Resumo:

O presente estudo tem como objetivo analisar os aspectos sociais e processuais da prisão preventiva à luz do princípio da presunção da inocência, com o intuito de se aferir se a decretação da medida cautelar afronta a garantia constitucionalmente protegida. Nesse sentido procura-se esclarecer a seguinte dicotomia: respeito ao direito de liberdade do indivíduo e fiel cumprimento do processo penal.

Palavras-chave:

Princípio da presunção da inocência; prisão preventiva; medida cautelar; prisão provisória; direito a liberdade.

Abstract

This study aims to analyze the social and procedural aspects of pre-trial detention in light of the presumption of innocence principle, in order to assess the decree of the precautionary measure violates the constitutionally protected guarantee. In this sense, we seek to clarify  the following dichotomy: respect for the right of liberty of the individual and faithful compliance with criminal proceedings.

Keywords:

Principle of presumption of innocence, pre-trial detention, precautionary measure, provisional arrest, right to liberty

Introdução

A prisão é um instrumento disciplinador e, também, uma forma do Estado demonstrar seu domínio e poder. É tida como a principal forma de sanção penal e de lidar tanto com o delinquente quanto com o delito.

No Código de Processo Penal estão previstas as seguintes modalidades de prisão cautelar: prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva, sendo está ultima o objeto de estudo do presente trabalho.

A prisão preventiva é medida cautelar que pode ser decretada durante a persecução penal, ou seja, em qualquer fase da investigação policial ou no curso do processo criminal, como forma de garantia da ordem pública, da ordem econômica; para conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.

Uma das principais características da prisão preventiva é a desnecessidade do estado de flagrância e de sentença condenatória transitada em julgado para a sua decretação. É necessário que haja, contudo, a conjugação dos seguintes pressupostos: fumaça do cometimento do crime – fumus comissi delicti – e perigo da liberdade do acusado – periculum libertatis.

É necessário ressaltar que a prisão preventiva é ultimo ratio ou seja, é medida de exceção. A medida cautelar só deverá ser aplicada quando não for possível a sua substituição por outra medida cautelar. Embora o Estado possua, pelo Direito Penal, autorização para interferir na liberdade do cidadão como forma de proteger o interesse social, essa interferência não pode ser dar a qualquer custo, vez que, os fins não justificam os meios.

Contudo, a prisão preventiva, decretada antes da sentença condenatória transitada em julgada, pode ser vista como uma afronta ao princípio da presunção da inocência. De acordo com este princípio, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sendo este um dos princípios basilares do Estado de Direito que visam à garantia processual penal e a tutela da liberdade pessoal.

A segregação do indivíduo é medida excepcional, só devendo ser autorizada quando for imprescindível para proteger a persecução penal. Dessa forma, os requisitos que ensejam a decretação da prisão preventiva devem ser analisados cuidadosamente, conforme o caso concreto, para se evitar arbitrariedades da autoridade judiciária. Ressalta-se que, o julgador, ao tomar decisão de tamanha proporção, não deve se deixar levar por interferências externas, tais como o clamor social.

A prisão do indivíduo, antes de comprovada a sua culpabilidade, pode ser considerada uma forma de arbitrariedade estatal, vez que não há provas concretas que o indivíduo acusado seja, de fato, culpado. À luz do princípio da presunção da inocência, a prisão preventiva pode vir a ferir direitos fundamentais resguardados pela Carta Magna e por diversos outros diplomas internacionais, dos quais o Brasil é signatário.

O que vem ocorrendo no Brasil atualmente, com grande frequência, é o desprezo pelos princípios e normas constitucionais, inclusive nas práticas judiciais, levando a denúncias e decisões sem fundamento jurídico, contrariando princípios e normas da Constituição, entre os quais o da “presunção de inocência”.

Nesse contexto, questiona-se os fatores sociais e processuais ligados a prisão preventiva, considerando o princípio constitucional da presunção da inocência. Procura-se esclarecer a seguinte dicotomia: respeito ao direito de liberdade do indivíduo e fiel cumprimento do processo penal. Nesse aspecto, seria a decretação da prisão preventiva uma forma de cumprimento antecipado da pena e consequentemente uma inobservância do princípio constitucional da presunção da inocência? Quais parâmetros definiriam a inconstitucionalidade da medida cautelar frente ao referido princípio?

