A cobrança por estacionamento em via pública tem provocado debates e acirradas celeumas, sem, contudo, chegar-se a um denominador comum.

Políticos, empresários, comerciantes, juristas, etc., revezam-se, catalogando argumentos à busca de afirmação da tese que se propõem a defender.

Segundo entendimento de alguns, a taxa de estacionamento em via pública, cobrada pelas prefeituras, é plenamente legal. Para sustentar este ponto de vista, trazem à colação ensinamentos civilísticos ou administrativísticos, fulcrando este entendimento no art. 68 do CC e em teoria de direito público, de que o município pode editar normas administrativas ou de administração de bens públicos, mormente para regulamentação de trânsito. Parece-nos, que tanto o CC, art. 68, que autoriza cobrança retributiva em uso de bens de uso comum do povo e a norma especial que autoriza o município a legislar sobre trânsito, não se aplicam ao caso presente, por serem normas reservadas à aplicação restrita ao previsto em Lei.

Uma coisa é ter o município competência para regulamentação do tráfego e do trânsito no perímetro urbano e outra é cobrar por esta regulamentação ou em razão dela. Evidentemente, o município somente pode regular o tráfego e o trânsito local, desde que obedeça às leis maiores, como a Constituição Federal e lei federal. Esta regulamentação não pode ser abusiva. Por exemplo: não pode o município autorizar velocidade maior do que a prevista no Código Nacional de Trânsito, como também não pode dispor sobre conversão de veículos à gasolina para álcool ou óleo diesel, nem dispor sobre potência dos motores e dos equipamentos obrigatórios dos veículos, nem mesmo criar novos sinais, etc. Logo se vê que a competência municipal é presa a certos limites que não podem ser ultrapassados, sob pena de cair no acrimônio da ilegalidade.

Não existe norma expressa a autorizar o município a cobrar taxa de estacionamento em via pública. Em matéria de administração pública, o que não for expressamente permitido, é proibido. Ao contrário do que ocorre em direito privado, em que tudo que não for proibido é permitido. ‘Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza’. Além do mais, em se tratando de medida de restrição de direito, haveria necessariamente de contar com disposição expressa em lei. Ao contrário, existe norma federal que instituiu a ‘Taxa Rodoviária Única’, que por ser única não deixa margem à outra cobrança.

Nem mesmo há que se falar, que existem fatos geradores diversos.

Mesmo porque não existe fato gerador de taxa de estacionamento. Estacionamento não se enquadra em exercício regular do poder de polícia do Estado e nem em prestação de serviço colocado à disposição do interessado.

Até mesmo os nobres defensores desta cobrança não lograram afirmar ou demonstrar com convencimento qual seria o fato gerador da pretensa cobrança aludida, ou seja, taxa de estacionamento. A simples alusão de que a rua é do município, e assim sendo pode este dispor privativamente e cobrar taxa de estacionamento, como entendem alguns, não nos parece indicar algum fato gerador da propalada cobrança, que a denominam ‘taxa’.

Permissa venia, ousamos discordar daqueles que assim pensam, sobre dois aspectos que julgamos de importância neste momento, que em seguida demonstraremos: são estes os pontos em confronto:

1. De quem é a rua? Qual a sua natureza?

2. Qual a natureza jurídica da cobrança, que os autores preferem denominar ‘taxa de estacionamento em via pública’?

Para Alguns, o município é dono das ruas, praças, etc. e que, como dono, dispõe privativamente a tal respeito. Com os nossos respeitos àqueles que assim pensam, somos forçados a discordar de seus autores, por entendermos que as ruas e as praças não são de propriedade do município, mas, tão-somente, bens de uso comum do povo. E bens de uso comum são bens afetados, que não podem ser dispostos privativamente pelo município, antes que ocorra a desafetação.

Em abono à nossa opinião, buscamos os fundamentos do art. 66 do CC Brasileiro, que assim dispõe: ‘Os bens públicos são: I - Os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial ... (sic); III - os dominiais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados, ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal, ou real de cada uma dessas entidades’.

Como se verifica, há urna diferenciação legal entre bens de uso comum e os bens dominiais. As ruas e as praças estão entre os primeiros, portanto não são do domínio do município. Na lição sábia de Antônio José de Souza Levenhagen, encontramos as seguintes palavras: ‘Os bens públicos de uso comum pertencem a todos e podem por todos ser utilizados’ (CC Comentado, parte geral, I/99).

