sendo assim, goza de todos os direitos e garantias atribuídos ao autor, merecendo tratamento igualitário na busca de uma prestação jurisdicional justa e efetiva, sendo também nuance da efetividade quando o réu é que está com o direito, ou seja, a justiça é feita àquele que tem razão.

Tal ideal não é nada mais do que a reflexão de um processo que seja ao mesmo tempo instrumental, substancial, social, ético e justo.

Assim, não se deve desassociar o valor justiça, que é o objetivo principal da jurisdição, de sua efetividade.

Theodoro Júnior sentencia:

Não é suficiente ao ideal de justiça garantir a solução judicial para todos os conflitos; o que é imprescindível é que essa solução seja efetivamente ‘justa’, isto é, apta, útil e eficaz para outorgar à parte a tutela prática a que tem direito, segundo a ordem jurídica vigente.[23]

Ou seja, absolutamente de nada adianta um processo que revele uma justiça tardia ou que desnude na realidade uma série de procedimentos ou institutos que na prática sejam ineficazes para garantir a lídima proteção do direito material.

2. PRISÃO CIVIL COMO TÉCNICA COERCITIVA

2.1. Prisão Civil no direito comparado

Conforme verificado no primeiro capítulo, não há nenhum tipo de aventura jurídica ou “invencionismo” quando se fala da prisão civil, trata-se de instrumento já há muito utilizado, que já fez parte da cultura jurídica dos países ocidentais.

Atualmente, são poucos os países ocidentais que preveem a prisão civil em seus ordenamentos, sendo sua negativa até mesmo matéria de muitos tratados internacionais que servem de parâmetro para as positivações de outros países (v.g. Pacto de San José da Costa Rica).

Ainda assim, alguns países, berço de civilizações avançadas do ponto de vista jurídico, verificam na possibilidade de prisão civil um grande trufo a ser utilizado pelo Poder Judiciário, sendo portanto, aceito, dentro de determinadas circunstâncias, a utilização deste instituto jurídico.

2.1.1. Na Alemanha

A Alemanha é país de grande tradição jurídica, sendo seus institutos muito utilizados pelo legislador brasileiro para aprimorar o ordenamento jurídico pátrio.

Os professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart, ao discorrerem sobre a prisão como meio executivo, citam como exemplo a codificação alemã, quando afirmam,

A ZPO alemã [codificação semelhante ao nosso Código Civil] disciplina, precisamente nos §§888 e 890, as Zwangsstrafen. O §888 diz respeito, em princípio, às obrigações cuja execução não se pode dar através de um terceiro. A norma exclui as obrigações que podem ser tuteladas através da execução forçada, ou seja, as obrigações fungíveis, e além disto determinadas obrigações infungíveis, como, por exemplo, as marcadas por particulares qualidades de natureza artística ou científica. As sanções previstas no §888 são articuladas de modo que o juiz deva aplicar em primeiro lugar a sanção pecuniária, deixando para impor a prisão quando não é possível o uso da primeira ou quando ela não surte efeito. O § 890 aplica a mesma técnica sancionatória às obrigações de não fazer e, especificamente, às obrigações de se abster de determinada atividade e de consentir que uma atividade seja praticada. [24]

Ainda sobre o direito germânico, ensina José Eli Salamacha que

(...) o oficial de justiça (Gerichtsvollzieher) é o órgão mais importante da execução agindo em nome do credor e sendo fiscalizado pelo tribunal de execução, que normalmente é um juízo monocrático especializado. Não sendo encontrados bens suficientes para garantia da execução, poderá a parte requerer, e o oficial de justiça intimará o executado, para que apresente um inventário dos seus bens e preste o chamado juramento de manifestação (Eidesstattliche Versicherung), de que nada omitiu, sob pena de prisão de até seis meses (§ 913 do ZPO). [25]

Para rememorar, a Alemanha assinou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que em seu art. 11 aduz que ninguém pode ser preso pela única razão de não poder satisfazer uma obrigação contratual.[26]

Assim, seria pueril afirmar que está proibida toda e qualquer forma de prisão civil na Alemanha só por ser signatária de tal Pacto, pois, conforme verificou-se acima, a prisão civil é figura à muito utilizada dentro da codificação que trata das obrigações e execuções civis de forma geral naquela República, sendo contraditório pensar diferente.

2.1.2. No sistema da Common Law

O sistema jurídico da Common Law, dominante principalmente em países de língua ou influência inglesa (Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, Índia, Estados Unidos, etc.) tem como principal característica o fato de a lei e o direito de origem jurisprudencial conviver como dois sistemas distintos dentro do mesmo ordenamento.

Leciona Venosa,

Ainda quando existam códigos, e muitos desses países os têm, essas fontes são vistas como consolidações do direito consuetudinário anteriores à codificação, sendo interpretadas com base em precedentes jurisprudenciais. Não há que se entender que esse sistema inglês seja costumeiro, mas jurisprudencial, baseado em cases.[27]

Dentro dessa sistemática, em que muito difere do sistema romano-germânico (utilizado no Brasil), surgiu a figura do Contempt of court.

Anota Araken de Assis, em artigo sobre o assunto, que não há na língua portuguesa tradução precisa para a palavra contempt, podendo-se, contudo, expressá-la como “desacato”[28].

Dessa forma, Contempt of Court seria algo como um “desacato à Corte”, referindo-se aos sujeitos que, deliberadamente, desobedecem uma ordem da Corte (ou Juiz) para realizar determinado ato.[29]

Ainda nas palavras de Araken de Assis, podem-se encontrar formas distintas de Contempt, quais sejam:

“o contempt criminal consiste na ofensa à dignidade e à autoridade do tribunal ou de seus funcionários, gerando obstáculo ou obstrução ao processo, tornando-o mais moroso. Por via de conseqüência, o ato provocará má reputação do órgão judiciário. Pode ocorrer em processos civis ou penais, independentemente do procedimento concreto adotado. Exibe nítido caráter punitivo, a um só tempo reprimindo o autor da ofensa e dissuadindo a ele ou a outras pessoas de comportamento similar. (...) o contempt civil consiste na omissão de certo comportamento prescrito pelo tribunal, a favor de uma das partes. Em síntese, é o mau comportamento, idôneo a prejudicar, impedir ou frustrar o direito alheio, a exemplo do que acontece com a desobediência a injuction.(...) Legitima-se a parte atingida a requerer a aplicação da respectiva sanção, mas nada inibe a atuação ex officio do juiz. (...) No contempt direto, o desacato se dá na presença do tribunal. Caracteriza esta espécie, portanto, seu inequívoco caráter imediato e o lugar da infração. (...) Assim, representam casos de contempt direto: o falso testemunho; a recusa de responder à pergunta admitida pelo juiz; o distúrbio na sala de audiências. (...) Por sua vez, o contempt indireto, conquanto também obstrua ou desafie a autoridade judiciária, ocorre fora do Trial. Em geral, emprega-se o adjetivo indireto para os casos de desacato tácito, abrangendo todas as condutas possíveis, exceto a publicação de matérias na imprensa.[30]

Assim, contempt of court designa, em termos gerais, a recusa em acatar a ordem emitida por uma corte de justiça. Como consequência desse comportamento, o destinatário da ordem pode sofrer uma sanção pecuniária ou restritiva de liberdade, dependendo da gravidade do contempt, sempre com o intuito de constranger a parte a cumprir a determinação judicial.[31]

Sobre os modos de punição, no caso de “desacato à Corte”, asseverou Araken de Assis que:

No tocante à multa, avultam os poderes de discrição do juiz, que deve fixá-la de acordo com a gravidade da ofensa. Há duas espécies de multa: a condicional e a definitiva. No primeiro caso, exibirá nítido caráter coercitivo, induzindo o destinatário ao cumprimento da ordem judicial; no segundo, a nota repressiva predomina. (...) Finalidade análoga à da multa preside a prisão. Ela não visa a castigar o atingido, mas a compelir o desobediente ao cumprimento da ordem judicial, seja positiva, seja negativa. Explica, sugestivamente, John F. Dobbyn: o preso “is said to have the keys to the jail in his pocket”. Livra-se da prisão, por si próprio, comprometendo-se a atender à ordem judicial. Também apresenta caráter condicional a pena. Somente aplica-se, concretamente, no caso de descumprimento.[32]

Como fez a Alemanha e o Brasil, o Reino Unido (em 20 de agosto de 1976) e os Estados Unidos (em 8 de setembro de 1992), entre outros, também ratificaram o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966.

Dessa forma, a assinatura do Pacto, por si só não proíbe todo tipo de prisão civil, já que seria diametralmente oposto e contradiria totalmente a figura do Contempt of court, havendo, portanto, harmonia entre o Pacto e o instituto aqui estudado.

2.2. Constitucionalidade da Prisão Civil no ordenamento brasileiro

Em regra, a doutrina pátria entende impossível a utilização da prisão civil como meio de coerção, invocando para tanto a norma constitucional prevista no art. 5º, inciso LXVII da Constituição Federal, que preceitua que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Ressalvadas as duas situações expressamente previstas no texto, entende-se como inaplicável o uso da prisão civil na forma coercitiva.

Ao lado da discussão da prisão civil, há, também, a tendência da doutrina e da jurisprudência a recorrer à prisão criminal, uma vez que o desatendimento à ordem judicial pode ser considerado como crime de desobediência (art. 330), ou prevaricação (art. 319), ou ainda, resistência (art. 329, todos do Código Penal), ou mesmo outro tipo penal específico (v.g., o tipo penal do art. 10, da Lei n. 7.347/85).