Nesse sentido, o artigo será dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo trata do Princípio da Presunção da Inocência e o tratamento dado ao mesmo pela Carta Magna, como garantia constitucional. No segundo capítulo será tratado o tema prisões, suas espécies e o tratamento dado as mesmas pela Constituição Federal e pela lei infraconstitucional. O terceiro capítulo será dedicado a prisão preventiva, seus pressupostos e hipóteses de decretação. O quarto capítulo fará uma análise da prisão preventiva à luz do princípio da presunção de inocência com o intuito de analisar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da medida cautelar.

 

Princípio da Presunção de Inocência

O princípio da presunção da inocência, ou da não culpabilidade, é uma garantia constitucional geral, um direito subjetivo expresso. As garantias constitucionais gerais são aquelas que visam a proibição do abuso de poder e de todas as formas de violação dos direitos por elas assegurados.

As garantias constitucionais traduzem uma relação jurídica entre o indivíduo e o Estado, tendo este último a obrigação de respeitar e salvaguardar tais garantias, que nada mais são que normas objetivas que possuem a finalidade de regular as relações do indivíduo com o Estado. A ausências das garantias constitucionais levaria a perda do valor e respeito aos direitos contidos em declarações formais.

Ensina José Alfredo Baracho (2006, p. 449) que as garantias constitucionais são

“verdadeiras leis positivas e obrigatórias. São consideradas como artigos constitucionais que asseguram ao cidadão a prática dos direitos individuais. Propõem conferir aos direitos garantidos a força que lhes é própria. As garantias de direito visam proteger os direitos individuais contra o próprio legislador impedindo-o de fazer qualquer lei que viole os direitos constitucionalmente enumerados.”

Os direitos e garantias fundamentais possuem extrema importância e relevância, recebendo proteção suprema da Constituição Federal, não podendo, dessa forma, serem objetos de deliberação de propostas de emenda que tenham por objetivo abolir referidos direitos.

Os direitos do acusado estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal, em um rol exemplificativo. Bonavides (2014, p. 563), afirma que as garantias constitucionais de natureza processual, vieram para reforçar a defesa e o amparo dos direitos subjetivos.

O artigo 5º da Constituição Federal, traz em seu bojo os princípios norteadores do direito processual penal, sendo um deles o Princípio da Presunção da Inocência ou da Não Culpabilidade. O referido princípio está previsto do inciso LVII,  do art. 5º da CF/88.

Dispõe o texto constitucional que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.  Esse enunciado consagra dois princípios, um de natureza processual penal – princípio da presunção da inocência – e outro de natureza penal – princípio da culpabilidade (ESTEFAM; GONÇALVES, 2014, p. 118).

Ensina Andé Estefam e Victor Gonçalves (2014, p.118) que:

“se ninguém pode ser qualificado como culpado senão quando condenado por sentença penal transitada em julgado, significa, raciocinando inversamente, que somente se pode condenar, em sentença penal, quando se reconhecer a culpabilidade do agente; portanto: não há pena sem culpabilidade.”

De acordo com Juliano Bernardes e Olavo Ferreira (2016, p. 193) “o princípio está ligado, historicamente, ao ônus processual do órgão acusador de provar a procedência da acusação e da culpabilidade do acusado”.

Resta claro, dessa forma, que se faz necessário que o Estado comprove a culpabilidade do indivíduo, que possui presunção constitucional de inocência, sob pena de retornarmos ao total arbítrio estatal.

Para que haja restrição à liberdade do indivíduo, o Estado deve produzir provas concretas e suficientes contra ele. Somente após a produção das provas, é que o Estado poderá condená-lo e, após o transito em julgado puni-lo. Os indícios de autoria e materialidade se fazem imprescindíveis para o Estado usar de seu poder de punir, vez que, as pessoas são, a princípio inocentes, até que se prove o contrário judicialmente.

Importante ressaltar que o princípio da presunção da inocência encontra-se, também, positivado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Segundo o artigo 9º da referida Declaração “todo homem é inocente até que seja declarado culpado”.

