Resumo

O presente artigo tem por escopo identificar o funcionamento do sistema de precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro e analisar a utilização da técnica de distinção (distinguishing) para readequação do caso concreto diante de um precedente-paradigma, através de uma perspectiva interdisciplinar, englobando aspectos constitucionais, da hermenêutica jurídica e também do processo civil, bem como dimensionando o impacto na cultura processualista brasileira de ferramenta advinda do sistema commom law, seja o aplicado no modelo americano, seja no modelo anglo-saxão, examinando a distinção e aproximação dos sistemas commom law e civil law, com foco no que tange ao estudo dos precedentes judiciais bem como a peculiaridade brasileira de ter adaptado tal ferramenta à sua realidade.

Palavras-chave: Precedente, Distinção, Ratio decidendi, Processo Civil.

THE USE OF THE DISTINGUISHING TECHNIQUE IN THE BRAZILIAN PRECEDING SYSTEM

Abstract

The purpose of this article is to identify the functioning of the system of judicial precedents in the Brazilian legal system and to analyze the use of the distinguishing technique to readjust the concrete case before a paradigm precedent through an interdisciplinary perspective, encompassing constitutional aspects , legal hermeneutics and also civil procedural law, as well as dimensioning the impact on the Brazilian proceduralist culture of a tool derived from the common law system, be it applied in the American model, or in the Anglo-Saxon model, examining the distinction and approximation of common law systems and civil law, focusing on the study of judicial precedents as well as the Brazilian peculiarity of adapting such a tool to its reality.

Keywords: Precedent, Distinguishing, Ratio decidendi, Procedural Law.

 

Introdução                            

Para que a engrenagem de um ordenamento jurídico realmente funcione e venha, através da tutela jurisdicional do Estado, promover a paz social – em plano macro – e a atividade satisfativa – plano micro - é necessário, como requisito mínimo, porém não pouco importante, que gere segurança jurídica aos jurisdicionados, a fim de que suas atividades econômicas e sociais possam se desenvolver sem a preocupação com instabilidades jurídicas. 

Tal colocação faz-se necessário por ser notório perceber que o Direito hoje passou dos portões acadêmicos, encontrando-se atrelado ao dia a dia de pessoas comuns, devido à grande relevância social. Basta abrir um jornal, ver qualquer noticiário televisivo ou conectar-se às redes e mídias sociais que se terá tal afirmativa como verdadeira. Passou a ser interessante o conhecimento da pauta de julgamento das Cortes Superiores, do perfil do juiz da causa, de como este decide e ainda do descortinar dos bastidores do Judiciário.

Boa parte da economia de um país gira em torno do Direito, como constata-se, por exemplo, no crescimento do estudo da Análise Econômica do Direito para se averiguar, através de estudos científicos, a dimensão desse impacto.      

Ante o fato de o Estado, por excelência, ser o portador da atividade jurisdicional, é na figura do magistrado que se assume o papel de dizer o Direito. Para tanto, deve-se conhecer, além da lei, em sentido lato, o funcionamento do direito jurisprudencial brasileiro e, dentro desse gênero, os precedentes judiciais, para que a interpretação realizada esteja sonante com estes e com suas fontes, ocorrendo uma forte inter-relação, de forma a gerar uma interação gravitacional congruente a todo sistema.

Sendo a lei fonte primária do Direito no sistema civil law e ainda, a partir do neoconstitucionalismo, a jurisprudência ser elevada a uma das fontes do Direito neste mesmo sistema, é imprescindível que a interpretação adotada ao serem analisadas tais fontes, principalmente pelos tribunais e Cortes Supremas - a priori, criadores de Direito de forma vinculante - seja diametralmente a mais estável, íntegra e coerente possível, conforme trouxe o legislador no artigo 926 do Código de Processo Civil de 2015.

Não obstante a busca de uma real uniformidade na jurisprudência, indispensável para que haja segurança jurídica no ordenamento brasileiro, é necessária ainda, por parte do juiz, a avaliação criteriosa e precisa, não somente em relação ao pedido e ao direito invocados, da jurisprudência e leis em vigência, mas ainda da possibilidade de distinção do caso concreto em análise ao seu precedente paradigma, quando for assim apresentado e requerido pela parte ou ex officio. Logo, apresenta-se imperioso o estudo sobre a tarefa atribuída ao magistrado de, além de interpretar e aplicar o sistema de precedentes judiciais, de fazer a distinção entre a o precedente paradigma e sua não aplicação no caso concreto.

Longe do que o senso comum divulga, o embrião do sistema dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro não foi gerado a partir do Código de Processo Civil de 2015 e sim a partir da Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, que criou o instituto da repercussão geral, com o intuito de uniformização das decisões judiciais, tornando o processo mais célere e trazendo maior segurança jurídica ao ordenamento.

Desta forma, tem-se como substancial um estudo sobre os precedentes judiciais pelo fato de o tema ser de relevante importância para o ordenamento jurídico brasileiro por pelo menos três motivos: pelos aspectos neoconstitucionalistas - que repercutiram fortemente no Processo Civil, alterando a estruturação do mesmo para uma fase  neoprocessualista -; pelo peso que o Processo Civil tem, não apenas em sua ampla atuação mas também por ser o direito processual subsidiário dos demais direitos processuais e pelo aspecto da hermenêutica jurídica, devido à necessidade de uma interpretação pautada na segurança jurídica, indispensável a um ordenamento jurídico efetivo e eficaz.

O presente artigo é dividido em sete tópicos. No primeiro tópico, intitulado o sistema civil law e commom law, serão expostos os aspectos históricos desses dois sistemas ocidentais e, embora apresentados de forma breve, tem o objetivo de levar o leitor à compreensão das principais diferenças entre esses sistemas e suas congruências a ponto de adaptar-se um dos institutos de peso do sistema commom law – os precedentes judiciais - ao sistema civil law adotado no Brasil, os chamados precedentes à brasileira.

No tópico dois, o ponto central é o entendimento dos elementos inerentes à segurança jurídica para que um Estado, ao cumprir seu papel de tutelar os direitos de seus jurisdicionados, tenha real efetividade no desempenho de suas atividades.

No tópico três será tratado da função normativa e sua aplicação no estudo dos precedentes judiciais e abordará sobre o papel e a função da norma e sua aplicação principiológica no sistema de precedentes judiciais.

No tópico quatro o eixo central apresentar-se-á um breve conceito do que é Jurisprudência e do que são as Súmulas e o papel de cada um na sistemática do ordenamento jurídico efetivo. No tópico cinco, tendo como título Precedentes Judiciais, trabalhar-se-á sobre o que é um precedente judicial, sua conceituação, bem como sobre o funcionamento da ratio decidendi ou holding – modelo americano - e do obter dictum no ordenamento jurídico brasileiro. 

No tópico seis, discorrer-se-á sobre os precedentes à brasileira e suas peculiaridades. No tópico sete, abordar-se-á acerca da técnica de distinção ou distinguishing e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, apresentar-se-ão as conclusões finais.

Cabe destacar que este artigo não tem como intuito esgotar o tema, por sinal muito vasto e extremamente rico em conteúdo, mas abordar os principais pontos do sistema de precedentes judiciais utilizado no Brasil e suas peculiaridades, principalmente no que tange à técnica de distinção ou distinguishing advindo do sistema commom law.            

Este trabalho pretende ainda demonstrar mediante o uso das metodologias analítica e interpretativa, a dimensionalidade trazida ao sistema de precedentes judiciais brasileiro com a disposição da técnica de distinção (distinguishing) a partir do Código de Processo Civil de 2015.

 

1.      Sistema civil law e commom law

Os aspectos históricos merecem atenção por influenciarem tanto institutos hodiernos como decisões judiciais, visto que “[...] saber como se decidia e o que influenciava as decisões é uma viagem de volta no tempo para que possa ser mais bem compreendida a situação atual e a eventual reestruturação, como vista ao futuro. [...]” (CIMARDI, 2015. p. 21)

Analisando de forma breve, sem ater-se com profundidade quanto à definição e dimensão dos sistemas civil law e commom law, o objetivo do presente tópico é comensurar algumas das diferenças desses sistemas e das aproximações no que dizem respeito ao estudo dos precedentes judiciais.

Tratam-se de sistemas dissemelhantes, pois “[...] surgiram em circunstâncias políticas e culturais completamente distintas, o que naturalmente levou à formação de tradições jurídicas diferentes, definidas por institutos e conceitos próprios a cada um dos sistemas. [...]” (MARINONI, 2009, p. 1). Destas tradições diferentes, portanto, surgiram visões diferentes, por vezes contraditórias, porém dentro da perspectiva abordada por cada um desses sistemas.

No que tange ao sistema commom law, uma de suas bases é o uso dos precedentes judiciais, chamado de rule of precedent, vale dizer, regra do precedente. Contudo, o nascimento do commom law não se deu pela própria utilização dos precedentes judiciais. Em seu surgimento, “[...] os juízes medievais ingleses desde cedo invocavam precedentes em suas decisões [...], porém, dava-se com o intuito de simples ilustração ou explicação do significado do Direito aplicado ao caso. [...]” (MITIDIERO, 2017, p. 28)

O precedente meramente ilustrativo deu lugar, nos séculos XVI e XVII (MARINONI, 2017, p. 310) a um precedente de caráter persuasivo, começando a ser critério, e não mera ilustração quando da análise do caso para a decisão do juiz.

