RESUMO

Sabendo que há tempos a morosidade na prestação jurisdicional é um problema no Poder Judiciário brasileiro e em observância aos princípios da celeridade e da razoável duração do processo, o legislador buscou simplificar o sistema recursal em comparação às legislações anteriores. Considerando o entendimento de que uma das causas é a quantidade de recursos levados a apreciação do próprio Juízo ou do Tribunal de segundo grau e superiores, o Código de Processo Civil, em se tratando de processo de conhecimento, elencou de forma taxativa as decisões interlocutórias passíveis de Agravo de Instrumento. A presente pesquisa objetiva elucidar as consequências da taxatividade de cabimento do referido recurso, traçando um enfoque crítico a essas mudanças e verificando a possibilidade da interpretação extensiva do inciso III do art. 1.015 do Novo Código Processual Civil, para abarcarem as decisões que versem sobre competência. 

Palavras-chave: Agravo de instrumento; Decisão interlocutória; Recurso.

ABSTRACT

Knowing that for a long time the slowness at the judicial provisions is an issue of the Brazilian Judicial Branch and in observance of the principles of celerity and the reasonable duration of the procedure, the legislator seeks for simplify the appealing system in comparison with the previously legislations. Considering the understanding that one of the reasons is the quantity of appeals taken in appraisal of the own Judgement or the second level and above Court, the Code of Civil Procedure, being treated as knowledge procedure, listed as taxactive way the interlocutory decisions passable of bill of review. This research aims to elucidate the consequences of the taxactivity fitting of the referred appeal, using a critical approaching to these changes and verifying the possibility of an extensive interpretation of the subsection III of the article 1.015 of the New Code of Civil Procedure, to comprise the decisions that alludes above/about the competence.

Keywords: Instrumentality; Interim decision; Resource.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 13.105/2015, que institui ao ordenamento jurídico o Novo Código de Processo Civil, surgem inúmeras mudanças na dinâmica processual, dentre elas uma nova proposta ao meio de impugnação para decisões interlocutórias.

Considerando o ordenamento processual na vigência do Código de Processo Civil de 1973, toda e qualquer decisão interlocutória poderia ser enfrentada por recurso de agravo de instrumento ou agravo retido, o que supostamente acabava por aumentar o fluxo de demandas nos tribunais. 

Com o objetivo de reordenar o fluxo de tais demandas, o legislador limitou o cabimento desta modalidade recursal, permitindo que as decisões que não forem alcançadas por este instituto, não serão preclusas de imediato, podendo ser rediscutidas em preliminar de apelação, ou nas contrarrazões a apelação

Embora a intenção do legislador possa ser elogiável por alguns, restringindo a utilização do Agravo de Instrumento com o objetivo de um processo mais célere e voltado a razoável duração do processo, as hipóteses não contempladas pela taxatividade do referido caderno processual, ficaram sem a possibilidade de rediscussão da matéria de imediato o que culminou no questionamento da taxatividade.

Dentre as muitas decisões não contempladas no art. 1.015 do Código de Processo Civil, uma que merece observância e estudo minucioso são as decisões que versem sobre competência do juízo, devendo aguardar, portanto a sentença e serem suscitadas como preliminar de apelação ou nas contrarrazões de apelação. 

Há que se constatar que, aguardar todo o trâmite processual na fase de conhecimento para que então seja apreciada tal questão pelo Tribunal, poderia ser extremamente prejudicial ao jurisdicionado, já que este processo seria instruído e sentenciado por juízo incompetente. É justamente nesta lacuna que o presente trabalho se debruça.

A metodologia adotada para a presente pesquisa foi construída através da revisão bibliográfica, normativa e jurisprudencial, onde se fez uma análise crítica e sistêmica do contexto atual bem como das dificuldades enfrentadas pelo jurisdicionado frente a taxatividade do rol. 

Para isso, o trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: Num primeiro momento, busca-se expor as idas e vindas do recurso de agravo no ordenamento jurídico brasileiro; Em seguida, apresenta-se o (des)cabimento do mandado de segurança contra as decisões interlocutórias não agraváveis no novo CPC.

Por fim, tratará da recorribilidade da decisão declinatória da competência, no qual não está abarcada pelo rol constante no art. 1.015 do Código de Processo Civil.

