Resumo:

A questão da guerra fiscal entre os Estados e Municípios entre si é um dos temas mais tormentosos da atualidade.

Embora exista uma opinião de juristas e governantes de que a guerra fiscal é prejudicial a todos, as necessidades diárias de cada ente da Federação acabam impondo a prática da guerra fiscal.

Uma das práticas que vem se ampliando entre os Municípios é a adoção de programas de incentivo à população para requisitarem a nota fiscal.

Após um modelo bem-sucedido do Estado de São Paulo com a Nota Fiscal Paulista, muitos Municípios do Estado vêm adotando programas semelhantes.

A consequência é a concorrência entre os programas, especialmente na região metropolitana de São Paulo, o que não deixa de ser uma guerra fiscal entre os Municípios.                                                                                                

Palavras-chaves: Incentivo. Nota Fiscal. Guerra Fiscal.

Sumário: Introdução. 1. Do modelo do Estado de São Paulo. 2. Dos programas municipais de incentivo à cidadania fiscal. 3. A ineficácia parcial dos programas nota fiscal. 4. Da guerra fiscal das notas. Conclusão.

 

Introdução:

Em relação a chamada Guerra Fiscal, travada entres os Estados e entre os Municípios a opinião amplamente difundida de juristas e governantes é de que este conflito é prejudicial a todos.

No entanto, analisando as iniciativas e Leis mais recentes, especialmente em época de crise de arrecadação, as necessidades diárias de cada ente da Federação acabam impondo a prática da guerra fiscal.

Uma das práticas que vem se ampliando entre os Municípios é a adoção de programas de incentivo à população para requisitarem a nota fiscal pelo recebimento de serviços por particulares, tais como de oficinas mecânicas, escolas, cabelereiros etc.

Após um modelo bem-sucedido do Estado de São Paulo com a Nota Fiscal Paulista, muitos Municípios do Estado vêm adotando programas semelhantes.

A consequência é a concorrência entre os programas, especialmente na região metropolitana de São Paulo.

 

1) Do modelo do Estado de São Paulo

O Estado de São Paulo instituiu o Programa Nota Fiscal Paulista em 2007 após a edição da Lei Estadual nº 12.685, de 28 de agosto de 2007, que criou o “Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo”.

Segundo o art. 1º da citada Lei, o programa tem como objetivo “incentivar os adquirentes de mercadorias, bens e serviços de transporte interestadual e intermunicipal a exigir do fornecedor a entrega de documento fiscal hábil”.

Embora o art. 67 da Lei Estadual 6.374, de 1º de março de 1.989, que regula a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadores e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação preveja que todos os contribuintes e demais agentes obrigados à inscrição no cadastro de contribuintes devam emitir documentos fiscais, é sabido que vários estabelecimentos não emitem o documento para cada prática do ato imponível.

Isto porque o documento fiscal é a principal forma de fiscalização dos Estados e Municípios, já que traz todos os dados capazes de identificar a prática de um ato imponível e assim, fazer o lançamento, caso o contribuinte não o tenha feito por homologação, como determina a Lei Estadual 6.374/89.

Logo, se o contribuinte pratica um ato imponível, capaz de gerar a obrigação tributária, mas não a registra em documento fiscal, torna-se difícil identificar que o fato ocorreu, quanto mais quais foram seus elementos.

Para evitar esta prática, o Programa Nota Fiscal Paulista incentiva o cidadão paulista a exigir a emissão da nota fiscal em contraprestação da restituição de parte do imposto cobrado na realização do ato imponível, já que o consumidor é quem acaba arcando com a carga tributária ao final, bem como da concessão de outros créditos decorrentes de sorteio.

Outra medida extremamente feliz do programa é permitir o pagamento de parte do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA com o produto desta restituição parcial e dos créditos de sorteio, já que acaba sendo uma forma de diminuir a inadimplência do IPVA.

Mas mesmo aqueles que não tem veículos automotores ou não prefiram ter o desconto no imposto, podem simplesmente pleitear o pagamento em dinheiro dos valores, que é creditado diretamente na conta corrente do consumidor.

 

2) Dos programas municipais de incentivo à cidadania fiscal

Em verdade, o Estado de São Paulo não foi pioneiro na instituição de um programa que visa incentivar a cidadania com a emissão de documentos fiscais.

O Município de São Paulo, por intermédio da Lei Municipal nº 14.097, de 8 de dezembro de 2005, já havia instituído o Programa Nota Fiscal Eletrônica, que também restituía parte do tributo arcado pelo consumidor, crédito que poderia ser utilizado para o abatimento de até 50% (cinquenta por cento) do valor do Impostos sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU.

