SUMÁRIO: Introdução; 1 A Prescrição como Elemento da Segurança Jurídica; 2 Relação entre Execução Fiscal e a Prescrição Intercorrente; 3 Das Causas da Decretação da Prescrição Intercorrente - Da Inércia do Credor em Impulsionar o Feito; 3.2 Ausência de Bens Penhoráveis; 4 Do Termo A Quo para o Início da Contagem do Prazo Prescricional Intercorrente; 4.1 O Despacho Citatório na Execução Fiscal como Termo A Quo da Prescrição Intercorrente; 4.2 O Despacho Ordenando o Arquivamento Provisório dos Autos como Termo A Quo da Prescrição Intercorrente; 4.3 A Sistemática da Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça Para Regular o Termo A Quo da Prescrição Intercorrente; 5 Interpretação da Norma Mais Coerente ao Legislar Sobre a Prescrição em Matéria Tributária; Considerações Finais.

 

RESUMO: Frustrada a cobrança do crédito tributário pelo Fisco na esfera administrativa, cabe à Fazenda Nacional, cobrar seus créditos na esfera judicial, com o ajuizamento da execução fiscal. A fim de evitar a eternização dos processos judiciais e administrativos, surgiu o instituto da prescrição intercorrente que no caso do executivo fiscal busca regularizar o prazo prescricional da cobrança o que vem ao encontro do princípio da segurança jurídica. Várias causas são apontadas para que o instituto da prescrição intercorrente seja aplicado no processo executivo fiscal e há grande divergência jurisprudencial sobre o marco inicial da contagem do prazo. A partir destas divergências, entende-se que, se após o despacho que ordenar a citação do executado no processo executivo, a Fazenda Nacional não lograr êxito em receber seu crédito tributário dentro do prazo de cinco anos, cabe ao magistrado decretar a prescrição intercorrente, extinguindo assim a execução fiscal. Porém, caso o magistrado não decretar de ofício a prescrição intercorrente, transcorrido o prazo de cinco anos (sem que o fisco tenha logrado êxito em receber seu crédito), cabe ao contribuinte alegar a prescrição intercorrente, tanto por meio da exceção de pré-executividade, quanto via embargos à execução fiscal.

Palavras chave: Execução Fiscal; Prescrição; Prescrição Intercorrente.

INTRODUÇÃO

Frustrada a cobrança do crédito tributário pelo Fisco na esfera administrativa, cabe à Fazenda Nacional, cobrar seus créditos na esfera judicial, com o ajuizamento da Execução Fiscal, que visa restituir judicialmente os valores devidos pelos contribuintes inadimplentes.

Ocorre que, com o elevado número de processos executivos tramitando, muitos permanecem “parados” por anos sem a manifestação do órgão fazendário, gerando assim uma espécie de execução indefinida (sem prazo para terminar).

Com o intuito de preservar o princípio da segurança jurídica, tem sido aplicado aos executivos fiscais, o instituto da prescrição intercorrente.

O objetivo do presente estudo é verificar seus efeitos nos processos executivos fiscais de competência federal, através da análise dos aspectos práticos, buscando apontar qual é o início do prazo prescricional intercorrente, evitando-se, desta forma, a eternização dos processos judiciais executivos, respeitando o princípio da segurança jurídica.

Para tanto, parte-se do conceito de prescrição, identificando sua utilização como elemento de segurança jurídica e ainda aponta-se a relação existente entre Execução Fiscal e Prescrição Intercorrente, para após analisar-se as causas para sua decretação.

Em seguida analisa-se, o marco inicial para que seja aplicada a contagem do prazo prescricional e os diversos posicionamentos jurisprudenciais existentes sobre a matéria, tendo em vista que a prescrição intercorrente não nasceu diretamente da legislação, mas sim, da interpretação doutrinária e jurisprudencial.

Por fim, aponta-se a interpretação da norma que se entender se a mais coerente ao legislar sobre a prescrição em matéria tributária, seguida das considerações finais e referências.

1. A PRESCRIÇÃO COMO ELEMENTO DA SEGURANÇA JURÍDICA

A fim de evitar a eternização dos processos judiciais e administrativos, em especial os processos executivos fiscais, surgiu o instituto da prescrição, com a finalidade de regularizar o prazo prescricional da cobrança do crédito tributário com o intuito de impedir que o credor cobre eternamente seu devedor, dando assim mais segurança e clareza ao lapso temporal que deve tramitar um processo executivo.