Como Mitidiero explica: “[...] os precedentes adquirem uma função persuasiva – servem para decisão do caso, desde que não sejam contrários ao ‘Direito’ – e passam a ser recolhidos em named reports [relatórios nomeados]. [...]” (2017, p. 310). Esses relatórios nomeados então, passaram a ter poder vinculativo à próxima sentença a ser proferida, não obstando possíveis distinções ante ao caso concreto.

Pode-se dizer que foi a partir deste período que se deu início a teoria dos precedentes na Commom Law,

[...] nessa perspectiva, o precedente é visto como a principal e mais autorizada ‘evidence’ [evidência] da existência do Commom Law. Essa é a doutrina clássica do precedente judicial inglês, cujo desenho final pode ser encontrado de forma bem-acabada não antes do século XVIII. [...] (MITIDIERO, 2017, p. 33)

Embora o sistema commom law apresente-se como o sistema do direito costumeiro, o surgimento do sistema de commom law não se mostra concomitante ao surgimento do precedente, contudo, este se integrou àquele devido às mudanças sociais e ao desenvolvimento do próprio sistema, percebendo-se tal necessidade a fim de gerar maior segurança jurídica às decisões judiciais.

Contudo, a vinculação do precedente à decisão judicial tornou-se tão forte que o sistema commom law começou a desenhar-se no sentido de o precedente ser uma prova da existência do próprio sistema, ou seja, passou-se de um sistema meramente costumeiro para um sistema fortemente costumeiro, baseado e vinculado em precedentes judiciais.

A moderna teoria dos precedentes judiciais no commom law caracteriza o precedente como stare decisis, curiosamente “[...] advinda da expressão latina: stare decisis et non quieta movere, mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido) é informada pelo princípio do precedente (vertical) como forma obrigatória externa para todas as cortes inferiores. [...]” (CIMARDI, 2017, p. 40)

Como peculiaridade do commom law, a decisão tida como precedente possui eficácia vinculativa e erga omnes e, vale destacar, bem distinto do que ocorre no civil law, é estritamente respeitada justamente por ser um precedente judicial, ou seja, não há discussões doutrinárias nem há possibilidade de revisão por qualquer Corte Superior. Há uma devota obediência ao que o stare decisis é e o que representa.

Desta forma, o precedente paradigma, que servirá de modelo à decisão posterior aplicada ao caso concreto, modelaria e vincularia a ela, em sendo estabelecidos mesmos elementos determinantes, ou seja, seria utilizada a mesma essência jurídica na solução de conflito que tenha mesma questão de direito.

A discussão a respeito do papel dos precedentes no sistema commom law – tanto no modelo americano como no modelo anglo-saxão -, e de sua composição é muito antiga e intensa, também é matéria muito complexa. Este assunto será melhor discutido em tópico específico, sobre os Precedentes Judiciais.

Por sua vez, o sistema civil law, com seus fundamentos na Revolução Francesa, limitou o poder julgador do magistrado para ser apenas bouche de la loi, vale dizer, a boca da lei, não podendo utilizar-se de técnicas interpretativas e devendo, portanto, aplicar a lei de maneira estrita e única. Tudo, por ter o magistrado, fortes ligações com o rei e suas convicções, por óbvio, contrárias aos ideais revolucionários.

Isto se apresenta claramente nas palavras de Montesquieu: “[...] dos três poderes de que falamos, é o Poder de Julgar, de certo modo, nulo. Sobram dois. E, como estes têm necessidade de um poder regulador para temperá-los, a parte do corpo legislativo composta de nobres é muito apropriada para produzir esse efeito. [...]” (1994, p. 171, grifo nosso)

O idealista da separação dos poderes e influenciador das bases constitucionais modernas demonstra sua indiferença para com o juiz e seu papel julgador, cabendo, segundo ele, a outro poder – o Legislativo – a tarefa de esclarecer as dúvidas que viessem a surgir, sendo defeso qualquer interpretação da lei.

Além de proibi-lo de qualquer interpretação à lei, “[...] conferiu ao juiz a faculdade de pedir a um ‘corpo legislativo’ o esclarecimento do texto legal, mediante o que se chamou de référé législatif [referendo legislativo] facultativo. [...]” (MARINONI, 2016, p. 48). Esse referendo facultativo, ou seja, o referendo legislativo, ocupava nos idos da Revolução Francesa o papel de interpretação que era vedado ao juiz. Esse órgão de cassação fora criado justamente para que o juiz não tivesse poder algum, sendo considerado nulo. Desta forma, caberia ao Poder Legislativo o papel exclusivo de emanar as leis, de interpretá-las e de zelar para que fossem cumpridas. Ao Poder Judiciário caberia estritamente a aplicação da lei, sem qualquer interpretação.

Calamandrei, expoente processualista italiano, destaca:      

[...] a necessidade de corrigir a decisão judicial que desconsidera o référé [referendo] facultativo deu origem a um órgão de cassação. Discutiu-se acerca da sua composição. Como não poderia deixar de ser, exclui-se a possibilidade de o órgão se constituir por juízes ou se situar no Poder Judiciário. Não apenas porque tutelar o legislativo ou a separação de poderes nada tinha a ver com a função jurisdicional, mas, sobretudo, porque não se poderia deixar o controle no âmbito do poder questionado. A ideia de se confiar a cassação ao executivo foi descartada mediante a advertência de Montesquieu sobre o perigo de o conselho real interferir sobre a administração da justiça. Mais difícil foi a discussão acerca da conveniência de se situar o órgão no legislativo. Afirmou-se que seria coerente que o poder que cria e interpreta as leis também detivesse o de zelar por sua autoridade, evitando as interferências do Judiciário. Embora teoricamente a proposta guardasse simpatia, foi ela deixada de lado pelo motivo de que se temia que, ao se ter na Assembleia legislativa um órgão para a instrução das questões de cassação, na prática se estaria constituindo uma espécie de Senado, instituto que os revolucionários não queriam introduzir na nova Constituição. [...] (1945, p. 52 apud MARINONI, 2016, p. 49, grifo nosso)

Infere-se, portanto, que a separação em Poder Legislativo, Poder Judiciário e Poder Executivo apresentada pelos revolucionários franceses não tinha o intuito memorável de apresentar-se como meio facilitador do gerenciamento das atividades de prestação de serviço ao povo – de onde o “real poder” era emanado - mas apenas como forma de tirar o poder das mãos do Judiciário, altamente ligado à Monarquia e transferi-lo para as mãos do Legislativo, donde estavam esses revolucionários, também conhecidos como burguesia.

Montesquieu afirmou em seus escritos que “[...] os juízes da Nação, como dissemos, são apenas a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força, nem o rigor. [...]” (1994. p. 176). A intenção maior era centralizar, deter realmente todo o poder, nas mãos do Legislativo. Embora a tradição do sistema civil law tenha trazido institutos indispensáveis para o atual funcionamento dos poderes, historicamente, os ideais apresentados como democráticos ainda possuíam roupagem absolutista.

Segundo Cimardi isso “[...] deixava transparecer que as decisões judiciais, resultado final da atividade jurisdicional, não integravam a composição da estrutura do sistema jurídico. [...]” (2015, p. 18). Como caberia ao juiz apenas a estrita subsunção do fato à norma, o sistema civil law não teve, inicialmente, a mesma preocupação acerca dos precedentes, visto não se apresentarem necessários na fundamentação da decisão judicial.

Gradativamente, apesar desse forte dogma e da “[...] notória resistência, para não dizer indiferença, a institutos do commom law. [...]” (MARINONI, 2009, p.01), o sistema civil law foi sofrendo alterações, tendo seu ápice no neoconstitucionalismo, que trouxe consigo uma quebra de paradigmas. Seria arcaico tal sistema continuar arraigado às questões egoístas da Revolução Francesa e não se dinamizar. Principalmente no ordenamento jurídico aplicado no Brasil, demorou-se muito para que essa dinamização realmente ocorresse. Talvez por força de questões culturais e sociais de pertencimento ao sistema civil law e sua historicidade. 

Há tempos, o precedente não é mais “[...] uma característica peculiar dos ordenamentos do commom law, estando agora presente em quase todos os sistemas, mesmo os de civil law. [...]” (TARUFFO, 2011, p.140). Apresenta-se, assim, mitigada a dogmática há anos ensinada nas universidades de Direito de que o civil law é o sistema totalmente fundado na lei e o commom law, ou direito costumeiro, nos precedentes e costumes e que entre tais sistemas não há congruência.

