Palavras chaves: Planejamento familiar – educação – inclusão social.

Sumário: 1. Introdução -  2. Objetivo -  3. Definição de Aborto - 4. Positivação no direito pátrio — os casos de aborto legal: aborto necessário ou terapêutico e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro — inteligência do artigo 128 do código penal  - 5. Bases Jurídicas e Jurisprudências - 6. Normativismo jurídico brasileiro – busca de soluções para os casos de aborto ilegal  e controle de natalidade – impropriedade do meio. - 7. Conclusão - 8. Bibliografia.

1. Introdução

            No Estado brasileiro o positivismo é praticamente um apostolado, acredita-se que tudo pode ser resolvido através da edição de leis. Sempre que se nos apresenta um problema social busca-se solução através da elaboração e publicação de leis, que se espera, de per si, resolvam o problema.

            É precisamente isso que tem ocorrido quando se trata de aborto e sexualidade. O programa de planejamento familiar brasileiro é um dos melhores do mundo, mas simplesmente não funciona para quem precisa dele que são as classes menos abastadas. A desinformação leva a gravidez indesejada, que leva a dois caminhos ou a maternidade precoce ou ao aborto. Ambos não oferecem vantagens nem para a mulher nem para a sociedade.

            Se compararmos dados da década de 70 com atuais veremos que a taxa de fecundidade caiu em mais de 50% (cinqüenta) por cento, sendo esta uma prova inequívoca que a mulher dos dias atuais deseja ter menos filhos, pois, isso significa dar-lhes melhor qualidade de vida. Segundo dados da FGV (Fundação Getulio Vargas) o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é inversamente proporcional ao número de filhos por mulher. Equivale dizer que, as regiões que tem famílias maiores mais têm IDH menor que as regiões com famílias menores. Destarte, pode-se inferir que quanto maior a pobreza, maior a densidade demográfica, maior a taxa de fecundidade.

            Cumpre destacar que não se deve confundir número de filhos por mulher com taxa de maternidade que se refere a um maior número de mães com menos filhos. Esta é extremamente benéfica. Dados da FGV demonstram que os municípios com maior taxa de maternidade tendem apresentar maiores indicadores de bem estar sociais globais como maiores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), menores taxa de pobreza assim como maiores indicadores de aproveitamento educacionais.

             O fato de boa parte das mulheres de uma localidade serem mães gera altos benefícios sociais como alta freqüência e aproveitamento escolares e baixa mortalidade infantil, o problema das regiões pobres é o número de filhos por mãe que acaba prejudicando a qualidade da criação dos filhos.

            Há dados que demonstram de forma inequívoca que o controle de natalidade é extremamente benéfico à mulher e a sociedade e, mesmo assim não se consegue levar a termo um programa eficaz de planejamento familiar. As mulheres não têm acesso às garantias legais que já possuem oriundas da Lei 9.263/96 que em seu art. 1º assegura que “o planejamento familiar é DIREITO de todo cidadão”. Segundo dados do Ministério da Saúde a distribuição de métodos contraceptivos teve início no mês de fevereiro para 1.388 municípios com mais de 100 mil habitantes e/ou que contam com pelo menos cinco equipes de Saúde da Família, de todos os estados brasileiros. A distribuição está sendo feita nos quantitativos abaixo:

- pílula combinada: 10.986.589 cartelas;

- minipílula: 1.500.805 cartelas;

- pílula de emergência: 352.361 cartelas;

- injetável mensal: 439.040 ampolas.

Está em curso processo para efetivar compra dos quantitativos necessários para atender à nova proposta nos demais municípios brasileiros:

- pílula combinada: 25 milhões de cartelas;

- minipílula: 1,21 milhão de cartelas;

- pílula de emergência: 200 mil cartelas;

- injetável mensal: 800 mil ampolas;

- diafragma: 12 mil unidades;

- DIU: 176 mil unidades;

- injetável trimestral: 250 mil ampolas

            Embora disponibilizados, tais recursos não chegam a atingir os resultados esperados, ou seja, não chegam às mulheres que deles poderiam se beneficiar. Assim, embora se implemente políticas que, em tese, levariam a um efetivo controle de natalidade pode-se facilmente observar que tais medidas não chegam  as classe menos favorecidas.