Segundo TONIOLO (2008, p. 138), o direito do credor, meramente patrimonial e de satisfação, quando resta inviabilizado, cabe ao mesmo ceder espaço ante a mácula ao núcleo duro das garantias constitucionais da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.

A condição de eterno devedor, submetido à eterna litispendência, pode acabar violando não apenas a estabilidade das relações jurídicas – garantia de segurança jurídica do devedor e da coletividade com quem ele se relaciona – como também a própria garantia à dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, Leal (1959, p. 30), observa que aquele que não dá início a ação que sanará a incerteza e o desequilíbrio social, também está atuando para que a desarmonia social prevaleça.

Nesta mesma linha, Venosa (2006, p. 569), destaca que:

O exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de um determinado prazo. Isto não ocorrendo, perdera o titular a prerrogativa de fazer valer seu direito. O tempo exerce [...] influência abrangente no Direito, em todos os campos, no direito público e no direito privado. Se a possibilidade de exercício dos direitos fosse indefinida no tempo haveria instabilidade social. [...] O decurso de tempo, em lapso maior ou menor, deve colocar uma pedra sobre a relação jurídica cujo direito não foi exercido.

Assim, servindo a prescrição a valores constitucionais, como a estabilidade e a segurança das relações jurídicas, nada impede que, para alcançar essas finalidades, reconstrua-se o conteúdo de sua causa eficiente.

Se a inércia do titular do direito, no caso, a Fazenda Pública, em exercer seus impulsos processuais apresenta-se como equilibrado ponto de referência para marcar o momento a partir do qual o sistema deixa de proteger o credor, a fim de proteger o devedor e a sociedade num todo, nada impede que se lhe agregue outra causa para a incidência da prescrição. Trata-se assim, de uma evolução conceitual necessária com o objetivo de garantir a efetividade aos valores a que se destina o instituto da prescrição, mas sempre o postulado da proporcionalidade.

O dogma da inércia da Fazenda Pública como única causa eficiente da prescrição encontra-se profundamente enraizado a errada concepção do instituto do castigo, punição àqueles que dormem (dormientibus jus non sucurrit). Consta observar desta forma, que a prescrição não ocorre para castigar os órgãos fazendários, ou credores em geral por sua inércia, mas sim, para assegurar as garantias constitucionais da segurança e da estabilidade das relações jurídicas, bem como da dignidade da pessoa humana (TONIOLO, 2008, p. 139).

2. RELAÇÃO ENTRE EXECUÇÃO FISCAL E A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

A Lei das Execuções Fiscais – LEF (Lei 6.830/80), que regulamenta o trâmite dos processos executivos fiscais movidos pelas Fazendas Públicas, pode ser caracterizada como subespécie do processo de execução por quantia certa, sendo o meio jurídico pelo qual o Fisco tenta a satisfação de seus créditos tributários.

Por ser composta por normas de natureza processual e material, o instituto da prescrição, segundo TONIOLLO (2008, p. 103-107), sofre uma grande influência do processo de execução por quantia certa, especialmente da execução fiscal (seja em estrutura, fundamento e princípios), pelo fato de que o ajuizamento da ação executória constitui a principal causa de interrupção do fluxo do prazo prescricional (mas não serve como causa interruptiva ou suspensiva do prazo prescricional, servindo na prática, somente as elencadas através do artigo 174 do Código Tributário Nacional).

Essa relação contígua, intensifica-se através da prescrição intercorrente, que diferentemente da prescrição normal, reinicia-se no prazo já interrompido através do ajuizamento da ação no momento processual escolhido pelo legislador como adequado (despacho que ordena a citação do executado).

Assim, a causa eficiente para que seja decretada a prescrição intercorrente na execução fiscal depende do exequente (inércia), já que com o ajuizamento da execução fiscal, a prática dos atos processuais (impulsionamento) depende exclusivamente do mesmo.

Convém ressaltar que a prescrição intercorrente não ocorre somente devido à inércia do exequente em localizar bens em nome de seus devedores, pois há casos em que apesar dos inúmeros esforços e tentativas, a Fazenda Nacional não obtém êxito, em localizar bens passíveis de constrição judicial do(s) executado(s), como será tratado nos próximos dois tópicos como as causas da prescrição intercorrente.