Contudo, só ganhou status de direito fundamental após a Segunda Guerra Mundial, com sua incorporação a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no artigo 11.1 com a seguinte redação: “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma a sua inocência enquanto não se prove sua culpabilidade conforme a lei”.

 

Prisões

Antes de adentrar ao estudo da prisão preventiva, faz-se necessário definir o que vem a ser prisão e entender o tratamento dado a mesma pela Carta Magna e pela lei infraconstitucional.

Prisão é o ato de prender, capturar, aprisionar, deter quem tenha cometido um crime. De acordo com Nestor Távora (2016, p.878) prisão “é o cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento”. Pode ser entendida como a retirada do indivíduo do convívio social com seu consequente recolhimento ao cárcere.

 

Espécies de prisão e da prisão provisória

Tendo como marco o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a prisão poderá ser classificada em:

a)    Prisão-pena, é aquela efetuada por força de uma sentença penal condenatória que transitou em julgado. Essa modalidade de prisão é uma medida repressiva e  visa a satisfação da pretensão executória do Estado;

b)    Prisão processual ou prisão provisória, é aquela que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença e tem como finalidade assegurar a eficácia das investigações. Ressalta-se que se faz necessário, para a decretação dessa modalidade de prisão, a presença dos requisitos fumus bonis juris e periculum in mora. Nesta última espécie de prisão estão abarcadas a prisão em flagrante, prisão temporária e a prisão preventiva.

Além das espécies supracitadas, são, ainda, espécies de prisão: a prisão civil ou extrapenal, destinada a compelir alguém ao cumprimento de uma obrigação civil; a prisão militar, permitida apenas nos casos de transgressões militares e crimes militares; a prisão decorrente da decisão de pronúncia; e a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível.

 

Da prisão provisória

A prisão provisória ou prisão processual é a chamada prisão sem pena, é uma medida cautelar ampla decretada no curso das investigações criminais ou do processo, mas, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Antes de ser definitivamente condenado o indivíduo só pode ser preso em três situações: prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva. Porém, somente quando se tratar das duas últimas prisões, o indivíduo poderá permanecer preso.

De acordo com Fernando Capez (2016, p.336):

“[...] a decretação da prisão provisória exige mais do que mera necessidade.Exige a imprescindibilidade da medida para a garantia do processo. A custódia cautelar tornou-se medida excepcional. Mesmo verificada sua urgência e necessidade, só será imposta se não houver nenhuma outra alternativa menos drástica capaz de tutelar a eficácia da persecução penal.”

Com o advento da Lei nº 12.403/2011, a decretação da prisão provisória só poderá ocorrer quando a referida medida for imprescindível, evitando-se, assim, o encarceramento do acusado ou indiciado quando não houver necessidade da prisão.

 

Aspectos constitucionais da prisão

A liberdade está elencada na Constituição Federal como um direito fundamental a ser protegido por todo o ordenamento jurídico brasileiro. O art. 5º da Carta Magna traz a seguinte redação:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”

O direito a liberdade não está ligado somente ao direito de ir e vir ou de permanecer no território nacional ou dele se ausentar. A liberdade está, também, estritamente ligada as garantias contra as prisões e penalidades arbitrárias.

A liberdade é um direito básico e essencial da pessoa humana. Contudo, cabe ressaltar que este direito a liberdade pode ser relativizado. No tocante a liberdade de ir e vir do indivíduo, esta, conforme está previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, poderá ser restringida após o devido processo legal, garantido o contraditório e ampla defesa, e após condenação comprovando o cometimento do crime.

Com a finalidade de proteger o direito à liberdade de eventuais arbitrariedades das autoridades públicas, a Constituição Federal consagrou diversos dispositivos relativos a prisão – artigo 5º, incisos LXI a LXVII, da CF/88.

No tocante a prisão o Código de Processo Penal, traz em seu texto que:

“Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”

A Constituição Federal declara que, ressalvados os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, o indivíduo só poderá ter sua liberdade cerceada em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.

A prisão, no ordenamento jurídico brasileiro não é a regra, mas sim a exceção e deve ser aplicada somente quando não houver outra medida cabível, como forma de garantia dos direitos fundamentais esculpidos constitucionalmente.