A opinião desta corrente vem bem resumida por Eduardo Talamini em análise sobre o tema[33], o qual, referindo-se à Convenção de São José da Costa Rica (que culminou em Tratado com mesmo nome, assinado pelo Brasil, nota-se, sem ressalvas) assevera que tal normatização, ao ser incorporada ao ordenamento brasileiro limita a possibilidade de prisão civil ao caso da dívida alimentícia, única e exclusivamente:

a norma do Pacto de San José apenas amplia o âmbito de incidência dessa garantia: agora, veda-se a prisão civil em todos os casos, menos em um (o do devedor de alimentos). A nova regra, portanto, não afronta a garantia que consta do inc. LXVII do art. 5º da Constituição. Veicula, tão somente, reforço ao rol constitucional de direitos e garantias fundamentais.[34]

Pode-se citar, ainda, como defensores desta opinião importantes doutrinadores civilistas, tais como, Vicente Greco Filho, Humberto Theodoro Júnior e, mais modernamente, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, para quem:

(...) a regra geral é a proclamação da garantia constitucional, que é a impossibilidade de prisão por dívida civil. As duas permissões de prisão civil são, nitidamente, excepcionais e, como tais, exigem interpretação restritiva. Não cabe, pois, qualquer interpretação ampliativa para admitir prisões civis não previstas expressamente no Texto Constitucional. [35]

Entretanto, em sentido contrário, várias são as vozes divergentes, que acreditam na possibilidade de utilização da prisão civil como forma de coerção[36].

Para tanto, vários são os argumentos à favor da prisão coercitiva.

Inicialmente, consta observar a falibilidade do argumento que veda a prisão civil como técnica coercitiva, aduzindo para tanto que o próprio ordenamento criminal já consta reprimendas àqueles que desobedecem uma ordem judicial.

Nas palavras sempre abalizadas de Araken de Assis:

(...) o crime de desobediência (art. 330 do CPB) equipara-se ao contempt of court criminal. Porém, distingue-se do seu modelo em ponto capital: não visa a induzir ao cumprimento, senão de modo indireto e longínquo, mas a reprimir a lesão a determinado bem jurídico. Em última análise, exibe “valor simbólico na confirmação da autoridade judicial na solução daquele tipo de pendência”. Apesar das vozes que estimam caracterizado semelhante delito, em tese, a exemplo de Cândido Rangel Dinamarco, a rigor isto não acontece, tratando-se de servidor público. É preciso ter em mente, neste delicado e controvertido assunto, o princípio estrita legalidade (art. 5.°, XXXIX, da CF/88 e art. 1.° do CPB). Em matéria penal, diferentemente do que sucede nos domínios civis, pouco espaço há para conceitos jurídicos indeterminados e interpretações por analogia. Sob tal perspectiva rigorosa, o tipo penal do art. 330 do CPB não favorece, absolutamente, a introdução definitiva do contempt of court.[37]

Assim, numa interpretação literal da norma constitucional insculpida no inciso LXI do artigo 5º, quando diz que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente", estabelece que o juiz civil não ostenta competência para ordenar a prisão em virtude de hipotético crime de desobediência, já que, logicamente, apuração de crime não é competência de juiz cível.[38]

Em tal hipótese, ou seja, no caso de desobediência à ordem legal de juiz cível, fundado no art. 40 do CPP, deve o juiz ofendido na sua jurisdição requisitar ao Ministério Público o início da ação penal.

De outra monta, os artigos acima citados (330, 319 e 329 todos do CPB) situam-se no Título XI, Capítulo II da Parte Especial do Códex penal, contemplando os crimes praticados por particulares contra a Administração Pública. Neste sentido arremata Araken de Assis:

(...) Somente através de forçada e artificial extensão, no fundo, se pode incluir a autoridade judiciária no âmbito da “Administração”. (...) O capítulo dos “crimes contra a administração da justiça” é outro e não tipifica a desobediência genérica. Daí a opinião de Bento de Faria, excluindo do tipo determinações “cujo cumprimento é especialmente assegurado por sanções de natureza civil”, a exemplo do “não cumprimento de sentenças ou decisões judiciais obrigado a satisfação de obrigações contratuais ou legais, incidentes, exclusivamente, sobre o patrimônio do devedor”.[39]

Não obstante tais argumentos, olvida-se argumentar a fragilidade coercitiva encontrada na sanção penal pelos crimes acima.

Nesse sentido, encontra-se guarida nos argumentos de Sérgio Arenhart, quando afirma que:

(...) a prisão criminal em tais casos [crime de desobediência, prevaricação ou resistência] pode ter diminuto efeito intimidatório, especialmente se consideradas as características do sistema penal nacional e a forma de imposição desta sanção no regime brasileiro. Inicialmente, é preciso lembrar que a sanção criminal (como meio coercitivo) somente tem efeito antes de sua imposição, já que, uma vez violada a ordem, deve a sanção ser efetivada, sem que se possa retirá-la em vista do ulterior cumprimento da determinação pela parte. Assim, se a parte já descumpriu a ordem judicial, a prisão de cunho criminal perde totalmente sua condição coercitiva, passando a assumir caráter exclusivamente punitivo (já que a pessoa deve sofrer a prisão, pelo prazo estipulado pela lei penal, ainda que venha ulteriormente a cumprir o comando judicial, ou a repor as coisas em seu estado anterior).[40]

Ademais, é certo que ninguém é preso em flagrante por estes crimes, basta visualizar que para a pena tipificada (no máximo 2 anos no caso de resistência, art. 329 do CPB) e o caráter dos crimes (sem violência), são aplicáveis as normas atinentes aos crimes de menor potencial ofensivo, os quais garantem que se o réu comprometer-se a comparecer à audiência, por termo nos autos, não poderá ele ser preso em flagrante[41], retirando muito de sua força coercitiva.

Igualmente, mesmo se, ad argumentandum, houver a possibilidade de prisão em flagrante, não é concebível a manutenção desta prisão, haja vista o teor do parágrafo único do artigo 310 do CPP, onde se lê que não se deve manter a prisão em flagrante nos casos em que não se decretaria a prisão preventiva (art. 312). Esta, por sua vez, só é admitida para a proteção da ordem pública, da ordem econômica, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Ora, dificilmente será possível enquadrar a situação daquele que deixa de obedecer ao comando judicial em um destes casos [do art. 312 do CPP], de modo que é praticamente nula a possibilidade de se manter a prisão em flagrante acaso realizada.[42]

Ainda, entende-se ilegal a ameaça, posta por juízo cível, de prisão em flagrante para o caso de descumprimento da ordem judicial.[43]

Por fim, utilizando-se da maestria que lhe é peculiar, conclui Sérgio Arenhart que,

(...) dificilmente se haverá de usar com sucesso esta técnica como meio coercitivo adequado. Ainda que a ameaça de punição criminal se mantenha pelo estigma que carrega e pelo componente negativo que gera no senso comum, é certo que sua eficácia a isto se limita, havendo meios muito mais eficazes de obter o cumprimento das decisões judiciais. [44]

Assim, frágil que é a coercitividade da prisão criminal como técnica coercitiva, vê-se que é possível a prisão decretada por juiz cível, de forma coercitiva, já que, diferentemente da criminal que tem conteúdo repressivo e preventivo (visando persuadir nos outros a possibilidade de vir a sofrer a mesma sanção, caso tenha a mesma atitude), sua função seria estritamente coercitiva, orientada apenas à obtenção da prática (ou abstenção) ordenada pelo juiz, sem nenhum conteúdo punitivo, ou seja, com nítido caráter de convencimento.

Para visualizar a possibilidade desta forma de técnica coercitiva, é necessário atentar-se para algumas interpretações do texto constitucional.

Inicialmente, é fato que, numa interpretação literal da norma constitucional[45], a mesma não proíbe toda e qualquer forma de prisão civil. Na realidade, o texto constitucional que proíbe a prisão civil, é claro ao afirmar que é proibida a prisão por dívida, ou seja, a expressão “por dívida” qualifica o termo prisão civil, não sendo plausível estender um sentido que a própria norma não expande, não sendo a esta hipótese equiparável toda forma de prisão civil.

Nas palavras de Arenhart, “uma coisa seria vedar a prisão civil por dívida pecuniária; outra, totalmente diversa, seria inviabilizar a prisão como meio coercitivo, imposto ao réu que se recusa a cumprir determinação judicial.”[46]

Assim, não seria lógico deixar de perceber a locução “por dívida”, entretanto, da mesma forma, seria ilógico desconsiderar tal verbete, entendendo-se que a Constituição está tratando de toda forma de prisão civil, quando é claro e evidente a ligação desta a certas situações, que o constituinte resolveu ligar à ideia de “dívida”.

E assim foi em todos os ordenamentos jurídicos utilizados em nosso país durante os séculos, não sendo tal restrição inovação da Constituição de 1988.

Vejamos:

Já nas Ordenações Afonsinas o direito luso-brasileiro trata da prisão civil por dívidas civis (Livro IV, Título LXVII), autorizando-a até o pagamento da dívida; prescrevia a regra que a prisão deveria ser evitada se o devedor tivesse como pagar (“se tever per honde pagar”), ressalvada a hipótese de má-fé, estipulando ainda que, em caso de ausência de malícia, não deveria o juiz decretar a prisão civil senão após a condenação do réu por sentença transitada em julgado. Semelhantes previsões foram inseridas nas Ordenações Manuelinas (Livro IV, Título LII) e nas Filipinas (Livro IV, Título LXXVI). Em todos estes preceitos, vê-se a preocupação em proibir-se a prisão por dívidas quando não houvesse malícia no inadimplemento (salvo após sentença transitada em julgado); após a sentença, dever-se-ia iniciar pela execução sobre o patrimônio do executado, mas em não havendo patrimônio, seria admissível a prisão do devedor até o pagamento da dívida.[47]

Assim, numa interpretação histórica do preceito constitucional, verifica-se que a intenção sempre foi a de disciplinar não a prisão civil em geral, mas apenas a prisão por dívidas. Quanto à prisão para outros fins, não havia nenhuma limitação.

