CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A luta por justiça e transparência tributária é, para a cidadania brasileira, tão relevante quanto a luta contra a ditadura. Sem justiça tributária não há democracia, desenvolvimento ou justiça social. Daí por que essa é uma luta de todos: pobres e ricos, empresários e assalariados. “ (Fragmento do artigo – A NOVA DERRAMA - do presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Roberto Busato, publicado no jornal Correio Braziliense).

O presente estudo surgiu pela relevância do assunto no momento e pela oportunidade de contribuir para o debate. A brutal carga tributária que hoje pesa sobre a sociedade brasileira inviabiliza a expansão da economia pátria. Haja vista que os fatores que mais inibem os investimentos estrangeiros no país continuam sendo a estrutura tributária nacional e o chamado custo Brasil, conceito que reúne variáveis que vão dos prejuízos causados pela corrupção e a burocracia ao custo das taxas de juros internos. A constatação é da pesquisa da Simonsen Associados, que ouviu executivos de 132 empresas com assento nos Conselhos da Câmara Americana de Comércio. A voracidade do Estado é incomensurável, gasta mais do que arrecada e não adota medidas para cortar os gastos. Os nossos governantes ao invés de buscarem o equilíbrio entre despesa e receita, quando precisam de mais dinheiro, aumentam as alíquotas dos impostos ou criam novos impostos.

A carga tributária incidente sobre a produção é quase duas vezes maior no Brasil em relação à média mundial. O dado é de pesquisa da Deloitte Touche Tohmatsu - uma das líderes mundiais nos segmentos de auditoria e consultoria -, realizada em outubro em 34 países da Europa, Ásia e América, comparando o perfil tributário incidente sobre pessoas jurídicas. A incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) chega a 29,8% no Brasil, bastante superior à média global de 15,7%, encarecendo toda a cadeia produtiva. Nos países asiáticos, a carga tributária sobre a produção é de 7,25% em média; na América do Norte e Europa, 19,36%; e na América Latina 20,58%. Uma das principais conclusões do estudo é que o sistema brasileiro é eficiente do ponto de vista da arrecadação, mas sacrifica a criação de valor e emprego na economia como um todo. Conclusão que vai totalmente de encontro ao discurso dos últimos governantes brasileiros.

ASPECTOS HISTÓRICOS

No Egito Antigo o chefe de Estado era um rei conhecido como Faraó, proprietário nominal de todas as terras, era considerado um verdadeiro deus, por isso afirma-se que o Egito era uma "teocracia". Os camponeses tinham que produzir um excedente de produção que era entregue aos fiscais do Faraó. Parte da riqueza servia para o sustento da família real, de um grande corpo de funcionários palacianos e dos militares. O resto da produção destinava-se a financiar obras de drenagem e irrigação e uma parte da produção era armazenada para épocas de colheitas baixas. Além de grande proprietário, o estado egípcio controlava as atividades econômicas, regulamentava o comércio, recolhia impostos, taxas, organizava as obras públicas e o trabalho coletivo. Os camponeses trabalhavam no plantio e também eram obrigados a prestar serviços nas obras públicas (canais, templos e pirâmides). Seus impostos geralmente eram pagos em mercadorias ou em trabalho. Dessa forma o Estado apropriava-se dos excedentes da produção utilizando-se da mão-de-obra gratuita para construir depósitos de armazenamento e implantava uma extensa burocracia estatal para cobrar impostos. Mesmo as poucas propriedades privadas que existiam no Egito Antigo, também sofriam o controle fiscal do Estado.

A Inglaterra, metrópole das treze colônias norte-americanas no século XVIII, resolveu aumentar vários impostos e taxas, além de criar novas leis que tiravam a liberdade dos norte-americanos. Dentre estas leis podemos citar : Lei do Chá (concedeu o monopólio do comércio de chá para uma companhia comercial inglesa), Lei do Selo ( todo produto que circulava na colônia deveria ter um selo vendido pelos ingleses), Lei do Açúcar ( os colonos só podiam comprar açúcar vindo das Antilhas Inglesas). Estas taxas e impostos geraram muita revolta nas colônias. Um dos acontecimentos de protesto mais conhecidos foi a Festa do Chá de Boston ( The Boston Tea Party ). Vários colonos invadiram, à noite, um navio inglês carregado de chá e, vestidos de índios, jogaram todo carregamento no mar. Este protesto gerou uma forte reação da metrópole, que exigiu dos habitantes os prejuízos, além de colocar soldados ingleses cercando a cidade. Os colonos do norte resolveram promover, no ano de 1774, um congresso para tomarem medidas diante de tudo que estava acontecendo. Este congresso não tinha caráter separatista, pois pretendia apenas retomar a situação anterior. Queriam o fim das medidas restritivas impostas pela metrópole e maior participação na vida política da colônia. Porém, o rei inglês George III não aceitou as propostas do congresso, muito pelo contrário, adotou mais medidas controladoras e restritivas como, por exemplo, as Leis Intoleráveis. Uma destas leis, conhecida como Lei do Aquartelamento, dizia que todo colono norte-americano era obrigado a fornecer moradia, alimento e transporte para os soldados ingleses. As Leis Intoleráveis geraram muita revolta na colônia, influenciando diretamente no processo de independência.

