Com o advento da Súmula 276 exarada pelo Superior Tribunal de Justiça consolidou-se o entendimento segundo o qual as sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da COFINS, irrelevante o regime tributário adotado.

O presente estudo tem por objetivo atestar que a regra atinente à hierarquia das leis se aplica plenamente em nosso sistema jurídico reafirmando assim os motivos que deram ensejo à edição da súmula 276 do STJ.

O cerne da questão jurídica restringe-se a discussão acerca da possibilidade da lei ordinária nº 9.430/96 revogar a isenção conferida pela Lei Complementar nº 70/91 às sociedades de profissão regulamentada, nos termos do quanto preconizado no art. 1º do Decreto-lei nº 2.397/87.

Destarte, a controvérsia reside justamente em determinar se matérias afetas a Lei Complementar podem vir a ser revogadas por leis ordinárias ou se estaria sendo quebrada a hierarquia entre tais diplomas ou ainda, se tal distinção existe efetivamente.

Fixando a premissa basilar do presente estudo e fundado no ensinamento do mestre vienense Kelsen, pode-se afirmar que a regra da hierarquia das normas encontra-se validamente inserta em nosso sistema jurídico, muito embora exista em sentido contrario considerável corrente doutrinária

Acerca da inexistência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, José Souto Maior Borges (Lei Complementar Tributária. São Paulo: RT, 1975, p. 26), analisa a questão sobre o prisma da eficácia jurídica afirmando não ser um conceito suscetível de quantificação. Ademais, não teria sentido afirmar que uma norma é mais ou menos eficaz em comparação com outra, ou seja, não haveria que se admitir uma superioridade eficacial. Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário, 13ª ed., S.Paulo, 2003, p. 150) sobreeleva tais escólios, aduzindo que os argumentos de Souto Maior são sólidos no sentido de demonstrar a inexistência de superioridade nos escalões do sistema.

Em percuciente estudo da lavra de Caio de Azevedo Trindade (RDDT nº 51/62), restou muito bem apontada á crítica a posição defendida pela corrente contrária (apud). Assim, a pretensa robustez de argumentos de que fala Paulo de Barros Carvalho não resiste a uma análise mais detida.

O que ocorre efetivamente é que Souto Maior Borges fixa seus lindes no plano eficacial - o que é um equívoco - uma vez que a análise deve ser feita em momento antecedente, qual seja o da validade da lei. Assim, conforme aduz Caio de Azevedo Trindade "não é uma superioridade eficacial da lei complementar que impõe a sua superioridade hierárquica perante a lei ordinária, mas sim sua invalidade desta diante daquela (sic).

Portanto, o ponto de partida para fixação da linha de argumentação da corrente que entende não haver hierarquia entre lei complementar e lei ordinária esbarra em erro exegético patente. Qualquer norma validamente inserida no sistema jurídico goza de eficácia. Imaginar um grau de hierarquia eficacial seria admitir o absurdo, ou seja, acolher como plausível grau de eficácia na aplicação da norma, contudo, a solução não está, como vimos de afirmar, neste aspecto.

Destarte, qualquer norma de eficácia plena - complementar ou ordinária - poderá validamente regular as relações de que dispõe. Entretanto, o que efetivamente não poderá ocorrer é se dada lei ordinária perspassar os lindes fixados pela Carta Maior e revogar disposições contidas em lei complementar. A harmonia do sistema estaria inapelavelmente quebrada, porquanto, apenas outra lei complementar (instrumento primário de hierarquia idêntica) poderá promover a revogação parcial ou total do diploma legal.

O campo de atuação da lei ordinária é feita por exclusão, ou seja, aquilo que não estiver no espaço legiferante reservado para a lei complementar poderá ser veiculada por lei ordinária.

A questão plasmada atinente a edição da súmula 276 do STJ refere-se a possibilidade da lei ordinária vir a revogar disposições da lei complementar. Fixada a premissa maior de que o ponto fulcral é análise da validade da lei e não de sua eficácia, torna-se necessário avançar no estudo a fim de indicar outros pontos distintivos que comprovam a existência da hierarquia.

A observação de Sacha Calmon Navarro Coelho (O controle da constitucionalidade das leis - 3ª ed. Belo Horizonte. Del Rey - p. 291) é lapidar no sentido de que a Lei Complementar está à serviço da Constituição e não da União Federal, sendo um instrumento constitucional utilizado para integrar e fazer atuar a própria Constituição.

Assim, se dada lei complementar foi inserida no sistema jurídico, seguindo os cânones dispostos na Constituição Federal, a revogação desse diploma legal por simples lei ordinária importaria em grave violência ao ordenamento, posto que a diretriz traçada pelo legislador originário estaria irremediavelmente comprometida.