Clóvis Beviláqua, citado por Washington de Barros Monteiro, chega mesmo a afirmar que o proprietário desses bens é a coletividade. Para Washington de Barros Monteiro: ‘Os primeiros pertencem a todos. Podem ser utilizados por qualquer pessoa’. Também J. Cretella Júnior ensina que: ‘Bem de uso comum é todo bem imóvel ou móvel sobre o qual o povo, o público, anonimamente, coletivamente, exerce direitos de uso e gozo, como, por exemplo, o exercício sobre as estradas, os rios, as costas do mar. Exemplo de bem público de uso comum é a rua’.

Por isso se vê que a rua não se inclui entre os bens descritos no inc. 3° do dispositivo mencionado, não sendo, portanto, bem dominical do município.

Sendo esta circunstância a pedra de toque ou a plataforma de partida dos partidários da cobrança por estacionamento em via pública, temos que estes partem de base frágil, ou, em outros termos, têm como ponto de partida premissa falsa. Partindo-se de estrada errada, chegar-se-á em local errado.

Se errada a premissa, assim será a conclusão.

Procurando ancorar suas opiniões na circunstância de ser a rua de domínio ou bem dominical do município, e como procuramos demonstrar, a rua não é bem desta natureza, mas, bem de uso comum do povo, logo a conclusão desses partidários não agasalha, a nosso ver, o melhor direito. Por outro lado, no que diz respeito à natureza jurídica da cobrança, estamos a dissentir dos eruditos adeptos da cobrança de taxa, por entendermos, a princípio, não ser possível nenhuma cobrança. Logo, é uma cobrança sem natureza jurídica, fundada apenas em ato abusivo de quem a cobra. Muito menos, pela denominação ‘taxa’.

Com efeito, pelo que se conclui da redação do art. 77 do Código Tributário Nacional, que acompanha a redação do art. 18, I, da Carta Constitucional, a taxa tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ou a utilização efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

A norma jurídica fala em exercício do poder de polícia ou serviço público específico e divisível, para que se tenha o fato gerador da taxa. No caso de estacionamento em via pública, não existem as condições previstas na Carta Magna, pois, não se vislumbra o exercício de poder de polícia e nem consubstancia em serviço público, muito menos serviço público específico e divisível previsto em Lei. Assim, não pode ser fato gerador de taxa.

Não só por isso. Para que ocorra o fato gerador de taxa, é desnecessária a efetiva fruição do serviço, bastando tão-somente que este seja colocado à disposição do interessado. Entre a disposição do art. 77 do Código Tributário Nacional, parte final, que expressa ‘a sua disposição’ e o caso concreto de estacionamento em via pública, existe grande antinomia. Pois, somente se cobra o estacionamento de quem efetivamente o utilize. Não se cobra o estacionamento pela simples ‘disposição’. Daí, conclui-se pela impossibilidade de ser taxa a quantia cobrada por estacionamento. Inocorre, por outro lado, o requisito da especificidade e divisibilidade, que é exigência legal para a caracterização do fato gerador da taxa.

Não sendo serviço público específico, não preenchendo o requisito da divisibilidade e nem cobrado apenas pela potencialidade, não se adequa à disposição do art. 18, I, da Constituição Federal, e art. 77 do Código Tributário Nacional, sendo inviável denominar esta cobrança de taxa. Por outro lado, se fosse bem dominical do município e este exigisse o pagamento para seu uso, haveria de ser preço público ou tarifa pela utilização do bem, mas não taxa.

Em se tratando de bem de uso comum do povo, não vemos como poderia ser instituída a cobrança de estacionamento, nem mesmo como preço público, já que para circular com o veículo, o proprietário paga a ‘Taxa Rodoviária Única’, e que, por ser única, não pode dar vezo a outra cobrança, mesmo que, com nome diferente, pouco importando chamar-se taxa, preço público, etc. Qualquer outra cobrança, a nosso ver, é abusiva, pois esta cobrança recai sempre sobre o veículo e não sobre a rua ou praça. Se entendemos ser impossível a cobrança pelo uso da rua por ser bem de uso comum do povo, e não abrangida pela disposição do art. 68 do CC, com maior razão, esta cobrança é impossível quando recai sobre o veículo, que já é tributado pela União, para circular. Nem se diga, que na expressão circular, trafegar ou movimentar, não esteja contida a circunstância ‘estacionar’ que está condicionada ao pagamento da ‘Taxa Rodoviária Única’, cujo tributo entendemos ser mais ‘imposto’ do que propriamente taxa.