1             A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E SUA NOVA SISTEMÁTICA

O Agravo foi o recurso que substancialmente mais sofreu alterações no decorrer dos anos, desde a introdução do Código de Processo Civil de 1939 até os dias de hoje.

O Código de 1939 previa três tipos de agravo, quais sejam: o agravo de petição, o agravo de instrumento e o agravo nos autos do processo. O agravo de petição tinha por incumbência atacar as decisões que resolviam o processo sem resolução do mérito, sendo estas sentenças terminativas, não excluindo outras possibilidades que a lei expressamente permitisse.

As decisões interlocutórias passíveis de agravo de instrumento, eram admitidas em numerus clausus elencadas no art. 842, incisos I a XVII do Código de Processo Civil de 1939.  Já o agravo nos autos do processo, era admitido nas situações elencadas no art. 851 daquele mesmo Codex, quais sejam:

(I) que julgassem improcedentes as exceções de litispendência e coisa julgada;

(II) que admitissem a prova requerida ou implicassem cerceamento de defesa;

(III) que concedessem medidas preventivas incidentais;

(IV) que considerassem ou não saneado o processo.

Importante ressaltar, que nesta última modalidade de agravo sua apreciação estava destinada à segunda instância, sendo que seria examinado quando do julgamento do recurso de apelação, em preliminar.

O Código de Processo Civil de 1973, ofereceu apenas o recurso de agravo de instrumento em seu art. 496, inciso II, trazendo assim uma espécie recursal, qual seja, a de instrumento. Entretanto, posteriormente ao código de 1973, foi introduzida uma emenda no projeto original que criou a modalidade retida do agravo, que apresentou-se como um substituto ao agravo nos autos do processo, porém de forma mais abrangente.

A Lei nº 8.950/94 que alterou dispositivos relativos aos recursos, deu nova redação ao inciso II pois a nomenclatura empregada ali, mencionava o agravo de instrumento como espécie, quando na verdade a espécie era o AGRAVO, que poderia ser interposto nas duas modalidades, a saber: retida nos autos e a por instrumento.

Com o advento da Lei nº. 9.139, de 30 de novembro de 1995, o recurso que na sistemática do caderno processual vigente à época seria interposto no prazo de 5 (cinco) dias, passou a ter o prazo de 10 (dez) dias em ambas as modalidades.

A parte tinha por opção, escolher por qual das duas formas teria seu agravo processado. Se optasse pela modalidade de instrumento, ficaria obrigado a formar o instrumento, conforme as formalidades elencadas no art. 525 do código de 1973, sendo que sua interposição seria perante o tribunal.

Se a parte optasse pela modalidade retida sua interposição seria na própria instância cujo processo principal se encontrava, sendo que seu processamento e julgamento estava condicionado a parte agravante reiterar o pedido de apreciação nas preliminares do recurso de apelação, resguardado a possibilidade do exercício do juízo de retratação pelo juiz a quo.

À luz da Lei nº. 11.187/2005, o legislador optou por não conceder a parte a escolha pela interposição do agravo na modalidade retida ou por instrumento, sendo que a regra passou a ser o agravo retido e o agravo de instrumento só poderia ser interposto nos casos em que causasse a parte lesão grave ou de difícil reparação, inadmissão da apelação e nos efeitos em que a apelação é recebida.

O inovador Código de Processo Civil de 2015, suprimiu a figura do agravo retido e introduziu taxatividade as decisões interlocutórias passíveis de agravo de instrumento previstos no art. 1015. As decisões não agraváveis devem ser suscitadas como preliminar de apelação ou nas contrarrazões.

Tem-se por decisão interlocutória, o pronunciamento do Juiz que resolve questão processual incidente no deslinde da ação. O art. 203, § 2º do Código de Processo Civil vigente, conceitua como sendo qualquer pronunciamento que não seja abarcado pela definição de sentença.

Destaca-se que a taxatividade não se aplica às fases de liquidação e de cumprimento de sentença, nem mesmo ao processo de execução e ainda no processo de inventário conforme leciona o parágrafo único do art. 1.015 do Código vigente.

