Traz o art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Trata-se da conhecida igualdade formal que implica no também conhecido princípio da isonomia. Desta forma, admite-se a desigualdade por vezes, para proporcionar a igualdade efetiva, é a igualdade material tão bem descrita nas palavras de Ruy Barbosa: “tratar desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades”. Entretanto, a desigualdade de que tratava a grande “Águia de Haia” visava tutelar as pessoas que se encontravam em uma posição inferior quando comparadas com outras na sociedade. Não se trata pois, de desigualdades econômicas entre as pessoas e sim de desigualdades provenientes da própria sociedade (homens e mulheres, negros e brancos, deficientes, idosos, etc).

Entretanto, indo de encontro a tudo isso, O Senado Federal aprovou uma medida provisória (MP 281) que isenta de Imposto de Renda e CPMF, os investidores estrangeiros que compram títulos da dívida pública. Diante desse quadro surgem imediatamente algumas perguntas: A MP 281 estaria ferindo o princípio da isonomia, disposto no art. 5º? A pergunta tem sua resposta na lógica argumentação de que em se tratando de uma norma da Constituição brasileira, não atingiria os estrangeiros em teoria (apenas brasileiros natos ou estrangeiros naturalizados). Porém, como entender a argumentação se com esta atitude os investidores deixariam de pagar tributos que por sua vez seriam transformados em investimentos para a melhoria do próprio povo brasileiro? Ou seja, entende-se até que as leis brasileiras não tenham eficácia em se tratando de estrangeiros fora do território brasileiro (excetuando-se as condições do princípio da extraterritorialidade), mas como explicar esta isenção de tributos aos investidores estrangeiros, trazendo flagrante desproporcionalidade de tratamento com os nacionais?

Outra pergunta a ser feita é com relação ao próprio objetivo das medidas provisórias, pois sabe-se que a medida provisória é um ato normativo excepcional, devendo ser usado em situações de relevância e urgência, segundo a própria Constituição Federal em seu art. 62. Diante disso cabe a indagação: esta isenção do imposto de renda a investidores estrangeiros seria uma situação de relevância e urgência? Sobre a matéria, posiciona-se o STF (Adin 1.667) “Requisitos de urgência e relevância: caráter político: em princípio sua apreciação fica por conta dos poderes executivo e legislativo. Todavia, se tais requisitos – relevância e urgência – evidenciarem-se improcedentes, no controle judicial, O Tribunal deverá decidir pela ilegitimidade constitucional da medida provisória”. Ou seja, tal critério do que é relevante ou urgente para a criação das medidas provisórias não é uma mera questão de hermenêutica como muitos tratam.

Ademais, diz a Constituição Federal, em seu (art. 150,II) que é vedado: “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica, dos rendimentos, títulos ou direitos”.

Ainda que se alegue, numa alusão à interpretação do artigo, que os contribuintes de que trata este artigo não estejam “em situação equivalente” com o restante da população, o que dizer daqueles que estão? O que dizer dos banqueiros e outros abastados que ainda assim não são isentos do Imposto de Renda? Para estas pessoas, que também são brasileiros, haveria flagrante tratamento desigual quando da aplicação da MP 281 e desobediência ao artigo citado. Por outro lado, surgem os argumentos de que o prejuízo seria compensado pelo investimento da compra dos títulos públicos.

Data vênia, não posso concordar e acredito que às vésperas de eleições tal conduta tem fortes conotações políticas, pois como se sabe diante das novas normas do TSE proibindo as doações (que antes eram atribuição de banqueiros), agora, parecem-me voltar camufladas com projetos de Lei que favorecem grupos estrangeiros.

Talvez mais indicado fosse uma divisão levando-se em conta a condição econômica de cada um, mas jamais uma divisão como esta, com critérios eminentemente políticos.Porém, parte da doutrina discorda desse critério (levando-se em conta a condição econômica) de divisão, como pode-se observar nas palavras de José Afonso da Silva (SILVA: 2001):” a carga dos impostos deve ser distribuída entre os indivíduos de acordo com os benefícios que desfrutam da atividade governamental; conduz à exigência da tributação proporcional à propriedade ou à renda; propicia em verdade, situações de real injustiça, na medida em que agrava ou apenas mantém as desigualdades existentes”.

Desta forma, longe do pensamento assaz positivista, acreditamos que tal Medida Provisória é inteiramente inadequada por trazer além da flagrante desigualdade no tratamento, um prejuízo no não pagamento de tributos que se converteria em melhorias para o nosso tão sofrido e carente povo brasileiro.

Bibliografia:

BRASIL, Constituição da República Federativa.

MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 15ª ed. – São Paulo: Atlas, 2004

SILVA, José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed.

Malheiros Editores, 2001.

STF – PLENO – ADIN nº 1.647-4/PA – Rel. Min. Carlos Veloso, Diário da Justiça, Seção I, 26 mar. 1999, capa.

 

Como citar o texto:

VASCONCELLOS, Milton Silva de..O Princípio da isonomia e a MP 281. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 184. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/1360/o-principio-isonomia-mp-281. Acesso em 25 jun. 2006.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.