Quanto ao Brasil, o primeiro sistema tributário só nasceu em 1534, portanto 34 anos depois das caravelas de Cabral terem dado nas costas brasileiras. A partir daí, porém, não parou de crescer e de se expandir, sempre em direção ao bolso do contribuinte. No Brasil colonial, desde meados do século XVIII, a produção dos aluviões auríferos da Capitania de Minas diminuía. A Coroa portuguesa, no entanto, suspeitava que a diminuição da arrecadação devia-se mais à fraude que ao declínio da produção. Decidiu então que o rendimento anual do quinto deveria ser de 100 arrobas. O que faltasse para atingir este total seria anotado e pago, de qualquer forma, quando o rei decidisse, numa vila escolhida arbitrariamente e de surpresa, para evitar levantes. Era a derrama, que tanto atemorizava a população da capitania das Minas Gerais. Surge então a Inconfidência Mineira, embora tenha a conspiração malogrado, foi o ponto de partida da contestação do pacto colonial. Independente das motivações pessoais de cada participante, não há dúvida de que a exploração colonial, que tinha nos altos impostos sua face mais evidente, constituía a própria base de apoio da conspiração. Mas se os impostos motivaram a Inconfidência, mais ainda, e de forma inesperada, contribuíram para o seu malogro, isto é, Joaquim Silvério dos Reis, que era um grande devedor do fisco, denunciou seus companheiros na esperança de ter suas dívidas perdoadas.

A História Tributária do Brasil é uma das mais ricas do mundo, em eventos marcantes, em interesse técnico e abundância de fontes e documentos. Realmente, nenhuma nação teve, nos últimos cinco séculos, tantos ciclos econômicos, tantas mudanças de política tributária e tantos regimes fiscais. Começamos pelo pau-brasil e pelo monopólio, passamos para o nascente capitalismo açucareiro do Nordeste, enveredamos pela economia de subsistência do sul-sudeste que desembocou no Ciclo do Ouro, entramos no século 19 em plena decadência, mas saímos dele em plena prosperidade, graças ao café e à borracha. No século 20 assistimos ao fim da borracha e à agonia do café, mas nos transformamos em nação quase industrializada e redescobrimos a mineração, a agricultura e a pecuária.

ASPECTOS JURÍDICOS

Art.2º O sistema tributário nacional é regido pelo disposto na Emenda Constitucional nº18, de 1º de dezembro de 1965, em leis complementares, em resoluções do Senado Federal e, nos limites das respectivas competências, em leis federais, nas Constituições e em leis estaduais, e em leis municipais.

A competência para tributar está prevista na Constituição Federal, Título VI, Capítulo I: "Do Sistema Tributário Nacional", abrangendo os artigos 145 e seguintes. Antes de mais nada pode-se conceituar competência tributária como o poder conferido pela Constituição Federal para criar, cobrar e fiscalizar tributos, respeitadas as normas do Direito Tributário, às pessoas jurídicas de direito público interno, abrangendo a competência legislativa, administrativa e judiciária.

A CF, em seu art. 145, distribui e delimita à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, competência para tributar e, ainda, relaciona em seus incisos e parágrafos quais tributos podem instituir e cobrar. Ainda nesse sentido, em seus arts. 153, 155 e 156, sob os títulos: "Dos impostos da União", "Dos impostos dos Estados e do Distrito Federal" e "Dos impostos dos Municípios", delimitou de modo mais eficaz a competência destes.

