SUMÁRIO

RESUMO 1 Considerações iniciais 2 A fraude à execução e a presunção de boa-fé do adquirente 2.1 Fraude à execução e fraude contra credores 2.2 Requisitos da fraude à execução 2.3 A boa-fé 2.4 Fraude à execução e presunção de boa-fé 3 Considerações finais 4 Referências bibliográficas

 

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo desencadear a reflexão da problemática jurídica sobre a fraude de credores, referente ao enfoque da necessidade ou não da observância do Princípio da Presunção de Boa-Fé do adquirente para configuração da fraude.

 

1 Considerações iniciais

O presente trabalho tem por objetivo realizar uma abordagem crítica sobre um tema de relevante valor prático para o Direito brasileiro. Refere-se à fraude de credores sob o enfoque da necessidade ou não da observância do Princípio da Presunção de Boa-Fé do adquirente para configuração da fraude.

A questão cujo estudo nos propomos tem suscitado inúmeras divergências por parte da doutrina, bem como por nossos tribunais. Assim, pretendemos apresentar uma visão geral sobre o tema, demonstrando os caracteres gerais e seus aspectos polêmicos, sem a pretensão de esgotarmos esta densa matéria.

No entanto, ao tratarmos de fraude à execução faz-se imperioso diferenciar de fraude contra credores, um instituto que, como veremos, não obstante superficialmente assemelhar-se àquela, possui abissais distinções teóricas e práticas.

Asseguir, abordaremos a questão da presunção de boa-fé no Direito Pátrio, para logo em seguida examinarmos os requisitos necessários para a configuração da fraude à execução, para que possamos analisar com acuidade o dispositivo legal 593 do CPC brasileiro sob o prisma a que nos propomos e, finalmente, tecermos nossas considerações finais.

 

2 A fraude à execução e a presunção de boa-fé do adquirente

O artigo 1.228 do Código Civil brasileiro define os atributos da propriedade, dando ao proprietário o poder de usar, gozar, fruir e dispor de seus bens; todavia, tal direito encontra seu limite no direito da outra parte, no caso, do credor que quer ver o seu crédito satisfeito.

No entanto, na fraude à execução, atinge-se não só o direito do credor, mas a própria execução e a dignidade da justiça. Assim, cabe-nos inicialmente distinguir este instituto da fraude contra credores.

 

2.1 Fraude à execução e fraude contra credores

Embora ambos os institutos versem sobre fraudes, estes não se confundem, apresentando nítidas distinções.

A fraude contra credores trata-se de instituto próprio do Direito Civil (artigos 158-165, CC), sendo um dos defeitos dos atos jurídicos, que depende de ação própria (ação pauliana) para ser declarado. Desta forma, pode-se definir fraude contra credores como "[...] o ato de disposição de bens orientado pela vontade e consciência de prejudicar credores, na medida em que provoca a insolvência do disponente, diminuindo seu patrimônio de forma a impedir a satisfação do crédito" (WAMBIER; ALMEIDA; e TALAMINI, 1999, p. 105).

Assim, esta fraude possui dois requisitos indispensáveis para sua configuração, a saber: o consilium fraudis, isto é, a intenção de prejudicar, a má fé das partes, também se devendo avaliar a sciencia fraudis, ou seja, se o terceiro sabia da existência da fraude; ademais, deve-se verificar o eventus damni, verificando a insolvência do devedor e prejuízo efetivo ao credor.

Já na fraude à execução trata-se de instituto de direito processual, o qual não atinge só o direito do credor como ocorre na fraude contra credores, mas sim a própria execução e a dignidade da justiça, pois como bem salienta o ilustre jurista José Frederico MARQUES, "A fraude de execução constitui verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai objeto sobre o qual a execução deverá recair" (1976, p. 47).

No que tange aos efeitos de ambas as fraudes, estes igualmente não se confundem, pois no primeiro caso, a alienação é anulável, e, no segundo ineficaz. Feitas tais considerações, cumpre-nos analisar os requisitos necessários para a configuração de fraude à execução, o que passamos a apresentar no tópico abaixo.