Portanto, qualquer óbice encontra-se na definição da palavra “dívida”.

Segundo Arenhart,

a menção, no texto constitucional, da palavra “dívida” deve ter algum significado; não se pode simplesmente esquecer a sua presença no texto constitucional, a pretexto de garantir o cidadão contra prisões indevidas. (...).[48]

Dessa forma, na interpretação da vedação constitucional com a palavra ‘dívida’, deve-se entender o sentido de que aquela prisão em que tenha dispêndio de patrimônio, não a que visa o sujeito a cumprir uma determinação judicial concernente à proteção de um direito fundamental.

Neste sentido é a lição de Marinoni, quando afirma que a norma que limita a prisão civil

(...) deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar – quando a multa e as medidas de execução se mostrarem inadequadas – a violação de um direito, já que de outra maneira os próprios direitos ficarão desprovidos de tutela, e assim o ordenamento, exatamente na parte que consagra direitos invioláveis e fundamentais, assumirá a configuração de mera retórica, e desta forma sequer poderá ser chamado de ‘ordenamento jurídico’.

(...)

A prisão pode ser utilizada como mecanismo de execução destinado a convencer o demandado a cumprir decisões que imponham o cumprimento de um dever de não fazer (por exemplo, de não poluir um rio), ou o cumprimento de um dever de fazer (por exemplo, praticar um ato imprescindível à tutela de um direito da personalidade), que não exijam a disposição de dinheiro ou de qualquer forma de patrimônio.[49]

Não fosse assim, seria difícil de justificar o uso da prisão civil na Alemanha e nos países do sistema do common law que, como visto, apresentam em sua legislação a mesma restrição existente no Brasil[50].

Ainda é importante a considerar a ponderação entre os direitos fundamentais.

Conforme o visto no capítulo antecedente, o direito à efetividade do processo e consequentemente da decisão judicial é garantia fundamental de um Estado Democrático de Direito, onde o Estado faz a vez dos próprios cidadãos para garantir o bem estar comum.

O direito de acesso à justiça não se encontra apenas no direito de “ir à Lei”, mas também de ver satisfeito seu direito.

Dessa forma, deve-se inicialmente considerar que nenhum direito fundamental é absoluto, nem mesmo a vida, conforme se depreende do art. 5º, inciso XLVII, o qual aduz que: “(...) não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;”[51].

Nesse intento, é coerente a interpretação segundo a qual a liberdade não é um direito absoluto sobre os demais e que se encontra no mesmo nível de garantia que o direito de acesso à justiça, devendo-se considerar a proporcionalidade entre tais direitos na resolução do caso concreto. Nesse sentido as palavras de Sérgio Arenhart, o qual afirma que:

Por se estar diante de uma colisão de direitos fundamentais, não se pode dar a nenhum deles, a priori, valor absoluto, o que faz admitir que, em certos casos, e apenas diante do caso concreto, a regra do art. 5o, LVII, mencionada, deverá “ceder” espaço para outra regra de direito fundamental que, através do critério da proporcionalidade, mereça “prevalecer” [52]

Para Marcelo Lima Guerra, em obra sobre os direitos fundamentais na execução, o uso da :

(...) prisão civil é capaz de favorecer a realização de outros direitos fundamentais, o que consiste em forte argumento em favor da ‘tese ampliativa’. Assim, como medida coercitiva de eficácia comprovada, a prisão civil favorece, desde logo, o direito fundamental à tutela executiva. Além disso, se a própria situação material – vale dizer, o crédito a ser satisfeito in executivis – também consistir na expressão subjetiva de algum direito fundamental, como por exemplo, a proteção ao meio ambiente, à saúde, à privacidade, à integridade física e à própria vida do credor, esses outros valores reforçam a defesa, sempre na perspectiva do caso concreto, do uso de prisão civil.[53]

Não se deve olvidar que a garantia fundamental insculpida no inciso LVII da Constituição Federal visa, também, à proteção ao direito de liberdade, mas, não se pode esquecer que a efetividade da jurisdição ou efetiva prestação jurisdicional, também é um direito fundamental e tem que ser, da mesma forma, arduamente defendida, sob pena de desmoralizar um dos Poderes da República.

Portanto, numa interpretação sistemática da Constituição[54], um direito não pode se sobrepor ao outro, devendo-se harmonizar o todo, buscando sempre a valorização do ser humano e a guarda do Estado Democrático de Direito.

Ainda na defesa da constitucionalidade da prisão civil como técnica coercitiva, assevera Sérgio Arenhart que:

(...) encontra apoio [ainda] na regra do art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, no que toca à garantia de um provimento jurisdicional útil. Isto porque, em tese, pode haver situações em que a única forma de se obter provimento jurisdicional capaz de ser eficaz no caso concreto será contando com a colaboração do réu (sujeito a uma ordem judicial);

Nesse sentido já há muito lecionava Calmon de Passos que:

(...) eventualmente, as medidas de coerção indireta consistentes em multas coercitivas, conquanto úteis, poderiam revelar-se insuficientes ou insatisfatórios em certos casos, pois ou redundam em execução por quantia certa, se resiste o devedor, ou se corre o risco daquela prestação desqualificada pela violência feita à vontade do devedor (psicológica), no campo das obrigações personalíssimas, ditas infungíveis.[55]

Dessa forma, há de ser o processo também útil para realizar a efetiva prestação jurisdicional, pois muitos são os casos em que as medidas coercitivas tradicionais, notadamente a multa, não são úteis para a plena realização da tutela.

Assim, a Constituição Federal garante não só a efetividade do processo como também a segurança jurídica, trazendo aos sujeitos a certeza de que o direito será apreciado e que essa decisão será exigível[56], redundando, em última análise, na plena realização do ser humano e no respeito ao Estado Democrático em que vivemos.

Vale aqui destacar as palavras do Desembargador gaúcho Adão Sérgio do Nascimento:

se as ordens judiciais não forem imperativas e se não houver sanção para o seu descumprimento não haverá mais necessidade nem de sua concessão e nem mais de Judiciário, pois de nada mais adiantaria ao cidadão, que teve seus direitos feridos, recorrer à Justiça, uma vez que as ordens judiciárias não passariam de ‘conselhos’ ou ‘recomendações’ de um juiz sem qualquer autoridade, de um Judiciário falido e de um Estado Democrático de Direito absolutamente inane. Em tais circunstâncias, melhor que se extermine o Judiciário e se deixe que Executivo e Legislativo resolvam sobre todo e qualquer direito e reclamo dos cidadãos. Mas enquanto o Brasil for uma República (arts. 1º e 3º, da CF), enquanto houver tripartição de Poderes (arts. 1º e 2º, da CF), enquanto houver Judiciário e enquanto houver juízes, as decisões judiciais têm de ser cumpridas, mesmo que para isso seja necessário a prisão ‘incontinenti’ dos responsáveis.[57]

Ademais, conforme a lição de Luiz Guilherme Marinoni, “em uma interpretação realmente atenta aos direitos fundamentais, não há como enxergar apenas o que há de negativo na utilização da prisão (...)” [58]

Encarada a prisão como um importante meio de concretização do direito fundamental à tutela efetiva e não apenas como uma odiosa lesão ao direito de liberdade, uma exegese que restrinja a vedação do LXVII do art. 5º da CF aos casos de prisão por dívida em sentido estrito preserva substancialmente a garantia que essa vedação representa, sem eliminar totalmente as possibilidades de se empregar a prisão civil como medida coercitiva para assegurar a prestação efetiva da tutela jurisdicional. [59]

Portanto, seja com uma interpretação literal da norma do inciso LVII (que expressamente veda tão somente a prisão civil por dívida), seja com a análise histórica (onde o ordenamento jurídico brasileiro sempre vedou, apenas, a prisão por dívida) ou mesmo com uma interpretação sistemática das garantias fundamentais (principalmente no afastamento da crendice no absolutismo de certos direitos fundamentais e na ponderação entre garantias fundamentais de igual importância), é plenamente aceitável e constitucional a utilização da prisão civil como forma de coerção, claro, em certas situações e dependendo do caso concreto.

2.3. Possibilidades

Precedida a análise que redundou na constitucionalidade da utilização da prisão civil como técnica coercitiva, agora é momento de verificar em quais oportunidades poderia ser utilizada, ou mesmo em quais já o são, lógico, verificando o caso concreto, ponderando quais os melhores meios para tal e sempre com um olhar na dignidade da pessoa humana.

2.3.1. A tutela executiva nos artigos 461 e 461-A do CPC

Durante muito tempo entendeu-se que a vontade humana era intangível, a liberdade do executado era garantida frente à possibilidade de arbítrio do Estado.

Nesse intento, a doutrina do Estado Liberal outorgou o mínimo de poder ao juiz nas execuções, primando a forma em detrimento do fundo.

Tal entendimento deu origem ao principio da tipicidade dos meios executivos, o qual definia que a execução se daria expressamente pelos meios tipificados na legislação, não podendo o Juiz utilizar de qualquer liberdade para determinar outro meio executivo; não sendo possível o perfeito adimplemento da coisa, valia-se então da tutela ressarcitória, ou seja, finalizava-se a ação em perdas e danos.

Entretanto, com a supressão do pensamento de que se devia defender o cidadão contra o Estado, passando a entender o mesmo Estado como aquele responsável por zelar pela proteção dos direitos destes cidadãos e, diante das enormes dificuldades encontradas pelo Poder Judiciário em ver efetivadas suas decisões, fraudando princípios constitucionais, o legislador pátrio passou a modificar o seu pensamento, rompendo com o engessamento do poder executivo do juiz, dando-lhe mobilidade para prestar a tutela efetiva aos direitos.

