RESUMO

A legislação pátria prevê o instituto denominado desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica, utilizado nos casos em que ocorre o abuso da personalidade, materializado no desvio de finalidade da pessoa jurídica ou na confusão patrimonial entre ela e seus administradores e sócios, causando, consequentemente, prejuízo a terceiros. Abre-se, então, a possibilidade de o Poder Judiciário, de forma casuística, desconsiderar momentaneamente a personalidade da pessoa jurídica e ingressar no patrimônio de seus sócios para ressarcir as pessoas lesadas, ou, de forma inversa, penetrar no patrimônio da pessoa jurídica para viabilizar o cumprimento de obrigações contraídas pelos seus sócios ou administradores no gozo de seus direitos civis. Processualmente, o Novo Código de Processo Civil inova na temática, regulamentando o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no fito de firmar as regras de tal medida excepcional e garantir segurança jurídica no processo, contribuindo, dessa forma, para a efetividade do direito.

Palavras-chave: Processo Civil; Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica; Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica; Abuso da personalidade; Teoria Maior e Menor.

ABSTRACT

The Brazilian legislation provides for the institute called piercing the corporate veil of the legal entity used where is the abuse of personality, embodied in order to bypass the legal entity or equity confusion between it and its managers and partners, causing consequently, damage to third parties. Opens then the possibility of the Judiciary, an ad hoc basis, momentarily disregard the personality of the corporation and join the heritage of its members to compensate the injured parties, or, in reverse, enter the patrimony of the legal person to enable the fulfillment of obligations assumed by their partners or managers in the enjoyment of their civil rights. Procedurally, the New Civil Procedure Code innovates on the issue, regulating the incident disregard of legal personality in view to establish the rules of such an exceptional measure and ensure legal certainty in the process, thereby contributing to the effectiveness of the law.

Keywords: Civil lawsuit; Disregard of corporate personality; Disregard incident of Legal Personality; personality abuse; Theory Major and Minor.

INTRODUÇÃO

Não raro, o processo é utilizado em contradição com a sua própria essência, na medida em que as batalhas judiciais alongam-se demasiadamente numa discussão meramente procedimental, ou seja, o processo elaborado para ser instrumento do direito material acaba se tornando fim em si mesmo.

Com o advento da Lei 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), houve uma superação de paradigmas entre a velha e nova processualística, sobretudo quanto a pontualidade do Novo CPC ao tratar de diversos temas que acirravam batalhas judiciais de cunho meramente processual nos Tribunais pátrios, acarretando uma gama de recursos cuja discussão se limitava a processo, deixando o direito material muitas vezes de lado.

Tentou o Novo Código sanar, na medida do possível, crises de incerteza procedimental em vários aspectos de alguns temas do direito antes resolvidos por entendimento dos Tribunais.

Uma das novidades trazidas com o advento da lei foi o incidente de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica, procedimento esse que visa, em termos práticos, viabilizar o redirecionamento da responsabilidade da pessoa jurídica em desfavor dos sócios ou administradores, e, de maneira invertida, redirecionar a responsabilidade de pessoas físicas para as pessoas jurídicas nas quais integram o quadro societário.

A personalidade jurídica, como sabido, é uma aptidão legal para a pessoa - física ou jurídica - titularizar direitos e obrigações na sociedade, gozando a pessoa jurídica de autonomia patrimonial, obrigacional e processual em relação aos agentes que a administram, assumindo a responsabilidade pelos seus atos.

Ocorre que, por vezes, tal personalidade pode ser temporariamente e casuisticamente desconsiderada pelo Poder Judiciário, sob o crivo do contraditório e ampla defesa e demais garantias processuais que compõe o denominado rol de direitos do devido processo legal.

Tais situações ocorrem quando a pessoa física que gere a pessoa jurídica se vale da incomunicabilidade legal das responsabilidades e abusa de sua personalidade, causando lesão a terceiros.

Destarte, verificado tal abuso, o juiz poderá, quando provocado, desconsiderar tal autonomia e penetrar nos bens particulares dos sócios que abusaram da personalidade jurídica da pessoa jurídica na qual cabiam administrar.

O presente trabalho busca analisar o regramento material e processual que permeia o tema, indicando os dispositivos e fundamentos de direito material e abordando a nova roupagem processual que o Novo Código de Processo Civil atribuiu à desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica, enfatizando sua importância na tutela do direito.