Esse ecletismo vem em parte da necessidade trazida pelos casos concretos – em ambos os sistemas - de uma maior segurança jurídica nas decisões judiciais aplicadas e da evolução da sociedade, acompanhada pelo Direito. Destarte, os sistemas, considerados por séculos antagônicos, passaram a convergir-se, vindo, de forma paulatina, o sistema commom law a adotar a lei como fonte e o sistema civil law adotar os precedentes judiciais como fonte normativa.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni,

[...] a força do constitucionalismo e a atuação judicial mediante a concretização das regras abertas fez surgir um modelo de juiz completamente distinto do desejado pela tradição do civil law. Não há dúvida que o papel do atual juiz do civil law e, principalmente, o do juiz brasileiro, a quem é deferido o dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, muito se aproxima da função exercida pelo juiz do commom law, especialmente a da realizada pelo juiz americano. [...] (2016, p. 12, grifo nosso)

Apresentam-se assim, congruências entre os sistemas commom law e civil law, que, por sua vez, darão base ao sistema de precedentes judiciais utilizados no ordenamento jurídico brasileiro. Essa aproximação, muito sentida na esfera constitucional, passa a se mostrar em outras esferas do Direito.

Depreende-se desta maneira que, por tomarem distintas linhas de pensamento jurídico, não há o que se falar em ser o sistema civil law superior ao commom law, ou vice-versa. Tratam-se de sistemas adversos, tanto em sua origem quanto em seus institutos, importando destacar que, são os sistemas citados e comparados neste artigo por força de serem ambos os sistemas de tradições jurídicas ocidentais, porém, não os únicos existentes.

Também não há qualquer possibilidade de exatidão ou isometria no estudo isolado de um desses sistemas, devido aos seus doutrinadores debruçarem-se em vertentes distintas, gerando, por obviedade, diferentes visões.

Entretanto, tais visões, embora diferentes não podem ser julgadas inapropriadas ou errôneas, devido ao Direito estar inserido nas Ciências Humanas, sendo assim, está em constância sintonia com as mudanças sociais e sensíveis a elas. Desta forma, não há o que se falar em exatidão matemática ou uma única forma de ter-se um resultado em sentido absoluto.

Ambas as afirmativas supradescritas amoldam-se no estudo dos precedentes judiciais. Mesmo historicamente comprovado que tal instituto teve sua origem no commom law, a diferença deste sistema com o de civil law não é impedimento para que ocorra harmonia em certos institutos.

Para se entender melhor essa dinâmica, imperioso faz-se um estudo sobre o que vem a ser a segurança jurídica e seu papel na operacionalidade da promoção da paz social do Estado, conteúdo a ser abordado no próximo tópico.

 

2. A segurança jurídica e a interpretação jurídica

Como destacado no tópico anterior, a segurança jurídica é elemento vital a um ordenamento jurídico efetivo. Tomando como comparação as leis universais existentes nas ciências exatas, imprescindíveis para o bom andamento do cosmos, nas ciências jurídicas, para o bom andamento do todo, o papel cabe à segurança jurídica.

Na teoria processual civil moderna, observa-se o sincretismo entre o direito processual e o direito material bem como entre os diversos ramos do Direito. Entende-se que esse sincretismo tem como máxima a busca da segurança jurídica. Além disso, cabe destacar também sua importância como fundamento a todo o sistema principiológico de um ordenamento jurídico.

Tal importância a sobrepôs como tema em pormenorizados estudos de variadas áreas do Direito, até mesmo as consideradas mais abstratas, como o caso da Teoria do Direito e da Filosofia Jurídica. Em uma sociedade com um forte assento na liberdade das negociações, nada é mais importante do que ter-se a certeza de que as decisões judiciais serão pautadas basilarmente na segurança jurídica, não abrindo arestas para entendimentos mudados de forma abrupta e de maneira constante.

O fato de que as decisões podem ser alteradas conforme a adaptação às mudanças sociais é totalmente plausível e esperado. Um sistema engessado também desconfigura-se do foco na segurança jurídica e de tudo o que representa. Contudo, as alterações realizadas de maneira abrupta devem ser evitadas e, quando realizadas, extirpadas. 

Como bem descreve Mitidiero:

[...] saber como é o raciocínio jurídico, como é possível prever o conteúdo das decisões estatais nos processos judiciais e como é possível promover uma permanente vinculação ao direito. [...] é preciso desenvolver o problema central da vinculação do exercício do poder à ordem jurídica. Esses objetivos, no entanto, só são alcançáveis em uma sociedade pautada pela segurança jurídica. [...] (2017, p. 22)

Destarte, para que, de fato, concretize-se a função do Estado na tutela jurisdicional através do uso dos precedentes judicias é necessário que uma decisão proferida vincule à próxima, se ambas tiverem os mesmos requisitos em relação à questão de direito, já utilizada em decisão anterior e que terá efeito vinculativo sobre a sentença a ser proferida. Em outras palavras, em casos concretos que tenham como pano de fundo, não os mesmos fatos, mas a mesma essência jurídica na aplicação da norma, o elemento normativo utilizado na sentença anterior vinculará a sentença da decisão posterior.

Com isso, o ativismo judicial, tão vedado na Revolução Francesa, passa a apresentar-se intensamente no cotidiano do Judiciário. Contudo, a fim de que ocorra um desenvolvimento linear e isonômico entre as decisões judiciais proferidas, de forma criteriosa, através da utilização do sistema de precedentes judiciais, estabelece-se a “racionalização das decisões judiciais”. (Id. Ibid., 2017, p. 23)

Em excelente explicação, Daniel Mitidiero aduz que:

[...] a segurança jurídica pode ser decomposta analiticamente em cognoscibilidade, estabilidade, confiabilidade e efetividade da ordem jurídica. Nenhuma ordem jurídica pode ser considerada segura se inexiste cognoscibilidade a respeito do que deve reger determinada situação da vida[...]sem cognoscibilidade, não há como existir segurança de orientação[...] a segurança jurídica depende igualmente da ideia de estabilidade, porque uma ordem jurídica sujeita a variações abruptas não provê condições mínimas para que as pessoas possam se organizar e planejar suas vidas. Uma ordem jurídica segura constitui ainda uma ordem confiável, isto é, que é capaz de reagir contra surpresas injustas e proteger firme expectativa naquilo que é conhecido e naquilo com que se concretamente planejou. A segurança jurídica depende, por fim, da capacidade de efetividade normativa. Vale dizer: de segurança de realização[...] isso porque só é seguro aquilo que tem a capacidade de se impor acaso ameaçado ou efetivamente isolado. [...] (2017, p. 24, grifo nosso)

Esses elementos trazidos por Mitidiero, quais sejam, cognoscibilidade, estabilidade, confiabilidade e efetividade, juntos, apresentam-se imprescindíveis para o bom desempenho de um ordenamento jurídico por serem inerentes à estrutura da segurança jurídica. Em breve conceito têm-se a cognoscibilidade, como o conhecimento a respeito do todo, das normas, isto é, princípios e regras e também do direito jurisprudencial, a fim de se sentenciar, “dizendo o Direito” de forma sólida. Os demais elementos por si só são autoexplicativos.

Um sistema baseado não somente em regras, mas em princípios norteadores tende a gerar maior segurança, tanto a seus aplicadores quanto aos seus jurisdicionados, pela certeza de que se proferirá decisão baseada em uma mesma maneira de decidir. Somado a uma interpretação da norma realizada de forma racional, ou seja, com discricionariedade limitada e pautada no compromisso de gerar unicidade ao direito jurisprudencial, resultante dessa interpretação, torna-o ainda mais completo.

O tema da segurança jurídica tem sido amplamente debatido. No dia 26 de abril de 2018, com a finalidade de dispor sobre segurança jurídica e eficiência na aplicação do direito público, foi publicada a Lei 13.655/2018, que incluiu diversos dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, considerada no ordenamento jurídico brasileiro como a lex legum, vale dizer, a lei sobre leis.

À essa norma que regula as outras normas, foi acrescentado o artigo vinte, com o intuito de reforçar a segurança jurídica não somente na esfera judicial, mas ainda na administrativa e de controle, tendo como exemplo deste último os Tribunais de Contas.

Na justificação dos juristas que auxiliaram na elaboração do anteprojeto da agora Lei 13.655/2018, importa salientar, no que tange ao artigo vinte que,

[...] veda, assim, motivações decisórias vazias, apenas retóricas ou principiológicas, sem análise prévia de fatos e de impactos. Obriga o julgador a avaliar, na motivação, a partir de elementos idôneos coligidos no processo administrativo, judicial ou de controle, as consequências práticas de sua decisão. E, claro, esse dever se torna ainda mais importante quando há pluralidade de alternativas. Quem decide não pode ser voluntarista, usar meras intuições, improvisar ou se limitar a invocar fórmulas gerais como interesse público, princípio da moralidade e outras. É preciso, com base em dados trazidos ao processo decisório, analisar problemas, opções e consequências reais. Afinal, as decisões estatais de qualquer seara produzem efeitos práticos no mundo e não apenas no plano das ideias. [...] sempre que o Poder Público tiver de decidir tendo por base um conflito de bens jurídicos de qualquer espécie, deve analisar a possibilidade dessa medida levar à realização pretendida (adequação), de a medida ser a menos restritiva aos direitos e interesses envolvidos (necessidade) e de a finalidade pública buscada ser valorosa a ponto de justificar a restrição imposta (proporcionalidade em sentido estrito). [...] (pág. 4 e 5)

Portanto, depreende-se que, certamente busca-se que qualquer decisão esteja em consonância com as normas jurídicas vigentes, ou seja, da competência de proferir-se decisões e da discricionariedade judicial, têm-se uma limitação à parâmetros principiológicos – como proporcionalidade e razoabilidade-, e estruturais para que seja realizada da forma mais estável possível.