Superadas as principais questões que norteiam a história do Agravo no ordenamento jurídico brasileiro, mormente, a modalidade de instrumento, cabe encontrar resposta a seguinte indagação: Qual medida processual o jurisdicionado irá valer-se quando da necessidade de apreciação imediata das questões que não estejam abarcadas pelo referido artigo, especialmente em relação a competência do juízo?

2             O MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Com o objetivo de conferir maior celeridade e efetividade ao processo, bem como "desafogar" a máquina judiciária nos tribunais, a nova legislação elencou o cabimento do recurso de Agravo de Instrumento em numerus clausus. Deste modo, as decisões que não forem passíveis de agravo de instrumento poderão ser suscitadas novamente em preliminar de apelação ou nas contrarrazões a apelação como dito em linhas volvidas.

Ocorre que, havendo necessidade de apreciação imediata pelo segundo grau de jurisdição e tal matéria não sendo discutível por agravo de instrumento devido ao modelo de restrição, não restou a parte alternativa de recurso, ficando ela impedida pela taxatividade do novo dispositivo.

A opção legislativa é altamente criticada, pois o mandado de segurança tem sido manuseado como substituição ao agravo de instrumento o que remete a evidente falha no objetivo de diminuir o fluxo dos processos nos tribunais.

Nesta seara, Fredie Diddier Jr e Leonardo Carneiro (2016, p. 211-212) da Cunha entendem que:

Se não se adotar a interpretação extensiva, corre-se o risco de se ressuscitar o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança contra ato judicial, o que é muito pior, inclusive em termos de política judiciária. [...] Se, diversamente, se adota a interpretação extensiva para permitir o agravo de instrumento, haverá menos problemas no âmbito dos tribunais, não os congestionando com mandados de segurança contra atos judiciais.(Grifo do subscritor)

Dito isso, o primeiro ponto a ser levado em consideração é que, um dos principais efeitos da interposição do recurso é evitar a preclusão. Nessa seara, pode-se defini-la como a perda da faculdade processual. Os doutrinadores elencam três espécies de preclusão, sendo elas: a temporal, a lógica e a consumativa.

A temporal ocorre quando a parte não obedece ao prazo que foi determinado. A lógica acontece quando a parte pratica um ato incompatível com o direito vindicado. A consumativa dar-se quando a parte já executou algum ato validamente, portanto, não dando azo para nova execução.

Sondando ainda a função do instituto da preclusão, Fredie Didier Jr. enfatiza que:

Frise-se: a preclusão não serve somente à ordem, à segurança e à duração razoável do processo. Não se resume à condição de mera mola impulsionadora do processo. A preclusão em, igualmente, fundamentos ético-políticos, na medida em que busca preservar a boa fé e a lealdade no itinerário processual. A preclusão é técnica, pois, a serviço do direito fundamental a segurança jurídica, do direito à efetividade (como impulsionadora do processo) e da proteção à boa-fé. É importante essa observação: como técnica que é, a preclusão deve ser pensada e aplicada em função dos valores a que busca proteger. (2012, p. 308)

Sendo assim, o caderno processual trouxe ainda novas fronteiras ao instituto da preclusão, conferindo à ele atributo de elasticidade. Na vigência do Código de Processo Civil de 1973 se determinadas questões não fossem oportunamente articuladas, eram alcançadas pelo instituto da preclusão, isto porque o processo é constituído de atos que empurram e dinamizam o andamento processual.

O novo Código de Processo Civil elasteceu a preclusão no sentido de as matérias que não forem passíveis de agravo de instrumento devido a tão comentada taxatividade, desde que suscitadas oportunamente, estas ficam em estado letárgico e poderão ser “ressuscitadas" no recurso de apelação ou nas contrarrazões a apelação, sendo que somente caso não sejam reproduzidas na fase recursal, poderão ser "enterradas" definitivamente, conforme dispõe o art. 1.009, §1º, vejamos:

§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. (BRASIL, 2015)

Deste modo, a preclusão na nova legislação se dá de duas maneiras: imediatamente quando necessário manifestação oportunamente e elasticamente nas decisões que não estão sujeitas ao agravo de instrumento, sendo que, só será considerada preclusa se a parte optar por não rediscutir a matéria.