1 A PESSOA JURÍDICA E A DESCONSIDERAÇÃO DE SUA PERSONALIDADE

Conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2010, pg. 229), pessoa jurídica pode ser conceituada como "a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações.” Vale dizer, a pessoa jurídica é um agrupamento de pessoas com objetivos em comum, razão pela qual se unem para, coletivamente, alcançar tal desiderato de forma organizada e eficiente. Pode consistir também num conjunto de patrimônio afetado a determinada finalidade.

O Código Civil lista, no art. 44, os agrupamentos de bens ou pessoas e os qualificam como pessoa jurídica de direito privado, veja-se:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;        

V - os partidos políticos.      

VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.

Tem-se de um lado, pessoas físicas, e, de outro lado, a pessoa jurídica gerida pelas primeiras, de sorte que não há que se confundir a pessoa jurídica com a pessoa física que lhe administra ou compõe se quadro societário, de modo que, conforme alude o Código Civil vigente, a pessoa jurídica, na condição de ente autônomo, é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Seguindo a sistemática do art. 44, do Código Civil, em apertada síntese, passa-se a análise de cada figura jurídica ali arrolada.

Associações, pela previsão do art. 53, CC, "são conjunto de pessoas, com fins determinados, que não sejam lucrativos. Assim deve ser entendida a expressão fins não econômicos" (TARTUCE, 2015, pg. 162).

Associações, conforme pontua Maria Helena Diniz (2010, pg.112), tem seu termo originado do latim fundation, "ação ou efeito de fundar, de criar, de fazer surgir, de modo que são bens arrecadados e personificados, em atenção a um determinado fim, que por ficção legal lhe dá unidade parcial"

No que diz respeito as sociedades, o que as distingue das associações é justamente a existência de caráter econômico. Podem ser empresárias e simples. Segundo Flávio Tartuce (2015, pg. 171):

Sociedades empresarias - são as que visam uma finalidade lucrativa, mediante exercício de atividade empresária.

Sociedade simples - são as que visam, também, a um fim econômico (lucro), mediante exercício de atividade não empresária. São as antigas sociedades civis

As pessoas que fazem parte de sua composição responderão tão somente pelo passivo nos exatos limites do capital social investido e, a depender da modalidade societária adotada, fica ressalvado o patrimônio individual dos sócios.

Regra geral, conforme o ordenamento jurídico vigente, a responsabilidade daqueles que compõe a pessoa jurídica, gerindo-a, será sempre subsidiária, sendo assim, uma vez constatado a inadimplemento, primeiro exaure-se os bens da pessoa jurídica para, posteriormente, e desde que admitido pelo tipo societário adotado, os bens dos sócios serem atingidos. É o caso de uma execução de título extrajudicial de uma empresa insolvente; o credor, tendo ultimado todas as diligências na busca de bens passíveis de constrição judicial, não obtém êxito, razão pela qual, requer o redirecionamento da execução para a pessoa dos sócios da pessoa jurídica.

Portanto, resta cristalino a separação entre pessoa física e pessoa jurídica, no sentido de que a pessoa jurídica possui autonomia patrimonial, obrigacional e processual em detrimento dos seus sócios.

A autonomia patrimonial impõe a separação entre os bens da pessoa jurídica e os bens dos seus sócios, de modo que, via de regra, tais bens são incomunicáveis entre si, ou seja, a pessoa jurídica possui bens próprios.

A autonomia obrigacional qualifica a pessoa jurídica como sujeito independente de direitos e deveres, isto e, a obrigação contraída pela pessoa jurídica deve por ela ser adimplida, sob pena de ser demandada em juízo para cumprimento forçado, e, essa demanda em juízo deverá ser em sua pessoa, pois, também, possui autonomia processual para litigar.

Em suma síntese, a pessoa jurídica, na qualidade de ente autônomo, responde por suas obrigações com seu próprio patrimônio, podendo ser demandada em juízo em casos de inadimplemento.