2.2 Requisitos da fraude à execução

O Código de Processo Civil expressa duas hipóteses de fraude à execução nos seguintes termos:

"Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;"

 

No inciso I, ao referir "ação fundada em direito real", quis aludir à hipoteca, penhor, enfim, aos direitos reais de garantia, assim, do ponto de vista objetivo, basta à venda deste bem específico para caracterizar a fraude. Já no inciso II, "... para configurar-se a fraude deverá o credor demonstrar o eventus damni, isto é, a insolvência do devedor decorrente da alienação ou oneração" (Humberto THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 101).

A respeito do elemento subjetivo faz-se pertinente à análise sucinta deste princípio de suma relevância ao ordenamento jurídico: a boa-fé.

 

2.3 A boa-fé

A boa-fé apresenta-se como "...um conceito ético, moldado nas idéias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar"(Sílvio Rodrigues, 2002, p. 60). Desta forma, a questão atine mais propriamente à interpretação dos contratos.

A doutrina apresenta a boa-fé sob dois aspectos: a boa-fé objetiva; e a boa-fé subjetiva. Nesta, como ministra Sílvio de Salvo VENOSA, "... o manifestante de vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio" e, naquela, "[...] o intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos" (2003, p. 379).

Destarte, tanto nas tratativas como na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido, a boa-fé, principalmente a objetiva, é fator basilar de interpretação dos contratos.

 

2.4 Fraude à execução e presunção de boa-fé

Diante do exposto, podemos questionar se a intenção fraudulenta seria requisito fundamental para que se possa caracterizar a fraude à execução. A doutrina e a jurisprudência embatem-se em duas correntes.

Uma sustenta ser necessária a avaliação da consciência da fraude na alienação dos bens, sob pena de se contrariar um princípio basilar do Direito, ou seja, a não presunção de má-fé. Ademais, há o registro público, que serve para fazer a comunicação dos atos entre os sujeitos; assim, para que fosse possível presumir a má-fé, ao menos deveriam ter sido registrados os atos, caso contrário incumbiria ao litigante comprovar o concilium fraudis (1).

No entanto, para a segunda corrente, presume-se a fraude (presunção juris et de jure), bastando à configuração de quaisquer das hipóteses do art. 593 do CPC, pois a fraude estaria in re ipsa. Trata-se, na verdade, de responsabilidade objetiva, cabendo ao adquirente o ônus da prova.

A primeira orientação possui claro respaldo, em especial, no Superior Tribunal de Justiça, mas a corrente majoritária no Estado do Rio Grande do Sul inclina-se em sentido contrário (2).

Não há como dispensar a imprescindibilidade da ciência, pelo adquirente da demanda fundada em direito real ou mesmo a capaz de reduzir o devedor à insolvência, salvo quando levada ao registro público, sendo ônus do credor provar que quem adquiriu o bem sabia de seu comprometimento.

Esta orientação parece-nos a mais acertada, pois sob pena de olvidarmos princípios basilares de nosso ordenamento jurídico e aplicarmos uma inaceitável inversão do ônus da prova, utilizando-se critérios de responsabilidade objetiva para responsabilizarmos o adquirente.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após percorrer-se este intrincado tema doutrinário e jurisprudencial, percebe-se a existência de plausíveis fundamentações em ambas as correntes, mas como demonstramos a razão orienta ao respeito e observância de orientações que estão sistematicamente sob a égide de nosso ordenamento jurídico.

No entanto, a discussão estaria encerrada se o Código Processual Civil brasileiro se, a exemplo da Lei de Falências (arts. 52-53), trouxesse dispositivo com posicionamento claro sobre o assunto, haja vista a relevância e a complexidade que o tema encerra.

 

NOTAS

(1) STJ, 3ª T., Resp. 4.132/RS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, in RSTJ 26/346; REsp. 26.866-0/RJ, rel. Min. Sálvio de Figeiredo, in DJU, de 16.11.92.

(2) Rev. TARGS nºs: 74/128; 77/324; 75/239.

 

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VI. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil (processo de execução. Processo cautelar - Parte Geral). Vol IV. São Paulo: Saraiva, 1976.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. Vol. III. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Processo de Execução e Processo Cautelar. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, V. 2: Processo de Execução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

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Como citar o texto:

ADORNO, Rodrigo dos Santos..Fraude à execução e a presunção de boa-fé do adquirente. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 116. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/510/fraude-execucao-presuncao-boa-fe-adquirente. Acesso em 28 fev. 2005.

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