Recentemente, em 26 de fevereiro de 2015, o Superior Tribunal de Justiça aprovou dois enunciados que tratam da questão do cabimento ou não de honorários advocatícios na fase do cumprimento de sentença (tema que muito se debate no momento da elaboração desta petição: faz-se ou não o pedido específico?). Tratam-se das Súmulas 517 e 519, que tem o seguinte teor:

Súmula 517: São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada.

Súmula 519: Na hipótese de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios.

Essas súmulas são decorrentes do julgamento do REsp 1.134.186, decidido pelo rito do recurso repetitivo (art. 543-C do CPC). Por ocasião desse julgamento, o Ministro Teori Albino Zavascki, acompanhando o voto condutor, sustentou que a impugnação tem natureza jurídica de incidente, “semelhante à denominada "exceção de pré-executividade", merecendo, por isso, tratamento também semelhante no que se refere a sucumbência”.

Mais do que consolidar ser devida a condenação em honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, a Súmula 517 faz consolidar também a questão quanto ao procedimento da intimação para o cumprimento de sentença. Restou acolhido, portanto, o entendimento de que a intimação para o cumprimento de sentença se dará na pessoa do advogado da parte executada, não mais se justificando a intimação pessoal.

Tal entendimento, agora sumulado, foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça em fevereiro de 2010, por ocasião do julgamento, pela Corte Especial, do REsp nº 940.274. Até então, a orientação que prevalecia era a de que o prazo de quinze dias para o pagamento voluntário fluía a partir do trânsito em julgado, independentemente de qualquer outra intimação que não aquela da sentença (ou do acórdão) que julgava a demanda, conforme decidido no REsp nº 954.859.

Esse procedimento apresentava, na prática, muitos inconvenientes, já que o trânsito em julgado ocorria, normalmente, no segundo grau ou nos Tribunais superiores, o que dificultava tanto o pagamento quanto o depósito judicial do montante da condenação, pois muitos dos elementos necessários à elaboração do cálculo (como a data da citação ou do vencimento do crédito) não eram de fácil acesso ao demandado.

Com a intimação direcionada ao advogado do réu tem-se uma delimitação temporal clara e uníssona do termo inicial do prazo para o pagamento voluntário. Há que se considerar que o intervalo entre o trânsito em julgado e o retorno dos autos à instância originária para a referida intimação não pode ser considerado o responsável pela demora excessiva da tramitação processual. Dizendo o mesmo por outras palavras: não é o trajeto dos autos dos tribunais até a instância originária que vai atrasar o andamento do processo e, consequentemente, a satisfação do credor.

Essa também foi a orientação adotada no novo Código de Processo Civil que, ao disciplinar o “cumprimento definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa”, dispõe:

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. (grifamos)

§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

§ 2º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante.

§ 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.

Verifica-se da redação do art. 523 do novo Código de Processo Civil, ainda, que o texto normativo não se preocupou em aplainar as discrepâncias que podem surgir da sua interpretação, o que remete ao enunciado da Súmula 517 do STJ como parâmetro para solver as dúvidas levantadas.

É importante destacar que o posicionamento do STJ cristalizado na Súmula 517 sedimentou quase dez anos de debates na doutrina e na jurisprudência sobre a forma da intimação do executado, desde a entrada em vigor da Lei n 11.232/2005. Há respeitável parcela da doutrina que defende, por exemplo, a necessidade de intimação pessoal do réu, e não de seu advogado. Neste sentido, salientamos o pensamento de WAMBIER, L. R.; WAMBIER, T.A.A. e MEDINA, L.M[1]:

O cumprimento da obrigação não é ato cuja realização dependa de advogado, mas é ato da parte. Ou seja, o ato de cumprimento ou descumprimento do dever jurídico é algo que somente será exigido da parte, e não de seu advogado, salvo se houver exceção expressa, respeito, o que inexiste, no art. 475-J, caput, do CPC.

A dispensa da intimação da parte obrigada ao pagamento ocorre apenas quando há revelia e ausência de advogado constituído, nos termos do art. 322 do CPC.

Contudo, considerando que a deflagração da fase de execução permite a prática de atos de expropriação, a situação é diferente em relação ao cumprimento de sentença. Nesses casos, parece ser necessária a intimação do réu/executado para que cumpra a sentença, ainda que não tenha advogado constituído nos autos (já que é possível que o réu seja revel e também possua advogado nos autos), sendo que idêntica solução deve ser adotada quando o réu revel for defendido por curador especial[2].

O enunciado da Súmula 517, numa leitura apressada, apresentaria uma antinomia em relação à Súmula 410 do mesmo Tribunal Superior, que estabelece: “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.

Assim sendo, caberiam agora duas intimações? Uma intimação na pessoa do advogado para o cumprimento da obrigação com o desconto da multa (neste caso já possível a cobrança de honorários – lembrando que a multa do art. 475-J do CPC não corresponde a honorários advocatícios como muitos despachos fazem entender) e outra intimação para a aplicação da multa?

Entretanto, essa contradição entre as Súmulas 410 e 517 é apenas aparente, pois elas possuem âmbitos de incidência rigorosamente distintos.