É a jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. AUSENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA PRECONIZADA. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA PESSOA JURÍDICA. 1. A insuficiência patrimonial não é causa jurídica suficiente para autorizar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que o princípio da autonomia da pessoa jurídica possibilita a responsabilização desta pelas obrigações avençadas, pois possui patrimônio e personalidade distinta de seus sócios. 2. É necessário o atendimento aos requisitos autorizadores para caracterização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois se trata de medida de cunho excepcional, a qual decorre do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, a teor do que estabelece o art. 50 do CC. Ainda, é possível conceder a medida em questão para responsabilizar os sócios pessoalmente, atendendo ao disposto nos arts. 1.023 e 1.024, ambos da lei civil precitada, bem como do art. 28 do CDC, hipóteses que inocorreram no caso em exame. 3. A parte agravante não logrou demonstrar a prática de qualquer ato fraudulento, abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, a ocorrência de excesso de poder, infração a lei, fato ou ato ilícito, bem como violação dos estatutos sociais, hipóteses que dariam guarida a sua pretensão. Negado seguimento ao agravo de instrumento. (Agravo de... Instrumento Nº 70063985881, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 13/04/2015). (TJ-RS - AI: 70063985881 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 13/04/2015,  Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/04/2015) - grifei

 

Ocorre que, devido a essa possibilidade - exclusão da responsabilidade dos sócios e administradores -, a pessoa jurídica, não raro, passa a desviar-se de suas diretrizes, princípios e finalidades, praticando fraudes e lesando terceiros, senão toda a sociedade.

Muitas vezes, o sócio, imbuído pela má-fé, contrai obrigações inexequíveis, lesando credores e, ato contínuo, esvazia o patrimônio da pessoa jurídica e o coloca em nome próprio no fito de inviabilizar futuro cumprimento forçado do contrato sob o argumento de insuficiência patrimonial da pessoa jurídica.

O inverso também ocorre, no sentido de que o sócio, tentando se eximir de responsabilidades no exercício de seus direitos civis, esconde seus bens de forma simulada sob o manto da pessoa jurídica.

No primeiro caso, a título ilustrativo, imagine-se que o sócio utiliza o cartão corporativo da empresa para compras pessoais excessivas, havendo a confusão patrimonial. Em caso de eventual inadimplemento, quando o sócio for demandado e não for encontrado bens em seu nome, autorizado estaria a constrição de bens da pessoa jurídica, uma vez que preenchido seu requisito autorizador.

No tocante a desconsideração inversa, um exemplo prático é o caso da pessoa física que, na iminência de se divorciar, transfere todos os seus bens para a pessoa jurídica da qual compõe o quadro societário, frustrando dessa forma a divisão de bens. Nesse caso, os bens que foram passados de forma lesiva e fraudulenta a pessoa jurídica serão alcançados pelo juízo divisório.

Tal constatação não fugiu ao império do direito, de modo que, visando a neutralização de tais artifícios abusivos, exsurge no cenário jurídico o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

O referido instituto permite que se "alcancem pessoas e bens que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abusivos" (TARTUCE, 2015, pg. 178). E prossegue o doutrinador:

 

Tal instituto permite ao juiz não mais considerar os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos, desde que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a credores da empresa (TARTUCE, 2015, pg. 178).

 

Maria Helena Diniz (2010, pg. 301), sobre o tema, assevera que:

 

a personalidade jurídica, como se pode ver, será, então, considerada como um direito relativo, permitindo ao órgão judicante derrubar a radical separação entre a sociedade e seus membros, para decidir mais adequadamente, coibindo o abuso de direito e condenando as fraudes.

Sendo assim, à luz das explanações pontuais delineadas pelos autores em supra, constata-se que os bens dos sócios podem responder pelos prejuízos causados a terceiro, de modo que "o escudo, no caso da pessoa jurídica, é retirado para atingir quem está atrás dele" (TARTUCE, 2015, pg. 179).

Atento a tal realidade, o Código Civil de 2002 instituiu o regime jurídico material da desconsideração da personalidade jurídica, veja-se:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente nesse sentido:

(...) O instituto da desconsideração da personalidade jurídica pode ser conceituado como sendo a superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o objetivo de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, alcançar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade. Nesse contexto, para a caracterização da desconsideração da personalidade jurídica não basta a existência de um dano provocado pela sociedade ou pelo sócio ou de uma dívida por qualquer deles assumida. A pessoa jurídica tem existência própria, distinta das pessoas físicas que a compõem, e tem, imanente, o princípio da autonomia patrimonial, de sorte a não permitir a confusão entre seus bens e aqueles de seus sócios. O excepcional levantamento do manto que protege essa independência patrimonial, exige a presença do pressuposto específico do abuso da personalidade jurídica, com a finalidade de lesão a direito, infração da lei ou confusão patrimonial com intenção de fraude. Noutras palavras, há de se ter presente a efetiva manipulação da autonomia patrimonial da sociedade em prol de terceiros. (STJ - AgRg no AREsp: 621926 RJ 2014/0308151-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 12/05/2015,  T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/05/2015)