            Exemplo da ineficácia das ações governamentais pode ser observado em pesquisa da FGV no município do Rio de Janeiro demonstrando que a fecundidade de mulheres nas favelas cariocas é duas vezes maior do que nos bairros de renda mais alta, mas no caso o caso de adolescentes a taxa é cinco vezes maior. Assim, uma adolescente moradora da favela da “Rocinha” tem cinco vezes mais chances de engravidar do que uma adolescente de classe média alta residente em São Conrado. Sendo que “Rocinha” e São Conrado são limítrofes.

            O direito reprodutivo é o direito básico de toda pessoa de decidir quantos filhos quer e quando quer ter cada filho – sem discriminação, coerção ou violência de qualquer espécie.

            A gravidade do problema pode ser observada a partir dos seguintes dados: das crianças de 0 a 2,5 anos 4% pertencem  a classe A e 7% à classe B. As classes A e B respondem por 23% da população, mas contribuem com 11% das crianças. Da classe média (que no Brasil já é pobre) para baixo nascem 89% das crianças. Só na classe E nascem 42%. Assim, condena-se quem é pobre a ser cada vez mais miserável e aumentar ainda mais o abismo entre classes sociais brasileiras.

            O assunto é delicado, a igreja muito forte e cabalmente contra os métodos contraceptivos e o aborto, os políticos não se interessam por enfrentar o  problema de frente, custar-lhes-ia muitos votos. Assim, relegam ao judiciário a responsabilidade da solução de matérias controversas como aborto, pois envolvem pesados custos eleitorais e, simplesmente não há vontade política na consecução de outras, e.g., na verdadeira efetivação do planejamento familiar.

2. Objetivo

            Podemos observar, através dos dados ut supra uma convergência de vontades entre governo, mulheres e sociedade no sentido de reduzir a taxa de natalidade, reduzir abortos, prevenir doenças sexualmente transmissíveis. É consenso que uma prole menor é benéfica para toda a sociedade. Também pudemos observar algumas ações do governo no sentido de efetivar o planejamento familiar, embora não se vislumbre vontade política para a solução dos problemas.

         Segundo a UNICEF, dez milhões de brasileiras, aproximadamente, vivem expostas à gravidez indesejada, seja por uso inadequado de métodos anticoncepcionais ou mesmo por falta de conhecimento e/ou acesso aos mesmos.

            Questiona-se porque não se obtém êxito com as políticas implementadas? O que falta para que as classes menos favorecidas tenham realmente acesso ao planejamento familiar? Como reduzir os dados alarmantes sobre o aborto ilegal que segundo a da Organização Pan-Americana de Saúde correspondem a 12% dos óbitos maternos? A normatização é o caminho para solucionar estas questões? A quem pode interessar que a situação caótica atual ?

            São principalmente estas questões que se buscará esclarecer no presente trabalho e, desta forma, prestar modesta, mas significativa contribuição a elucidação das questões ora apresentadas e outras que exsurgirem no decorrer da pesquisa.  

3. Definição de Aborto

            Assunto extremamente polêmico desde o seu âmago, pois, a própria definição do que venha a ser aborto já é tarefa difícil. Para uma corrente, encabeçada principalmente por médicos, aborto é todo produto da concepção eliminado com peso inferior a 500g ou idade da gestão inferior a 20 semanas. Para uma segunda corrente, encabeçada principalmente por religiosos, O aborto é a morte de uma criança no ventre de sua mãe produzida durante qualquer momento da etapa de vida que vai desde a fecundação (união do óvulo com o espermatozóide) até o momento prévio ao nascimento.