3. DAS CAUSAS DA DECRETAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

A doutrina e jurisprudência apontam várias causas que podem acarretar a prescrição intercorrente, quais sejam:

3.1 DA INÉRCIA DO CREDOR

Com referência à possível inércia do credor no deslinde do feito, Toniolo (2008, p. 130-132), observa que o ajuizamento da execução fiscal “afasta” a causa eficiente da prescrição (inércia do titular do direito em exercer a pretensão que lhe corresponde), mas não a “elimina” em definitivo.

Sobre a causa eficiente da prescrição, o STJ, através da 1º Seção no REsp n. 237.079-SP , do voto do Relator Min. Milton Luiz Pereira, decidiu que em se tratando de execução fiscal, a inércia da parte credora na propositura dos atos e dos procedimentos de impulsão processual, por mais de cinco anos, pode edificar causa suficiente para a prescrição intercorrente:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. ARTS. 40 DA LEI N. 6.830/80 E 174, CTN. ORIENTAÇÃO DA PRIMEIRA SEÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Nos termos da orientação da Primeira Seção, tratando-se de execução fiscal, "a inércia da parte credora na promoção dos atos e procedimentos de impulsão processual, por mais de cinco anos, pode edificar causa suficiente para a prescrição intercorrente"(EREsp n. 237.079-SP, DJ 30-9-2002, relator o Ministro Milton Luiz Pereira). 2. Ainda na linha dessa orientação, certo é que "o art. 40 da Lei 6.830/80 deve ser aplicado em harmonia com o art. 174 do CTN, ocorrendo a prescrição após o transcurso do prazo qüinqüenal sem manifestação da Fazenda Pública" (AgRg/REsp n. 494.987-RO, DJ 22-3-2004, relator o Ministro Teori Albino Zavascki). 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 522.316/RO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2004, DJ 31/05/2004 p. 190).

Segundo se verifica da decisão proferida pelo C. STJ, a causa eficiente da prescrição intercorrente localiza-se na inércia do exequente no decorrer da execução, que deixa de praticar atos que demonstrem a efetiva necessidade e o interesse que sejam produzidos, através da prestação jurisdicional, referente aos efeitos correspondentes ao adimplemento do crédito exequendo.

BECHO (2006, p. 52), observa que o direito não deve socorrer ao credor inerte, mesmo que esse credor tenha realizado alguns poucos atos para buscar seus direitos, mas que posteriormente tenha retornado ao seu estado de inação, deixando de praticar atos que demonstrem a busca pelo devedor ou por seus bens.

Nesse sentido, cabe colacionar também o entendimento do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, através do voto do Desembargador Federal Eloy Bernest Justo, nos autos da Apelação Cível/Reexame Necessário n. 1996.70.01.012990-7 :

Sedimentou-se nesta Corte o entendimento de que é cabível a decretação de ofício da prescrição intercorrente quando o autor da execução permanecer inerte por determinado lapso de tempo. Não pode o devedor ficar, por prazo indefinido, sujeito à cobrança do débito pelo Fisco, ainda mais quando este não praticar atos no sentido de localizá-lo. Destarte, paralisada a execução por mais de cinco anos, sem o necessário impulso do exeqüente, o reconhecimento da prescrição é medida que se impõe, sob pena de fragilizar-se os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica. [...] Indispensável para a decretação da prescrição intercorrente que a paralisação do feito resulte da desídia do exequente que deixar de promover a execução. Isso porque considera-se interrompida a prescrição, após o ajuizamento da ação, a cada impulso útil praticado pela demandante com vistas à efetiva solução do processo. Registre-se que meros requerimentos de prorrogação de prazo de suspensão ou de arquivamento não se qualificam como impulso útil, consubstanciando simples dilações do estado de inércia da exequente.

Cotejando-se os entendimentos dos tribunais (Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da Quarta Região) há de se concluir que quando detectada a inércia do exequente pelo prazo de cinco anos, pode o juiz declarar a prescrição intercorrente de ofício, extinguindo, consequentemente, o processo executivo fiscal.

3.2 AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS

Após a citação do executado na execução fiscal, cabe à Fazenda Pública diligenciar a fim de encontrar bens em nome do devedor/executado a fim de satisfazer o crédito fazendário.

No entanto, existem duas causas para que se aplique a prescrição intercorrente: a primeira, quando a execução é frustrada (ausência de bens penhoráveis) e a segunda, quando se verifica que o exequente deixou de adotar os procedimentos necessários a fim de encontrar bens passiveis de penhora em nome do executado.

