Uma das grandes controvérsias jurídicas atuais diz respeito a constitucionalidade e legalidade do Imposto Predial e Territorial Urbano com base na adoção da progressividade fiscal disposta nos inc. I e II do § 1º do art 156 da CF/88, com a redação dada pela emenda constitucional nº 29, de 13 de dezembro de 2000.

Pela nova sistemática inserta nos inc. I e II do § 1º, art. 156 da CF/88 (EC 29/00), passaram os municípios a criar essa nova modalidade de exação (IPTU Fiscal). O objetivo do presente estudo é justamente analisar se a criação de leis municipais sem a devida atualização do Plano Diretor a ser implementado com base nas disposições do Estatuto das Cidades é possível juridicamente.

A Magna Carta, por disposição topológica, encarta a função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica (art. 170, III). Nessa linha o § 1º do art. 182 da CF/88, que trata da Política Urbana, prevê a necessidade de criação do plano diretor para Municípios com mais de 20.000 habitantes.

Nesse contexto, o parágrafo 2º, do art. 182, de forma inequívoca, deixa claro que a propriedade urbana cumpre a função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressamente descritas no plano diretor, ou seja, o legislador constitucional remete ao derivado a incumbência de fixar, por meio de edição de lei federal específica, os critérios para atendimento da função social da propriedade.

É essa a dicção dos artigos 39 e 40 do Estatuto das Cidades:

"Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades de cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no artigo 2º dessa lei."

"Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana"

A clara intenção do legislador constitucional foi conferir à norma estrutural do art. 182 da CF/88, o elemento objetivo para aferição do atendimento da função social da propriedade, qual seja, a elaboração do plano diretor, a fim de evitar a substituição da legalidade pelo arbítrio e ilicitude, que, a toda evidência, não se harmoniza com as disposições contidas no art. 37, caput, da CF/88, as quais exigem da administração pública respeito aos primados da legalidade, pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Destarte, após o advento da CF/88, toda a forma de propriedade, rural ou urbana, está impregnada do princípio da função social da propriedade. Assim, tal função integra o próprio desenho da propriedade privada, condicionando este ao cumprimento daquele (função social). Entretanto, a função social não é mero rebusque legislativo, mas efetivamente componente essencial e primacial da tributação do IPTU, sob pena de, não existindo, ser totalmente inválida a exação fiscal pretendida.

A função social, nos termos do art. 182, CF/88 c.c com arts. 39 e 40 do Estatuto da Cidade, SOMENTE é obtida após regular elaboração do plano diretor. Trata-se, pois, de requisito essencial, inafastável e que compõe a estrutura básica para imposição da tributação.

A propósito, o precioso escólio de José Afonso da Silva:

"Essas observações não retiram a importância do texto constitucional sobre a matéria, mesmo porque ele não é excludente de uma política nacional de desenvolvimento urbano nos moldes suscitados. Releva ainda sua importância o ter previsto um instrumento básico da execução, pelos Municípios, da política de desenvolvimento urbano com os objetivos fixados no art. 182. É o que consta do parágrafo 1º, desse dispositivo, quando determina que o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, é um instrumentos básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. E fica, desde logo, estabelecido que esse plano urbanístico - o plano diretor - depende de aprovação legislativa" (g.n) (Curso de direito constitucional positivo / José Afonso da Silva - 11ª edição - Malheiros - p. 748).

Não é outra a conclusão do Ministro Moreira Alves (RE 153.771-) - MG):

"...se a Carta Magna não estabelecer seus contornos, caberá exclusivamente à lei federal fazê-lo, uma vez que se trata de precisar um conceito constitucional que obviamente não pode variar de município para município, como poderia ocorrer se a cada um dos nossos 5.500 municípios fosse permitido, em suas leis, estabelecê-lo diferentemente, conforme maior ou menor imaginação criadora de cada um deles. A Constituição Federal de 1988, porém, preferiu conceituar o que se deveria entender por função social da propriedade imobiliária, quer rural, quer urbana... Já naquele, no artigo 182, parágrafo 2º, também partindo da premissa de que a função social da propriedade é ínsita ao exercício dela, dispôs que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor".

E complementa o eminente Ministro:

"A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com a finalidade extrafiscal a que alude esse inciso II, do parágrafo 4º, do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafical aludido no artigo 156, I, Parágrafo 1º, até porque não tem sentido que se admitam, no mesmo sentido constitucional, com a finalidade extrafiscal de atender à mesma função social da propriedade, um IPTU sem limitações que não as decorrentes da vontade de cada Município e outro IPTU com as limitações expressamente estabelecidas pela Carta Magna, podendo um excluir o outro, ou ser instituídos cumulativamente".

Por termo, arremata:

"Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, parágrafo 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos parágrafos 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federa".

Dessa forma, aqueles Municípios que criaram suas leis municipais para adoção da sistemática progressiva do IPTU e não levaram a efeito a elaboração da Planta Genérica - Plano Diretor - descuraram inequivocamente as regras previstas na Lei Federal que inseriu no sistema jurídico o Estatuto das Cidades, bem como afrontou preceito normativo inequívoco constante dos §§ 1º e 2º, do art. 182 da Constituição Federal.

Na realidade o legislador constitucional contempla a hipótese de criação do IPTU Progressivo, condicionando a sua implementação a fixação objetiva dos critérios que atendam a função social da propriedade. A justificativa decorre naturalmente da lógica jurídica que reveste tal previsão, ou seja, se não existir a fixação de critérios objetivos o administrador público estará ingressando no campo arenoso da discricionaridade, o que descura os primados insertos no art. 37, caput, da CF/88.

 

O comando dirigido ao legislador infraconstitucional é inequívoco: A legislação que lograr inserir a progressividade fiscal DEVE, por imperativo constitucional, ser precedida da elaboração do Plano Diretor dentro das regras do Estatuto das Cidades.

O desenho legislativo não é atribuído pela mera rotulação unilateralmente fixada pelo Município, mas decorre, necessariamente, do enquadramento dentro do sistema jurídico. Destarte, aqueles Municípios que criaram suas leis municipais e inseriram o IPTU Progressivo com base nas regras dispostas na EC 29/00 e não tiveram a cautela legal de criarem seus respectivos Planos Diretores praticaram a um só tempo ilegalidade e inconstitucionalidade, fulminando tais instrumentos jurídicos municipais de vícios.

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Como citar o texto:

RODRIGUES, Gesiel de Souza..IPTU progressivo e a função social da propriedade: requisito constitucional para fixação da exação fiscal progressiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 101. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/393/iptu-progressivo-funcao-social-propriedade-requisito-constitucional-fixacao-exacao-fiscal-progressiva. Acesso em 8 nov. 2004.

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