Nessa linha encontra-se a conclusão de Sacha Calmon, segundo o qual "o legislador ordinário não pode adentrar matéria de lei complementar, torna-la ia inútil". E essa restrição decorre da simples interpretação de que admitir em sentido contrário resultaria na possibilidade do legislador derivado manipular livremente tais diplomas.

A lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Direito Constitucional, 5ª edição. São Paulo: Atlas, p. 502), é lapidar, segundo o qual "a lei ordinária, o decreto-lei e a lei delegada estão sujeitas à Lei Complementar. Em conseqüência disso não prevalecem contra elas, inválidas as normas que contradisserem" e ainda "...da inserção da lei complementar entre a Constituição e a lei ordinária, decorrem conseqüências inexoráveis e óbvias. Em primeiro lugar, a lei complementar não pode contradizer a Constituição. Não é outra forma de emenda constitucional, embora desta se aproxime pela matéria. Em segundo lugar, a lei ordinária, decreto-lei e a lei delegada estão sujeitos à lei complementar. Daí decorre que pode incidir em inconstitucionalidade e ser, por isso, inválida" (in. Do Processo Legislativo, p. 238 - Repertório IOB de Jurisprudência nº 20/99).

Nessa mesma a lição de Miguel Reale:

"é princípio geral de direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma"(Curso de Direito Constitucional - 18º edição, Ed,. Saraiva, p. 184).

A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido que a revogação de lei complementar por simples lei ordinária não se apresenta possível.

AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. COFINS. SOCIEDADE CIVIL. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. ISENÇÃO. LC 70/91.

1. A isenção tributária concedida por Lei Complementar só pode ser revogada por lei de igual natureza e não por lei ordinária.

2. Agravo regimental improvido

(AGRESP 382736/SC; STJ - Primeira Seção - Rel. Min. Castro Meira - DJ 25/02/2004 - p. 91)

 

 

TRIBUTÁRIO - COFINS - SOCIEDADES CIVIS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS - ISENÇÃO RECONHECIDA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 70/91 (ART. 6º, II) - REVOGAÇÃO PELA LEI COMPLEMENTAR N. 9;430/93 - INADMISSIBILIDADE - SÚMULA 276/STJ - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (RESP 573482/RS - STJ - Segunda Turma, Rel. Min. Franciuli Netto. DJ: 16/02/2004 p. 240).

Fundado em tais argumentos alhures demonstrados é possível concluir o que segue:

i: lei ordinária não pode revogar disposição plasmada em lei complementar, porquanto, estaria sendo quebrada a hierarquia das normas;

ii: a análise de hierarquia não é feita sobre a análise da eficácia, mas sim acerca da sua validade no sistema, estando assim,esvaziada a linha defendida por Souto Maior Borges e Paulo de Barros Carvalho;

iii: a questão atinente a revogação da isenção conferida pela Lei Complementar 70/91 pela lei ordinária nº 9.430/96 choca-se frontalmente com os argumentos demonstrados e com posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça que inclusive editou a súmula 276;

iv: a lei complementar serve a Constituição Federal, enquanto a lei ordinária in casu serve interesses da União federal;

v: a análise da eficácia não pode ser admitida, porquanto, a eficácia plena não se mede, independentemente do veiculo utilizado, podendo ser lei complementar, ordinária, decreto-lei, lei delegada, emenda constitucional e medida provisória;

vi. a questão relacionada a revogação da LC 70/91 é matéria essencialmente infraconstitucional, sendo que o órgão de cúpula para questões de legislação federal, in casu o STJ já pacificou sua posição;

vii. a princípio da hierarquia da norma deve ser analisado em relação a sua validade dentro do sistema jurídico de acordo com as regras ali dispostas.

Portanto, a revogação das regras do art.6º da LC 70/91 pelo art. 56 da lei 9.430/96 foi levada a feito em flagrante desalinho aos cânones da hierarquia das normas. A súmula 276 é plena e eficaz e as sociedades profissionais (art. 1º, DL 2.397/87) não estão obrigadas ao recolhimento, tendo em vista a isenção conferida pelo art. 6º da LC 70/91, que não foi retirado do sistema por meio de regular revogação e que permanece incólume e regulando tais ocorrências.

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Como citar o texto:

RODRIGUES, Gesiel de Souza..COFINS - Sociedades Profissionais: Súmula 276 STJ - Impossibilidade de revogação por lei ordinária - isenção válida e eficaz. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 99. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/376/cofins-sociedades-profissionais-sumula-276-stj-impossibilidade-revogacao-lei-ordinaria-isencao-valida-eficaz. Acesso em 25 out. 2004.

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