 

PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva é uma espécie de prisão processual que possui natureza cautelar mais ampla. Tem o objetivo de assegurar a eficácia das investigações e da ação penal.  Para José Carlos Gobbos Pagliuca (2011, p.121) “trata-se de modalidade de custódia cautelar inibidora do direito de locomoção ao acusado de crime, por ordem judicial, em razão dos pressupostos legais à sua pertinência.”

É uma medida cautelar imposta somente em último caso. Segundo Fernando Capez (2016, p. 367) “a prisão provisória é medida de extrema exceção. Só se justifica em casos excepcionais, onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável. Deve, pois, ser evitada, porque é uma punição antecipada”

A prisão preventiva, está prevista nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, e pode ser definida como uma prisão provisória decretada no curso do inquérito policial ou do processo, com a finalidade de garantir a ordem jurídica.  De acordo com Nestor Távora e  Rosmar Rodrigues Alencar (2016, p. 916) a prisão preventiva pode ser definida como:

“a prisão de natureza cautelar mais ampla, sendo uma eficiente ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal, leia-se, durante o inquérito policial e na fase processual.”

A autoridade competente para a decretação da preventiva é o Juiz que poderá fazè-lo de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou do acusado ou mediante representação do Delegado de Polícia. A prisão preventiva poderá ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou no curso do processo criminal.

No tocante a decretação da prisão preventiva, afirma Cleyson Brene (2016, p.338) que:

“Até antes do trânsito em julgado da sentença admite-se a decretação prisional, por ordem escrita e fundamenta da autoridade judicial competente (art. 5º, inc. LXI, da CF), desde que presentes os elementos que simbolizem a necessidade do cárcere, pois a preventiva, por ser medida de natureza cautelar, só se sustenta se presente o lastro probatório mínimo a indicar a ocorrência da infração, os eventuais envolvidos, além de algum motivo legal que fundamente a necessidade do encarceramento.”

É admitida a decretação da prisão preventiva até mesmo antes da instauração do inquérito policial desde que haja elementos que comprovem o atendimento dos requisitos legais necessários para a sua decretação.

Como bem ressalta Ivan Marques e  João Henrique Martini (2012, p. 117), a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação criminal e da ação penal, até mesmo em fase de recurso. Contudo é necessário observar a coisa julgada. Uma vez transitada em julgado a sentença penal condenatória, não há que se falar em prisão preventiva.

Faz-se necessário frisar que, para a decretação da medida, é imprescindível a presença dos requisitos legais previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal e a ocorrência dos motivos autorizadores previstos no artigo 313 do CPP. Necessário é, também, conforme preceitua o artigo 319 do CPP, que as outras medidas cautelares diversas da prisão se mostrem inadequadas ou insuficientes.

 

Pressupostos

Para a decretação da prisão preventiva se faz necessário a presença de dois pressupostos conjugados: o fumus commissi delicti e o periculum libertatis. O fumus commissi delicti caracteriza-se pela prova da existência do crime e pelos indícios suficientes de autoria. O periculum libertatis, por sua vez, diz respeito ao perigo da liberdade do acusado para o desenrolar da investigação criminal ou do processo

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Fumus commissi delicti

O fumus commussi delicti representa a justa causa para a decretação da medida, não sendo esta permitida quando não houver provas da existência do crime ou da autoria. Conforme se extrai do artigo 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada quando houver indícios suficientes de autoria e materialidade.

Dois pressupostos materializam o fumus commissi delicti, dando um mínimo de segurança na decretação da cautelar. Esses pressupostos são:

a)    Prova da existencia do crime – materialidade – consiste na certeza que ocorreu uma infração penal. Há uma premente necessidade de comprovação da ocorrência do crime por meios de elementos idôneos, tais como, exames periciais, testemunhas, interceptações autorizadas judicialmente etc;

b)    Indícios suficientes de autoria, deve haver indícios que liguem a prática do crime ao indivíduo. Ressalta-se que se faz necessário apenas os indícios, não sendo necessário prova plena de culpa, vez que o in dubio pro reo só vale para absolver ou condenar o acusado, não tendo força na decisão de decretação da prisão.