No primeiro caso, grande parte dos tribunais, a partir da ciência de que o executado não possui bens a fim de garantir a ação executiva, aplicam a regra do § 4º do artigo 40 da Lei das Execuções Fiscais (regra análoga ao teor da Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça). Esta regra determina que primeiramente o juiz suspenda o curso da execução pelo prazo de um ano, enquanto não forem localizados bens, sendo que se da decisão que ordenar o arquivamento (após este um ano), tiver decorrido o prazo prescricional de cinco anos, poderá ser decretada a prescrição intercorrente.

Assim, nestes casos de execução frustrada, após o arquivamento administrativo dos autos pelo lapso temporal de cinco anos, há de ser decretada a prescrição intercorrente a fim de que não se eternize a Execução Fiscal.

Nesse sentido, a decisão do E. Tribunal Regional Federal da Primeira Região, nos autos da Apelação Cível n. 1998.39.00.006589-8 , verbis:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. APELAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL. AUSÊNCIA DO DESPACHO QUE DETERMINOU ARQUIVAMENTO DO FEITO. SÚMULA 314/STJ. 1. "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente." Súmula 314/STJ. Além disto, não há previsão legal de que a exeqüente deva ser intimada da decisão que determinou o arquivamento do feito. O arquivamento do processo, após o decurso de um ano, é conseqüência lógica do transcurso do prazo de suspensão. Precedentes. 2. Apelação improvida. (AC 1998.39.00.006589-8/PA, Rel. Desembargador Federal Leomar Barros Amorim De Sousa, Oitava Turma,e-DJF1 p.318 de 29/05/2009).

Do corpo do v. acórdão, extrai-se excerto do voto do i. Relator Desembargador Leomar Barros Amorim:

Com efeito, nos termos do art. 40, e §§, da Lei n. 6.830/80 (Lei nº 11.051/2004), o Juiz suspenderá o curso da execução enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública e, decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. Se, da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo no mesmo sentido:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DE OFÍCIO. ART. 40, § 4º, DA LEF. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. 1. "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente" (Súmula 314/STJ). 2. Não se conhece do apelo raro nos casos em que não são observadas as formalidades exigidas pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ. 3. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

Como se pode verificar, no intuito de evitar que a execução se promova indefinidamente em caso de ausência de bens em nome do executado, os Tribunais aplicam a regra do § 4º do artigo 40 da Lei das Execuções Fiscais, decretando a prescrição intercorrente e extinguindo, por consequência, o processo executivo fiscal findo o prazo de suspensão concedido para a localização de bens penhoráveis.

Entretanto, o § 4º do artigo 40 da Lei das Execuções Fiscais, não fixa o prazo de cinco anos para a decretação da prescrição intercorrente, mas sim, o prazo de seis anos para que o prazo prescricional intercorrente se verifique. Tal fato ocorre, posto que o referido dispositivo visa primeiramente suspender a demanda executiva pelo prazo de um ano (para diligenciar a fim de encontrar bens em nome do executado), para após, iniciar a contagem do prazo prescricional intercorrente (de cinco anos).

Deste modo, entende-se que é notório que o artigo 40 da LEF desrespeita claramente o prazo prescricional intercorrente de cinco anos, ao dispor através de seus parágrafos que o processo tem que ser suspenso pelo prazo de um ano, para após haver despacho nos autos solicitando o arquivamento administrativo, para somente aí ter início a contagem do prazo prescricional intercorrente de cinco anos. Com isso, o prazo prescricional disposto no referido artigo é de (no mínimo) seis anos, e não de cinco anos conforme estabelece o Código Tributário Nacional, através de seu artigo 174.

4. DO TERMO A QUO PARA O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL INTERCORRENTE

No tocante ao termo inicial para o início da contagem do prazo prescricional intercorrente no processo executivo fiscal federal, observa-se três entendimentos: o primeiro, no sentido de que o termo a quo do prazo prescricional intercorrente seja o despacho ordenando a citação do executado (com base no artigo 174, I, do CTN), o segundo, que entende que o termo a quo do prazo prescricional intercorrente inicia-se a partir da decisão em que ordene o arquivamento da execução, diante da inexistência de bens em nome do executado (com base no § 4º do artigo 40 da LEF) e, ainda, um terceiro, trazendo o entendimento de que o termo a quo do prazo prescricional intercorrente tenha início logo após a suspensão do prazo executivo por um ano (Súmula 314 STJ), não havendo a necessidade de haver despacho ordenando o arquivamento dos autos.