Também não aceitamos a idéia de que o fato gerador da ‘Taxa Rodoviária Única’ é a obtenção ou renovação da licença, como entendem alguns. Entendemos que a licença é mero pressuposto a permitir o veículo em circulação. É requisito para circular livremente e nesta expressão estão necessariamente contidas as situações ‘ir, vir e ficar’. Isto é, movimentar-se e estacionar. O fato gerador da ‘Taxa Rodoviária Única’ é o complexo de movimentação e estacionamento em via pública. Apenas o momento da cobrança é que coincide com o momento da obtenção ou renovação de licença, não sendo esta última fato gerador. Aliás, em direito tributário, dificilmente se vê coincidir o momento do fato gerador com o momento do pagamento, isto ocorre em casos especialíssimos.

A competência que o município tem conforme o Decreto-Lei Complementar nº 9/69 do Estado de São Paulo, de constitucionalidade duvidosa em face do que dispõe o art. 200, parágrafo único, da Constituição Federal, não pode ultrapassar os poderes da delegação. Se o próprio Estado não tinha poderes para tal, não pode, por mais óbvio, delegar poderes que não os possui.

Ainda que os possuísse, haveria de constar explicitamente da norma mencionada, o que não ocorreu. ‘Fixar locais de estacionamento de táxis e demais veículos e sinalizar as vias urbanas e estradas municipais, bem como regulamentar e fiscalizar a sua utilização’ (art. 3°, b e d). É este o conteúdo da norma referida.

Não se vislumbra do texto que existe autorização para qualquer cobrança.

Fixar locais é uma coisa, cobrar estacionamento nestes locais é outra. É comum, aliás, e felizmente é a regra, existir local de estacionamento fixado sem cobrança. A regulamentação dada ao município se justifica, porque a este é dado conhecer os interesses locais e imediatos da população, tais como, indicar local de estacionamento, mão de direção e contramão, constatar e sinalizar a existência de escolas, hospitais, etc. Não quer isto dizer, que está autorizada a cobrança por isto.

Parece-nos de tudo absurdo, colocar-se sinalização em via pública, afirmando ser permitido estacionamento mediante pagamento. Isto é, permitido estacionar para quem paga e proibido (implicitamente) para quem não paga. O mesmo ocorre se instalar sinalização indicando contramão para quem não pagar e mão de direção para quem efetuar pagamento. Mais ou menos assim: se for paga a quantia ‘X’ é mão de direção, caso contrário é contramão.

Imagino que ninguém negará o absurdo do segundo exemplo. Assim também o é, o primeiro. Em verdade, o que tem ocorrido é que, por questões metajurídicas, alguns municípios lançaram a cobrança de estacionamento e o povo por comodidade vem aceitando esta imposição. Mas, esta aceitação não pode ter o condão de revestir a cobrança de legalidade. Com acerto asseverou o douto Prof. José Goulart Quirino, in verbis: ‘Ao legislador ordinário é outorgada apenas a faculdade de criar ou não taxas, porém, se o fizer, terá de esculpi-las rigorosamente, à luz do modelo genérico constitucional.

Como o legislador constituinte talhou a hipótese de incidência genérica das taxas, só remanesce ao legislador infraconstitucional o poder de, querendo, traçar em espécie, desde que subsumidas ao modelo jurídico constitucional’ (A Taxa no Direito Brasileiro. Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1980, p. 9). Mais adiante conclui o mestre: ‘A noção de taxa só pode ser compreendida juridicamente se considerado o seu pressuposto fático, que deve ser fato inerente a uma atuação do Estado’.

A toda evidência, a cobrança de taxa de estacionamento em via pública não se amolda ao modelo constitucional traçado pela Carta Maior, assim, não vemos como sustentar esta cobrança, sob o aspecto jurídico. A necessidade de aumentar-se a receita do município, ou, ainda, se a renda será destinada às instituições de caridade ou não, se aumenta o número de emprego ou não, ou ainda qualquer outro motivo de ordem econômico-social, é questão metajurídica e que deve ser analisada fora do âmbito do direito. Sob o ângulo jurídico, deve-se analisar pura e simplesmente aquilo que se reveste de juridicidade.