 

Periculum libertatis

O periculum libertatis representa o “perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade acarreta para a investigação criminal, para o processo penal, para a efetividade do direito penal ou para a segurança social.” (BRENE, 2016, p.440).

O legislador, no artigo 312 do CPP, estabeleceu quais as situações que ensejam o perigo da liberdade do investigado. São elas: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.

 

a) Garantia da ordem pública

Não há uma definição clara e precisa do que seria ordem pública, sendo esta uma expressão de conceito indeterminado, amplo e vago que causa oscilações jurisprudenciais e doutrinarias. Mas, de forma geral, a expressão ordem pública traz a ideia de tranquilidade e paz no seio social.

Segundo a corrente majoritária, na garantia da ordem pública, faz-se um juízo de periculosidade do agente. Dessa forma, a prisão preventiva será decretada com o escopo de resguardar a sociedade da reiteração de crimes em virtude da periculosidade do agente (BRENE, 2016, p. 440).

Importante questão é a do clamor social. Fernando Capez (2016, p.369) afirma que o clamor social não é suficiente para a decretação da medida cautelar. Segundo o referido autor, sem periculum in mora não há que se falar em prisão preventiva. O STF  tem se oposto ao uso do clamor social como fundamento para a prisão preventiva. Para a Suprema Corte:

“o estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, ART.312) – não se qualifica como fato de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu (STF -2ª Turma – HC 92751/SP – Rel. Min. Celso de Mello – j.09/08/2011 – DJU 23/10/2011).”

Tourinho Filho (ALENCAR, TÁVORA, 2016, p. 918) critica a decretação da prisão preventiva tendo como fundamento a expressão genérica ordem pública, vez que absolutamente tudo, desde da periculosidade do agente até as reiteradas divulgações pela rádio ou televisão, se amoldam a ideia de ordem pública. Para o autor, a prisão preventiva decretada com base da garantia da ordem pública, nada mais é do que uma execução sumária, ou seja, o réu é condenado antes de ser julgado e a condenação tem por base situações em que nada ensejam a decretação de uma medida cautelar.

Ainda de acordo com o referido autor, a garantia da ordem pública como fundamento para a decretação da preventiva é incompatível com a Constituição Federal vez que fere a presunção da inocência, sendo apenas uma antecipação da pena.

Cabe ressaltar que a decretação da preventiva não poderá ter por base a preservação da integridade do próprio suspeito quando este estiver ameaçado de  morte ou linchamento, vez que é dever do Estado promover as condições necessárias para preservação da integridade física do criminoso.

 

b) Garantia da ordem econômica

A decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem econômica tem como objetivo impedir que o agente, estando solto, volte ou continue a praticar novas infrações que venham a causar seriíssimo abalo a ordem econômica.

Outro objetivo da cautelar é fazer com que os criminosos de colarinho branco e os demais delinquentes de crimes patrimoniais comuns recebam um tratamento igualitário, vez o desfalque a uma instituição financeira ou a um órgão do Estado , geram uma grave repercussão social.

No tocante aos crimes contra  o sistema financeiro, o artigo 30 da Lei nº 7.492/86, dispõe que em se tratando da prática dos crimes previstos na referida lei e sem prejuízo do disposto no artigo 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada pela infração. Nestor Távora e Rosemar Rodrigues Alencar (2016, p. 919) defendem a posição de que a magnitude da lesão não se sustenta para a decretação da preventiva, vez que a mesma é consequência do crime e não uma justificativa prisional.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm entendido que a magnitude de lesão não é, por si só, suficiente para a decretação da medida cautelar, sendo necessário, ainda, que a mesma tenha vínculo com os requisitos do artigo 312 do CPP.

 

c) Conveniência da instrução criminal

O objetivo da decretação da prisão preventiva com fundamento na conveniência da instrução criminal é a proteção da livre produção probatória, impedindo condutas do réu que prejudiquem a busca da verdade real.

De acordo com a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

“a tentativa de subornar policiais civis e as ameaças às testemunhas, demonstram que sua prisão preventiva é necessária para a conveniência da instrução criminal e para a garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal (STJ – 5ª Turma –HC 198890/GO – Rel. Minª Laurita Vaz – j. 06/09/2012 – DJU 19/09/2012).”

