O art. 798, inciso I, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, na mesma linha do revogado Códex (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), estabelece que o exequente deve, ao propor a execução, instruir sua petição inicial com o original do título executivo extrajudicial.

É evidente que o mencionado dispositivo visa proporcionar segurança jurídica, garantir a efetividade da tutela jurisdicional e resguardar o próprio executado, evitando a deflagração de mais de uma execução fundada no mesmo título. Além disso, muitos dos títulos executivos extrajudiciais são também títulos de crédito, os quais são caracterizados pela circulabilidade.

A referida ideologia era incontestável antes do advento do processo judicial eletrônico, que teve como marco a promulgação da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. A questão se tornou controvertida especialmente porque o art. 20 da sobredita Lei promoveu alterações no art. 365 do CPC de 1973, incluindo inciso VI ao art. 365, para declarar que fazem a mesma prova do original “as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização”, bem como acrescentando § 1º ao art. 365 com o seguinte teor: “os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória”.

Nesse cenário, passou-se a advogar tese no sentido da superação do entendimento tradicional, ou seja, argumenta-se que é dispensável a juntada do original do título, cabendo ao exequente guardá-lo e conservá-lo (boa-fé processual). De outro lado, há quem defenda a manutenção da obrigatoriedade em relação aos títulos passíveis de circulação.

A controvérsia tem se refletido nos tribunais, destacando-se decisões contraditórias no âmbito de um mesmo tribunal: Tribunal de Justiça de São Paulo. No primeiro sentido, têm-se os seguintes acórdãos:

EXECUÇÃO PORTÍTULO EXTRAJUDICIAL - Determinação de juntada de via original de cédula de crédito bancário - Descabimento - Hipótese em que a inicial foi instruída com documento digitalizado, considerado original para todos os efeitos, nos termos do inciso VI, acrescentado ao artigo 365 do Código de Processo Civil, pela Lei nº 11.419/06 - Recurso provido para reformar a r. decisão que determinou a juntada do original do contrato (TJSP, Agravo de Instrumento nº 20433739620138260000, 11ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Renato Rangel Desinano, j. 28.11.2013).

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIALCÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO DETERMINAÇÃODE EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL EXIGÊNCIA DEJUNTADA DO TÍTULO ORIGINAL PRETENSÃO DEREFORMA CABIMENTO A juntada de cópia do título executivo, emitida eletronicamente por serventia extrajudicial, afasta a necessidade de apresentação do original. Aplicação do art. 385 do Código de Processo Civil. Recurso provido (TJSP, Agravo de Instrumento nº 0104111-84.2013.8.26.0000, 11ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Walter Fonseca, j. 08.08.2013).

No segundo sentido:

EXECUÇÃO Cédula de crédito bancário Exibição de cópia digitalizada Inadmissibilidade - Título que possui natureza cambiariforme e pode ser transferido mediante endosso em preto. Necessidade de exibição da cédula original - Inteligência do art. 28 da Lei 10.931/2004 – Recurso desprovido (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2069127-69.2015.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Álvaro Torres Júnior, j. 29.06.2015).

PROCESSO - Petição inicial - Execução por título executivo extrajudicial, constituído por cédula de crédito bancário, passível de circular, expressas disposições legais (LF 10.931/2004, arts. 28, caput, e 29, § 1º e 3º) e contratual (item 18. III), e ausente justificativa de impossibilidade de juntada do original Inicial deve ser instruída com o original do título (CPC, art. 614, I) e não por mera reprodução digitalizada (CPC, art. 365, VI) Mantida a deliberação do MM Juízo da causa, quanto à determinação de juntada do original, com observação de queo prazo concedido para esse fim passa a fluir da intimação deste julgado, revogado o efeito suspensivo. Recurso desprovido, com observação (TJSP, Agravo de Instrumento nº 0105509-71.2010.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Rebello Pinho, j. 19.04.2010).