Em razão da contrariedade existente, torna-se necessária a análise de cada um dos entendimentos.

4.1 O DESPACHO CITATÓRIO NA EXECUÇÃO FISCAL COMO TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Como já enfatizado no presente estudo, o inciso I, do artigo 174 do Código Tributário Nacional, estabelece que a prescrição se interrompe pelo despacho que ordena a citação do executado. Assim, não havendo parcelamento na execução (também uma das causas interruptivas) e permanecendo a Fazenda Pública inerte em seus procedimentos a fim de obter seus créditos tributários no prazo de cinco anos, prescrita estará a referida execução fiscal.

Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça :

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. [...] II - Quanto à prescrição, o entendimento deste eg. Tribunal encontra-se pacificado no sentido de que as hipóteses contidas nos artigos 2º, § 3º e 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80 não são passíveis de suspender ou interromper o prazo prescricional, estando a sua aplicação sujeita aos limites impostos pelo artigo 174 do Código Tributário Nacional, norma hierarquicamente superior. III - Agravo regimental improvido. (Grifo nosso)

Deste modo, levando se em consideração que cabe ao Código Tributário Nacional dispor acerca da prescrição em matéria tributária (por ter status de lei complementar), cabe ao artigo 174 do referido código regular a prescrição tributária e a prescrição tributária intercorrente.

4.2 O DESPACHO ORDENANDO O ARQUIVAMENTO PROVISÓRIO DOS AUTOS COMO TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

Como já observado, o artigo 40 da Lei das Execuções Fiscais prevê o arquivamento do processo executivo sem baixa na distribuição, mantendo-o ativo, após o prazo de um ano da suspensão do feito, nos casos em que não são localizados bens em nome do executado, no entanto, observa-se que o referido dispositivo não estipulou um prazo para esse arquivamento, que serve como o prazo inicial da prescrição intercorrente.

No entanto, como observa TONIOLO (2008, p. 150-151), a previsão contida no referido artigo 40, de que não correria a prescrição enquanto suspenso o processo, foi fortemente criticada por boa parte da doutrina, que entendia por violada a reserva de lei complementar estabelecida pela Constituição Federal (art. 146, III, ‘b”). Desta forma, durante a suspensão da ação executiva pela ausência de bens fluiria o prazo prescricional, pelo menos em se tratando de execução de créditos tributários.

Porém, há entendimento de que, após a suspensão do processo por um ano, reinicia a contagem do prazo prescricional, independentemente da necessidade do arquivamento o qual estabelecido através do §3º do artigo 40 da Lei das Execuções Fiscais (conforme entendimento da Súmula 314), se a parte não demonstrar que está promovendo diligências a fim de tornar efetiva a executiva. Desta maneira, o prazo suspenso por um ano voltaria a contar após o transcurso, até que se verifique a prescrição, dentro de cinco anos.

Toniolo (2008, p.151), ainda menciona que existem decisões em sentido diverso, segundo as quais a contagem do prazo prescricional teria início já a partir da suspensão da execução. Nessa esteira, a fim de elucidar sua idéia, transcreveu parte do voto do Ministro Luiz Fux, no REsp 625.193/RO no Superior Tribunal de Justiça :

Deveras, a suspensão decretada com suporte no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais não pode perdurar por mais de 05 (cinco) anos porque a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva (art. 174, caput, do CTN).

Porém, ao contrário da decisão prolatada acima, entende-se que a idéia do artigo 40 e seus parágrafos (LEF), é de que a consumação da prescrição intercorrente se de no prazo de seis anos, um ano de suspensão a fim de se encontrar bens em nome do executado, para após, infrutíferos tais procedimentos, o juiz despacha ordenando o arquivamento administrativo dos autos, para após o prazo de cinco anos ser decretada a prescrição intercorrente.

4.3 A SISTEMÁTICA DA SÚMULA 314 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA REGULAR O TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

Com o intuito de regulamentar o marco inicial da prescrição intercorrente, o Superior Tribunal de Justiça, publicou no Diário da Justiça em 08 de agosto de 2006 a Súmula 314, que apresenta a seguinte redação: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição prescricional intercorrente.”