Sendo a preventiva decretada com base na conveniência da instrução criminal, sendo esta encerrada, o juiz deverá, com fulcro no artigo 316 do CCP, revogá-la, vez que o motivo a ensejou a decretação da prisão não mais subsiste.

 

d) Assegurar a aplicação da lei penal

A decretação da prisão preventiva com base na garantia da aplicação da lei penal tem como finalidade evitar que o autor, com o intuito de eximir-se de eventual cumprimento de sanção penal, fuga ou venha a fugir. Ressalta-se que o processo penal tem como finalidade garantir ao Estado o exercício do jus puniendi que ficará prejudicado caso o acusado venha a fugir do distrito da culpa.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça:

a fuga do acusado do distrito da culpa, comprovadamente demonstrada nos autos e que persiste, constitui fundamento idôneo a ensejar a decretação da segregação provisória, nos revela a intenção do acusado de não colaborar com a instrução criminal e de se furtar à aplilicação da lei penal (STJ – 6ª Turma – Ag. Rg no HC 2252226/PI – Min. Rel. Sebastião Reis Junior – j. 18/09/2012 – DJU 01/10/2012)”

Importante ressaltar que a mera ausência do réu ao interrogatório, ainda que ausência seja injustificada, não enseja a decretação da preventiva, tendo em vista que não tendo o réu comparecido, a justiça tem a sua disposição, para trazê-lo ao interrogatório, a condução coercitiva prevista no artigo 260 do CPP.

 

Hipóteses de decretação

Uma vez que a prisão preventiva é medida cautelar de exceção, o legislador elencou, no artigo 313 do CPP, as hipóteses que comportam a decretação da cautelar. São elas:

a)    crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, independentemente de ser apenado com reclusão ou detenção;

b)    quando o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, sendo aplicável o período depurador da reincidência previsto no artigo 64, inciso I, do Código Penal;

c)    se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

O parágrafo único do referido artigo traz, ainda, como hipótese para a decretação da preventiva, a existência de dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou a recusa desta em  fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Nessa situação deverá o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

 

PRISÃO PREVENTIVA A LUZ DO PRINCIPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

No atual ordenamento jurídico brasileiro, a liberdade do indivíduo é sempre a regra. Contudo, tal direito pode ser relativizado em determinadas situações sempre respeitando os direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal, com destaque ao princípio da presunção da inocência.  

Conforme visto anteriormente, o Brasil prevê duas espécies de prisão: a prisão penal decorrente de uma sentença condenatória transitada em julgado e; a prisão cautelar, decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

A decretação da prisão cautelar tem sido objeto de várias críticas e discussões acerca da sua constitucionalidade, vez que a mesma pode ser vista como uma forma de punição antecipada, ou seja, antes de ser devidamente condenado o indivíduo já se encontra cumprido a pena, indo, dessa forma, de encontro ao consagrado princípio da presunção da inocência.

Para a doutrina majoritária, a decretação das medidas cautelares não enseja a violação do princípio da presunção da inocência. Marcelo Novelino (2014, p. 551) defende que:

“a presunção de não culpabilidade não impede a decretação ou manutenção de prisão cautelar, desde que seja demonstrada sua necessidade concreta e estejam presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indicío suficiente de autoria).”

O referido autor (NOVELINO, 2014, P.551) ressalta que, sendo esta uma medida excepcional, os fundamentos que levaram a sua decretação, devem ser revistos a qualquer tempo, com o escopo de se evitar que haja um cumprimento de pena, sem que a sentença condenatória tenha transitado em julgado.

Alexandre de Moraes (2006, p.103) assevera que:

“a consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre o satus libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.”

É de suma importância ressaltar que a prisão preventiva, quando da sua decretação, dever ser devidamente fundamentada pela autoridade judiciária competente, sob a pena de se infringir o princípio da motivação das decisões judiciais previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Faz-se necessário, então, uma análise cuidadosa e imparcial do caso concreto para analisar se há ou não outras medidas cautelares diversas da prisão, deixando para decretá-la em último caso sob pena da decretação da prisão ser inconstitucional, por ferir o princípio da presunção da inocência.