Nesse sentido, Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 487) leciona:

A respeito da pergunta sobre o que fazer diante de uma decisão interlocutória não prevista como agravável de instrumento pelos precitados dispositivos, a resposta parece ser uma só voz, a de que ela será impugnável por mandado de segurança.

Desta forma, cumpre mencionar que o Mandado de Segurança é um remédio constitucional subsidiário previsto na Constituição da República Federativa do Brasil no art. 5º inciso LXIX que dispõe:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (BRASIL, 1988).

Seu caráter subsidiário se dá pois a sua impetração só é permitida quando não seja possível a impetração de habeas data (tutela do direito de informação) ou habeas corpus (tutela do direito de locomoção).

Uma especificidade processual do Mandado de Segurança é que ele satisfaz demandas que protejam o direito LÍQUIDO E CERTO, ou seja, é utilizado para matérias em que violações a direito se dão de forma muito flagrante, sendo que se faz necessária a demonstração do direito na própria petição inicial com os documento que a instruem.

Regulamentado pela Lei nº 12.016/2009, este foi concebido para atacar atos ilegais ou com abuso de poder, não especificando a natureza do ato, podendo ele ser administrativo ou judicial. Embora seja possível a sua impetração em desfavor de ato judicial, a própria Lei elenca duas exceções a sua concessão, quais sejam: (a) quando couber recurso com efeito suspensivo da decisão judicial e (b) quando a decisão judicial atacada já tiver transitado em julgado.

Neste passo, o Supremo Tribunal Federal aprovou o enunciado sumular nº 267 que dispõe que: "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição".

No entanto, os tribunais superiores pacificaram o entendimento de que é possível seu manejo, quando o ato judicial seja manifestamente ilegal ou teratológico, trazendo o entendimento precipitado de que é viável a impetração automática do mandado de segurança contra as decisões não agraváveis devido a taxatividade do art. 1.015 do Novo Código de Processo Civil.

Dito isso, interessante se faz mencionar que o recurso de apelação em regra tem efeito suspensivo, conforme dispõe o art. 1.012 do Novo CPC. Portanto, como seria possível a impetração do mandado de segurança se a própria lei que o rege dispõe que havendo a possibilidade de interposição de recurso dotado de efeito suspensivo, é vedado a interposição do Remédio Constitucional?

Assim, entende-se pela impossibilidade de impetração a do Mandado de Segurança a toda e qualquer decisão interlocutória não prevista no art. 1.015 por força da não preclusão de imediato da questão, podendo esta insurgir na fase recursal, ressalvada as duas hipóteses edificadas a partir da construção jurisprudencial quais sejam: contra decisões manifestamente ilegais ou teratológicas.

Além disso, exige-se que a decisão interlocutória venha causar à parte lesão irreparável ou de difícil reparação, de modo que se torna inviável aguardar a fase recursal, podendo a parte valer-se do mandado de segurança se presentes cumulativamente tais requisitos.

3             A RECORRIBILIDADE DA DECISÃO DECLINATÓRIA DA COMPETÊNCIA

A recorrente necessidade de adequação das demandas no rol taxativo do art. 1.015 do Código de Processo Civil, traz a problematização de qual solução o sistema processual irá valer-se para atender da melhor forma possível as pretensões das partes sem desprezar a celeridade na tramitação dos processos.

A teor do disposto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil vigente, pode- se concluir que o ordenamento jurídico brasileiro optou pela adoção do rol taxativo para o cabimento do agravo de instrumento, porém, parte da doutrina tem entendido que embora o rol seja taxativo, é possível a sua interpretação de modo extensivo.

Ou seja, as decisões que não estejam previstas nos incisos do art. 1.015, cujo reexame seja urgente e/ou relevante necessitando de apreciação imediata do judiciário, acabam por abrir novamente espaço para impetração do mandado de segurança contra atos do juiz, apesar da impossibilidade de sua utilização de  imediato conforme já esclarecido no presente artigo.  

Quanto as decisões que não estejam elencadas no artigo em comento e a interpretação extensiva desses incisos, o doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves (2016), acredita que gera uma consequência manifesta, qual seja a insegurança jurídica. 