Feita essa breve explanação do papel inerente à segurança jurídica, no tópico seguinte tratar-se-á a respeito da função normativa – princípios e regras – em um ordenamento jurídico seguro e sua aplicação no sistema de precedentes judiciais.

 

3. Os princípios e sua função normativa na aplicação do estudo dos precedentes judiciais

Desde a égide da Revolução Francesa, o sistema civil law furtou o magistrado de qualquer tipo de ativismo judicial, objetivando a segurança jurídica através do extremismo no cuidado com a lei, fonte normativa absoluta à época, como visto nos tópicos anteriores.

Ocorre que, como fica ínsita hodiernamente, somente a atividade declarativa do juiz não resolveria todas as questões no caso concreto, devido ao “[...] legalismo acrítico e as próprias imperfeições normativas. [...]” (HARTMANN, 2017, p. 9), destacando-se, como imperfeições normativas, as lacunas e as antinomias como limitadoras da subsunção do fato à norma.

Diante desta limitação, tem-se que,

[...] em razão do intento de se atender mais satisfatoriamente aos ideais de justiça, de equidade ou mesmo de qualquer outra dimensão da moral, é que se reconhece a importância cada vez maior dos princípios na aplicação diuturna da ciência jurídica pelos profissionais do Direito, já que é sabidamente impossível confiar apenas ao legislador a árdua missão de regular todas as situações possíveis no mundo fático. (Id. Ibid., grifo nosso)

Em um desenvolvimento do próprio sistema de civil law, as leis, em sentido lato, também consideradas como regras, não solucionariam todas as situações dos casos concretos, devido a erros, oriundos da própria natureza humana, na feitura das leis. Aquela ideia primária da tradição do sistema civil law de que a lei - e só a lei - resolveria toda e qualquer demanda que provocasse a atuação do Estado, na prática, sofria forte limitação. 

Nesta perspectiva, 

[...] observa-se, assim, uma crescente normativa dos princípios, que não necessariamente devem ser apenas considerados como fontes normativas subsidiárias, ou como meras normas secundárias destinadas a complementar o conteúdo das normas primárias quando estas forem omissas. Muito pelo contrário, atualmente já se reconhece que os princípios, pelo menos os constitucionais, representam as traves-mestras do sistema jurídico, cujos efeitos se irradiam sobre as diferentes normas, servindo de balizamento para a interpretação de todo o setor do ordenamento em que radicam. E, em abono a esta constatação, seria até mesmo correto concluir que violar um princípio é muito mais grave do que violar uma regra jurídica, uma vez que a desatenção ao princípio acarreta uma violação a todo o sistema de comandos. Portanto, os princípios, sejam eles implícitos ou expressos, também devem ser considerados como normas jurídicas, por possibilitarem a imposição de obrigações legais da mesma forma. [...] (HARTAMNN, 2017, p. 9, grifo nosso)

Infere-se, portanto, que os princípios constitucionais são normas vinculadoras no ordenamento jurídico pelo fato de estarem contidos na Constituição Federal, balizadora de competências e limitações a todo o ordenamento jurídico. Àqueles, ressaltam-se aos princípios gerais de Direito, trazidos pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu artigo quarto, estes nominados pelo próprio artigo como fontes secundárias do Direito.

Importa destacar que, em sentido amplo, as normas podem ser consideradas:

[...] norma-regra e normas-princípios [...], ambos exprimem o dever ser, ambos são formulados de expressões deônticas básicas: mandado, permissão e proibição. Nas regras e nos princípios identificam-se razões para juízos concretos de dever ser, muito embora de espécie bem diferente. Enquanto os princípios exprimem a prima facie [à primeira vista], as regras exprimem razões determinativas. [...] (ZANETI JR,2017, p. 298)

Assim sendo, norma é gênero, que tem como espécies os princípios e as regras, havendo diferenciação entre ambos. Embora norteiem o dever-ser, por serem normas cogentes, são espécies distintas, sendo os princípios mais abstratos do que as regras.

Para Robert Alexy,

[...] os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização que são caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais como também das jurídicas. [...] (2004, p. 86 apud ZANETI JR., 2017, p. 298, grifo nosso)                                                                                  

Assim sendo, quando tratar-se de normas principiológicas haverá uma abertura maior, ou seja, uma maior abstração, estabelecendo ao máximo sua aplicação, como o próprio conceito de Alexy, como “mandados de otimização”. Desta forma, serão otimizados tanto na aplicação fática como na aplicação jurídica ante ao caso concreto.

No que tange às regras, têm-se que,

[...] são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve ser feito exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fático e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre as regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda a norma ou é uma regra ou é um princípio. [...] (ZANETI JR, 2017, p. 299)

Portanto, as regras, diferente dos princípios, não se otimizam. São estabelecidas pela conhecida regra do all or nothing, ou seja, do “tudo ou nada” de Ronald Dworkin (2013, n.p.). Ou se aplicam ou não se aplicam no ambiente fático ou jurídico analisado no caso concreto.

Nas palavras de Zaneti Jr,

[...] se depender da interpretação esta será função do Poder Judiciário, quer na aplicação de regras, quer na aplicação de princípios. Uma teoria de precedente serve, nestes casos e nos espaços de discricionariedade deixados pelas cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, para racionalizar a aplicação das soluções dadas para todos os casos análogos, diminuindo a discricionariedade judicial na interpretação judicial. [...] (2017, p. 311, grifo nosso)

Embora o ativismo judicial tenha tomado proporções nunca imaginadas pelos precursores do sistema civil law, há imperiosa necessidade de ter-se parâmetros que delimitem bem esse ativismo, para que a segurança jurídica e os demais princípios sejam preservados. Não obstante, as decisões judiciais detêm efeitos além do âmbito jurídico, mas ainda nos âmbitos sociais, políticos e econômicos de um país.

Portanto, hodiernamente, além de “dizer o Direito”, o juiz também interpretará as normas – princípios e regras – através da subsunção destas ao fato e, em caso imperfeições legislativas- como por exemplo, de lacunas-, “criará o Direito”, seja através da jurisprudência, súmulas ou precedentes judiciais, assim abarcados no Brasil como direito jurisprudencial, ou seja, através do papel atípico do Judiciário.

Contudo, não criar-se-á Direito todas as vezes que se achar necessário, por mera vontade do juiz. Os elementos do direito jurisprudencial, dentre eles os precedentes judiciais, são utilizados no sentido de trazerem estabilidade ao ordenamento, para que toda decisão que versar sobre mesma questão de direito de precedente já existente, se adeque a este, moldando-se e vinculando-se a ele. Caso ocorra distinção do caso concreto ante ao seu precedente paradigma então utilizar-se-á a técnica da distinção, ou distinguishing, assunto este a ser abordado em tópico específico.

Compreendido o funcionamento dos sistemas civil law e commom law; realizada a análise da segurança jurídica e da função das regras e princípios no estudo dos precedentes, importante se faz uma análise sobre o direito jurisprudencial brasileiro. Para tanto, é necessário conhecer o que é a jurisprudência e do que são as súmulas, ou seja, o que não são os precedentes judiciais, para, posteriormente entender-se o que vem a ser esta ferramenta advinda do sistema commom law.

 

4. Jurisprudência e Súmulas no ordenamento jurídico brasileiro

Como trabalhado nos tópicos anteriores, o juiz, além de deter o conhecimento da lei, em sentido lato, deve também deter o do funcionamento do direito jurisprudencial brasileiro, para que a interpretação realizada esteja sonante com todas as fontes do ordenamento jurídico, de forma a gerar uma interação gravitacional congruente em todo sistema.

Para entender-se de fato o que seria a “jurisprudência” - em sentido amplo -, expressão muito utilizada, embora erroneamente, para conceituar o direito jurisprudencial; é importante diferenciar, de forma breve, quais são seus elementos, ou seja, o que é jurisprudência e o que são súmulas para em tópico seguinte, analisar-se o que são os precedentes judiciais.

Jurisprudência, do latim, iurisprudentia, em tradução livre, a prudência do Direito, pode ser definida como:

[...] a denominação genérica, quase coloquial, para um conjunto de decisões proferidas pelos tribunais. [...] O significado que prevalece hodiernamente é o que considera jurisprudência “irredutivelmente polissêmica, que pode ser representada por três “famílias” de significados: (a) como ciência do direito; (b) como atividade profissional do jurista, acentuadamente na dimensão prática; (c) como conjunto de decisões judiciais. [...]     Considerada quanto ao último sentido pode referir-se a soluções idênticas ou análogas a um mesmo problema, ou a problemas análogos ou conexos (hipótese em que o termo jurisprudência é frequentemente trazido como sinônimo de “jurisprudência conforme” ou “jurisprudência consolidada”), às vezes, pode referir-se não ao conteúdo uniforme, mas ao instituto jurídico tratado pelo conjunto de decisões (hipótese em que se fala, por exemplo, de jurisprudência de contrato de leasing); e, ainda, pode referir-se a esses dois usos de forma combinada. [...] (CIMARDI, 2015, p. 85-87)

Sendo assim, que não há um único conceito que defina jurisprudência, contudo, o mais utilizado, de forma geral, trata-a como o conjunto de reiteradas decisões judiciais de determinado tribunal sobre mesma questão – definindo-se como questão a oriunda de um mesmo problema ou de um mesmo assunto ou ainda por ambos -, sendo o ponto de partida para todo o desenvolvimento do direito jurisprudencial brasileiro.