            A argumentação da primeira corrente é a seguinte:

            Se o aborto é a morte deliberada de "alguém", vale dizer: de uma "pessoa", quando, no embrião, se identifica uma pessoa? Para isto devemos procurar uma definição do termo "pessoa". Maurizio Mori, debatendo este ponto, assinala que todos concordariam se afirmássemos que uma pessoa é, primeiramente, um "indivíduo" que se distingue dos demais seres naturais por uma possibilidade inédita, a "racionalidade". Pessoa é, então, o indivíduo racional. "Indivíduo" é uma palavra cuja origem latina denota "aquele que é indivisível" onde se pode identificar uma relação de subordinação das partes ao todo. Tendo presente esta definição, se tomarmos um embrião com oito células e o dividirmos, teremos gêmeos monozigóticos que percorrerão um desenvolvimento autônomo e diferenciado. Se, entretanto, logo em seguida, voltarmos a unir estes dois grupos de células teremos, de novo, um único embrião. Queda manifesto que não estamos, nesta hipótese, diante de um "indivíduo", mas de um agrupamento de células ainda largamente indiferenciadas cujo desenvolvimento não está pré-determinado. (Até o 14º dia após a fecundação, por exemplo, o aglomerado de células pré-embrionárias ainda não diferenciou aquelas que irão formar o feto e aquelas que irão formar a placenta).

            Quanto à característica potencial de racionalidade, sabemos que ela é simplesmente inconcebível sem a presença do córtex cerebral, processo que só se anuncia ao término do terceiro mês de gestação. Antes disto, então, definitivamente, não temos uma "pessoa".

            Para os defensores desta corrente, reconhecer a presença de “vida humana” no embrião é um problema essencialmente filosófico, religioso. O filósofo católico Jacques Maritain, considerava um verdadeiro absurdo atribuir a existência de “alma” ao embrião.

            a considerar o sofrimento dos pais.

            Para a segunda corrente o vida ocorre no momento da fecundação, destarte, qualquer ato que atente contra essa nova formação é, consequentemente, um ato contra a vida, pouco importando o tempo decorrido, por isso, consideram como aborto inclusive a utilização, p.ex., da pílula do dia seguinte.

                Neste prisma, é merecedora de encômio a atitude da Doutrina Cristã na evolução da garantia do direito fundamental à vida, pois "deve-se ao Cristianismo o entendimento segundo o qual o aborto significa a morte de um ser humano, e, pois, virtualmente, homicídio”. Assim, segundo ensinamento do Professor Willis Santiago Guerra Filho, ao tratar dos "Direitos Subjetivos, Direitos Humanos e Jurisprudência dos Interesses (relacionados com o pensamento tardio de Rudolph Von Jhering)", "a noção de um ‘direito subjetivo’, isto é, do direito como atributo do sujeito, como se pode imaginar era estranha aos antigos, pois pressupõe o desenvolvimento da idéia, tipicamente moderna, de subjetividade, do indivíduo apartado da ordem cósmica objetiva, em que encontrava seu posto, junto com outros seres, alguns inferiores a ele, e outros, como os deuses, superiores."

            Destarte, "il cristianesimo decisamente propugnó l’incriminazione del procurato aborto." Foi sem dúvida o Cristianismo que trouxe a concepção, válida até hoje, de que o feto, mesmo no ventre materno, embora não se possa reputar como pessoa no sentido jurídico, representa um ser a quem a sociedade deve proteger e garantir seu direito fundamental à vida. Neste sentido, Jorge Miranda faz certo que: "É com o Cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos os homens são chamados à salvação através de Jesus que, por eles, verteu o Seu Sangue. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos os homens têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição política ou social pode destruir".

            Uma linha mais radical de cristãos defende a punibilidade do aborto, inclusive, nos casos que a vida mãe esteja em risco ou quando há um caso de anencefalia, por exemplo, para eles é impossível dizer que a vida da mãe vale mais que a do filho, que também é sujeito de direitos (jurídicos e divinos).

            Podemos observar claramente essas posições antagônicas nos Projetos de Lei em tramitação na Câmara. Temos de todos os tipos em andamento, desde aqueles que passam a considerar aborto crime hediondo (Projeto de Lei nº 5058/2005 de autoria do Deputado Osmânio Pereira - PTB /MG no momento presente em tramitação na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados), àqueles que o descriminalizam totalmente (Projeto de Lei nº 4304/2004 de autoria do Deputado Eduardo Valverde, tramitando apensado ao Projeto de Lei nº 1135/1991), passando pelos moderados que consideram o aborto permitido em casos que ofereça risco à saúde da mulher e quando inexista a possibilidade de vida extra-uterina (Projeto de Lei nº 4403/2004 de autoria da Deputada Jandira Feghali e Outros em tramite atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania).