Da exegese do dispositivo acima transcrito e da jurisprudência fixada no âbito da Terceira Turma do STJ, verifica-se que, na seara civilista, a desconsideração da personalidade jurídica pressupõe abuso de personalidade, que se desdobra no binômio (i) desvio de finalidade e (ii) confusão patrimonial.

Quando a pessoa jurídica desvia de sua finalidade, ela age em desacordo com seus atos constitutivos, lesando, com tal conduta, terceiro. A confusão patrimonial se dá quando não se consegue distinguir os bens da pessoa jurídica e de seus sócios ou administradores, pois os mesmos os utilizam de forma indiscriminada.

O Código de Defesa do Consumidor também possui regulamento específico acerca da desconsideração da personalidade jurídica, trazendo em seu corpo normativo o regime jurídico do instituto quando aplicável às relações de consumo. Confira-se:

 

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...)

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

 

Segundo a doutrina especializada, no "direito do consumidor, o instituto da personalidade jurídica pode ser aplicada de ofício pelo juiz, porquanto previsto em norma de ordem pública e interesse social" (MASSON, 2015, pg. 554). Na seara consumerista, as hipóteses autorizadoras são mais detalhadas quando comparadas ao disposto no Código Civil, veja-se: (i) abuso do direito, (ii) excesso do poder, (iii) infração da lei, (iv) prática de ato ilícito, (v) violação dos estatutos ou contrato social, (vi) falência, (vii) estado de insolvência e (viii) encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, provocados por má administração.

Inovou ainda mais o Código de Defesa do Consumidor ao permitir a desconsideração sempre que a personalidade jurídica da pessoa jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Encontra-se disposição acerca da desconsideração na legislação ambiental, notadamente na Lei 9.605/1998, que trata das sanções penais e administrativas das condutas que causem lesão ao meio ambiente, verbis:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. (grifei)

Dentro dessa sistemática, a doutrina e jurisprudência destacam a existência de duas grandes teorias acerca do tema desconsideração da personalidade jurídica. São elas: Teoria Maior e Menor, explicitadas de forma bem didática a seguir.

a) Teoria maior – a desconsideração, para ser deferida, exige a presença de dois requisitos: o abuso da personalidade jurídica + o prejuízo ao credor. Essa foi a teoria adotada pelo art. 50 do CC/2002.

B) Teoria menor – a desconsideração da personalidade jurídica exige um único elemento, qual seja o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pela Lei 9.605/1998 - para danos ambientais – e, supostamente, pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. (ULHOA, 2005, pg. 35)

 

Sobre a teoria Maior e Menor, pontua o Superior Tribunal de Justiça:

A doutrina aponta várias teorias com o escopo de estabelecer os requisitos que devem ser preenchidos para fins de deferimento da desconsideração da personalidade jurídica. Dentre elas, sublinho a Teoria Menor e a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Aquela tem aplicação restrita a situações excepcionais em que se mostra necessário proteger bens jurídicos de evidente relevo social e inequívoco interesse público. A incidência da desconsideração se justificaria pela simples comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Foi acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental. Esta foi adotada como regra geral e prevista no Código Civil, segundo a qual a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. Exige-se, portanto, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade ou a demonstração de confusão patrimonial. Em conclusão, de acordo com a corrente dominante – Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica – é absolutamente imprescindível a comprovação do desvio de finalidade ou a demonstração de confusão do patrimônio para que se possa afastar a autonomia patrimonial da sociedade e assim atingir os bens pessoais de seus sócios. (STJ - AgRg no AREsp: 621926 RJ 2014/0308151-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 12/05/2015,  T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/05/2015)

Há entendimento, no âmbito laboral e consumerista, que o simples inadimplemento da pessoa jurídica acarreta a responsabilidade dos sócios e administradores. E no direito ambiental, basta a existência, também, de simples prejuízo ao credor, conforme se infere da Lei 9.605/1998.