No ano de 1963, através de seu Regimento Interno, o Supremo Tribunal Federal viu a necessidade de reunir em pequenos enunciados o produto de sua jurisprudência, tornando mais fácil a tarefa de julgar do próprio tribunal e, seguindo a experiência das máximas italianas e dos assentos portugueses, implantou o sistema de súmulas no ordenamento jurídico brasileiro, passando estas a serem a “linguagem sobre linguagem”, ou seja, um resumo do entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal que serviu de base para orientar o tribunal. (MITIDIERO, 2017, p. 70 e 71).

Em um primeiro momento, ainda baseado em institutos advindos do sistema civil law utilizado na Europa, os enunciados foram adaptados à realidade brasileira para orientação dos próprios ministros do Supremo Tribunal Federal, buscando maior celeridade no processo de decisão.

Nos idos dos anos setenta, as técnicas repressivas supradescritas dividiram lugar com as chamadas técnicas preventivas. O Código de 1973 instituiu o incidente de uniformização de jurisprudência, cuja função estava em viabilizar um “pronunciamento prévio” a respeito da interpretação de uma determinada questão, sendo tais pronunciamentos judiciais chamados de “súmulas impeditivas de recursos. ” (MITIDIERO, 2017, p. 73)

Detém-se atualmente, dois tipos de súmulas, as súmulas persuasivas, também chamadas de verbetes sumulares, que nas palavras do renomado processualista brasileiro José Carlos Barbosa Moreira é “[...] o conjunto das proposições em que se resume a jurisprudência firme de cada tribunal. [...]” (MOREIRA,2007, p. 299-313 apud PINHO, 2016, p. 410) e possuem a finalidade de tornar mais célere a atuação dos Tribunais e reduzir o risco de julgados díspares em se tratando de casos análogos e ainda as súmulas de caráter vinculante.

A partir da Emenda Constitucional n.º 45/2004, os enunciados do Supremo Tribunal Federal tomaram natureza constitucional através do artigo 103-A da Constituição Federal, implementando as chamadas súmulas vinculantes ao ordenamento jurídico brasileiro.

[...] as súmulas – que inicialmente tinham por função facilitar a tarefa de controle então exercida pelo Supremo Tribunal Federal e posteriormente evitar a admissão de recursos – passaram a ter uma função de determinação do conteúdo das decisões judiciais. As súmulas deixaram de conter orientações apenas para os Ministros do próprio Supremo Tribunal Federal e passaram a veicular normas para todo o Poder Judiciário e para toda a Administração Pública. Em outras palavras, assim como ocorreu com a jurisprudência, também as súmulas adquiriram uma feição preventiva, - evitar julgamentos desconformes à jurisprudência assentada. [...] (MITIDIERO, 2017, p. 73)

As súmulas vinculantes, portanto, não se detém ao próprio tribunal, mas vão além, tendo eficácia expansiva através da repercussão geral, alcançando também os órgãos extrajudiciais e adquirindo ainda, aspectos preventivos, somando-se aos aspectos repressivos já existentes. Ocorre que, gradativamente, o direito jurisprudencial brasileiro sofreu mutações, seja pela constitucionalização do processo civil, seja pela integração e influência de institutos presentes em ordenamentos advindos do sistema commom law.

De acordo com o entendimento de Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Roberto de Araújo Ribeiro Rodrigues, a diferenciação do que é a jurisprudência e do que são os precedentes ocorre, basicamente, pelo caráter quantitativo,

[...] a jurisprudência pressupõe, portanto, uma pluralidade de decisões proferidas em diversos casos concretos, nota que a distingue do precedente, que prescinde desse caráter quantitativo, já que pode surgir a partir de um único caso submetido ao Poder Judiciário, hipótese conhecida como leading case [caso principal]. Diante da singeleza do conceito de jurisprudência, passa-se desde já a noção de precedente judicial, a qual merece análise mais detida, já que consiste em mecanismo estranho à nossa cultura jurídica tradicionalmente filiada à civil law. Demais disso, é da lógica de seu funcionamento que se inspira ainda que de forma inadequada, a maior parte dos mecanismos de julgamento por amostragem do sistema brasileiro. [...] (PINHO e RODRIGUES, 2016, p.408, grifo nosso)

Desta forma, a jurisprudência advém de decisões reiteradas, ou seja, pelo caráter quantitativo de decisões e as súmulas são advindas dessa reiterada pluralidade. Já os precedentes judiciais podem apresentar-se singulares ou plurais. Há uma tendência do sistema civil law de aplicar em seu direito jurisprudencial a máxima de reiteradas decisões sobre o mesmo assunto ainda quando trata de precedentes judiciais.

Segundo Mitidiero,

[...] mesmo depois da transformação dos conceitos de jurisprudência e de súmulas, a doutrina brasileira começou a propor a adoção de um sistema de precedentes obrigatórios – vinculantes – no direito brasileiro. A partir daí o direito brasileiro começou a recair igualmente sob a área de influência do Commom law, na medida em que procurou naquela tradição os elementos capazes de colaborar nessa adaptação (2017, p. 71)

Portanto, a jurisprudência e as súmulas não se mostraram suficientes para o bom desenvolvimento do ordenamento jurídico brasileiro, sendo necessária a implantação de técnicas importadas do sistema commom law. Assim nasceu a implantação do sistema de precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro, tema do próximo tópico.

 

5.Precedentes judiciais

No tópico anterior, foi apresentada a conceituação adstrita à jurisprudência e às súmulas, a fim de se melhor compreender o que não é um precedente judicial, embora esteja tratando-se de espécies do mesmo gênero: o direito jurisprudencial brasileiro. Relevante tal conceituação, anterior ao estudo do que são os precedentes judiciais, para melhor entender-se as diferenças entre essas espécies.

Os precedentes judiciais têm sua origem no sistema commom law e desenvolveram-se de acordo com as mudanças sociais ao longo dos séculos, conforme abordado no tópico um. O stare decisis dá-se de forma a vincular a decisão judicial posterior, seja pela própria Corte Suprema ou tribunal que a proferir – em sentido horizontal – seja em relação à outra instância – em sentido vertical – com intuito de oferecer maior segurança à ordem jurídica.

Nas palavras de Teresa Arruda Alvim,

[...] a vinculatividade dos precedentes é justificada pela necessidade de igualdade e a igualdade é atingida através da seleção de aspectos do caso que deve ser julgado, que devem ser considerados relevantes, para que esse caso seja considerado semelhante a outro e, decidido da mesma forma. [...] (2015, p. 5, grifo nosso)

Essa vinculação do sistema de precedentes tem, por finalidade, a busca de uma isonomia jurídica, seja no sentido de igualdade entre os jurisdicionados – a aplicação da isonomia a todo aquele que provocar o Judiciário -, seja em relação às decisões emanadas do próprio Poder Judiciário, visto que, quando tratar-se de casos semelhantes, não haverá decisões diferentes. Concomitante à estabilidade, confiabilidade e os demais elementos basilares da segurança jurídica apresentados no tópico dois, têm-se um ordenamento jurídico seguro.

Contudo, há uma observação de suma importância a ser realizada quando no estudo dos precedentes judiciais,

[...] quando se diz que o precedente do commom law cria o direito, não está pensando que ele tem a mesma força e qualidade do produto elaborado pelo Legislativo, isto é, da lei. Porém, seria possível argumentar que a decisão, por ter força obrigatória constitui direito. O commom law considera o precedente como fonte do direito. Note-se, contudo, que quando um precedente interpreta a lei ou a Constituição, como acontece especialmente nos Estados Unidos, há direito preexistente com força normativa, quando é visível que o juiz não está a criar um direito. Na verdade, também no caso em que havia apenas costume, existia direito preexistente, o direito costumeiro. [...] (MARINONI, 2016, p. 33)

Portanto, no sistema commom law não há a criação de um novo direito por parte do magistrado, mas a interpretação da Constituição e das leis. Essa real necessidade de interpretação que fez nascer o sistema de precedentes judiciais, por ser inerente à aplicação do próprio direito.

No modelo americano, há interdependência entre precedentes judicias e extrajudiciais e, como aduz Gerhardt1,

[...] precedentes são usualmente um dos muitos itens que a justiça deve coordenar na tomada de decisões [...]cada precedente é empregado como seu principal modo de argumentação constitucional. [...] a regra de ouro dos precedentes pode ser especialmente atrativa para as autoridades não judiciais (como a é para a maioria dos juízes), para preservação das normas institucionais e manutenção da colegialidade e tradição, que são importantes, senão indispensáveis[...]. (GERHARDT, 2008, p. 130 e 196, grifo nosso)

Os precedentes judiciais apresentam-se bastante sólidos no commom law - seja no modelo americano, seja no modelo anglo-saxão - por vezes se confundindo com o próprio sistema, a fim de oferecer maior segurança à ordem jurídica advinda da vinculação obrigatória desses precedentes. O resultado é a constância que esse sistema tem devido à força dos precedentes, pois transcendem a barreiras dos anos e dos séculos.