Neste ensejo foi que a Lei nº 8.952, de 13.12.1994, introduziu no Código de Processo Civil Brasileiro a tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa através da nova redação dada aos artigos 461 e 461-A.

Ainda no contexto, importante modificação inserida nas execuções de sentença, foram as veiculadas pela Lei nº 11.232 de 2005, na qual deu cabo do moroso regime anterior, onde o processo de conhecimento (que exauria uma sentença, seja condenatória ou mandamental) necessitava de outra ação, independente, em que haveria a execução daquela mesma sentença.

O art. 475-I do CPC, introduzido pela Lei 11.232/05, ainda dentro do Título reservado ao processo de conhecimento (Título VIII), afirma expressamente que o cumprimento da sentença deve ser feito com fundamento nos arts. 461 e 461-A, quanto às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa e no art. 475-J e seguintes, quando a condenação for ao pagamento de pecúnia, soterrando o antigo regime: processo de conhecimento + processo de execução.

Comentando tais modificações, explica Marinoni que,

O processo de conhecimento, instaurado para verificar com quem está a razão diante do litígio, não mais termina com a sentença que fica na dependência da execução. Agora, o processo de conhecimento prossegue até que a tutela do direito almejada seja prestada, mediante a atividade executiva necessária. Isto porque o processo, ainda que vocacionado à descoberta da existência do direito afirmado, destina-se a prestar tutela jurisdicional à parte que tem razão, o que não acontece quando se profere sentença de procedência dependente de execução.[60]

Assim, atualmente, o juiz está obrigado a conceder a tutela específica da obrigação[61], ainda na sentença, sem entretanto, ficar adstrito às formas pré-estabelecidas pelo legislador, determinado, para tanto, providências concretas que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, sem necessidade de um novo processo.

A conversão em perdas e danos somente se dará se for requerida pelo autor, ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente, e tal providência será dada sem prejuízo da multa.

Portanto, verifica-se que a vontade do legislador é ver adimplida a obrigação, ou seja, a coisa conforme a vontade do sujeito de direitos, não outra, deixando para segundo plano a tutela ressarcitória pelo equivalente.

No mesmo sentido é o escólio de Castro, quando afirma que

(...) se percebe é que o legislador, no novo texto dado ao artigo 461, visou assegurar ao credor um julgamento que lhe propiciasse, na medida do possível, a prestação in natura, e ainda, no âmbito do processo de conhecimento, obter medidas de tutela diferenciada, que, diante das particularidades do caso concreto pudessem reforçar a exequibilidade da prestação específica e, se necessário, abreviar o acesso à satisfação do direito material.[62]

Destarte, tais artigos nada mais são que a aplicação da orientação constitucional que prima pela efetividade das decisões judiciais e pelo acesso à justiça, contrapondo-se ao pensamento do Estado Liberal, onde os meios de execução eram numerus clausus, e que faziam com que o juiz se tornasse mero aplicador das tipificações exaradas pelo legislativo.

De acordo com o art. 461, a lei não definiu o meio executivo que deve ser utilizado, abrindo possibilidade para o autor do requerimento solicitar o que lhe for mais oportuno, e da mesma forma, não restringindo o juiz àqueles meios, autorizando-o a determinar a medida executiva que reputar idônea:

Art. 461. (...)

5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

Nessa liberdade dada ao juiz é que se encontra a autorização legal para a utilização da prisão civil como técnica coercitiva.

Para entender melhor o porquê da possibilidade da prisão coercitiva, é necessário entender a nova conjuntura em que se encontra o ordenamento jurídico brasileiro.

Antes, notadamente no Estado Liberal, os ordenamentos jurídicos primavam pelo ideal de uma codificação fechada, onde o Direito a ser aplicado seria apenas aquele emanado do Legislativo, sem que se pudesse admitir qualquer interferência de valores na aplicação do direito.[63]

Tal tipo de ordenamento ficava inteiramente dependente do Poder Legislativo, na espera de que este pudesse, constantemente, editar novas leis, o que acarretava perda de eficácia social.

Entretanto, as recentes modificações constitucionais e infraconstitucionais, caminham na direção de um ordenamento baseado num sistema aberto, que, numa imprecisão de termos ou mesmo deliberada vagância, abriria a possibilidade para a modificabilidade do sistema sem necessidade de intermináveis interpelações do legislativo, contrapondo-se ao imobilismo da estrita tipicidade, característica dos sistemas fechados.

Assim, nesta imprecisão “pensada” do legislador infraconstitucional, ao tratar do art. 461 do CPC, utilizando de termos como: “determinará providências que assegurem”, “tais como”, “meios necessários”, etc., é que fica a possibilidade de utilizar a prisão civil como forma de coerção.

Como anteriormente dito, não se deve restringir um direito fundamental, mas, maximizá-lo para garanti-lo. Dessa forma é que tem que ser entendida a utilização da prisão civil, garantir o direito à efetividade da jurisdição e do acesso à justiça no aspecto material, qual seja, ver o sujeito de direito que sua contenda foi devidamente respondida e efetivamente prestada.

Para corroborar o entendimento, salutar as palavras de Marinoni,

A autorização legal para o uso da prisão como meio de execução está no art. 461, §5º, do Código de Processo Civil e no art. 84, §5º, do Código de Defesa do Consumidor. Tais normas conferem ao juiz o poder para utilizar o meio executivo ‘necessário’ a cada caso conflitivo concreto. Tais normas são claras em autorizar o uso do meio executivo não expressamente tipificado na lei, permitindo que o juiz identifique o meio de execução ‘necessário’, justificando a oportunidade para a sua utilização diante das particularidades do caso concreto e da insuficiência das demais modalidades de execução para dar efetividade à decisão.[64]

Ainda, segundo Alexandre de Freitas Câmara,

(...) pode o juiz, com o fim de assegurar a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, ou o resultado prático equivalente, determinar a prisão do devedor que se recusa a cumprir a prestação? Pensamos que sim. Tal previsão é possível e deve ser determinada quando imprescindível para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional. Note-se que a vedação constitucional é de prisão por dívida e não de prisão por descumprimento de ordem judicial. Tal restrição de liberdade, todavia, por ser excepcional, deverá ser determinada apenas em casos extremos. O §5º do artigo 461 do CPC implica a adoção de um remédio jurídico de natureza assemelhada à injuction do sistema da commom law e da ação inibitória do direito italiano.[65]

Deste modo, quando estiver o Poder Judiciário frente a um debate envolvendo uma prestação de fazer, não fazer ou entrega de coisa[66], verificando que os meios inicialmente utilizados (multa, busca e apreensão, etc.) para fazer o devedor cumprir sua obrigação (e no fundo ver garantido um direito fundamental) não obtiveram resultado, mas que ainda há possibilidade de cumpri-la (por exemplo, ainda ser faticamente possível), pode-se utilizar a prisão como forma de convencimento para que o devedor cumpra sua obrigação anteriormente pactuada e já sentenciada pelo juiz.

Mas, ainda com Marinoni, uma ressalva deve ser feita,

O juiz somente poderá se valer da prisão quando estiver em condições de justificar a impossibilidade de efetivação da tutela, mediante o emprego da multa ou de qualquer outro meio executivo. Nestes casos, por existir ‘necessidade’ do uso da prisão, será possível concluir que o seu uso constitui medida necessária para que a tutela jurisdicional possa alcançar efetividade.[67]

Dessa forma, se um sujeito é contratado para realizar a construção de um muro, o Poder Judiciário deve primar pela efetiva construção, coagindo o devedor – se houver recusa – a cumprir o contratado, utilizando-se até mesmo da possibilidade de prisão, ponderada a necessidade e a adequação da medida; deixando para último caso, se não puder de outra forma ser construído o muro, a utilização da tutela ressarcitória em espécie, ou seja, despender em perdas e danos.

2.3.2. Artigo 14 do Código de Processo Civil – Ato atentatório à dignidade da Justiça

Assim dispõe o artigo 14 do CPC:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (Redação dada pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001)

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II - proceder com lealdade e boa-fé;

III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;

IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.

V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.(Incluído pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001)

Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. (Incluído pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001)

Verifica-se, abertamente, que o inciso V do citado artigo é exemplo de medida coercitiva típica do instituto do contempt of court anglo-saxônico (e o parágrafo único explicita isso).

Conforme o anteriormente visto, a figura do contempt of court decorre da necessidade de manter-se a ordem, atribuindo-se ao juiz poderes para exigir e impor suas determinações, decorrentes do poder de resolução dos conflitos que lhe confiou a Constituição.

É certo, porém, que no caso, estamos tratando do descumprimento de decisões mandamentais, que apresentam não uma simples condenação, mas expressam sim o próprio poder de imperium, buscando, assegurar a execução in natura das sentenças.

Assim explica José Baptista Puoli,

Nas ações mandamentais a atividade jurisdicional está direcionada à emissão de uma ordem determinando que o próprio destinatário pratique o ato ordenado, sob pena da incidência de elementos coercitivos diretos que poderão ter consequência sobre a própria pessoa do destinatário da ordem.[68]

Igualmente, aplicável à espécie, o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional não somente possibilita o acesso à justiça, mas também assegura a garantia efetiva contra qualquer forma de negativa à tutela pretendida.

Assim, ante o descumprimento de ordem mandamental oriunda da autoridade judicial, diretamente atingida temos a parte que não tem seu direito assegurado e resguardado pelo processo, sendo esta a grande prejudicada pelo imobilismo da outra parte, que não cumpre a determinação judicial e, indiretamente, temos o próprio Estado que, diante das sem número de decisões não cumpridas gera efeito contrário àquele que deveria produzir: pacificação social, vedação da autotutela, respeito à dignidade da pessoa humana, produção de decisões justas e úteis, respeito aos direitos e garantias fundamentais, etc.

