O imposto previsto no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988, a saber, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, incide como o próprio nome diz, sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços, envolvendo negócio jurídico mercantil, e não sobre simples mercadorias ou quaisquer espécies de circulação, como veremos.

Como princípio geral de direito tributário, somente pode ser tratado em face de Lei Complementar, a regra do ICMS, com base no artigo 2º da Lei Complementar nº 87/96 define o fato gerador do imposto.

Com relação a este fato gerador do imposto, segundo a regra constitucional a ênfase se dá na operação de circulação física e econômica com transferência de titularidade, a questão não é pacífica, sendo o seguinte o entendimento do professor Roque Antônio Carrazza:

“Por outro lado, o imposto em tela incide sobre operações com mercadorias (e não sobre a simples circulação de mercadorias). Só a passagem de mercadoria de uma pessoa para outra, por força da prática de um negócio jurídico, é que abre espaço à tributação por meio do ICMS.

Neste sentido, encampamos a velha lição de Geraldo Ataliba:

‘A sua perfeita compreensão e a exegese dos textos normativos a ele referentes evidencia prontamente que toda a ênfase deve ser posta no termo ‘operação’ mais do que no termo ‘circulação’. A incidência é sobre operações e não sobre o fenômeno da circulação.

O fato gerador do tributo é a operação que causa a circulação e não esta’”[2].

Essa hipótese de incidência decorre da iniciativa do contribuinte, que implique movimentação física e econômica de mercadorias com transferência de titularidade. Há ainda que se considerar a possibilidade de não movimentação física de mercadoria, permanecendo esta no mesmo lugar, mas, ocorrendo a transferência econômica e de titularidade, é o caso, por exemplo de venda para entrega futura, neste caso não houve circulação física, mas, econômica e por conseqüência, incidência do imposto.

A incidência do ICMS nas operações em transferência de mercadorias tem posição, como dito, divergentes. O STJ tem decidido pela impossibilidade da tributação, com base na Súmula 166:

“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadorias de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

De fato, não é só a compra e venda de mercadorias que abre espaço a este imposto, senão também a troca, a doação, a dação em pagamento etc. Todas estas operações propiciam a circulação jurídica de mercadorias e, em tese, são passíveis de tributação por meio do ICMS. Tal operação é o fato jurídico que pode desencadear o efeito de fazer nascer a obrigação de pagar o ICMS.

A posição é mesmo conflitante, principalmente em casos onde há a transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.

O ICMS é um imposto pertencente ao Estados federados e, ao Distrito Federal. O imposto é recolhido no Estado de sua origem, tendo, por ocasião da fracassada reforma tributária, causado conflito entre os Estados pela previsão de transferência para o destino das operações.

Os Estados mais industrializados como São Paulo e Minas Gerais, não aceitaram essa hipótese. Portanto, entendemos que a transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte sem o devido recolhimento do imposto fere, no nosso entendimento, o princípio federativo.

O tributo pertence à pessoa política onde a operação mercantil se realizou, ainda que o destinatário da mercadoria esteja localizado em outra unidade federativa ou, mesmo no exterior.

Sobre a não incidência do imposto sobre transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, o professor Vittorio Cassone tem posição doutrinária contrária:

“Não consigo concordar com essa assertiva, porquanto a questão da competência para tributar ganha foro privilegiado – no sentido de determinar a incidência na saída do estabelecimento. Por isso, reputo constitucional o art. 12, I, da LC nº 87/96, ao estabelecer: ‘Considera-se ocorrido o fato gerador do ICMS no momento da saída de mercadoria de estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular’”[3].

Divergimos da opinião de constitucionalidade do artigo 12, I da LC 87/96. As legislações estaduais, no entanto, tem exigido que as transferências intra-estaduais também sejam realizadas com débito do imposto.

Recentemente, o Estado de Minas Gerais alterou a hipótese de exigência do imposto no Decreto 44.074 de 18 de julho de 2005, tratando como diferimento a transferência de estoque de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte em virtude de cisão, fusão, incorporação ou em virtude de baixa.

De fato, não há a previsão de incidência do ICMS quando há mudança de endereço do contribuinte para outro local com as mercadorias nele existentes.

O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos possuidores originários a outros e aos consumidores finais. O imposto em tela incide sobre operações com mercadorias e não sobre a simples “circulação” de mercadorias. Somente a passagem de mercadoria de um titular para outro, por força da prática de um negócio jurídico, é que abre espaço à tributação por meio de ICMS.

Neste sentido vale destacar a lição de Geraldo Ataliba:

“A sua perfeita compreensão e a exegese dos textos normativos a ele referentes evidencia prontamente que toda a ênfase deve ser posta no termo ‘operação’ mais do que no tema ‘circulação’. A incidência é sobre operações e não sobre o fenômeno da circulação. O fato Gerador do tributo é a operação que causa a circulação e não esta” (Sistema Constitucional Tributário Brasileiro – 1ª ed.o – São Paulo – Editora RT – 1996 – pág 246).