Todo precedente é composto de:

[...] duas partes distintas: a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório. Além desses dois componentes, compõe o precedente, também, a argumentação jurídica. Assim, embora comumente se faça referência à eficácia obrigatória ou persuasiva do precedente, deve-se entender que o que pode ter caráter obrigatório ou persuasivo é a sua ratio decidendi, que é apenas um dos elementos que compõem o precedente. [...] (DIDIER, BRAGA e OLIVEIRA, 2015, p.441,442, grifo nosso)

Assim, um precedente possui dois elementos fundamentais, quais sejam, a ratio decidendi, vale dizer, a razão de decidir e o obiter dictum, ou seja, a argumentação jurídica sem natureza decisória ou que a tenha, porém, somente com vinculação à decisão que lhe compõe, não servindo de paradigma para futura decisão. A expressão obter dictum, pode também ser encontrado na doutrina como obiter dicta (plural) ou apenas obitum, vale dizer, “de passagem”.

A parte de um precedente que possui eficácia de natureza obrigatória é somente a ratio decidendi, mesmo em se tratando da fundamentação da decisão. Logo, de forma lógica, tudo aquilo que não for ratio decidendi será obter dictum, ou seja, tudo o que não for razão de decidir não terá peso para utilização de decisão futura em questão de direito semelhante. Em outras palavras, parte da decisão será a razão de decidir, ou seja, o próprio precedente judicial e o restante não servirá de base para proferir-se outra decisão.

Como explica Fredie Didier, Paula Braga e Rafael Oliveira: “[...] a tese jurídica (ratio decidendi) se desprende do caso específico e pode ser aplicada em outras situações concretas que se assemelhem àquela em que foi originariamente construída. [...] e tem aptidão para ficar acobertada pela coisa julgada. [...]” (2015, p. 443, grifo nosso)

Em sentido estrito, a própria ratio decidendi é o precedente, que fixa teses em casos idênticos de mesma questão jurídica. Sendo assim, apenas a tese jurídica incluída no precedente, - a ratio decidendi - que está delimitada em sua fundamentação será considerado realmente como precedente e será aplicada na decisão a ser proferida no caso concreto.

Segundo o renomado processualista civil italiano, Michele Taruffo,

[...] como o precedente é sempre uma decisão relativa a um caso particular, é necessário que o significado da regra jurídica, usada como critério de decisão, venha “concretizado” para relacioná-lo à solução do caso particular: não se compreende o precedente se a interpretação da norma que nele foi aplicada não vem conexa diretamente com a fattispecie [caso] concreta que foi decidida. [...] (2011, p. 141, grifo nosso)

A discussão entre o que é a ratio decidendi e o que é a obiter dictum ocorre desde os idos do século XVII e não se encerrou até os dias de hoje e possivelmente se estenderá por um longo período, tamanha a preocupação para com os precedentes no sistema commom law, principalmente por estarem atrelados na decisão judicial.

[...] a ratio decidendi ou, para os norte-americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi. [...]constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law) [...] comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão, que se convola em juízo normativo acessório [...]que não tem influência relevante e substancial para a decisão [...] é a opinião jurídica adicional, paralela e dispensável para a fundamentação e conclusão da decisão. [...] é mencionado pelo juiz “incidentalmente” [...] mas pode representar um suporte ainda que não essencial e prescindível para a construção da motivação e do raciocínio ali exposto. [...] (DIDIER, BRAGA e OLIVEIRA, 2015, p. 442 e 444, grifo nosso)

Depreende-se desse pensamento que a ratio decidendi deve ser analisada por uma perspectiva voltada ao caso concreto, a fim de uma aplicação prática. Desta forma, presentes os fundamentos dominantes, a mesma essência jurídica vinculará a sentença vindoura, se estiverem estabelecidos mesma questão de direito.

Como demonstra Marinoni,

[...] se todo precedente ressai de uma decisão, nem toda decisão constitui precedente. Note-se que o precedente constitui decisão acerca de matéria de direito – ou, nos termos do commom law, de um point of law [ponto de direito]-, e não de matéria de fato. Quando são enfrentados pontos de direito, as decisões muitas vezes se limitam a anunciar o que está escrito na lei, não revelando propriamente uma solução judicial acerca da questão de direito, no sentido de solução que ao menos dê uma interpretação da norma legal. De qualquer forma, a decisão que interpreta a lei, mas segue julgado que a consolidou, apenas por isso não constitui precedente. Contudo, para constituir precedente, não basta que a decisão seja a primeira a interpretar a norma. É preciso que a decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. Até porque os contornos de um precedente podem surgir a partir da análise de vários casos, ou melhor, mediante uma construção da solução judicial da questão de direito que passa por diversos casos. Um precedente exige definição, ao menos por maioria, da questão de direito. De modo que a decisão que resolve o recurso por maioria de votos, mas soluciona a questão de direito com base em fundamentos compartilhados por minorias, não constitui precedente. [...] (2016, p. 156-157, grifo nosso)

Assim sendo, para servir de base para casos vindouros, o precedente paradigma deverá possuir certos aspectos. Deve haver, além da relação entre o precedente modelo e o caso concreto em análise no que tange às questões de direito, que a própria decisão a ser considerada precedente enfrente todos os principais argumentos à questão de direito, por maioria de votos ou por unanimidade do Tribunal.

Um precedente paradigma pode ser gerado de uma decisão única, por maioria de votos em questões de direito ou de várias decisões sobre mesma questão de direito, tendo eficácia vinculante em relação à próxima decisão. Em contrario sensu, não tendo a decisão judicial características para precedente paradigma, sua eficácia será somente inter partes. Desta forma, compreendido o que são os precedentes judiciais e seus elementos, adentrar-se-á ao estudo dos precedentes aplicados no Brasil e suas peculiaridades.

           

6. Precedentes à brasileira

A doutrina brasileira conceitua precedente como “[...] um pronunciamento judicial, proferido em um processo anterior, que é empregado como base de formação de outra decisão judicial, prolatada em processo posterior. [...]” (CÂMARA, 2017, p. 367, grifo nosso). Para Fredie Didier, Paula Braga e Rafael Oliveira, “[...] é uma decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. [...]” (2015, p. 441, grifo nosso)

Diante dos conceitos apresentados por esses ilustres processualistas brasileiros, entende-se por precedente o pronunciamento judicial já proferido que servirá de base para futura decisão judicial em processo distinto, porém análogo, existindo, entre ambos, um elemento direcionador, qual seja, um elemento normativo.

Para Juraci Mourão Lopes Filho, em excelente explanação, precedente:

[...] é uma decisão jurisdicional, mas não qualquer decisão, pois ela deve trazer um acréscimo de sentido e exercer a função mediadora entre texto e realidade. Portanto, nem todo julgado pode ser um precedente a ser utilizado no futuro para compreensão do Direito. [...]é uma resposta institucional a um caso (justamente por ser uma decisão), dada por meio de uma applicatio [aplicação], que tenha causado um ganho de sentido para as prescrições jurídicas envolvidas (legais ou constitucionais), seja mediante a obtenção de novos sentidos, seja pela escolha de um sentido específico em detrimento de outros ou ainda avançando sobre questões não aprioristicamente tratadas em textos legislativos ou constitucionais. Essa resposta é identificada em função não só dos elementos de fato (abstratos ou concretos) e de direito (em suas mútuas influências) considerados no julgamento e obtidos da análise da motivação apresentada, mas também dos elementos amplos que atuaram no de-e-para do círculo hermenêutico e que integram as razões subjacentes no processo. [...] (2016, p. 275, grifo nosso)

Logo, um precedente judicial não é qualquer decisão judicial, mas aquela proferida, levando-se em consideração os elementos de fato e de direito da demanda em análise e ainda de elementos de carga interpretativa, capazes de vinculares decisões futuras em casos análogos. Portanto, não vai ter eficácia apenas inter partes, ou seja, para as partes daquela demanda, mas vinculará decisões futuras, com eficácia erga omnes, por deterem maior repercussão.

Embora os precedentes judiciais tenham origem no sistema Commom Law, a aplicação no ordenamento jurídico brasileiro sofreu consideráveis adaptações, sendo denominado pela doutrina de “precedentes à brasileira”.

Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Roberto de Aragão Ribeiro Rodrigues apresentam que:

[...] os julgamentos desta espécie [precedentes judiciais], possuem natureza praticamente objetiva, uma vez que o interesse público de definição da tese jurídica central comum à multiplicidade de recursos idênticos se sobrepõe à disputa entre autor e réu à titularidade de direitos subjetivos. [...] constituem exemplos destas teses jurídicas os seguintes temas representativos de controvérsia que se repete em milhares de ações: planos econômicos, questões bancárias relativas a juros, comissões de permanência, fixação de prazos prescricionais, legalidade de cobrança de taxas, planos de saúde, previdência privada e pública e questões tributárias em geral. [...] a nosso sentir, seria a definição de tais decisões judiciais como decisões definidoras de teses jurídicas. [...] (2016, p. 414, grifo nosso)

Como mencionado no tópico quatro, somente a jurisprudência e a aplicação das súmulas, até mesmo as vinculantes, não tornaram possível a formação de um ordenamento jurídico brasileiro seguro no que tange à sua interpretação. Aliás, por tempos observou-se a discricionariedade judicial sendo aplicada de forma contundente, principalmente no Superior Tribunal de Justiça, que, por ter um grande número de processos, não possuía muitos parâmetros para exercer seu papel, diminuindo a confiança do jurisdicionado em relação às suas decisões.

