Conforme amplamente divulgado pela imprensa nacional foi publicado e inserido no sistema jurídico pátrio a nova lei de falências em substituição ao Decreto nº 7.661 de 21 de junho de 1945. Essa inovação é parte do acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional que exigia uma roupagem mais atual para as regras falimentares.

Na realidade a grande preocupação do Fundo Monetário Internacional - FMI, consistia na ordem de preferência dos recebíveis bancários, porquanto, eram precedidas das dívidas trabalhistas e das tributárias e com o emprego do discurso político de que tal evento incorria em elevação do custo do dinheiro para empréstimos e demais operações de crédito bancário e que a alteração legislativa resultaria na queda dos juros convenceram a classe política nacional a proceder a inserção do novel diploma falimentar.

Essa nova sistemática apresenta profundas mudanças em relação às regras anteriormente vigentes na medida que fixa um teto de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos para cada trabalhador e inseri em segundo lugar as dívidas bancárias e em seguida as tributárias. Outra novidade consiste na inclusão da etapa procedimental denominada recuperação judicial das empresas que terá por objetivo criar mecanismos aptos a promover o reequilíbrio econômico-financeiro da sociedade, o qual vem substituir a concordata, ou seja, a decretação da quebra apenas e tão somente será possível após ultrapassadas tais etapas.

O que cabe perquirir é se a inserção das dívidas bancárias de forma preferencial às tributarias pode ser admitida diante da estrutura do sistema jurídico brasileiro. É importante destacar que o recebimento do passivo tributário é matéria de interesse público, porquanto, tem por objetivo permitir ao Estado a sua manutenção e a realização de investimentos de interesse social. Aplica-se ao caso em comento o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

Veja-se que os créditos trabalhistas historicamente sempre estiveram encartados preferencialmente porquanto nítido e inquestionável direito social e os bancários, por outro lado, meramente privados. Tal característica inviabiliza sua ordem de preferência em relação às dívidas tributárias, que como cediço são nitidamente de interesse público.

Com o objetivo de minimizar os efeitos dessa inversão tumultuária abriu-se a possibilidade do Estado promover penhora on-line de seus créditos tributários. Essa providência se revela um contra-senso, pois certamente ocasionará efeito indesejável no meio empresarial. Como cediço a penhora on-line para débitos trabalhistas tem gerado acentuada instabilidade no meio jurídico em decorrência de bloqueios que impactam diretamente no fluxo de caixa das empresas.

A penhora on-line das dívidas tributárias poderá ainda agravar essa situação, posto que as empresas poderão ser alvo de tais bloqueios bancários por dívidas que ainda poderão discutir judicialmente por meio de embargos ou exceções e objeções de executividade. Tal providência se revela medida de exceção e inviabiliza qualquer alongamento do contraditório e da ampla defesa.

Ainda que a certidão de dívida ativa goze de presunção de certeza, exigibilidade e liquidez (lei 6.830/80), é importante destacar que essa presunção é júris tantum, ou seja, relativa. Destarte, promover medida excepcional de modo a permitir que o Estado avance no caixa da empresa que precisa fazer frente a outras despesas inerentes a atividade empresarial (fornecedores, empregados, tarifas públicas) importa em conduzir essa mesma empresa a situação de extrema fragilidade financeira e que poderá inclusive resultar em um estado de falência.

Observe-se, portanto, que a "troca" promovida pela novel legislação não se afigura tão vantajosa. De um lado descura o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular consistente na arrecadação de tributos necessários a manutenção do Estado e de outro abre a esse mesmo Estado a possibilidade de promover penhora on-line. Nesse fogo cruzado as empresas ficarão refém dessa situação surreal que se criou.

Não é demais ressaltar que a Constituição Federal contempla no Título VII da Ordem Econômica e Financeira (art. 170 e seguintes) a proteção a propriedade privada, a função social e a busca do pleno emprego. Esses primados também devem ser cotejados de modo a salvaguardar interesses sociais de relevo.

O mero factoide político de que a novel legislação falimentar importaria em redução dos juros bancários por meio de oferecimento de garantias de recebimento às instituições financeiras e mera análise macro-econômica com pés de barro e que não resiste ao menor influxo. O Estado não pode ser preterido em detrimento de instituições financeiras privadas.

 

Verifica-se uti oculi um desvirtuamento do sentido máximo do ordenamento jurídico pátrio. Ajoujado a isso a inovação acerca da penhora on-line poderá resultar em práticas de abusos fiscais e de resultados imprevisíveis e indesejáveis. Empresas poderão ter suas contas correntes bloqueadas e com isso não conseguirem pagar seus empregados e fornecedores e com certeza incidirão em riscos de falência.

Nos tempos atuais em que se verifica uma desagradável ingerência de pontos econômicos nas decisões e posicionamentos judiciais, desarmonizar a estrutura básica do sistema jurídico não se afigura providência aceitável. Não existe qualquer correlação plausível entre a inserção dos créditos bancários de forma preferencial e a redução da taxa de juros financeiros que pudesse dar ensejo a tal providência e que permitisse validamente essa inversão tumultuária que afronta o primado do interesse público sobre o particular. A penhora on-line para créditos tributários, a seu turno, poderá gerar sensível insegurança no meio empresarial.

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Como citar o texto:

RODRIGUES, Gesiel de Souza..A penhora online para dívidas tributárias e a nova Lei de Falências: Aspecto polêmico. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 109. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/437/a-penhora-online-dividas-tributarias-nova-lei-falencias-aspecto-polemico. Acesso em 5 jan. 2005.

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