Tal operação é o fato jurídico que pode desencadear o efeito de fazer nascer a obrigação de pagar ICMS. Assim, o ICMS deve ter por hipótese de incidência a operação jurídica que, praticada por comerciante, industrial ou produtor, acarrete circulação de mercadoria, isto é, a transmissão de sua titularidade, sendo este o entendimento da jurisprudência:

EMENTA: TRIBUTÁRIO - ICMS - TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA PARA ESTABELECIMENTO COMERCIAL DO MESMO CONTRIBUINTE EM OUTRO ESTADO - SIMPLES DESLOCAMENTO FÍSICO QUE NÃO CONFIGURA CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA - NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO - SÚMULA 166 DO STJ. APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.289.028-3/00 - COMARCA DE CAPINÓPOLIS APELANTE (S): SEMENTES AGROCERES S/A - APELADO (S): FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. SCHALCHER VENTURA.

ACÓRDÃO Vistos etc acorda, em Turma, a TERCEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO, VENCIDO, PARCIALMENTE, O VOGAL. Belo Horizonte, 26 de junho de 2003 (Processo Número 1.0000.00.289028-3/000 (1) TJMG).

Para elucidação dos fatos, vale aqui o destaque do texto do voto do Relator do r. acórdão citado, por ser o mesmo, data vênia aplicado à Embargante devido a igualdade dos fatos:

Com efeito, a não-incidência do ICMS na transferência de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo titular é discussão já superada, pois a matéria já se encontra pacificada com a edição da supracitada Súmula, segundo a qual “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadorias de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

“O fundamento que ampara tal decisão está no fato de que, na hipótese de simples deslocamento, não há circulação de natureza econômica ou jurídica, porquanto as mercadorias não mudaram de propriedade quando de sua transferência, e para que incida o ICMS é necessária a prática de negócio jurídico mercantil, o que, "in casu", não se verificou ocorrido.

Dessa forma, não havendo operação de mercancia, ainda que a transferência das sementes tenha se dado para estabelecimentos da apelante localizados em outras unidades da Federação, não se legitima a incidência do ICMS. Tal entendimento significa que o Direito Tributário acompanha a regulação da matéria, tanto no Direito Civil, quanto no Direito Comercial, no sentido de que, não havendo operação de mercancia, não se configura circulação econômica.

A hipótese de incidência prevista no artigo 2º combinado com o inciso I do artigo 12 da Lei Complementar 86 de 1996 contempla a circulação, ou seja, a passagem de mercadoria de uma para outra pessoa, mediante transferência de titularidade.

A palavra circular, vista como adjetivo por dar característica ou qualidade, segundo o dicionário[4] significa “passar de mão-em-mão”, ou, para o Direito, “mudar de titular” logo, se um bem ou mercadoria muda de titular, circula para efeitos jurídicos.

O simples fato da saída de mercadorias do estabelecimento, por si só, é irrelevante para tipificar a hipótese de incidência do ICMS.

Visto de outra forma, ou seja, meramente como circulação, entendemos como inconstitucional a parte final do artigo 12, I da LC 87/96 assim como os incisos V e VI do artigo 2º do Convênio ICM 66/88, que estabeleceram a hipótese de ocorrência de fato gerador do imposto na simples saída de mercadorias, a qualquer título, de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. Neste sentido, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal em Agravo de Instrumento[5].

“O simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICM. O emprego da expressão ‘operações’ bem como a designação do imposto, no que consagra o vocábulo ‘mercadoria’ são conducentes à premissa de que deve haver o envolvimento de ato mercantil e este não ocorre quando o produtor simplesmente movimenta frangos”.

Concluímos que a simples saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte não é hipótese de incidência do ICMS, como pretendem os Estados e alguns doutrinadores, com base no artigo 12, I da Lei Complementar 87/96.

Se considerarmos a saída da mercadoria como hipótese de incidência, o comerciante furtado em mercadorias, teria que não só suportar os prejuízos como pagar o ICMS devido pela “circulação” e ainda, caso não registrasse a ocorrência não a levando ao conhecimento da Fazenda Pública, estaria praticando uma evasão tributária uma vez estar ocultando a ocorrência do fato imponível.

Também, se por motivo de encerramento das atividades de uma filial, as mercadorias são transferidas para a matriz, haveria a transferência de mercadoria, nascendo daí o fato gerador imponível da incidência tributária:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ICMS – TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE – NÃO INCIDÊNCIA – SÚMULA 166/STJ – VIOLAÇÃO AO ART. 3º DO D.L. 406/68 NÃO CONFIGURADA – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE – SÚMULAS 282 E 356 DO STF - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL QUANTO AO TEMA NÃO COMPROVADO. - O simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do ICMS. Recurso conhecido e parcialmente provido. STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (RESP nº 173748 - Processo: 199800320776 UF: MG Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA.·Data da decisão: 13/03/2001 Documento: STJ000388048). Notas:

 

 

[2] Carrazza, Roque Antônio – ICMS – 8ª edição – Editora Malheiros – páginas 26/27 - 2001.

[3] Cassone, Vittorio – Direito Tributário – 13ª Edição – Ed. Atlas – 2001 – pág. 298.

[4] Folha – Aurélio: Dicionário da Língua Portuguesa – Folha de São Paulo – 1995 – página 152.

[5] AI 131.941-1 – Relator Ministro Marco Aurélio – DJU 19.04.1991 página 4.583.

 

Como citar o texto:

FREITAS, Rinaldo Maciel de..A não-incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimento da mesma titularidade e a regra do artigo 12, I, da Lei Complementar 87 de 1996. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 152. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/887/a-nao-incidencia-icms-transferencia-mercadorias-entre-estabelecimento-mesma-titularidade-regra-artigo-12-i-lei-complementar-87-1996. Acesso em 14 nov. 2005.

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