Nesse sentido, segundo Donald Armelin:

(...) urge dotar o Judiciário de instrumentos processuais que, através da coação indireta, inclusive pertinente à restrição da liberdade individual, permitam alcançar a garantia de uma tutela jurisdicional satisfativa plena e exaustiva. (...) Vários Estados democráticos preveem medidas desta natureza que não podem, por si mesmas, ser caracterizadas como de execução ou ditatoriais. A figura do contempt of court do direito anglo-saxônico está ai para demonstrar como a sanção indireta por descumprimento de ordem judicial pode ensejar a perda da liberdade, quando isto faz mister. [69]

E foi com esse objetivo que o legislador infraconstitucional, ao aprovar a Lei nº 10.358, de 27 de dezembro de 2001, alterou o artigo 14 do Código de Processo Civil, prevendo a possibilidade de aplicação da multa, não só para as partes, mas também para "todos aqueles que de qualquer forma participam do processo" e que eventualmente venham a descumpri-los ou criar embaraços à sua efetivação.

Entretanto, ocorre que, em termos práticos, a aplicação dessa sanção não vem alcançando os resultados pretendidos. Em primeiro lugar, porque ela está limitada a 20% do valor da causa, tornando-se supérflua nas causas de pequeno valor, ou revelando poder coercitivo duvidoso, quando o destinatário da ordem é um devedor contumaz ou insolvente. Em segundo lugar, porque a multa será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado, e é sabido que a Fazenda Pública não executa dívidas de pequeno valor, pois o custo do processo não compensa[70].

Nesse sentido, portanto, como forma de punir um ato atentatório à dignidade da justiça, no caso, o descumprimento imotivado de uma decisão judicial, é possível a aplicação, subsidiária, da prisão decretada pelo juízo cível, e assim é defendido porque, conforme o anteriormente dito, é preciso interpretar a prisão como forma de concretização do direito fundamental à tutela efetiva, e não apenas como uma odiosa lesão ao direito de liberdade, já que, “se o juiz recebe o poder/dever de entregar a tutela jurisdicional deve receber também os meios necessários para tanto.”[71]

Pensando dessa mesma forma, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) criou uma proposta de modificação legislativa ao artigo 14 do CPC – novamente - , visando "formular proposições que aprimorem e agilizem a prestação jurisdicional", conforme consta de sua exposição de motivos.

A apresentação ao Legislativo coube ao Senador gaúcho Pedro Simon, recebendo o número de ordem 132/2004, cuja justificativa oficial é transcrição literal daquela feita pela AMB.

Assim, justifica-se a apresentação deste projeto,

a fim de alcançar o resultado pretendido pelo legislador e para dar maior eficácia à prestação jurisdicional, mormente no que diz respeito aos provimentos de natureza mandamental, sugerimos a cominação de prisão como sanção para o seu descumprimento. E vale lembrar que não há incompatibilidade com a ordem constitucional vigente.[72]

De acordo com o Projeto, caso a multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição seja ineficaz ou na hipótese de renitência da parte, sem prejuízo da cobrança da multa, o juiz poderia decretar a prisão do litigante desleal pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, garantida a ampla defesa por meio da apresentação de justificativa. Faculta-se ainda à parte ou ao terceiro, caso o ato a ser praticado seja personalíssimo, seja ele colocado em liberdade pelo prazo necessário para o cumprimento do provimento, hipótese em que seria imediatamente revogada a ordem de prisão.

Em análise na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o Projeto foi aprovado pelo Relator, o Senador goiano Demóstenes Torres, constando apenas algumas emendas de cunho redacional, concluindo o Senador:

Estou, pois, seguro de que as medidas propostas no PLS nº 132, de 2004 são incontestavelmente louváveis em seu mérito, porquanto guarnecem o ordenamento processual civil dos efetivos instrumentos de cumprimento das decisões judiciais de que tanto necessita. Consoante afirma Ada Pellegrini Grinover, é “inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha o condão de fazer valer os seus julgados”, acrescentando, judiciosamente, que “nenhuma utilidade teriam as decisões, sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos de força ao Judiciário é o mesmo que negar sua existência”.

Assim, mesmo que não havendo, ainda, a aprovação e promulgação da modificação acima, é explícito que a aplicação da prisão civil pelo descumprimento de ordem judicial é plenamente possível, já que, conforme o visto, primeiramente, não é proibida pelo ordenamento jurídico e, pode-se afirmar, é consectário lógico para a defesa deste mesmo ordenamento, do acesso pleno à justiça e para que as decisões judiciais sejam efetivas.

Conclui-se, portanto, que sem respeito às decisões judiciais, não há Justiça.

2.3.3. O caso do artigo 885 do CPC

A Seção XIV do Código de Processo Civil, que engloba os artigos 882 a 887, cuida do protesto e da apreensão de títulos.

Tal assunto restou regulado pelo Código de Processo Civil atual da mesma forma que ocorria no diploma anterior (de 1939), muito embora seja instituto de direito mercantil. “Na verdade, a escolha do legislador pode ser justificada pela possibilidade do magistrado intervir em caso de dúvida do oficial de protesto de títulos, dificuldades à tomada do protesto ou à entrega do respectivo instrumento.”[73]

De qualquer forma, o protesto tal como colocado na matéria estudada é medida que se situa na esfera do direito comercial, regulado por leis próprias, em que a intervenção do juiz se dá excepcionalmente.

Trata-se de procedimento administrativo extrajudicial, em que ocorre a documentação formal da apresentação do título ao devedor, independentemente de intervenção de advogado, com objetivo de assegurar o exercício de certos direitos mercantis.[74]

Além de documentar o exercício do direito consubstanciado no título, o protesto tem a finalidade de caracterizar a falta de pagamento, cujo efeito varia segundo o título protestado e respectiva lei regulamentar. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, o protesto possibilita a comprovação da

falta de pagamento ou aceite, total ou parcial, e, assim, assegurar o exercício dos direitos cambiários regressivos contra coobrigados, ou do direito de ajuizar o pedido de falência do devedor comerciante (protesto necessário), ou, ainda, apenas para obter prova especial e solene da ocorrência (protesto facultativo).[75]

Contudo, na leitura do art. 885 do Códex Processual Civil, percebe-se um determinado facere do devedor, o qual terá de restituir ao credor o título executivo, quando aquele o receber para aceite ou para efetuar o pagamento:

Art. 885. O juiz poderá ordenar a apreensão de título não restituído ou sonegado pelo emitente, sacado ou aceitante; mas só decretará a prisão de quem o recebeu para firmar aceite ou efetuar pagamento, se o portador provar, com justificação ou por documento, a entrega do título e a recusa de devolução.

Parágrafo único. O juiz mandará processar de plano o pedido, ouvirá depoimentos se for necessário e, estando provada a alegação, ordenará a prisão.

Assim, não cumprindo o dever legal de restituição, nasce para o credor o direito de recuperar o título indevidamente retido, podendo até mesmo chegar-se a utilizar-se da prisão.

A legitimidade do uso da prisão é clara, já que se trata de meio coercitivo para a entrega do título cambiário, nesse sentido é a lição de Ovídio Baptista:

A prisão prevista pelo art. 885 não é punitiva, em sentido técnico, mas forma de coerção pessoal, a semelhança das astreintes, que têm por fim exercer pressão psicológica sobre a vontade do obrigado para fazê-lo espontaneamente cumprir a obrigação.[76]

O pedido de prisão será autuado em separado e decidido de plano (§ único do art. 885), realizando-se uma justificação prévia, se necessário, mas, em todo o caso, citar-se-á previamente o devedor antes do decreto de prisão, até para que ele possa exercer a faculdade de restituir o título, ou pagar o seu valor (art. 886, I).

(...) a decretação da prisão não pode ocorrer, de qualquer maneira, sem prévia citação do devedor, oportunizando-lhe a purgação da mora. Não se pode negar a instauração do contraditório, muito embora se deva atender o procedimento sumário previsto, por ser a medida disciplinada no Livro do Processo Cautelar (arts. 802 e 803).[77]

Dessa forma, fica nítido o caráter coercivo da prisão, já que, com a prévia citação do devedor, o mesmo fica ciente de que, se não devolver o título que foi entregue em suas mãos, o mesmo poderá ser preso por um prazo ponderado.

Neste sentido são os seguintes julgados, mutadis mutandis:

Prisão civil sonegação de título - duplicata - falta de aceite e não devolução - triplicata, instrumento de protesto e comprovante de entrega da mercadoria exibidos juntamente com a inicial - desnecessidade, portanto, de apreensão do titulo para o credor haver o crédito - extinção do processo - CPC, art. 885: exegese da Lei 5.474/68 - CF/69, art. 153 § 17 - CF/88, art. 5º, LXVII. "Se o sacador efetiva protesto por falta de aceite e extrai triplicata, com base em comprovante de entrega de mercadorias, reconhece a desnecessidade de qualquer providência mais drástica para haver seu crédito, razão pela qual o pedido de apreensão de duplicata sonegada e de prisão do sacado torna-se incabível por falta de legítimo interesse. (Apelação Cível 220.451 - Santo André - Apte: Moform - Indústria de Móveis Ltda -Apda. Casa de Móveis Neno Ltda - reI.: juiz Marzagão Barbuto – lº TACSP)

A possibilidade de extração de triplicata ou o protesto por indicação do portador não torna incompatível o decreto de prisão, pois o Código não distingue (nem o atual nem o ora revogado) entre os diversos títulos de crédito, inclusive a duplicata. (STF - HC 52.613 - SP - ReI.: min.. Djaci Falcão)

Em ambas as decisões se admitiu a prisão civil do devedor mercantil, porque depositário da duplicata, não a aceitou, nem a devolveu, não obstante o desfecho da primeira decisão colacionada ter sido desfavorável ao credor, mas não negando sua possibilidade.