Ocorre que, a presente súmula diverge referente o termo a quo do prazo prescricional intercorrente com o que dispõe o § 4º do artigo 40 da LEF, conforme já observado anteriormente, dispõe que se da decisão do Juiz que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Nacional, poderá de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

Soares (2009, p. 09) observa que enquanto o parágrafo 4º do artigo 40 da LEF estabelece como termo inicial da prescrição intercorrente a decisão que ordena o arquivamento da execução fiscal, a Súmula 314 do STJ que foi publicada após a edição do referido § 4º, certifica em sentido contrário, que o prazo prescricional intercorrente tem início logo após a suspensão do processo por um ano.

Verifica-se, pois, que neste caso existem dois termos iniciais da prescrição, um legal e um jurisprudencial.

Referente à aplicabilidade da norma jurisprudencial, tendo por base a Súmula 314 do STJ, o Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, do Tribunal Regional Federal da Quinta Região, em seu voto nos autos da Apelação Cível n. 2007.05.00082508-3, asseverou que:

[...] após a suspensão da Execução por um ano, tem início a prescrição intercorrente, nos termos da Súmula-314 do STJ, não se exigindo despacho de arquivamento para que a prescrição se inicie, sendo bastante para tanto a consumação da mencionada suspensão: a decisão de suspensão do feito é suficiente para posterior fluência e aferição do lapso prescricional intercorrente.

Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n. 983.417/RS, que teve como relator o E. Ministro Mauro Campbell Marques :

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO. EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE OITIVA DA FAZENDA PÚBLICA.1. Em sede de execução fiscal, após o advento da Lei 11.051/2004, a qual introduziu o § 4º no art. 40 da Lei 6.830/80, passou-se a admitir a decretação de ofício da prescrição intercorrente, depois da prévia oitiva da Fazenda Pública. (Precedente. EREsp 699.016/PE, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ 17.3.2008, p. 1). 2. Ressalte-se que, "tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso" (REsp 853.767/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11.9.2006). 3. In casu, tendo sido satisfeita a condição consistente na prévia oitiva da Fazenda Pública, viável se mostra a decretação, de logo, da prescrição intercorrente. Incidência simultânea do § 4º do art. 40 da Lei 6.830/80 e do enunciado n. 314 da Súmula do STJ: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente". 4. Recurso especial não-provido. (REsp 983.417/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/11/2008)

Da decisão transcrita, cabe observar o entendimento de Soares (2009, p. 10-11), de que o verbete sumular (Súmula 314 do STJ), foi editado para impedir a eternização dos executivos fiscais, objeto este que não poderia ser satisfeito se fosse considerado como prazo prescricional intercorrente o despacho que ordena o arquivamento da execução, pois há processos em que não existe o referido despacho determinando o arquivamento dos autos.

5. INTERPRETAÇÃO DA NORMA MAIS COERENTE AO LEGISLAR SOBRE A PRESCRIÇÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Como já consabido, o artigo 146, inciso III, letra “b”, da Constituição da República, dispõe que cabe à Lei Complementar (no caso o Código Tributário Nacional) estabelecer as normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a prescrição tributária.

Assim, a fim de verificar o alcance do referido dispositivo, torna-se imprescindível identificar os elementos da prescrição, os quais apenas podem ser regulados por intermédio de lei complementar (Laguna, 2009, p. 159).

Leal (1959, p. 25), enumera os elementos que compõem o instituto da prescrição, da seguinte forma: 1º existência de uma ação executável; 2º inércia do titular da ação pelo seu não exercício; 3º continuidade desta inércia durante um certo lapso de tempo; e 4º ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional.

Através dos elementos acima e com base no artigo 146, III, “b”, da Constituição Federal, constata-se que além do prazo prescricional propriamente dito (incluindo também a prescrição intercorrente), as hipóteses de interrupção e suspensão da prescrição tributária, de acordo com a ordem constitucional, são de competência exclusiva de lei complementar, no caso, o Código Tributário Nacional através do seu artigo 174.

Nesta mesma linha, Laguna (2009, p. 160) leciona que apenas as regras da prescrição previstas em lei complementar devem ser consideradas nos julgamentos dos tribunais que tenham por objeto créditos tributários, sendo que, no caso de interrupção, apenas as hipóteses previstas nos incisos I a IV do artigo 174 do Código Tributário Nacional devem ser consideradas.