De forma sistêmica, o Código de Processo Civil de 2015 veio trazendo a seus princípios inerentes embasamento constitucional, como notado em seus primeiros doze artigos. Já no início, o artigo primeiro assim explicita, quando aduz que “[...] o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. [...]” (BRASIL, 2016, p. 23,24)

Nas palavras de Hartmann, temos que:

[...] é de se destacar o previsto em duas normas fundamentais. A primeira (art. 6º), no sentido de que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si. Já a segunda (art. 7º), impõe a todas as partes os mesmos ônus e deveres processuais. Assim, levando em consideração estes 2 (dois) artigos, que são considerados normas fundamentais do CPC, se o patrono da parte, em sua petição inicial ou na contestação, se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida, ou mesmo empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, o magistrado, ao proferir decisão, não terá que se pautar na estrita observância ao dispositivo que impõe decisão judicial minuciosamente fundamentada (art. 489, §1º). Por sinal, este foi exatamente o mesmo entendimento que restou consagrado no enunciado n.º 9, da ENFAM (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) , sobre as primeiras impressões sobre o novo CPC: “É ônus da parte, para fins do dispositivo no art. 489, §1º, V e VI, do CPC/15, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula. [...] (2017, p. 15, grifo nosso)

           

Desta forma, entende-se que o sistema de precedentes judiciais brasileiros pode ser definido como um sistema único, com características próprias, diferenciado dos precedentes do commom law. Necessita destacar que se trata de um sistema em construção, em potencial desenvolvimento, em constante lapidação, de árduo trabalho para todos os aplicadores do Direito, com vários obstáculos existentes, dentre eles a desconstrução do modelo dogmático jurídico que ainda opera.

Como explicitado na exposição de motivos do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil feito por renomados juristas brasileiros, o objetivo do uso dos precedentes judiciais foi de:

[...] proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas e concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia. Criam-se figuras, no novo CPC, para evitar a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional. [...] (BRASIL, 2010, p.243)

Os precedentes judiciais encontram-se distribuídos no Código de Processo Civil. Não há conceituação trazida pelo legislador nem tampouco um capítulo que trate a respeito desse assunto de forma pormenorizada. Disciplinam a teoria geral dos precedentes os artigos 926 a 928 do Código de Processo Civil, com aplicação na parte geral e na parte especial do CPC e ainda supletiva e subsidiariamente na ausência de normas que regulem os demais direitos processuais, conforme aduz o artigo 15 do CPC.

O artigo 926 do Código de Processo Civil de 2015 – CPC/15, traz aos tribunais dois deveres, quais sejam, o de uniformizar sua jurisprudência e de mantê-la estável, íntegra e coerente. Já no artigo 927 do CPC/15, em rol numerus clausus, determina o legislador que:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenários ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados [...]

            O artigo supracitado traz um rol de elementos inerentes ao direito jurisprudencial, sobre o qual deverá se atentar o juiz e os tribunais, em uma obrigação velada, posta cuidadosamente pelo legislador através do verbo “observarão”, pois possuem caráter vinculativo, de forma horizontal e vertical às decisões subsequentes.

Nas palavras de Marinoni,

[...] precedente é gênero, que obviamente encarta os precedentes firmados em controle concentrado (art. 927, I, do CPC/15) e os precedentes estabelecidos “em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos” (art. 927, III, do CPC/15). Já as decisões proferidas nos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas – deixando-se de lado, por enquanto, a questão da ilegitimidade constitucional das decisões que prejudicam os que não participam -, deveriam ser observadas em razão de sua natureza erga omnes. [...] (2016, p. 288)

Desta forma, uma miscelânea foi apresentada aos aplicadores do Direito, sem muitos esclarecimentos. Os precedentes, curiosamente, encontram-se elencados neste rol, contudo, não são citados especificamente. Por eliminação, desconsiderando-se as referências às súmulas, nos incisos II, III e IV, todas as demais decisões são consideradas precedentes. Alguns doutrinadores, como Alexandre Câmara (2017, p. 410) consideram os elementos do inciso III também como precedentes.

           

Depreende-se que, mesmo com divergências doutrinárias, em regra, o Supremo Tribunal Federal- STF e o Superior Tribunal de Justiça-STJ, são as cortes que detém o poder de criarem precedentes judiciais de caráter vinculante, ou seja, através do controle concentrado de Constitucionalidade, norteadores da hermenêutica jurídica brasileira.

            

É o que se conclui das palavras de Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sergio Arenhardt, quando afirmam que:

[...] apenas o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça formam precedentes. Os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dão lugar à jurisprudência. As súmulas podem colaborar tanto na interpretação como na aplicação do direito para as Cortes Supremas e para as Cortes de Justiça –e, portanto, podem emanar de quaisquer dessas Cortes. [...] (2015, p.609, grifo nosso)

Em artigo esparso - art.489, do CPC/15 - o legislador trata a respeito dos fundamentos determinantes necessários à decisão a ser proferida, para que esta seja considerada motivada. Esses fundamentos determinantes são a própria ratio decidendi, vale dizer, razão de decidir, núcleo de um precedente judicial. Contudo, o juiz, não poderá apenas invocar o precedente, mas deverá contextualizá-la ao caso em análise.

Caso o juiz deixe de seguir o precedente paradigma, sem demonstrar a existência de distinção no caso concreto, tal decisão não será considerada fundamentada. Contudo, é possível o juiz deixar de seguir o precedente paradigma fundamentando a decisão através da aplicação do distinguishing – técnica de distinção -, tema do próximo tópico.

 

7.A técnica de distinção (distinguishing)

Para adentrar-se no estudo da técnica de distinção (distinguishing) e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro foi preciso entender, primeiramente, o que são os precedentes judiciais, sua origem e sua aplicabilidade dentro do direito jurisprudencial brasileiro.

A técnica de distinção, chamada no commom law como distinguishing, “[...] expressa a distinção entre os casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento ao precedente. [...]” (MARINONI, 2016, p. 230). Logo, além da análise da aplicação do precedente paradigma ao caso concreto, verificando-se a distinção deste àquela, operacionaliza-se a técnica de distinção, de forma fundamentada.

Segundo Daniel Assumpção Neves,

[...] trata-se de hipótese de não aplicação do precedente no caso concreto sem, entretanto, sua revogação. Desta forma, é excluída a aplicação do precedente judicial apenas para o caso concreto em razão de determinadas particularidades fáticas e/ou jurídicas, mantendo-se o precedente válido e com eficácia vinculante para outros processos. [...] (2016, p.1317)

Portanto, infere-se, abordar da análise interpretativa e analógica feita por parte do juiz, seja ex officio – artigo 489, § 1º V, CPC-, seja por requerimento das partes – art. 489, §1º, VI, CPC -, com o objetivo de verificar se cabe à aplicação do precedente paradigma no caso sob julgamento.

[...] consiste em uma técnica de confronto do suporte fático precedente com o da demanda a ser julgada, cujo resultado poderá: a) conduzir à aplicação do precedente no caso concreto, se as eventuais dissemelhanças entre os casos confrontados não forem consideradas relevantes o suficiente para o afastamento daquele, ou; b) impedir a aplicação do precedente, acaso as divergências fáticas entre os elementos contrastados apresentem grau de importância capaz de afastar a incidência daquele. Por distinguishing, se entende não apenas o método de confronto entre o precedente e o caso concreto, como, também, o resultado desse confronto, quando constada diferença entre os elementos comparados. [...] (DIDIER JR.... [et al.], 2016, p. 206, grifo nosso)

Em um primeiro momento, analisa-se se o caso concreto amolda-se ao precedente modelo. Em caso de tratar-se de mesmo elemento normativo, aplicar-se-á o precedente paradigma. Sendo o caso de não ocorrência de elo entre os elementos normativos, aplicar-se-á a técnica de distinção, para que, de forma fundamentada, não seja aplicado o precedente paradigma.

Ocorre que, embora o precedente tenha um conteúdo que servirá de modelo para o caso concreto em análise pelo magistrado, “[...] pode ser limitado ou estendido conforme as necessidades dos casos concretos, a permitir, assim, que o direito se desenvolva à medida que novas situações litigiosas chegam ao Judiciário. [...]” (Id. Ibid., 2016, p. 156)

Na verificação do caso concreto sob a tutela jurisdicional e a ratio decidendi do precedente, é primordial, em um primeiro momento, a análise dos parâmetros fáticos e de direito entre ambos, a fim de se verificar se a razão de decidir do precedente servirá realmente de parâmetro para aquele a ser julgado.