Noutro giro, ainda subsiste a autonomia subjetiva da pessoa jurídica, que não se confunde com a de seus sócios, ao passo que tal distinção é afastada por império de lei, ou seja, não se retira a personalidade jurídica, mas apenas a desconsidera em determinadas circunstâncias que legitimam tal penetração patrimonial do sócio ou administrador. Assim, "não se pode confundir a desconsideração com a despersonificação" (TARTUCE, 2015, pg. 182), uma vez que a despersonificação implica dissolução/extinção do próprio ente.

Outro ponto na teoria da desconsideração merece enfoque, é que, não raro, é possível, uma vez vislumbrando-se a confusão patrimonial, percorrer o caminho inverso, vale dizer, responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações dos seus sócios.

Trata-se, aqui, da desconsideração inversa da personalidade jurídica, ou seja:

 

A possibilidade de atingir os bens da própria pessoa jurídica para reparar o ato fraudulento do sócio. Fala-se, então, em desconsideração inversa, que segue basicamente os mesmos princípios e requisitos da desconsideração direta (MASSON, 2015, pg. 556).

 

A jurisprudência já a reconhece e a aplica:

 

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPANHEIRO LESADO PELA CONDUTA DO SÓCIO. ARTIGO ANALISADO: 50 DO CC/02. 1. Ação de dissolução de união estável ajuizada em 14.12.2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 08.11.2011. 2. Discute-se se a regra contida no art. 50 do CC/02 autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica e se o sócio da sociedade empresária pode requerer a desconsideração da personalidade jurídica desta. 3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva. 5. Alterar o decidido no acórdão recorrido, quanto à ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do sócio majoritário, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula 7/STJ. 6. Se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras arquitetadas para fraudar a partilha, a legitimidade para requerer a desconsideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa. 7. Negado provimento ao recurso especial. (STJ - REsp: 1236916 RS 2011/0031160-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2013,  T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2013)

Agravo de Instrumento. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Possibilidade. Assim, diante das inúmeras e infrutíferas tentativas de localizar bens em nome dos executados capazes de garantir o juízo executório, bem como da confusão havida entre o patrimônio de seu sócio majoritário, ao lado de sua esposa, e da sociedade que o mesmo integra, possível afigura-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica determinada na origem.  Em decisão monocrática, dou provimento ao agravo de instrumento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Vigésima Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70041914102/ Rel. Desembargador Glênio José Wasserstein Hekman/ Julgado em 04.04.2011)

Apelação Cível. Locação. Embargos de Terceiros. Penhora. Desconsideração de Personalidade Jurídica Reconhecida, na forma inversa. Existência de dados fáticos que autorizam a incidência do instituto.Possibilidade da penhora de bens da empresa autorizada diante das circunstâncias excepcionais comprovadas nos autos e já destacadas pela sentença, que vai confirmada por seus fundamentos. APELO IMPROVIDO.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - Décima Sexta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70017992256/ Rel. Desembargadora Helena Ruppenthal Cunha/ Julgado em 07.03.2007).

Essa é a roupagem material que o ordenamento jurídico confere ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, de modo que, doutrinariamente, vislumbra-se a teoria maior e menor, conforme exposto acima. Além do mais, a desconsideração pode ser típica ou inversa.

2 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes do advento do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), inexistia regime jurídico processual que cuidasse do rito da desconsideração da personalidade jurídica em juízo, situação que acirrou as discursões acerca da afirmação do instituto nos processos judiciais em trâmite.

O Código de Processo Civil vigente, então, trouxe novidades no capítulo destinado à intervenção de terceiros, incluindo, nesse ponto, o denominado incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Veja-se a literalidade do código:

 

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.

§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

O regramento legal do sobredito incidente processual afasta dúvida doutrinária a respeito da forma processual adequada à desconsideração e à sua natureza. Assim, de antemão, "trata-se de um incidente processual e não de ação autônoma" (MEDINA, 2015, pg. 237)

Destaca-se que, ainda antes da vigência do novo código de ritos, o Superior Tribunal de Justiça já sinalizava pela natureza jurídica de incidente processual, com base nos princípios constitucionais da celeridade e economia processual.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica prevê que a desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos estabelecidos em lei – art. 133, § 1o. De sorte que o direito material, como já visto em tópico precedente, é que estipula os requisitos/pressupostos para a legitimação da desconsideração.