Ademais, não se deve deixar de estranhar a recepção desse artigo 885 do Código de Processo Civil pela atual Constituição Federal, pois segundo previa a Carta de 1967, com a Emenda de 1969, no parágrafo 17 do art. 153, já citada, a prisão civil aqui elencada não seria pela dívida que originou o título, mas por não entregá-lo.

Nesse sentido asseverou Pontes de Miranda, ainda sob a égide da Constituição de 1967, tratando de norma igualmente descrita no Código de 1939:

Diz-se que a prisão, em tais espécies, é ato contrário à regra jurídica da Constituição, com a Emenda I, art. 153, § 17 [Cujo teor é parecido com o atual inciso LVII do artigo 5º da atual Constituição] (...). Uma coisa é a prisão civil por dívidas, multas ou custas, e a outra pelo ato ou omissão do depositário infiel ou do responsável por inadimplemento de obrigação alimentar e, a fortiori, pela omissão de quem havia de entregar algum título ou devolvê-lo, o que é o caso do art. 885. Não foi por se deixar de pagar a dívida, multa ou custa, mas sim por ficar com o título ou não o devedor.[78]

Não obstante a argumentação pretérita, demonstra ainda mais o caráter civil-coercitivo da prisão, o fato de que no artigo 886, em seu inciso III, determine como fato interruptivo da prisão a demora no início da persecução penal, pontuando a independência entre as prisões do art. 885 e 886:

Art. 886. Cessará a prisão:

(...)

III - não sendo iniciada a ação penal dentro do prazo da lei;

Deste modo, é claro e evidente que não se trata de prisão civil por dívida, mas sim por haver o destinatário recebido o título para aceite ou pagamento negando-se não só ao aceite e ao pagamento mas também à devolução. Nítido caráter coercitivo.

2.3.4. No direito do Trabalho

Outro importante movimento em defesa do uso da prisão civil é aquele defendido pelos doutrinadores trabalhistas, no qual asseveram que o termo “obrigação alimentícia” inscrito no inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal, não se trata apenas de pensão alimentícia, próprio do direito civil, mas também para as verbas remuneratórias e rescisórias, próprias do Direito do Trabalho.

Como bem ensinam os mestres Orlando Gomes e Élson Gottschalk,

o salário do empregado, é, antes de tudo, destinado ao seu próprio sustento e ao da família. Com as energias despendidas no trabalho obtém os meios de subsistência, única fonte de renda e de manutenção a que pode aspirar. Daí, a proteção especial dispensada pela lei ao salário (...).[79]

E arremata Eduardo Milléo Baracat,

O descumprimento pelo empregador da obrigação de pagar salário é, sem dúvida, o que gera problemas sociais imediatos da maior gravidade, pois retira do empregado o único meio de que dispõe para sustento próprio e de sua família.

O caráter alimentar do salário, portanto, confere-lhe atributo de bem jurídico essencial, necessitando de proteção especial do ordenamento jurídico.

Mas não é só. O não pagamento de salário acarreta problemas imediatos também na esfera socioeconômica.

O sistema econômico brasileiro está sedimentado sobre o crédito. Isto é, somente tem acesso aos bens de consumo básicos, quem possui crédito junto aos agentes do mercado. O trabalhador que possui emprego adquire o status social de empregado, e, desse modo, tem acesso ao crédito, podendo adquirir bens de consumo para pagamento a prazo.

A ausência de pagamento de salários acarreta o inadimplemento pelo empregado das prestações contraídas no comércio, gerando efeitos em cadeia múltiplos que se sucedem de forma danosa também à economia, colocando em risco todo o sistema socioeconômico.

Com efeito, um dos efeitos do não recebimento do salário, é o de que o empregado torna-se inadimplente, pois não tem os meios para cumprir suas obrigações, e, por via de conseqüência, perde o crédito junto à praça, deixando de ter acesso a bens de consumo, muitas vezes básicos, ficando à margem do processo social. O trabalhador marginalizado passa a buscar a satisfação de suas necessidades básicas através de procedimentos ilícitos, como, por exemplo, o furto, o que gera, inevitavelmente, violência.

Inegável, por outro lado, que o empregado que não recebe salário, tem sua condição psíquica afetada, perdendo sua aptidão produtiva normal, o que causa redução, ao menos qualitativa, no processo produtivo e prejuízo à empresa.

As relações sociais do empregado nesta situação também se degradam, mormente em relação à família e aos colegas de trabalho, acarretando, não raro, efeitos sociais nefastos.

Percebe-se, sem sombra de dúvidas, desta breve análise, que o salário encontra-se dentre aqueles bens jurídicos que se violado acarreta profundo estremecimento na paz social.[80]

Assim, deixa-se flagrante o caráter alimentar do salário, sendo tal prestação imprescindível para a subsistência do empregado e da sua família.

Numa leitura apressada do citado inciso da Constituição, pode-se pensar que diria respeito somente às dívidas decorrentes de pensão alimentícia, mas nada autoriza essa interpretação restritiva, ainda mais se verificando que o valor social do trabalho e a proteção da dignidade humana foram erigidos a princípios fundamentais da República[81] e estes princípios são agredidos quando dívidas trabalhistas de natureza tipicamente alimentar, como é o salário, não são pagas por ato voluntário e inescusável.

Arrematando de vez qualquer dúvida quanto ao caráter alimentar dos salários, o parágrafo 1º-A do art. 100 da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 30 de 2000, ao tratar do regime de pagamento aos créditos a serem pagos pelas Fazendas Públicas, dá verdadeira norma interpretativa, afirmando que:

Art. 100. (...)

§1º-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

Não se está indicando que qualquer devedor de dívida trabalhista seja preso, pois a este ponto não vai o texto constitucional. Basta lê-lo com atenção. O que se está dizendo é que a norma constitucional não se limita à pensão alimentícia, mas vê-se claramente que outras verbas estão compreendidas no rol de dívidas passíveis de coerção de cumprimento por meio da prisão civil.

Assim também as verbas rescisórias do empregado, quando da quebra de vínculo empregatício e as verbas com natureza salarial indenizatória, são passíveis de cobrança mediante a utilização da prisão como modo coercitivo.

Com propriedade, afirma João Humberto Cesário que é

de se notar que mesmo algumas outras parcelas trabalhistas típicas, embora que revestidas de natureza indenizatória, tais como férias +1/3, aviso prévio indenizado e multa do art. 477 da CLT, acabam por adquirir inelutável caráter alimentar por ocasião da denúncia contratual, eis que imprescindíveis ao sustento do trabalhador no interregno compreendido entre a dispensa e a nova inserção mercadológica, cada dia mais complicada em virtude do dramático quadro de desemprego reinante em nosso país, oriundo da má condução da política econômica governamental.[82]

Desta forma, portanto, resta claro que o inadimplemento voluntário e inescusável de dívidas trabalhistas de natureza alimentar possibilita a prisão civil do devedor, como medida de coerção para o cumprimento de sua obrigação.

Entretanto, uma ressalva deve ser feita, a natureza da prisão, conforme o dito quando do estudo da constitucionalidade de tal tema, se refere ao cumprimento efetivo do direito, no caso, o direito à vida digna que o salário traz a uma pessoa.

Assim, numa ponderação de valores constitucionais, deve-se perquirir que se efetivando a prisão apenas depois de transitada em julgado a sentença que condene o empregador a pagar o crédito trabalhista do trabalhador é menosprezar o direito fundamental à vida, à dignidade humana e o acesso à Justiça.

Vale a pena ressaltar que o texto constitucional faz menção expressa ao devedor voluntário e inescusável e, por óbvio, a impossibilidade econômica do empregador (não disfarçada por atos fraudulentos) inviabiliza a medida. A não aplicação do dispositivo constitucional, sob o pretexto de se estar protegendo o direito a um processo contraditório, portanto, não tem sentido e serve somente para continuar protegendo aqueles que de forma voluntária e inescusável, levam pessoas e às vezes comunidades inteiras ao estado de necessidade alimentar, enquanto continuam passeando pelas ruas de carro importado e frequentando bons restaurantes.

Neste sentido, os juízes federais Jorge Luiz Souto Maior e Manoel Carlos Toledo Filho asseveram que

(...) Inúmeros são os casos em que reclamadas não pagam salários e verbas rescisórias de seus ex-empregados (os reclamantes) e depois mantêm-se, passiva e comodamente, aguardando o famoso “iter” processual (às vezes até postergando o andamento do feito com incidentes de natureza processual) e esta sua situação de tranqüilidade se consegue apenas oferecendo bens como garantia da dívida. A conseqüência disso é que o processo se torna benéfico para quem deve e maltrata aquele que é credor de uma dívida que é essencial à sua sobrevivência. Depois de enfrentados os recursos e, finalmente, consegue-se levar os bens à praça não raro a hasta pública resta negativa. Diante deste quadro, os credores, muitas vezes, pressionados pela necessidade, ou aceitam um acordo para receber menos do que têm direito (em parcelas a perder de vista) ou até acabam adjudicando o bem penhorado, o que confere ao processo um resultado que é até um prêmio para a reclamada, na medida em que se vê livre do cumprimento de dívidas tributárias quando o bem oferecido (não por descuido) encontra-se comprometido com enorme passivo fiscal.[83]

Dessa forma, a melhor interpretação possível e que coaduna com a possibilidade de prisão civil do devedor é aquela que prima pelo cumprimento efetivo da obrigação, com o devido pagamento dos haveres ao trabalhador, não bastando apenas a apresentação de bens que sirvam de garantia para adimplemento futuro. O processo não pode servir de prêmio ao devedor que, com a demora por ele pretendida e o desespero do trabalhador, consegue acordos judiciais que prejudicam sobremaneira o empregado, que necessita de tais verbas para o próprio sustento e o de sua família.