Como bem aduz Marinoni, Mitidiero e Arenhardt,

[...] identificar aquilo que adquire força de precedente a partir da decisão judicial é apenas uma parte do problema. A partir daí é preciso saber como trabalhar com os precedentes. É preciso compreender a ‘dinâmica dos precedentes”. Em primeiro lugar, é preciso saber se um precedente é aplicável para a solução de uma questão e quando não o é. Se a questão que deve ser resolvida já conta com um precedente –se é a mesma questão ou se é semelhante, o precedente aplica-se ao caso. O raciocínio é eminentemente analógico. Todavia, se a questão não for idêntica ou não for semelhante, isto é, se existirem particularidades fático-jurídicas não presentes – e por isso não consideradas – no precedente, então é caso de distinguir o caso do precedente, recusando-lhe a aplicação é o caso de realizar uma distinção (distinguishing). [...] (2015, p. 615, grifo nosso)

Caso o precedente paradigma seja diferente do caso concreto, haverá justificativa plausível para a aplicação da técnica de distinção, ressaltando-se o princípio constitucional da motivação das decisões do juiz, trazido pelo art. 93, IX, da Constituição Federal e do parágrafo primeiro do artigo 489 do Código de Processo Civil.

Nas palavras de Marinoni,

[...] para realizar o distinguishing, não basta ao juiz apontar fatos diferentes. Cabe-lhe argumentar para demonstrar que a distinção é material e, que, portanto, já justificativa para não se aplicar o precedente. A distinção fática deve revelar uma justificativa convincente, capaz de permitir o isolamento do caso sob julgamento em face do precedente.[...] (Id. Ibid,2016, p. 231)

Desta forma, em meio aos critérios objetivos trazidos pelo Código de Processo Civil, o direito subjetivo da parte será exercido através do distinguishing. As peculiaridades do caso podem ser apresentadas pelas partes ou ainda consideradas de ofício pelo magistrado. Depreende-se que, seria uma limitação – a técnica de distinção – à própria limitação – os precedentes judiciais -, frente à discricionariedade judicial.

Porém, como explica Lorena Barreiros,

[...] a despeito, porém, de haver uma progressiva familiarização dos doutrinadores, julgadores e professores com a terminologia própria à teoria dos precedentes desenvolvida na tradição do commom law, o fato é que a importação desses institutos não tem sido feita sem deturpações. Ao revés, inúmeros são os problemas hauridos da praxe forense face à utilização acriteriosa e, mesmo arbitrária de precedentes judiciais[...]. (DIDIER JR.... [et al.], 2016, p. 197, grifo nosso)

Esse paradoxo tem cunho cultural, pois, o ordenamento jurídico é eclético, por possuir influência de vários países, tanto de civil law, como de commom law. Situações como “[...] invocação em um caso concreto apenas pela transcrição de sua ementa [...], a constante alteração de posicionamento do Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, testificam a falta de observância dos precedentes da própria Corte por seus integrantes. [...]” (Id. Ibid., 2016, p. 189)

Logo, devido à pouca técnica legislativa pertinente aos precedentes judiciais de um lado e a necessidade de uniformidade e unicidade da jurisprudência de outro, por vezes, a utilização dos precedentes judiciais e, por consequência da técnica de distinção, ocorrem de maneira equivocada.

[...] um primeiro sintoma da deformidade encontrável da utilização dos precedentes no Brasil é a sua invocação em um caso concreto apenas pela transcrição de sua ementa. Não raro, decisões judiciais informam estarem aplicando um dado precedente, de cujo teor apenas referem a ementa, sem a preocupação com o cotejo fático necessário para que se afira se o caso a ser julgado se insere ou não na linha argumentativa da ratio decidendi do precedente utilizado. Casos distintos são, assim, inseridos em uma ‘vala comum’, como se iguais fossem. [...] outro fator que obstaculiza a estruturação do sistema de precedentes no país concerne à importância e ao respeito que se deveriam atribuir os precedentes emanados por Tribunais Superiores – e que, na prática, estão muito aquém do que se exige de um sistema que pretenda conferir tamanho grau de eficácia aos precedentes. [...] (DIDIER JR.... [et al.], 2016, p. 198 e 199, grifo nosso)

Desta forma, se ocorrem muitos problemas na praxe no que tange a aplicação dos precedentes judiciais, por consequência, ocorre também na aplicação do distinguishing no caso concreto. É de tamanha relevância o estudo da técnica de distinção pois, quanto “[...] caso contrário menor será o espaço normativo em que poderão transitar os sujeitos processuais na construção da resposta correta a ser dada ao caso em exame. [...] (Id. Ibid., 2016, p. 333)

Mesmo o ordenamento jurídico brasileiro tendo recebido os institutos advindos do commom law, dentre eles os precedentes judiciais, em um contexto geral, um desenvolvimento maciço ainda é preciso para seu aperfeiçoamento, inclusive das técnicas inerentes, como o distinguishing.  Na prática, portanto, a moldura contemporânea não se apresenta como na teoria, nem mesmo entre as Cortes Supremas.

 

Considerações finais

Reputa-se extremamente equivocada a afirmativa de que o ordenamento jurídico brasileiro está passando do sistema civil law para de commom law por força da utilização de ferramentas advindas do sistema commom law, como é o caso dos precedentes judiciais.

Tratam-se de adaptações, totalmente necessárias, para o bom andamento do ordenamento jurídico. Mutações sociais e inerentes ao desenvolvimento do próprio sistema foram protagonistas para que os precedentes judiciais tivessem a importância que detêm hodiernamente na ordem jurídica brasileira.

Mesmo sendo estabelecidos em direções divergentes, os sistemas commom law e civil law, ao longo da história, foram se aproximando, pela necessidade de maior segurança jurídica e isonomia nas decisões judiciais aplicadas. Contudo, não seria possível ampliar a segurança jurídica observando-se apenas o já fora produzido internamente, sendo imperiosa a ampliação também do campo de visão, ou seja, para o que havia sido produzido fora da moldura de seu sistema. Sendo sistemas ocidentais aflorou-se o ecletismo entre ambos.

Com relação a aplicação dos precedentes judiciais no Brasil, advindos do sistema commom law, ter-se-á, como resultado da utilização correta do sistema de precedentes judiciais, maior celeridade processual e maior estabilidade jurídica. Por destacarem-se através de critérios objetivos, colaboram na dinamização da boa prática de todo o ordenamento jurídico.

Além da relevância jurídica supracitada, a relevância social também é notória quando se estudam os precedentes judiciais. Os princípios basilares de um ordenamento jurídico eficaz, como os trabalhados neste artigo, quais sejam, segurança jurídica, isonomia e igualdade, apontam para que haja maior liberdade nas negociações a fim de que suas atividades econômicas e sociais possam se desenvolver sem a preocupação com instabilidades jurídicas. Contribui ainda para o desenvolvimento da Economia como um todo, até mesmo aumentando os investimentos estrangeiros, pois deseja-se investir em países em que tenham, além da estabilidade econômica, alta estabilidade jurídica.   

Sendo assim, apresenta-se plausível que, não obstante a busca de uma real uniformidade na jurisprudência, indispensável para que haja segurança jurídica no ordenamento brasileiro, é necessário ainda, por parte do juiz, uma análise criteriosa e precisa não somente em relação ao pedido e direito invocado, mas ainda da possibilidade de distinção desta demanda ao abordado precedente em questão. Cabendo, portanto, a árdua tarefa de adequadamente aplicar o distinguishing no caso concreto.

Ocorre que, os precedentes judiciais aplicados no Brasil são relativamente novos e, portanto, ainda em desenvolvimento. Desta forma tanto os precedentes como a técnica de distinção – distinguishing- não possuem ampla aplicação na interpretação judicial, sendo por vezes usada de forma equivocada, seja por abordarem precedentes como se súmulas ou jurisprudência fossem, seja devido à pouca técnica legislativa em vigor a respeito deste assunto.

Na busca de um ordenamento jurídico seguro, vale deter-se no aperfeiçoamento dos precedentes judiciais, transformando-o em um microssistema forte e aplicável, também pautado nos elementos basilares do próprio princípio da segurança jurídica, contribuindo para uma interpretação judicial mais justa e eficaz.

Sendo assim, das hipóteses anteriormente apresentadas, ambas se comprovaram verdadeiras. Uma vez que, a pouca técnica legislativa faz com que ocorra um esforço interpretativo maior por parte do magistrado quando profere sua decisão, a fim de que seja a mais justa e eficaz possível. Por outro lado, os precedentes judiciais no Brasil possuem alta carga de complexidade, o que também dificulta a interpretação judicial. Desta forma, abrangeu-se todos os objetivos pautados no presente artigo, ampliou-se o conhecimento a respeito do assunto e chegou-se, com sucesso, a um resultado satisfativo.

 

Notas explicativas

[1] “[...] precedente is usually one of many items wich the justice must coordinate to make decisions. [...]each employed precedent as their principal mode of constitucional argumentation. [...] the golden rule of precedente may be especially appealing to nonjudicial authorities (as it is to most justices), for whom preserving institucional norms and maintaining collegiality and tradition are importante if not indispensable. [...]” (GERHARDT, 2008, p. 130, 196)

 

Referências

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Data da conclusão/última revisão: 26/7/2018

 

Como citar o texto:

ALMEIDA, Adriene Rodrigues do Nascimento; CRUZ, Francieli Borchatt da..O uso da técnica de distinção (distinguishing) no sistema de precedentes judiciais brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1551. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/4145/o-uso-tecnica-distincao-distinguishing-sistema-precedentes-judiciais-brasileiro. Acesso em 9 ago. 2018.

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