Após mais de dez anos da instituição dos Programas Nota Fiscal Eletrônica, mais tarde rebatizada de Nota Fiscal Paulistana pela Lei Municipal nº 15.406/2017 e da própria Nota Fiscal Paulista, ainda que abaixo do esperado, não se pode negar a eficácia dos programas. O dia a dia dos consumidores mudou com os funcionários dos caixas de diversos estabelecimentos de venda perguntando se o consumidor quer a nota fiscal paulista, embora, surpreendentemente e por razões das mais diversas, muitas pessoas recusam a oferta do funcionário do estabelecimento.

Como todos os demais municípios paulistas também utilizam os documentos fiscais como forma de fiscalizar o recolhimento dos impostos sobre serviços de qualquer natureza, que é de competência municipal, foi praticamente natural que estes Municípios também adotassem programas semelhantes, visando aumentar a emissão de notas fiscais de serviços diversos.

O Município de São Caetano do Sul, componente da região metropolitana de São Paulo, recentemente editou a Lei Municipal nº 5.560, de 28 de setembro de 2017, que institui o Programa Nossa Nota.

Tal qual a Lei Paulistana e a Lei do Estado de São Paulo, esta restitui parte do pagamento do imposto, bem como gera cupons que poderão ser sorteados, gerando mais créditos para o consumidor.

Desde de 2013, em razão da Lei Municipal nº 3.331, de 28 de maio de 2013, o Município de Diadema executa o Programa Nota Fiscal Cidadã, que, igualmente restitui parte do imposto para o consumidor, bem como faz sorteio para concessão de mais créditos para os consumidores, créditos estes que podem ser utilizados para o pagamento da integralidade do IPTU ou para restituição do valor em pecúnia, também depositada diretamente na conta corrente do consumidor.

O Município de São Bernardo do Campo, também recentemente, instituiu o “Programa de Incentivo à Cidadania Fiscal”, o Programa Nota 1000, por intermédio da Lei Municipal nº 6.584, de 31 de agosto de 2.017.

Diferentemente dos programas de São Caetano do Sul e de Diadema, o Programa Nota 1000 não restitui parte do tributo recolhido. As notas apenas geram cupons que, caso sorteados, geram um prêmio de até R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais).

Tal tendência também foi adotada pelo Município de São Paulo, que revogou o Programa Nota Fiscal Paulistana e criou a Nota do Milhão.

A nova Lei retira o direito do consumidor de restituir parte do imposto pago, mas aumenta o valor máximo do prêmio para o R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Na verdade, esta mudança gerou uma economia para os cofres públicos, pois os diversos prêmios de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais) acabavam gerando um pagamento, apenas com sorteios, de R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais).

O próprio Estado de São Paulo, em razão da crise, diminuiu também a quantidade de prêmios sorteados para diminuir o gasto com o programa, já que a arrecadação decorrente do programa, com a diminuição do consumo, também diminuiu.

 

3) A ineficácia parcial dos programas nota fiscal

Infelizmente, nem tudo são flores com os programas nota fiscal.

Como dito anteriormente, devido à crise, que reduziu o consumo dos brasileiros, diminui também a quantidade de pessoas que pedem as notas fiscais.

A consequência foi a necessidade de diminuição dos prêmios sorteados e até a extinção ou não adoção da ferramenta de restituição de parte do tributo pago, pois os valores gastos com o pagamento destes prêmios e com a restituição superavam o valor recebido como decorrência do programa.

Em relação ao Programa Nota Fiscal Paulista, embora seu decreto regulamentar exija que o contribuinte-vendedor ofereça a nota fiscal, muitas pessoas simplesmente não aceitam por mais diversos fatores. Algumas inexplicavelmente apenas não querem “colaborar” com o governo estadual. Outras acreditam que o Estado de São Paulo comunica a União de todos os gastos registradores no CPF do consumidor para comparar com a renda declarada na Declaração Anual de Ajuste, ignorando que mesmo a União tem poucos fiscais e técnicos para fazer frente as quase trinta milhões de contribuintes que fazem a declaração anual, sendo que os mesmos já têm que lidar com as declarações de renda que não confirmam as declarações de pagamento das fontes pagadoras.

Com os Municípios, a situação é pior, pois as Leis Municipais relativas ao Imposto sobre o Serviços de Qualquer Natureza não podem prever mecanismos de substituição tributária que acaba gerando uma arrecadação mais próxima da realidade das vendas.

Muitos prestadores de serviços estão na informalidade, atuando em nome próprio, assumindo todos os riscos do negócio, pois calculam que não existe benefício para a regularização, mas apenas malefícios, especialmente a obrigação de recolher impostos, além do cumprimento das obrigações acessórias.

Infelizmente, mesmo os prestadores de serviços regularizados acabam tomando medidas para sonegar o imposto. Entre elas, criar dificuldades para a emissão de nota fiscal para consumidor.