Indiferente a tudo que expomos, é a recente e revogada resolução do CONTRAN. Este órgão expediu resolução visando a proibir os municípios de prosseguir ou instituir a cobrança. Entretanto, algumas considerações hão de ser feitas. A cobrança é ilegal, e, assim, sendo, desnecessária era qualquer resolução proibindo-a. Também não tem o CONTRAN competência para proibir tal cobrança. Da mesma forma em que não tem competência para autorizá-la. É bom lembrar que o CONTRAN, com esta resolução, invadiu competência de outro poder, que é o Poder Judiciário. Cabe ao Poder Judiciário, quando provocado, dizer da ilegalidade da cobrança. Os municípios, que não estão subordinados administrativamente ao CONTRAN, não estavam obrigados ao acatamento da referida resolução. Foi por isso, e em boa hora, o Ministério da Justiça viu por bem e de ofício revogar a anunciada resolução.

Não foi e nem é a revogação da resolução do CONTRAN pelo Ministério da Justiça capaz de transformar em legal aquela cobrança ilegal. Da mesma forma que o CONTRAN não tem competência para proibir ou autorizar a cobrança, também não a tem o Ministério da Justiça. Somente ao Poder Legislativo é dado legislar sobre a matéria, e, em sendo matéria de competência da União, somente o legislador federal poderá legislar sobre o assunto, respeitada a Constituição Federal.

Inaplicável também, ao caso presente, a disposição do art. 68 do CC, que autoriza cobrança de retribuição de conservação e manutenção, conforme as leis estabelecerem. Dispõe o referido dispositivo: ‘O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito, ou retribuído, conforme as leis da União, dos Estados, ou dos Municípios, a cuja administração pertencerem’.

De início, deve-se atentar para a expressão ‘retribuído’. Esta palavra na lei está a indicar que, nos casos em que for cabível a cobrança, esta há de ter o caráter meramente retributivo. Isto é, a cobrança deve-se fixar no limite dos gastos para manutenção do bem comum. A cobrança não pode ser maior do que a quantia despendida para a sua manutenção, pois, do contrário, deixaria de ser retributiva, conforme exige a lei civil.

Como é sabido, a rua é mantida com receita geral do município, não podendo o seu uso ser cobrado a título de restituição. Ainda que pudesse ser feita a cobrança, haveria esta de ser limitada à despesa de manutenção, o que é deveras impossível, tendo em vista as dificuldades em elaborar e calcular um plano de entrada e saída com exatidão. Por outro lado, o que se cobra não é o uso da rua. É apenas o estacionamento. Isto quer dizer que se alguém se dispor a transitar vinte quatro horas por dia nada pagará. Entretanto, se estacionar por alguns minutos, já está sujeito ao pagamento. Também se o motorista deixar seu veículo em casa e ocupar a rua pessoalmente, não Ihe é cobrada a taxa. Daí mais uma razão para se concluir que a cobrança recai mesmo sobre o veículo.

Sendo este tributado pela União, não pode ser também tributado pelo município, sob pena de ocorrer, bis in eadem, que é vedado constitucionalmente.

A competência que tem o município para regular o estacionamento não alcança o direito de instituir cobrança, podendo estabelecer o local em que se pode estacionar e o tempo permitido para este estacionamento, mas, nunca cobrar por esta permissão, ou melhor, por este estacionamento. O eminente Prof. Hely Lopes Meirelles, ao tratar da utilização dos bens públicos, assim observou: ‘Uso comum do povo é todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para fluição. É o uso que o povo fez das ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais.

Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou cometimento especial, nem admite freqüência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual’.

Insistimos em afirmar a inaplicabilidade do art. 68 do CC, quando se tratar de ruas, estradas ou praias naturais, etc. Com efeito, dispõe o mencionado dispositivo: ‘O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito, ou retribuído, conforme as leis da União, dos Estados, ou dos Municípios a cuja administração pertencerem’. Deparamos com a expressão ‘gratuito’ seguida de virgule e após a disjuntiva ‘ou’ e mais adiante a expressão ‘retribuído’. A disjuntiva ‘ou’ ao contrário da conjuntiva ‘e’ vem demonstrar que o uso não pode ser gratuito e remunerado. Como é por demais sabido, é impossível algo ser gracioso e remunerado ao mesmo tempo. Isto é, não se permite a cumulação de situações diversas. Ou é gratuito, ou é remunerado. Se fôssemos entender que todos os usos dos bens de uso comum podem ser gratuito ou remunerado, conforme a vontade do legislador, estaríamos levando o dispositivo legal à condição de letra morta. Desnecessária seria a disposição desta norma.