No que diz respeito ao momento da desconsideração da personalidade jurídica, a doutrina muito divergiu sobre a temática, contudo, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a famigerada desconsideração pode se dá em qualquer fase do processo:

 

DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE. 1. A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101/05 e art. 165 do Código Civil de 2002).

2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade. 3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana. 4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento. 5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ. 6. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661/45 e art. 82 da Lei n.º 11.101/05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios/administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.

7. Em sede de processo falimentar, não há como a desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos sócios. Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores (par conditio creditorum ), na ordem de preferência imposta pela lei. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (STJ, REsp 1.180.191/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.04.2011)

 

Sem mais delongas, tal dúvida foi taxativamente solucionada pelo art. 134, caput, do Novo CPC, ao prever que o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

Quanto ao procedimento, cumpre advertir que o incidente nem sempre será necessário, isso porque, se o pedido de desconsideração for concomitante à postulação inicial, far-se-á na peça preambular.

Conforme regramento legal, o pedido da desconsideração condiciona-se à requerimento da parte ou do Ministério Público, excluindo a possibilidade da atuação judicante de ofício.

A postulação, por seu turno, deve obediência aos seguintes requisitos: (i) fundamentação - ocasião em que a parte deve preencher os pressupostos legais para a desconsideração e (ii) pedido - desconsideração e a consequente constrição judicial dos bens do sócio.

Pela dicção do § 4o, do art. 134, o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Tal dispositivo normativo deve ser lido com temperamento. É o que afirma NEVES (2016, pg. 310):

Na realidade, o requerente não deve demonstrar, mas apenas alegar o preenchimento dos requisitos legais para a desconsideração, tendo o direito a produção de prova para convencer o juízo de sua alegação, inclusive conforme expressamente previsto nos arts. 135 a 136 do Novo CPC, ao preverem expressamente a possibilidade de instrução probatória no incidente ora analisado.

O pedido de desconsideração da personalidade jurídica somente suspenderá o processo se for arguida na petição inicial. Segundo a doutrina, "trata-se de suspensão imprópria, já que o processo deve ser suspenso apenas naquilo que dependa da solução da controvérsia criada com a instauração do incidente" (NEVES, 2016, pg. 311)

Instaurado o incidente, o Novo CPC dispõe que o sócio ou a pessoa jurídica (nos casos de desconsideração inversa) será citada para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de quinze dias. Assim, o dispositivo cumpre com a exigência do contraditório e a possibilidade de ampla defesa, de sorte que podem as partes valerem-se de todos os meios de provas em direito admissíveis, e, somente após a instrução probatória o juiz decidirá o incidente pela via da decisão interlocutória.

Convém registrar que quando o incidente de desconsideração se manifestar na petição inicial "incumbe ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa" (DIDIER, 2016, pg. 59).

A decisão interlocutória é recorrível pela via judicial impugnativa do agravo de instrumento. Nesse ponto, insta salientar que, ainda que não possua efeito vinculante, foi aprovado o Enunciado nº 126 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, dispondo sobre esse ponto específico no âmbito do processo do trabalho. É o teor:

No processo do trabalho, da decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução cabe agravo de petição, dispensado o preparo" (Didier, 2016, pg. 37).

Noutro giro, se o incidente for resolvido no capítulo da sentença, caberá apelação.

Prosseguindo, o art. 137 do Novo CPC, prevê que, sendo acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou oneração de bens, havidas em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Quando a atuação ministerial na qualidade de fiscal da ordem jurídica, restou consignado no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) ser

 

desnecessária a intervenção do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos em que deva intervir obrigatoriamente, previstos no art. 178" (DIDIER, 2016, pg. 97)

 

 

Ainda, o FPPC consignou que "aplica-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar" (DIDIER, 2016, pg. 59).

Lado outro, em termos práticos, ao prever o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o legislador tenta resolver o problema do redirecionamento de execução e cumprimento de sentença.

 A título de exemplo, imagine-se um caso em que a pessoa jurídica é condenada a pagar uma quantia certa e, durante a execução, não se localizam bens passíveis de garantir a divida, situação que legitima o credor a ajuizar, incidentalmente, postulação de desconsideração da personalidade jurídica para, nos autos do incidente, discutir a responsabilidade dos sócios de acordo com o direito material. Direito material esse que se encontra nas diversas áreas do direito, a saber: legislação tributária, civil, ambiental, trabalhista, previdenciária etc.