Aliado à falta de cidadania das pessoas e consciência que a nota fiscal é um instrumento essencial para a arrecadação e consequente financiamento dos serviços essenciais prestados pelos Municípios, como nas áreas de saúde e educação, a quantidade de notas fiscais geradas como decorrência dos programas municipais não é expressiva.

Como poucas pessoas pedem e conseguem a nota fiscal, somente estas poucas participam dos sorteios e menos ainda são premiadas. Como decorrência, não existe uma divulgação espontânea dos benefícios destes sorteios para toda a população, o que desestimula ainda mais o munícipe de pedir a nota fiscal.

Vale destacar também uma questão operacional.

Graças à fiscalização e campanhas realizadas longamente pelo Estado de São Paulo, instituiu-se o quase costume dos vendedores de oferecerem a nota fiscal paulista.

Como decorrência, muitas pessoas aceitam, o que gera mais emissão de notas.

Como tal campanha e fiscalização normalmente não é possível nos Municípios devido à restrição de pessoas e meios, não se criou o mesmo costume com as notas fiscais municipais, exigindo que o contribuinte seja ativo nesta ação, o que acaba reduzindo a eficácia do programa.

 

4) Da guerra fiscal das notas

Como uma importante forma de combater a guerra fiscal entre os Municípios, foi editada a Lei Complementar nº 157, de 29 de dezembro de 2016, que acresceu o art. 8ª-A e seus parágrafos à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2.003, que é a Lei Geral do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

O caput do citado art. 8º determina a alíquota mínima para o imposto de 2% (dois por cento), já que muitas Leis de incentivo previam alíquota de 0,5% (cinco décimos por cento).

Mas a principal disposição relativa ao combate à guerra fiscal são os parágrafos do art. 8º que impede a concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, de qualquer forma que resulte em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima, sendo nula a Lei ou ato administrativo que desrespeite a previsão de alíquota mínima.

Não se pode perder de vista também que o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal prevê uma série de requisitos para a concessão de qualquer benefício tributário, como estimativa na Lei Orçamentária e nas metas de resultados na Lei de Diretrizes Orçamentárias, além de exigir medidas de compensação.

Como consequência destas previsões que dificultam em muito a concessão de benefícios, os Municípios passaram a buscar outros meios de incrementar suas receitas que não seja o impopular aumento de tributos.

Assim acabou-se disseminando os programas de nota fiscal premiada, que coloca o consumidor como fiscal do recolhimento do tributo.

Não se pode perder de vista que, especialmente em regiões metropolitanas, o consumidor não busca o prestador de serviço apenas em seu município, mas em toda a região, buscando serviços de melhor qualidade com menor preço.

Diferentemente do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, que é cobrado do produtor, que antecipa a realização dos fatos geradores futuros, o ISSQN é cobrado, em regra, no local do estabelecimento do prestador, existe uma disputa de mercado entre prestadores de serviços de municípios diferentes, gerando também uma disputa entre os Municípios.

Desta forma, os Municípios são tentados a conceder benefícios cada vez maiores para os consumidores buscarem os serviços dentro dos limites de seu território, já que tal medida não implica na concessão de qualquer benefício tributário para o contribuinte, ora prestador de serviço.

 

Conclusão:

Em relação a chamada Guerra Fiscal, travada entres os Estados e entre os Municípios a opinião amplamente difundida de juristas e governantes é de que este conflito é prejudicial a todos.

No entanto, analisando as iniciativas e Leis mais recentes, especialmente em época de crise de arrecadação, as necessidades diárias de cada ente da Federação acabam impondo a prática da guerra fiscal.

Uma das práticas que vem se ampliando entre os Municípios é a adoção de programas de incentivo à população para requisitarem a nota fiscal pelo recebimento de serviços por particulares, tais como de oficinas mecânicas, escolas, cabelereiros etc.

Apesar dos problemas destes programas de emissão premiada de notas fiscais, diante especialmente das recentes disposições legais que impedem a concessão de benefícios tributários ao prestador de serviço, estes programas se mostram como uma forma de incrementar a arrecadação, com o consumo dos serviços onde o benefício para o consumidor seja maior.

Com o alastramento destes programas e por se tratar de um tributo recolhido no local do estabelecimento do prestador, acaba-se criando uma nova forma de guerra fiscal.

 

Referências bibliográficas:

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo, IBRAHIM, Fábio Zambitte e OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Estudos de federalismo e guerra fiscal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Gramma, 2017.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

PATROCÍNIO, José Antônio. ISS. Teoria, jurisprudência e prática. 3ª ed. São Paulo: Fiscosoft, 2016.

Data da conclusão/última revisão: 31/1/2018

 

Como citar o texto:

ITO, Michel; ITO, Lilian Cavalieri..A Guerra da Nota Fiscal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1504. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/3898/a-guerra-nota-fiscal. Acesso em 2 fev. 2018.

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