Na prática, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do RE n. 559.882-9/RS, julgou inconstitucionais os artigos 45 e 46 da Lei n. 8.212/91, alegando que a prescrição tributária é matéria exclusiva de lei complementar.

Laguna (2009, p. 161) ainda, destaca a parte do Voto do Ministro Gilmar Mendes do referido julgado, que trata da importância da lei complementar para regular a prescrição tributária da seguinte forma:

[...] retirar do âmbito da lei complementar a definição dos prazos de possibi-lidade de definir as hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição e da decadência é subtrair a própria efetividade da reserva constitucional. Ora, o núcleo das normas sobre extinção temporal do crédito tributário reside precisamente nos prazos para o exercício do direito e nos fatos que possam interferir na sua fluência.

Parte do referido voto, confirma a lógica de que qualquer norma que disponha acerca da alteração, prorrogação e suspensão do prazo prescricional (e intercorrente), deve ser veiculada por lei complementar, no caso, o artigo 174 do Código Tributário Nacional e seus incisos, sob pena de anular a eficácia do inciso III, alínea “b” do artigo 146 da Constituição Federal.

Conclui Laguna (2009, p. 161) que o crédito tributário estará prescrito quando transcorrido prazo de cinco anos da constituição definitiva do crédito tributário e não verificada uma das hipóteses de interrupção da prescrição previstas no Código Tributário Nacional, sendo, portanto, inaplicáveis as demais regras no sistema jurídico nacional previstas em lei ordinária, quando o direito material envolvido decorrer de créditos de natureza tributária (consequentemente as execuções fiscais).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na execução fiscal, como já consabido, o marco significativo referente ao prazo prescricional se dá com o despacho ordenando a citação do executado, pois se trata de uma das causas interruptivas da prescrição, elencadas no artigo 174 do Código Tributário Nacional.

No entanto, após o advento da Lei das Execuções Fiscais em meados de 1980 e com a edição da Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça em 2006, houve uma diversidade de entendimentos acerca do início do prazo prescricional intercorrente, para além do entendimento disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional.

Assim, devido à grande complexidade da matéria, buscou-se analisar a prescrição intercorrente, especificamente o termo a quo,de sua incidência, a fim de concluir como o devedor, após o ajuizamento da execução fiscal por parte da Fazenda Nacional, poderá alegar que o crédito encontra-se prescrito em razão da verificação da ocorrência da prescrição intercorrente.

Os motivos para que seja alegada a prescrição intercorrente podem ser decorrentes da inércia do órgão fazendário em impulsionar a execução fiscal ou quando o executado não tem bens suficientes para garantir a ação executiva.

Levando-se em consideração que o inciso I, do artigo 174 do Código Tributário Nacional, trata-se de norma que foi recebida pelo ordenamento jurídico brasileiro com status de Lei Complementar, a mesma se sobrepõe tanto sobre as leis ordinárias quanto sobre a Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça, pois o artigo 146 da Constituição Federal ao regular o sistema tributário determinou que somente a lei complementar regularia a prescrição e a decadência no direito tributário.

Desta feita, entende-se que se após o despacho que ordenar a citação do executado no processo executivo, a Fazenda Nacional não lograr êxito em receber seu crédito tributário dentro do prazo de cinco anos, cabe ao magistrado decretar a prescrição intercorrente, extinguindo assim a execução fiscal. Porém, caso o magistrado não decretar de ofício a prescrição intercorrente, transcorrido o prazo de cinco anos (sem que o fisco tenha logrado êxito em receber seu crédito), cabe ao contribuinte alegar a prescrição intercorrente, tanto por meio da exceção de pré-executividade, quanto via embargos à execução fiscal.

A matéria, como já anteriormente mencionado, é controvertida, sendo que aos contribuintes caberá tão somente aguardar a decisão dos tribunais superiores a fim de averiguar qual será o termo a quo do prazo prescricional intercorrente nas execuções fiscais, em respeito ao princípio da segurança jurídica.

REFERÊNCIAS

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

Data de elaboração: maio/2012

 

Como citar o texto:

THIESEN, Francilina Chiarello de Almeida..A prescrição intercorrente nos executivos fiscais federais- início do prazo prescricional em razão do princípio da segurança jurídica. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1020. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/2619/a-prescricao-intercorrente-executivos-fiscais-federais-inicio-prazo-prescricional-razao-principio-seguranca-juridica. Acesso em 15 out. 2012.

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