Dito de modo sintético, a prática de redirecionamento da execução judicial ou extrajudicial transforma-se, com o advento do Novo CPC, no referido incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Ainda sobre a temática, importa registrar que o código textualmente admite o procedimento para os casos da desconsideração inversa, já conceituada em linhas acima.

Por fim, assevera-se que a constituição federal elenca no rol de direitos e garantias fundamentais diversos comandos voltados ao direito processual civil, dentre eles, destacam-se, para fins de aplicabilidade ao tema que ora se discute, os princípios da economia e celeridade processual.

Inicialmente, a positivação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica resolveu, em âmbito doutrinário e jurisprudencial, uma crise de insegurança, uma vez que, antes do advento da Lei Processual vigente, não havia norma jurídica processual regulando a matéria. E, por isso, muitas discursões e teses jurídicas foram postas sub judice, gerando um grau de incerteza acerca da aplicabilidade processual do instituto, situação que não se coaduna com a tutela efetiva do direito.

 Isso porque, a parte que praticava os atos lesivos sob o manto da pessoa jurídica tinha a demora judicial na fixação de um entendimento acerca da desconsideração e o manejo de diversos recursos para discutir tal assunto.

O novo Código dispõe de forma clara e objetiva os contornos da aplicação judicial do instituto, traçando "as regras do jogo", garantindo, assim, um grau de certeza para as partes quando necessitarem se valer do referido instituto.

A garantia de procedimentos bem definidos é exigência de um estado democrático de direito.

3. CONCLUSÃO

O estudo do tema desconsideração da personalidade jurídica é multidisciplinar, tendo suas raízes, como visto no trabalho, na seara civilista, cuja aplicabilidade se estende a diversos outros ramos do direito, tais como: direito ambiental, tributário, trabalhista, previdenciário etc.

O direito material acerca do tema está positivado em vários diplomas legislativos, com alguns ajustes jurisprudenciais e doutrinários, sobretudo no que toca a parte conceitual. Teorias foram construídas com base na tese da desconsideração, a saber: teoria maior e menor.

Revela-se de grande valia a previsão de desconsideração momentânea da personalidade da pessoa jurídica, visto que ninguém pode se escusar de suas obrigações quando a ação é pautada em motivo torpe, ao passo que seria de uma injustiça gratuita a impossibilidade de penetrar no patrimônio dos responsáveis pela pessoa jurídica quando estes agem de má-fé no intuito de frustrar a expectativa de crédito da pessoa lesada, ou vice-versa, como no caso da desconsideração inversa.

A pessoa jurídica deve funcionar em obediência às finalidades dispostas em seu estatuto social, tendo, por conseguinte, também, uma função social. Não pode a pessoa jurídica ser palco de expedientes astuciosos e escusos. Pior! Não pode a pessoa jurídica servir de escudo para as práticas ilícitas e inescrupulosas de seus sócios ou administradores, sobretudo porque viola a boa fé objetiva, a eticidade, a socialidade e a confiança que deve nortear o tráfego negocial.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil reforça ainda mais a utilização do referido instituto, trazendo regras claras a respeito de sua aplicabilidade, contribuindo, dessa forma, para a aniquilação das incertezas jurídicas que lastreavam o tema, culminando, pois, com a efetivação justa e célere do direito material.

O fato é que existem alguns pontos polêmicos que serão esclarecidos ao longo da prática judicante, sem perder, por óbvio, o texto normativo disposto do Código de Processo civil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/. Acesso em maio de 2016.

BRASIL. Código Civil – Lei nº 10.406/2002 . Disponível em http://www.planalto.gov.br/. Acesso em maio de 2016

BRASIL. Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/. Acesso em maio de 2016

BRASIL. Fórum Permanente de Processualistas Civis. 7ª ed. Ed. Juspodivm: Salvador, 2016.

DINIZ. Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DIDIER. Fredie. Fórum Permanente de Processualistas Civis

MEDINA. José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015

NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed. Ed. Juspodvm: Salvador, 2016.

MASSON. Cleber. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 5ª ver. São Paulo: Método 2016.

Data da conclusão/última revisão: 27/10/2017

 

Como citar o texto:

NASCIMENTO, Vinícius Marques do..A desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código de Processo Civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1487. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/3773/a-desconsideracao-personalidade-juridica-novo-codigo-processo-civil. Acesso em 28 nov. 2017.

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