A Constituição diferencia as várias espécies tributárias na distribuição de competência. Em relação aos impostos, confere à União, os previstos nos artigos 153 e 154; ao Distrito Federal a previsão do artigo 155 e aos Municípios, o disposto no artigo 156. Relativamente às taxas podem ser instituídas por quaisquer pessoas de direito público, desde que satisfeitos os requisitos constitucionais. Quanto à contribuição de melhoria, também pode ser utilizada por quaisquer pessoas jurídicas mencionadas, desde que haja realização de obra pública da qual decorra melhoria representada pela valorização da mesma.

Em suma, pode-se asseverar que a Constituição é quem atribui a competência tributária. Como expressão pura do pacto federativo, ela distribui esta competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, formando, junto aos princípios e normas de direito tributário, o Sistema Tributário Nacional.

É importante ressaltar que os impostos caracterizam-se por não trazer qualquer vinculação entre a receita auferida com os contribuintes e a atividade estatal que será desenvolvida pelo Estado, isto é, a receita vinda dos impostos não precisa reverter em favor dos contribuintes que pagaram o tributo. A Administração Pública escolhe o destino da receita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Provavelmente, este é um daqueles temas da atualidade em que a discussão é quase interminável, pois o problema fiscal não parece ser tanto o do quanto arrecadar e como dividir o bolo, mas o de como disciplinar o uso que é feito do bolo posto sob a administração dos políticos.

Modernamente, em um estado organizado e democrático, a resistência ao pagamento de impostos assume formas menos drásticas do que as que levaram aos eventos relatados. Todavia, nem mesmo a desobediência civil, a forma mais radical de resistência no estado de direito, pode ser descartada. O mais comum é a resistência ocorrer de forma disfarçada. É uma resistência passiva, mas de extrema eficácia. Veja-se, por exemplo, o caso da economia informal, que cresce na mesma proporção da voracidade do fisco. Atualmente a resistência é facilitada pela extrema mobilidade do capital. Há formas grosseiras de se evitar pagar impostos – a sonegação – e formas sofisticadas, como a elisão fiscal, que se faz via “planejamento tributário”. Os resultados são os mesmos, mas a primeira é crime e, a segunda, um aproveitamento das “brechas” da lei. Qualquer que seja a forma de resistência que se utilize, esta será mais intensa quanto maior for a carga tributária. A carga tributária bruta, no Brasil, está hoje em 33% do PIB. No início no Plano Real, era 28%. Trata-se de valores médios.

Como a renda é muito concentrada, fácil será concluir que mais concentrado ainda será o peso dos impostos. Paralelamente à reforma tributária, um tema que nunca sai de cena é qual deve ser o papel do Estado e, portanto, o seu tamanho. A dívida social pressiona pelo aumento da oferta de bens públicos e a melhoria de sua qualidade. A contrapartida de mais e melhores bens públicos é uma carga tributária ainda mais elevada.

Finalmente, copiando as palavras de Luiz Roberto Castiglione , Membro da ANSP e do Instituto Roncaratti de Seguros: “Somos um País com imensas injustiças. Não dá mais para admitir que nossos governantes ajam como se estivessem administrando e legislando na SUÍÇA!”. Contudo, o presente texto não tem pretensão de ser “científico” ou estabelecer juízo de valor, mas , talvez valha a pena ter claro o papel que teve a carga tributária abusiva no declínio dos grandes impérios que a humanidade já conheceu ao longo da história!

REFERÊNCIAS

- AMARO, L.S., Direito Tributário Brasileiro, São Paulo, Ed Saraiva, 1999.

- BORGES, Umberto Bonavides, Gerencia de impostos. 2 ed. Atlas. 1998.

- BASTOS, C. R., Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, São Paulo, Ed Saraiva, 1999.

- JARDIM, E.M.F., Manual de Direito Financeiro e Tributário, São Paulo, Ed Saraiva, 1999.

- MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In: —. (Coord.). Direitos Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias Nova Série, no 6, São Paulo: CEU – Ed. Revista dos Tribunais, 2000.

- NASCIMENTO, Carlos Valder. Finanças Públicas e Sistema Constitucional Orçamentário. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.

- ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), Aspectos Relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Editora Dialética, 2001.

- Roque Antônio Carrazza in Curso de Direito Constitucional Tributário, Editora Malheiros, 1999.

- XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo : Dialética, 2002.

- CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 1988

- CÓDIGO TRUBUTÁRIO NACIONAL

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Como citar o texto:

SANTOS, Uélton..Os impostos: passado e presente. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 128. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/627/os-impostos-passado-presente. Acesso em 2 jun. 2005.

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