Assevera ainda que as decisões interlocutórias que não sejam agravadas de instrumento no momento da decisão, podem ser alcançadas pelo implemento da preclusão quando não suscitadas em preliminar de apelação ou nas contrarrazões e aduz que até que os tribunais definam um limite para esta interpretação, haverá insegurança jurídica.

Leciona ainda Daniel Amorim (2016, p. 1560) que, não aceitar o recurso de agravo de instrumento quando há manifestamente nulidade no processo seria como armar uma bomba relógio e exemplifica dizendo:

Não é difícil imaginar o estrago que o acolhimento da impugnação de decisão interlocutória nesse momento procedimental ocasiona ao procedimento, ao anular todos os atos praticados posteriormente à decisão interlocutória impugnada. Basta imaginar um processo no qual a prova pericial foi indeferida, a parte não pode agravar e alegou o cerceamento de defesa na apelação. Depois de longo lapso temporal, quando o tribunal de segundo grau finalmente enfrenta e julga a apelação, reconhece que houve um cerceamento de defesa." Com isso, "voltariam os autos ao primeiro grau para a produção da prova pericial, sendo no mínimo a sentença anulada. É realmente concernente com os princípios da economia processual e da duração razoável do processo tal ocorrência?

Luiz Guilherme Marinoni (2015, p. 946), no que tange ainda ao rol taxativo do novo código, destaca:

O fato de o legislador construir um rol taxativo não elimina a necessidade de interpretação para sua compreensão: em outras palavras, a taxatividade não elimina a equivocidade dos dispositivos e a necessidade de se adscrever sentido aos textos mediante interpretação.

Assim como na doutrina, nos Tribunais ainda não há unanimidade no posicionamento frente ao rol taxativo e suas possíveis complicações. Deste modo, impende destacar que nem mesmo o Superior Tribunal de Justiça que detêm como uma de suas funções uniformizar a jurisprudência pátria, não possui um entendimento equânime sobre o assunto, sendo certo que a matéria ainda irá causar discussões doutrinárias, sobretudo na jurisprudência.

Em novembro de 2017, no julgamento do REsp 1679909, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a taxatividade deve ser ampliada em algumas situações, dentre elas nas decisões que versem sobre a competência do juízo, como ilustrado nos termos da ementa descrita abaixo:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS PROCESSUAIS. TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO CABÍVEL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 1 DO STJ. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA COM FUNDAMENTO NO CPC/1973. DECISÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO PELA CORTE DE ORIGEM. DIREITO PROCESSUAL ADQUIRIDO. RECURSO CABÍVEL. NORMA PROCESSUAL DE REGÊNCIA. MARCO DE DEFINIÇÃO. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA OU EXTENSIVA DO INCISO III DO ART. 1.015 DO CPC/2015.

Importante frisar que o dispositivo exemplificativo difere do dispositivo em que se tem uma interpretação extensiva. Neste refere-se a incisos que possa servir de  suporte para outras situações, sendo que não se criaria uma nova hipótese, ela estaria implícita nos incisos do referido artigo, enquanto que aquele estabelece uma lista a título de exemplo sendo que outros casos poderiam ser inseridos.

O inciso III do art. 1.015 preconiza que "Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem".

Nesta seara, importante esclarecer que convenção de arbitragem diz respeito a competência do árbitro, portanto, se mostra razoável que toda decisão interlocutória que versasse sobre competência seria desafiada por agravo de instrumento.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar em agosto do corrente ano (2018) dois processos (REsp 1.696.396 - REsp 1.704.520) com status de repetitivo tratando sobre a possibilidade de interpretação extensiva do art. 1.015, que enumera as hipóteses do Agravo de Instrumento de forma restritiva.

Relatados pela Ministra Nancy Andrighi, seu voto condutor defendeu dar maior abrangência ao dispositivo trazido no novo código, vez que as decisões que necessitam de reexame imediato de questões urgentes e de difícil reparação ficariam à mercê da taxatividade. 