O cumprimento de obrigações de fazer e não fazer sempre foi um tema complexo para aqueles preocupados com a tutela jurisdicional específica. A satisfação da obrigação de pagar é relativamente simples, desde que o executado possua patrimônio passível de constrição; o mesmo pode ser dito em relação à obrigação para entrega de coisa, bastando, para sua satisfação, que a coisa seja localizada. Contudo, o mesmo não pode ser dito acerca das obrigações de fazer e de não fazer: convencer alguém, que deve fazer, a fazer é efetivamente dificultoso.

Assim, se é verdade que as obrigações pecuniárias e de entrega de coisa sempre contaram com mecanismos processuais aptos à prestação da tutela específica, o mesmo não pode ser dito das obrigações de fazer e de não fazer.

Nesses casos, o meio de execução mais disseminado é a multa (também conhecida como astreinte), prevista no art. 461 do CPC. Trata-se de uma cláusula geral processual[3] que pode ser moldada pelo juiz para adaptar-se aos casos concretos[4] submetidos ao poder judiciário. Assim, ao menos a priori, não possui patamar máximo nem mínimo em relação ao seu valor, que pode ser modificado pelo juiz e não se torna imutável pela coisa julgada[5], bem como pode ter sua periodicidade modificada (o fato de o quotidiano forense evidenciar que, na maioria dos casos, ela será diária, nada impede que seja, por exemplo, semanal ou mensal, ou até mesmo com incidência única, tudo dependendo do caso concreto).

Como exemplo de tudo o que foi dito, pode-se dizer que o juiz deverá verificar a situação econômica do executado, aplicando-lhe uma multa coercitiva em valor tal que tenha o condão de quebrar a inércia no qual se encontra.

Ou seja, a astreinte possui um âmbito de aplicação muito elástico, como é próprio das cláusulas gerais processuais, tendo em mira as dificuldades na efetivação das obrigações de fazer e não fazer.

E é esse o contexto no qual está inserida a Súmula 410, ao determinar a intimação pessoal do executado para a incidência da astreinte. Já que não há teto em relação ao seu montante ou período pré-fixado para a sua incidência, os seus valores podem atingir (como efetivamente atingem, na prática) valores elevados, dependendo do período no qual a determinação judicial permaneceu descumprida. Assim, considerando tanto a elasticidade da sua incidência quanto a possibilidade de acumular uma quantia exorbitante - dependendo da recalcitrância do executado, tem-se por salutar a necessidade de intimação pessoal deste.

Situação muito diferente é aquela na qual a recente Súmula 517 do STJ se encontra. A multa do art. 475-J do CPC (repetida no art.523 do novo CPC) é pré-fixada pela lei em dez por cento, e incide uma única vez. Não se trata, destarte, de cláusula processual aberta, já que não permite ao juiz qualquer margem para sua aplicação que não sejam os rígidos parâmetros fixados na lei, pouco importando, nesse caso, as vicissitudes da situação concreta. Por exemplo, se o executado, intimado por seu advogado, deixa de efetuar o pagamento do montante previsto na condenação e a multa de dez por cento incidir, não poderá o juiz aplicá-la novamente caso o inadimplemento perdure.

Não se trata, portanto, o confronto entre as Súmulas 410 e 517 de contradição na jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça.

Há que se ressaltar que, por mais que não se concorde com o enunciado da Súmula 517, é importante que o STJ tenha pacificado o entendimento acerca do procedimento para a incidência da multa do art. 475-J do CPC, evitando-se, assim, a insegurança no âmbito do processo civil brasileiro, o que é de todo salutar.

  

[1] WAMBIER, L. R.; WAMBIER, T.A.A. e MEDINA, L.M. Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC (inserido pela Lei 11.232/2005). Disponível em: http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=187&rv=Direito Acesso em: 10/03/2015.

[2] DIDIER JÚNIOR, Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. 6a ed. Salvador: Juspodivm, 2014. (Curso de direito processual civil, v.5), p. 522.

[3] BEDUSCHI, Leonardo. A adoção de cláusulas gerais processuais e a flexibilização das formas processuais como decorrências do princípio do acesso à ordem jurídica justa [recurso eletrônico]. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2014.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: RT, 2008.

[5] Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha decidido, ao nosso ver muito acertadamente, que “se o único obstáculo ao cumprimento de determinação judicial para a qual havia incidência de multa diária foi o descaso do devedor, não é possível reduzi-la, pois as astreintes tem por objetivo, justamente, forçar o devedor renitente a cumprir sua obrigação”(REsp 1.192.197/SC, rel. Min. Massami Uyeda, rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi). Entretanto, o § 6º do art. 461 (”O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”) tem por objetivo, ao nosso ver, permitir justamente que o juiz molde a astreinte para que ela se torne mais efetiva, não podendo servir de fundamento para aqueles executados que pretendem reduzi-la, mediante o argumento do enriquecimento sem causa, após um longo período de descumprimento da determinação judicial na qual ela foi fixada.

 

 

Elaborado em março/2015

 

Como citar o texto:

BARUFFI, Ana Cristina; BEDUSCHI, Leonardo..A Súmula 517 do STJ e a intimação no cumprimento de sentença. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1240. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/3528/a-sumula-517-stj-intimacao-cumprimento-sentenca. Acesso em 16 mar. 2015.

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