Nesse viés chama-se atenção para a decretação da prisão cautelar tendo como fundamento a garantia da ordem pública. Ordem pública é um termo vago, não há uma definição concreta e pacifica abrindo, dessa maneira, margem a subjetividade. Essa subjetividade abre margem para a interpretação do juiz que, na necessidade de mostrar a efetividade da justiça, pode vir a agir fora dos limites estabelecidos pela lei.

Outra questão importante em relação a prisão preventiva, é a sua decretação tendo como fundamento o clamor social. Embora seja rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, não é incomum nos depararmos com decisões judiciais que possuem como fundamento o clamor social. O juiz, na sede de fazer cumprir o processo penal e fazer prevalecer a justiça, acaba por se deixar levar pela comoção social e decreta a cautelar, muitas das vezes, como uma forma de antecipação da pena, vez que o que a população quer, que o indivíduo, autor de um crime bárbaro, pague pelo o que fez, mesmo que não tenha sido dado ao mesmo a chance de ser defender.

 

CONCLUSÃO

O princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade integra a Ordem Constitucional Brasileira como uma garantia processual de que o indivíduo não será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, garantindo-se o contraditório e ampla defesa.

É uma garantia positivada não apenas na Carta Maior Brasileira, mas também no plano internacional por meio de diversos documentos legais, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Universal dos Direitos dos Homens e do Cidadão.

Infere-se do exposto no estudo que o princípio da presunção da inocência visa assegurar um direito basilar do ordenamento jurídico brasileiro: o direito à liberdade. No Brasil, a regra é a liberdade. Porém, tanto o princípio da presunção da inocência quanto o direito à liberdade, não são ilimitados podendo sofrer restrições. As restrições, nesse caso, seriam as prisões provisórias, mais precisamente a prisão preventiva.

Conforme já estudado, as prisões provisórias ou cautelares são aquelas decretadas antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o que poderia abrir margem para uma possível condenação antecipada.

Após uma análise e estudo cuidadosos, chega-se a conclusão de que, via de regra, a prisão preventiva não é uma forma de cumprimento antecipado da pena, vez que a mesma possui um caráter subsidiário, podendo ser decretada somente em último caso e quando estiverem preenchidos os requisitos autorizadores dos artigos 312 e 313 do CPP.

Deve, também, o juiz, ao decretar a prisão preventiva, fundamentar devidamente sua decisão. Ressalte-se que a decisão que decreta ou até mesmo denega a prisão preventiva, pode ser revista a qualquer tempo. Não persistindo os motivos que levaram a decretação da medida cautelar, o juiz, com fulcro no artigo 316 do CPP, deverá revogá-la, sob pena de estar punindo o agente antecipadamente.

Contudo, é importante ressaltar que a prisão preventiva quando decretada tendo como fundamento conceitos subjetivos, como garantia da ordem pública ou tendo como fundamento o clamor social, pode sim vir a ser uma forma de punir o agente antes que o mesmo tenho sido considerado, de fato, culpado. A subjetividade abre margem para o arbítrio estatal, dessa maneira, a prisão preventiva deve ter fundamentos concretos para sua decretação.

Conclui-se, portanto, que a prisão preventiva não fere o princípio da presunção da inocência, não sendo, dessa forma inconstitucional. Frisa-se que, para que a medida seja considerada constitucional ela deve atender a todos os requisitos previstos na legislação infraconstitucional e, principalmente, na Constituição Federal.

A prisão preventiva é uma medida de exceção que deve ser interpretada de forma restrita e compatibilizada com o princípio da presunção da inocência, devido ao fato de que o estigma do encarceramento é por demais nocivo à figura do acusado, envergonhando-o diante de si próprio e da sociedade.

 

Referencias Bibliográficas

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Data da conclusão/última revisão: 31/10/2019

 

Como citar o texto:

SANTOS, Wdson Mateus dos; MIGANI, Erick José..Prisão Preventiva à luz do Princípio da Presunção de Inocência. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1666. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/4623/prisao-preventiva-luz-principio-presuncao-inocencia. Acesso em 13 nov. 2019.

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