A esse respeito, a Ministra ainda defende que a taxatividade deve ser mitigada, veja-se:

A tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações. Não há que se falar, destaque-se, em desrespeito a consciente escolha político-legislativa de restringir o cabimento do agravo de instrumento, mas, sim, de interpretar o dispositivo em conformidade com a vontade do legislador e que é subjacente à norma jurídica, qual seja, o recurso de agravo de instrumento é sempre cabível para as situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação. (BRASIL, STJ. 2018)

Porém, em setembro do mesmo ano, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura apresentou voto divergente na Corte Especial, no julgamento que definirá a natureza do art. 1.015. Defendeu que a tese da relatora, pode trazer insegurança jurídica no que concerne ao instituto da preclusão, afirmando que: 

A tese trará mais problemas que soluções, porque certamente surgirão incontáveis controvérsias sobre a interpretação dada no caso concreto. Como se fará a análise da urgência? Caberá a cada julgador fixar de modo subjetivo o que será urgência no caso concreto?(BRASIL, STJ. 2018)

Argumentou ainda que a tese defendida pela relatora, qual seja da taxatividade mitigada, "poderá causar efeito perverso", vez que os advogados teriam sempre que interpor o agravo de instrumento, pois essa decisão acarretaria uma confusão quanto ao instituto da preclusão.

Por fim, expôs que a maleabilidade quanto as decisões passíveis do recurso de Agravo de Instrumento, devem ser feitas pelo legislador ordinário, não cabendo ao Superior Tribunal de Justiça lecionar sobre a matéria. Posteriormente, o Ministro José Otávio de Noronha solicitou vista, alegando retornar com o voto na próxima sessão da corte.  

Importante acrescentar ainda a recente decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, pautada em 25 de setembro de 2018, em que o colegiado seguiu o voto do relator Luis Felipe Salomão, admitindo a interposição do agravo de instrumento para enfrentar decisão interlocutória proferida em processo de recuperação judicial.

O relator fundamentou sua decisão mencionando a lacuna existente na lei que regulamenta os processos de recuperação judicial (Lei. 11.102/05), que acabou por ensejar o entendimento da Corte, aplicando ao caso a interpretação extensiva do art. 1.015 do Código de Processo Civil.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso, ao proferir decisão negando o Agravo de Instrumento, utilizou como base a interpretação taxativa do art. 1.015 acrescentando que os Agravantes poderiam rever a questão suscitada, em sede de apelação ou nas contrarrazões à apelação, conforme preceitua o art. 1.009, §1º.

Certo é que com a escolha do legislador pela taxatividade, o impedimento do acesso imediato ao Tribunal colidiria frontalmente com o princípio do duplo grau de jurisdição conforme dispõe o art. 5º, LV da Constituição Da República Federativa do Brasil. 

Ademais, o direito da parte ao contraditório e à ampla defesa poderiam ficar limitados com a interpretação restritiva do mencionado artigo do Novo Código de Processo Civil, podendo ensejar em futura anulação da sentença e contrariando ainda a premissa do máximo aproveitamento processual.

O Ministério da Justiça juntamente com a Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Federal da Bahia, certificaram por intermédio de uma pesquisa feita em 2011, que a taxatividade inserida nos dispositivos do Novo Código, não trariam mudanças significativas em relação ao número de recursos em trâmite nos tribunais.

Os dados estatísticos encontrados, demonstraram que pouco menos que 12% dos agravos de instrumento interpostos naquele Tribunal, estão nas hipóteses de irrecorribilidade do art. 1.015, constatando assim com relativa clareza que a redução das hipóteses de seu cabimento poderia gerar idas e vindas processuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, e conforme arestos colacionados na presente pesquisa, os Tribunais Superiores já vem sedimentando gradativamente, entendimento jurisprudencial, no sentido da aplicação extensiva dos incisos do art. 1.015.

Observa-se que aguardar a sentença para apreciação de matéria que demanda reexame imediato, seria prejudicial não só à parte, mas ao processo como um todo, colidindo com princípios basilares da proposta inicial do Novo Código de Processo Civil.

Diante da nova sistemática, o legislador na intenção de diminuir a quantidade de processos nos tribunais e tornar o processo mais célere, acabou por trazer uma problemática processual que poderá acarretar em prejuízos imensos ao jurisdicionado, não só no que diz respeito as decisões que versem sobre a competência, mas outras decisões de suma importância para o deslinde da ação como é o caso do indeferimento da prova pericial.