Entretanto, um ponto aflora desta discussão: e quanto à pessoa jurídica?

É verdade que na grande maioria das vezes, do lado oposto ao trabalhador encontra-se uma pessoa jurídica, entretanto este não é empecilho para a concretização do direito do empregado.

Inicialmente deve-se ter em mente que, se procedente tal argumento, miseráveis seriam as garantias fundamentais insculpidas na Constituição Federal, principalmente porque seria uma “armadura” para aqueles inescrupulosos que apenas aufeririam vantagens sobre os outros e não poderiam ser responsabilizados, utilizando-se do manto da pessoa jurídica.

Já visualizando tal perspectiva, o legislador infraconstitucional não se amedrontou diante do escudo de pessoa jurídica e defendeu sua despersonalização, ou seja, em determinados casos, a fim de defender direitos, a lei permite que a figura da Pessoa Jurídica seja desconsiderada para que aquelas pessoas físicas, responsáveis pela pessoa jurídica, sejam penalizadas por atos que concorreram utilizando-se da pessoa jurídica.

Nestes termos, verifique-se, a título de exemplo, os arts. 50 do Código Civil e 28 (principalmente) do Código de Defesa do consumidor:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Assim, não é proibido pelo ordenamento pátrio que se avance sobre os bens de uma pessoa física, mesmo que o ato ilícito tenha sido praticado em nome da pessoa jurídica.

Se numa situação menos dramática (não leia-se menos importante), como é o caso de descumprimento ao Código de Defesa do Consumidor, é possível a desconsideração da pessoa jurídica, por que, então, numa situação em que a própria existência da pessoa e sua dignidade estão em consideração, não se vislumbraria tal possibilidade?

A solução, portanto, é determinar, na fase de execução do julgado, a desconsideração da personalidade jurídica do empregador, oferecendo ao sócio da empresa a oportunidade de cumprir a obrigação assumida, quando pessoa jurídica, com seus bens pessoais e, no caso de recusa voluntária e inescusável, principalmente nos casos de fraude, proceder à prisão civil do inadimplente.

Há verdadeira ponderação de valores, preferindo-se defender o direito à vida digna e a dignidade da própria Justiça[84] ao invés de defender uma pessoa criada por ficção de lei que, se não for desprestigiada, poderá ficar acima da própria Constituição, servindo de esconderijo para pessoas inescrupulosas.

2.3.5. Outros casos encontrados na legislação brasileira

Se considerada a prisão como forma de restrição à liberdade individual, ou mesmo, limitação a este direito, é possível encontrar outros casos, no ordenamento pátrio, em que há restrição da liberdade individual para fins estritamente civis (que também não se amoldam às exceções previstas na regra constitucional do art. 5o, inc. LXVII).

Um exemplo que se pode recordar é o da prisão para fins de deportação (art. 61, da Lei n. 6.815/80).[85] Como se sabe, a deportação não está calcada na prática de crime pelo estrangeiro, podendo ser imposta diante da simples entrada ou estada irregular do estrangeiro em território nacional (art. 57, da citada lei). Não se trata, pois, de prisão criminal, mas administrativa e, assim, de caráter civil, abertamente aceita e praticada, não havendo questionamentos em relação à sua constitucionalidade.

Outro exemplo pode ser encontrado no art. 412 do CPC, quando afirma que:

A testemunha é intimada a comparecer à audiência, constando do mandado dia, hora e local, bem como os nomes das partes e a natureza da causa. Se a testemunha deixar de comparecer, sem motivo justificado, será conduzida, respondendo pelas despesas do adiamento.

João Calvão da Silva, perante o direito português rememora o caso da condução coercitiva da testemunha faltosa,

Veja-se a compulsão da testemunha a depor: o juiz pode ordenar à testemunha faltosa sem justificação que compareça sob custódia (art. 629o, nº 2, do Cód. Proc. Civ., redacção do Dec.-Lei nº 368/77). A testemunha é, assim, compelida a vir a tribunal, a fim de cumprir o seu dever de depor, sendo mantida sob custódia no tribunal para e apenas até ser prestado o seu depoimento. A constitucionalidade da privação da liberdade da testemunha é hoje claríssima, face à al. e) do nº 3 do art. 27o da Constituição, introduzida pela lei constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro. [86]

Há, portanto, clara limitação à liberdade individual, com cunho estritamente civil, e amplamente admitida pela jurisprudência. Não há notícia, nem na doutrina e jurisprudência, de que se tenha elucubrado de inconstitucional tal norma, não obstante tratar-se claramente de limitação à liberdade individual, com finalidade não criminal e que não se enquadra em nenhum dos casos autorizados pela Constituição Federal.

CONCLUSÃO

A Constituição Federal não veda a prisão civil como técnica coercitiva, mormente quando for motivada pelo descumprimento de ordem judicial. Diante do grande número de conflitos e do grande desrespeito às decisões judiciais, revela-se esta modalidade de prisão como sendo um método eficaz de coerção, a fim de serem cumpridas as decisões judiciais proferidas.

A prisão como forma coercitiva tem como principal objetivo é não incidir, porque se espera que a sua ameaça já seja suficiente para estimular o sujeito a cumprir a determinação judicial, tratando-se, então, de medida que tende a ser excepcional, tendo como único desiderato, o motivacional, da mesma natureza que as astreintes.

Para que este método coercitivo seja devidamente aplicado, devemos, antes de tudo, ponderar os bens e valores em jogo à luz do princípio da proporcionalidade, tendo vista nos direitos e garantias fundamentais e na dignidade da pessoa humana, sob pena de serem cometidas injustiças.

Vale ressaltar que o princípio máximo que deve ser observado em relação àquele que se socorre do Judiciário para ver um direito próprio reconhecido é o princípio do acesso à justiça previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, pois é este direito fundamental que será àquele que garantirá outros direitos.

Assim, o direito de ação deve ser tutelado, reconhecido e efetivado, antes mesmo de qualquer outro direito, por isso que o descumprimento de ordem judicial acarreta prejuízo não somente à parte que tem seu direito lesado, mas também ao próprio Estado que não consegue cumprir com sua função institucional. Não há como reconhecer um direito sem antes reconhecer o próprio direito a uma tutela jurisdicional justa e útil, atendendo-se à efetividade processual.

Dessa forma, para que o processo seja um processo eficiente, um processo de resultado, a ameaça de prisão poderá auxiliar o Estado a cumprir com sua função de garantidor da Justiça, função esta que retirou dos sujeitos e tomou para si, dando reconhecimento aos direitos e garantias fundamentais indicados pela Constituição Federal.

Por fim, foi visto que não são muitos os dispositivos que preveem a prisão na forma coercitiva – existem alguns, mas poucos frente à grande demanda – assim, enquanto não houver uma análise pelo poder Legislativo, com a consequente regulação legal, isso não deve se transpor em óbice para a utilização da prisão coercitiva, deve, portanto, o interprete da Constituição se utilizar da hermenêutica, notadamente daquela que vê o sistema como um todo, procurando estabelecer as bases para a aplicação deste mecanismo coercitivo de eficácia mais efetiva que outros meios convencionais.

O que não se pode aceitar é o amesquinhamento de um direito fundamental (o acesso à justiça e a efetividade da jurisdição) e a consequente desmoralização do Estado Democrático de Direito, baseando-se em concepções ultrapassadas e que não primam pelo interesse da sociedade.

Dessa forma, se quisermos garantir a ordem Democrática e a premente moralização da própria Justiça, a prisão civil é instrumento apto a livrar o sistema de pessoas inescrupulosas e garantir de volta o crédito do povo no Poder Judiciário.

Nesse sentido, Thomas Jefferson, Presidente dos Estados Unidos no período de 1801 a 1809, fez a seguinte ressalva: “Um Judiciário independente de um rei ou de um governo monocrático é uma boa coisa; mas independente da vontade do povo é um erro, pelo menos num governo republicano”[87]

NOTAS

[1] MARINONI, Técnica processual e tutela dos direitos. p. 184

[2] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. e Rev. Ellen Gracie Northfleet, p. 8.

[3] DINAMARCO, et al Teoria geral do processo, p. 34-35.

[4] MARINONI, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. p.18

[5] Cf. PORT, Marli Eulália, Acesso à justiça: Aspectos constitucionais e processuais, p. 6.

[6] GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court. p. 220.

[7] DINAMARCO, et al Teoria geral do processo, p. 88

[8] ADI 1.511-MC, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-10-96, Plenário, DJ de 6-6-03

[9] DINAMARCO, et al Teoria geral do processo, p. 88-89.

[10] TRF 4ª Região. HC 2008.04.00.000136-2/RS. Rel.: Juíza Federal Vera Lúcia Feil Ponciano (convocada). 7ª Turma. Decisão: 29/01/2008. DE 14/02/2008.

[11] JUNIOR, Curso de Direito Processual Civil vol. 1, p.45.

[12] SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 432-433.

[13] Cf. AZEVEDO, Dinâmica do processo: a busca de uma maior celeridade, p.3.

[14] Cf. em www.cnj.jus.br/meta2

[15] BARROSO, Interpretação e aplicação da constituição, p. 248

[16] JÚNIOR, Direito e processo, p. 34.

[17] PISTORI, A efetividade como um principio orientador, p. 3.

[18] GUAGLIARIELLO, Efetividade da jurisdição: razoável duração do processo, p. 4.