Todavia, parece-nos, que a boa exegese indica outra interpretação do art. 68 do CC. Estamos convencidos de que as expressões ‘gratuito ou retribuído’ estão a indicar que o uso de certos bens de uso comum, sempre será gratuito e outros poderão ser retribuídos. Não os usos de quaisquer bens possam ser retribuídos. A não ser assim, dispensava a vírgula colocada em seguida à expressão ‘gratuito’ e entre esta e a disjuntiva ‘ou’ para depois aparecer a expressão ‘retribuído’. Bastava tão-somente a vírgula ou então somente a disjuntiva.

Entendemos que a lei não quis que o mesmo bem pudesse ser colocado à disposição do público, ora gratuito, ore retribuído o seu uso. Certos bens pertencem a uma categoria, e outros, obviamente à outra. Daí entendermos ser necessária uma divisão dos bens de uso comum, para se chegar à natureza de cada qual, conforme seja ou não prescindível à natureza da pessoa jurídica de direito público que o administra. Aqueles bens, sem os quais não pode subsistir a pessoa de direito público e nem seus administrados, são os bens de uso comum típicos. Enquanto aqueles que são prescindíveis à pessoa jurídica de direito público e aos administrados são bens de uso comum atípicos.

Assim podemos dizer que o art. 68 do CC, ao dispor que o uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, teve em vista esta divisão, atribuindo uso gratuito a todo uso de bem de uso comum típico, reservando a segunda hipótese, que é a retribuição, ao uso dos bens de uso comum atípico.

Entre a primeira categoria, ou seja a de bens de uso comum típico, encontramos as ruas, as estradas, os rios navegáveis, os mares, as praias naturais, etc. Porquanto, entre a segunda categoria temos, por exemplo, os parques, bosques, zoológicos, etc.

No primeiro exemplo encontramos as ruas e estradas, etc., que são imprescindíveis aos municípios e à população, sendo que estas não existiriam sem as primeiras, pois as estradas e as ruas são elementos prioritários na vida do município. Logo, são bens de uso comum típicos. Se por um lado, todo município deve obrigatoriamente possuir rua, por outro, não está obrigado, e nem isto é imprescindível, possuir parques, bosques, zoológicos, etc., logo, estes bens são de uso comum atípico. Para a manutenção dos primeiros, o município deve incluí-los nas despesas gerais, porquanto, para a manutenção dos segundos, pode cobrar certa retribuição do público pelo seu uso, exatamente por não serem bens imprescindíveis ao órgão público e nem aos administrados.

Esta cobrança, conforme admite o art. 68 do CC, há de ser retributiva e não lucrativa, por isso deve a arrecadação prender-se somente ao valor das despesas de manutenção. Como o município, por exemplo, não é obrigado a manter um parque ou bosque, pode, para cobrir as despesas, cobrar do usuário. No que diz respeito à rua, esta não admite nenhuma cobrança, por ser imprescindível ao município e à população. Tanto isto é verdade, que não se conhece município sem rua ou sem estrada. Mesmo que a população relute em pagar, ad argumentandum tantum, a retribuição, estas não poderão ser desativadas. Enquanto que, se isto acontecer com relação aos parques, bosques, etc., estes podem ser desativados sem maiores conseqüências para a população e o município. Também por isso, a divisão em bens de uso comum típico e atípico faz-se necessária para adequar-se os fatos à norma jurídica. Somente o uso dos segundos pode ser retribuído. Ainda que se quisesse admitir qualquer cobrança pelo uso da rua, que se enquadra entre a primeira classificação, esta cobrança jamais poderia ser taxa pelos motivos suso aduzidos..

 

Como citar o texto:

SOUZA, Gelson Amaro de..Cobrança por Estacionamento em Via Pública. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-publico/117/cobranca-estacionamento-via-publica. Acesso em 11 jun. 1999.

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