A deficiência nas escolhas do legislador para o art. 1.015, omitindo hipóteses de tamanha relevância como as citadas em linhas pretéritas, talvez já não estejam tão distantes de uma resposta solidificada nos tribunais.

A interposição do Agravo de Instrumento para enfrentar decisões que tratam da competência relativa, apesar de não prevista nos incisos taxativos do dispositivo, seria a alternativa mais viável, vez que o próprio mandado de segurança está condicionado a sua impetração a requisitos que nem sempre a parte será capaz de preencher.

A insegurança jurídica que a extensão do mencionado artigo pode trazer em razão do equívoco do Legislador contrapõe o prejuízo imenso que o jurisdicionado pode obter ao ver seu direito protelado a posterior sentença, ferindo gravemente o princípio da celeridade e economicidade processual.

Obviamente, a cautela e o estudo aos casos concretos para as interpretações dadas adiante se faz necessária, pois do contrário, haverá ofensa ao princípio da segurança jurídica, uma vez que os tribunais ora decidem de uma forma, ora de outra, devendo portanto utilizar a lógica dentro dos parâmetros do razoável.

Certo é que será necessária interpretação da legislação vigente, bem como a construção de entendimento pacificado dos Tribunais Superiores, para que se chegue a um raciocínio jurídico que traga segurança na atualidade frente aos impactos e diferenças no cotidiano forense e principalmente ao jurisdicionado, revelando-se muitas vezes, prejudicial a mencionada taxatividade.  

REFERÊNCIAS

ALVIM, Angelica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jan. 1973.

______.LEI Nº 8.950, DE 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do Código de Processo Civil, relativos aos recursos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jan. 1973. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1989_1994/L8950.htm>Acesso em: 29 de agosto 2018.

______.Lei Nº 9.139, de 30 de novembro de 1995. Altera dispositivos da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, que tratam do agravo de instrumento. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9139.htm>Acesso em: 29 de agosto 2018.

______. Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005. Altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, para conferir nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento, e dá outras providências.. Disponível em: Acesso em: 29 de agosto 2018.

______. Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: Acesso em: 29 de agosto 2018.

______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o código de processo civil. Disponível em: Acesso em: 29 de agosto 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula - STF nº267. Tese definida no RE 576.847, rel. min. Eros Grau, P, j. 20-5-2009, DJE de 7-8-2009, Tema 77. Disponível em: Acesso em: 29 de agosto 2018

______. Superior Tribunal de Justiça - REsp: 1679909 RS 2017/0109222-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 14/11/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2018. Disponível em:

. ______.Superior Tribunal de Justiça. ProAfR no REsp: 1696396 MT 2017/0226287-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/02/2018, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 28/02/2018 . Disponivel em: Acesso em: 29 de agosto 2018.

_____.Superior Tribunal de Justiça. ProAfR no REsp: 1704520 MT 2017/0271924-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/02/2018, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 28/02/2018 . Disponivel em: Acesso em: 29 de agosto 2018.

______.Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1722866 / MT (2018/0027251-0) ,Relator: Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 26/09/2018, CE - CORTE ESPECIAL . Disponivel em: Acesso em: 29 de agosto 2018.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 3. 13ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

______. Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 14ª ed. Ed. Salvador: JusPodivm, 2012.

______. EDITORIAL131. Disponível: em<http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-131/ > Acesso em: 29 de agosto 2018.

______. EDITORIAL188. Disponível: em <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-188/ > Acesso em 29 de agosto 2018.

DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Acórdão n.949783, 20160020126340AGI, Relator: CARMELITA BRASIL 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 22/06/2016, Publicado no DJE: 27/06/2016. Pág.: 156/168.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. volume único. 13ª. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALVIM, Teresa Arruda. Temas essenciais do novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro: de acordo com a Lei 13.256/2016. SP: RT, 2016.

Data da conclusão/última revisão: 30/10/2018

 

Como citar o texto:

FERNANDES,Ana Clara Sena; MIRANDA, Murilo Sudre..O cabimento do agravo de instrumento da decisão declinatória de competência à luz do Novo CPC. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1572. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/4208/o-cabimento-agravo-instrumento-decisao-declinatoria-competencia-luz-novo-cpc. Acesso em 31 out. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.