[19] DINAMARCO, et al, Teoria geral do processo, p. 35.

[20] ZAVASCKI, Os princípios constitucionais do processo e suas limitações, p. 7

[21] Cf. PISTORI, A efetividade como um principio orientador, p. 7.

[1] Moacyr Amaral Santos leciona que “o caráter de direito subjetivo processual e, portanto, público, ressalta do direito de defesa quando se considera que o réu, exercendo-o, também está a exigir do Estado a prestação jurisdicional que componha a lide. O autor, acionando, e o réu, defendendo-se, reclamam uma providência jurisdicional, uma provisão jurisdicional, pela qual se lhes faça justiça.” (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. II, p. 35)

[22] JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil. vol. 1, p.45.

[23] MARINONI, Curso de Processo Civil – Volume 3, p. 87.

[24] SALAMACHA, A Fraude à execução no direito comparado.

[25] O Brasil também é signatário deste Tratado, aqui ratificado pelo Decreto Legislativo nº 266/91

[26] VENOSA, Introdução ao Estudo do Direito, p. 143.

[27] ASSIS, O Contempt Of Court no Direito Brasileiro, p. 1.

[28] Importante consignar as palavras da professora Ada Pellegrini Grinover: “a origem do contempt of court está associada à idéia de que é inerente à própria existência do Poder Judiciário a utilização dos meios capazes de tornar eficazes as decisões emanadas. É inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha o condão de fazer valer os seus julgados. Nenhuma utilidade teriam as decisões, sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos de força ao Judiciário é o mesmo que negar a sua existência." (grifo nosso). (Ética, abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: o contempt of court, p. 222/223)

[29] ASSIS, O Contempt Of Court no Direito Brasileiro, p. 02/03.

[30] Nesse sentido, René David registra: “aquele que de má-fé ou por má vontade não executa uma decisão da Corte torna-se culpado por contumácia e, como sanção, corre o risco de ser preso. O contempt of court aumenta o prestígio das Cortes Superiores e contribui para consolidar fortemente a idéia de que existe de fato um Poder Judiciário.” (O Direito Inglês, p. 19).

[31] ASSIS, O Contempt Of Court no Direito Brasileiro, p. 4.

[32] TALAMINI, Prisão civil e penal e ‘execução indireta’ (a garantia do art. 5º, LXVII, da Constituição Federal), p. 44.

[33] TALAMINI, Prisão civil e penal e ‘execução indireta’ (a garantia do art. 5º, LXVII, da Constituição Federal), p. 112/113. Grifo nosso

[34] FARIAS, Direito das Obrigações, p. 99. Grifo original.

[35] Por exemplo, Ovídio A. Batista, Ada Pellegrini Grinover, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Araken de Assis, entre outros. (A propósito, conferir: Adugar Quirino do Nascimento Souza Júnior, Efetividade das decisões judiciais e meios de coerção, 2003, p. 182-190.)

[36] ASSIS, O Contempt Of Court no Direito Brasileiro, p. 6.

[37] A respeito, proclamou a 5.ª Turma do STJ: “No exercício da jurisdição cível, não tem o juiz poderes para expedir ordem de prisão fora das hipóteses de depositário infiel e de devedor de alimentos (CF, art. 5.°, LXVII)”

[38] ASSIS, O Contempt Of Court no Direito Brasileiro, p. 7.

[39] ARENHART, A prisão civil como meio coercitivo, p.2.

[40] É o que prevê o art. 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95: “ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança”.

[41] ARENHART, A prisão civil como meio coercitivo, p.3.

[42] Nesse sentido é o seguinte julgado do STJ: “HABEAS CORPUS. DETERMINAÇÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE PARA O CASO DE DESOBEDIÊNCIA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL RELATIVA À RESTITUIÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM FUNDOS DE INVESTIMENTOS. JUÍZO CÍVEL. INADMISSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A decisão proferida por Juízo Cível, no sentido de que se efetue a prisão em flagrante da pessoa responsável pela agência bancária, caso ainda persista o descumprimento da determinação judicial relativa à restituição de valores depositados em fundos de investimentos, por crime de desobediência, constitui constrangimento ilegal. 2. Essa modalidade prisional – prisão em flagrante – é incompatível com a prévia determinação por escrito da autoridade judicial. Inteligência dos arts. 301 e 304 do CPP e art. 5º, inc. LXII, da CF. 3. (...) 4. Ordem concedida.” (STJ, 5a Turma. HC 42896/TO. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJU 22.06.05, p. 323).

[43] ARENHART, Sérgio. A prisão civil como meio coercitivo, p.3/4

[44] Entendendo-se este tipo de interpretação como sendo “aquela que busca encontrar o significado dos termos usados pelo legislador, mediante uma comparação com textos linguísticos nos quais os termos são utilizados.” (MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do Direito, p.09)

[45] Com este fundamento, MARINONI defende a possibilidade da prisão civil como meio de coerção, dizendo que “não é errado imaginar que, em alguns casos, somente a prisão poderá impedir que a tutela específica seja frustrada. A prisão, como forma de coação indireta, pode ser utilizada quando não há outro meio para a obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente. Não se trata, por óbvio, de sanção penal, mas de privação da liberdade tendente a pressionar o obrigado ao adimplemento” (Novas linhas do processo civil, p. 87/88).

[46] ARENHART, Sérgio. A prisão civil como meio coercitivo, p.4.

[47] ARENHART, Sérgio. A prisão civil como meio coercitivo, p.4/5.

[48] MARINONI, Execução, p. 86-87.

[49] Cf. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, acima aludido.

[50] Cf. Artigos 55 e 56 do Código Penal Militar, que trata da pena de morte e artigo 355 e ss (Livro II, dos crimes militares em tempo de guerra), também do Código Penal Militar, que trata dos crimes em espécie, onde a morte é o grau máximo de pena.

[51] ARENHART, Sérgio. A prisão civil como meio coercitivo, p.8.

[52] GUERRA, Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, p. 136.Grifo original.

[53] Este princípio não é mais do que o tradicional critério da interpretação sistemática, que Eros Grau sintetiza em fórmula original – “não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), p.176)

[54] CALMON DE PASSOS, A crise do processo de execução. O processo de execução – estudos em homenagem ao professor Alcides de Mendonça Lima, p. 201.

[55] Conforme o conceito estipulado no capítulo II, item 2.2, segurança jurídica, seria a ‘garantia da exigibilidade de direito certo, estável e previsível, devidamente justificado e motivado com vistas à realização da justiça’.

[56] TJRS. Agravo Interno n. 7000302176-3. 1ª Câm. Esp. Cív. Data: 27/03/2002.

[57] MARINONI, Execução civil. p. 86.

[58] GUERRA, Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, p. 245-246. Grifo nosso.

[59] MARINONI. Execução, p. 53.

[60] Por tutela específica, nessa nova concepção, pode-se entender como “(...)um conjunto de providências coativas ou sub-rogatórias que o juiz aplica de ofício ou a requerimento do autor para tornar efetiva a satisfação da obrigação de fazer ou não fazer [acrescentaríamos a entrega de coisa].” (CASTRO, Tutela Jurisdicional Efetiva: Artigo 461, §5º, do código de processo civil e o contempt of court, p. 107.)

[61] CASTRO, Tutela Jurisdicional Efetiva: Artigo 461, §5º, do código de processo civil e o contempt of court, p. 108.

[62] Dizia Napoleão, quando da promulgação de seu Código Civil, que só seria direito o que estivesse ali escrito.

[63] MARINONI, Execução, p. 87.

[64] CÂMARA, Lineares de novo processo civil, p. 75.

[65] Cf. Art. 461-A do CPC: “Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. (...)§ 3o Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art. 461.(Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)”

[66] MARINONI, Execução, p. 88-89.

[67] PUOLI, Os Poderes do Juiz e as Reformas do Processo Civil, p. 16.

[68] ARMELIN, A tutela jurisdicional cautelar, p. 111-137.

[69] Para tanto, conferir os arts. 18, §§ 1º e 2º e 20 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.

[70] VARGAS, A pena de prisão para a desobediência da ordem do juiz cível, p. 798.

[71] Cf.em http://www.senado.gov.br/web/senador/psimon/indatuacao.html.

[72] SILVA, Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência), p. 385.

[73] SILVA, Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência), p. 386.

[74] JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, p. 512.

[75] SILVA, Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência), p. 386.

[76] SILVA, Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência), p. 388.

[77] Cf. em NEGRÃO, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 787.

[78] GOMES, Curso de Direito do Trabalho, p. 200.

[79] BARACAT, Tutela penal do direito ao salário, pág. 737.

[80] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

[81] CESÁRIO, Prisão civil oriunda do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia de origem trabalhista: uma hipótese a ser considerada, p. 3.

[82] SOUTO MAIOR, Da prisão civil por dívida trabalhista de natureza alimentar, p. 5/6. Grafia original.

[83] “Urge agir e é exatamente por falta de ação concreta que o Judiciário em certas ocasiões apresenta-se enigmático à sociedade e as pessoas acabam não conseguindo entender porque o seu inquestionável direito não é efetivamente garantido pelo Estado.” (SOUTO MAIOR, Da prisão civil por dívida trabalhista de natureza alimentar, p. 5/6. Grafia original)

[84] Art. 61. O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de 60 (sessenta) dias.

[85] Cf. ARENHART, A prisão civil como meio coercitivo, p. 13.

[86] DALLARI, O poder dos juízes, p. 18-19

[87] DALLARI, O poder dos juízes, p. 18-19

 

Data de elaboração: setembro/2010

 

Como citar o texto:

SOUZA, Rafael Machado de..A Prisão civil como técnica coercitiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/2201/a-prisao-civil-como-tecnica-coercitiva. Acesso em 24 fev. 2011.

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