A tributação sobre processos originários de produção é o princípio que norteia a Lei RJ nº 4.117, conhecida como Lei Noel, a qual prevê a tributação de ICMS sobre a extração de petróleo e gás, e que é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 3.019-1) no Supremo Tribunal Federal (STF). A Lei Noel já nasceu contrariando os princípios gerais de direito, a lei especial do Petróleo e a Constituição Federal.

Desde os idos romanos que os modos tradicionais originários de aquisição da propriedade são fundados em razões naturais (naturalis ratio) e o tipo mais antigo de aquisição natural da propriedade é a ocupação, que é a tomada de posse de uma coisa que não é de ninguém (res nullius). Os principais exemplos históricos são os animais selvagens e as coisas abandonadas. Trata-se de um direito que surge entre o sujeito e a coisa, sem qualquer título correspondente, sem propriedade anterior. Um outro tipo interessante é a aquisição de propriedade pela aquisição de frutos. Nem sempre o dono da coisa frutífera é o dono dos frutos. Como exemplo, temos o locatário (se assim definido em contrato), o possuidor de boa-fé, o usufrutuário, etc. Aliás, correlato a este tema é a aquisição de frutos percebidos por força de contrato de locação, porque é um direito fundado numa concessão do proprietário do imóvel, decorrente de uma autorização expressa contratual. Neste caso, os frutos da locação não são garantidos, a menos que o locatário consiga locar ou sublocar o bem. Daí a similaridade do exemplo com os contratos de concessão de hidrocarbonetos.

Um bom exemplo comparativo e ilustrativo é o ato (natural) de pescar. Na Lei do ICMS do Rio de Janeiro, a única alusão à pescaria é que o veículo na captura de pescado equipara-se a estabelecimento autônomo (parágrafo único, do art. 16, da Lei nº 2.657/1996). No mais, o pescador, desde que não pesque com habitualidade e com o intuito comercial, pode ficar tranqüilo que ninguém cobrará ICMS sobre o produto de sua pesca, por não estar configurado como contribuinte do imposto (art. 5º, da Lei nº 2.657/96). Não obstante, é importante frisar que fincar a vara de pescar na areia da praia ainda não caracteriza estabelecimento (art. 3º, I, da Lei nº 2.657/96); e que o mar territorial é um bem da União (CF, art. 20, VI).

Comparações ou brincadeiras à parte, quando se analisa a tributação sobre processos originários de produção é preciso refletir se o petróleo ou gás, antes de ser extraído, pode ser considerado produzido e, se nessas condições, pode ser disponibilizado. Pelo teor do próprio artigo 26, da Lei do Petróleo, a resposta seria: não, somente “após extraídos”. Pela natureza do produto – considerando a forma natural de aquisição de propriedade - a disponibilidade econômica ou jurídica só surgiria após a extração. E, por fim, sob a ótica da tipificação constitucional do tributo, em se tratando de um processo produtivo, o ato de extração de hidrocarbonetos não se configura uma operação de circulação de mercadoria, descrita no inciso II do art. 155 da Constituição Federal, mesmo porque ainda não há mensuração do bem.

A verdade é que o atual modelo de concessão, com a tributação do ICMS na extração, ainda que fosse considerado constitucional, ganharia um plus de inviabilidade econômica (no mínimo, para incluir o ICMS no preço de todas as operações).

Ingressando puramente nos aspectos puramente constitucionais do ICMS – que é isso que irá contar na hora da avaliação da Ação Direta de Inconstitucionalidade - mais ainda irreal se torna a Lei estadual porque ela definiu fato gerador, local da operação e base de cálculo.

Estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos, fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes é matéria de competência de Lei Complementar, à luz do disposto no artigo 146, III, “a”, da Constituição Federal. Também é de competência de Lei Complementar definir contribuintes, fixar definição de estabelecimento responsável, o local das operações e a base de cálculo, conforme o inciso XII do art. 155 da Constituição. Assim, é incontestável que a lei estadual ultrapassou seus limites de alcance e competência. A proteção constitucional imposta pelo instrumento “Lei Complementar” serve às regulamentações específicas e, até mesmo, para evitar a famosa “guerra fiscal” entre os Estados.

Deste modo, ainda que os argumentos iniciais de aquisição originária da propriedade não fossem observados, ainda que o modelo de concessão definido na Lei especial não fosse cumprido (art. 26), sob a óptica constitucional espera-se que o Egrégio STF confirme a inconstitucionalidade do ato normativo, pelas razões expostas e sob pena de tornar inviáveis os investimentos na área de petróleo e gás no Estado do Rio de Janeiro.

 

Como citar o texto:

QUINTANS, Luiz Cezar P..Pescar paga ICMS? O princípio da Lei Noel. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/779/pescar-paga-icms-principio-lei-noel. Acesso em 9 set. 2005.

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