Execução de Título Extrajudicial Cédula de Crédito Bancário Determinação para depósito da via original do título, eis que endossável Decisão correta que se coaduna com o regramento previsto no art. 614 do CPC e precedentes desta Corte e do C. STJ Recurso improvido (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2186181- 90.2014.8.26.0000, 17ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Souza Lopes, j. 03.12.2014).

É que o processo executivo lastreado em título passível de circulação deve ser necessariamente instruído com o original, imprestável ao desenvolvimento válido e regular da execução a mera apresentação de cópia, ainda que provida de certificação digital, dúvida não remanescendo no sentido que a cédula de crédito bancário [que respalda esta ação executiva] pode ser transferida por endosso pelo credor (TJSP, Agravo de Instrumento nº 0124894-97.2013.8.26.0000, 19ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. João Camillo de Almeida Prado Costa, j. 12.08.2013).

O Tribunal de Justiça, a fim de dirimir a divergência, editou o Provimento nº 21, de 25 de agosto de 2014, através do qual inseriu o “Capítulo XI – Do Processo Eletrônico” ao “Tomo I – Ofícios de Justiça” das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça” (“NSCGJ”), em cuja “Subseção X” intitulada “Da Digitalização e Da Guarda de Petições e Documentos”, inseriu-se o art. 1.260, com o seguinte conteúdo:

Art. 1.260. Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito no ofício de justiça, observado o procedimento estabelecido nos parágrafos do art. 1.259.

Parágrafo único. Faculta-se ao juiz a determinação da exibição dos documentos originais apenas para neles sejam lançadas as anotações a respeito de sua vinculação ao processo digital, devolvendo, em seguida, ao apresentante, certificando-se nos autos digitais.

Idêntica solução foi adotada no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, esclarecendo o parecer do Juiz-Corregedor, acolhido pelo Corregedor-Geral da Justiça, que o declarou vinculante por meio da Circular nº 192/CGJ, de 1º de setembro de 2014: “considerando a circularidade, característica dos títulos de crédito [...], por cautela, recomenda-se a exigência de apresentação do documento tão-somente para vinculação ao processo judicial eletrônico, mediante a utilização do carimbo padronizado – modelo 45 – disponibilizado pela Diretoria de Infraestrutura deste Tribunal de Justiça, com posterior devolução ao seu possuidor”.

O CPC de 2015 não enfrentou a questão, limitando-se a reproduzir no art. 425, § 1º, a mesma regra inclusa no art. 365, de modo que subsiste a insegurança jurídica, que somente poderá ser sanada com a pacificação do tema em julgamento de recurso especial repetitivo ou incidente de resolução de demandas repetitivas. Tanto é verdade que o juiz Alexandre Meinberg Ceroy, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Água Boa (MT), ao negar uma exceção de pré-executividade, decidiu que é possível ajuizar execução sem apresentação de título executivo quando se tratar de processo judicial eletrônico, ressaltando que é necessário rever o entendimento tradicional, que exige a apresentação do título original (Revista Consultor Jurídico, 15 de janeiro de 2017).

O estado da arte relativo ao tema ora em debate constitui típico exemplo da forma tímida com que o legislador do CPC de 2015 tratou do processo judicial eletrônico. Nesse sentido, aliás, é a crítica de Cássio Scarpinella Bueno, para quem o novo CPC “[…] poderia ter ido muito além neste específico tema, deixando de regular o processo em papel e suas práticas e costumes tão enraizados na cultura e prática do foro. Poderia, até mesmo, ir além da disciplina hoje constante da Lei n. 11.419/2006, que, além de não alterada, foi preservada, pelo próprio CPC de 2015” (BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 210).

Seja como for, a questão está a merecer uma uniformização, quer através da edição de nova Lei (interpretação autêntica), quer por meio de decisão judicial (interpretação jurisprudencial).

Data da conclusão/última revisão: 1/2/2017

 

Como citar o texto:

MANUCCI, Renato Pessoa..Processo eletrônico e a instrução da petição inicial com o título executivo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1553. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/4153/processo-eletronico-instrucao-peticao-inicial-com-titulo-executivo. Acesso em 17 ago. 2018.

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