Sexualidade e contracepção – acesso ao planejamento familiar –  Direito reprodutivo

4. Positivação no direito pátrio — os casos de aborto legal: aborto necessário ou terapêutico e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro — inteligência do artigo 128 do código penal  -

            Aqui temos outra celeuma doutrinária. Uma corrente não considera que exista aborto legal, para ela todo aborto é crime, mas que o legislador optou por não puni-lo. Destarte, consideram que a legislação brasileira é, em letra e espírito, radicalmente contrária à prática do aborto.

                        Para embasarem suas assertivas sustentam a seguinte posição:

A Constituição garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida” (art. 5º CF/88). E ninguém ignora que há vida no ventre materno desde a concepção; “é condição basilar; momento inicial e parte integrante do processo global e unitário da existência humana”. O Código Civil (art. 2º) “põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”, sem exceção. Também o Código de Processo Civil em seus artigos 877 e 878 se esmeram nos cuidados de proteção ao nascituro. Inclusive, o próprio Código Penal proíbe o abortamento provocado, incluindo-o entre os crimes contra a pessoa: Parte Especial - Título I: Dos crimes contra a pessoa - Capítulo I: Dos crimes contra a vida (arts. 124 a 128); portanto, equiparando-o tacitamente ao homicídio. O artigo 128 apenas isenta de punição nos dois casos previstos. Isentar de punição não significa permitir e muito menos criar facilidades para que o crime seja cometido. O Código Penal também isenta de punição o filho que furta bens do pai e vice-versa (art. 181), mas nem por isso pode-se dizer que permite ou que se deva facilitar a infração.

                        Outra corrente entende que:    

Código Penal declara a proibição do aborto. Todavia, o aborto necessário, legal ou terapêutico e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro não são punidos. São casos de aborto legal, onde a lei, prevendo situação especial, os autoriza. Duas as hipótese previstas na legislação: para salvar a vida da gestante quando não houver outro recurso e para interromper a gravidez resultante de estupro. Assim, dispõe o artigo 128, do Estatuto Punitivo, ad litteris, et verbis:

Art. 128 — Não se pune o aborto praticado por médico:

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Destarte, no primeiro caso, é caso de aborto terapêutico, "porque representa verdadeiro tratamento" sendo realmente necessário. A intervenção do médico justifica-se pelo chamado estado de necessidade, quando se torna imprescindível e inadiável para ser salva a vida da mulher que o gerou. É prática lícita e irrenunciável frente a incompatibilidade entre a vida materna e embrionária. É permitido por diversos países dentre os quais a Argentina, Áustria, Alemanha, Baviera, Bélgica, Bolívia, Costa Rica, Cuba, China, Chile, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Inglaterra, Finlândia, Grécia, Guatemala, Hungria, Islândia, Itália, Japão, México, Nicarágua, Noruega, Paraguai, Uruguai, Venezuela e Iugoslávia.

No segundo caso, trata-se de evitar que a mulher, duplamente infelicitada por haver sido estuprada e, ipso facto, engravidar, não tenha uma gravidez acintosa, produto de um crime monstruoso.  Aqui, "todo seu organismo, todo seu sentimento, toda a sua alma se revoltam em se ver grávida de um bruto, que a violentou".

As mulheres vítimas de violência sexual foram alvo de proposta apresentada ao III Congresso Científico Panamericano (Lima, 1924), por Jimenez de Asúa — indubiamente o maior penalista de língua espanhola — assim redigida:

"Tendo em conta que há casos excepcionais de violação, em que a ultrajada verá no filho, concebido pela força, uma recordação amaríssima dos instantes mais penosos de sua vida, pode formular-se um artigo, que poderia incluir-se nos códigos penais de toda a América espanhola, concedendo ao magistrado a faculdade de outorgar à mulher violada que o solicite, por excepcionais causas sentimentais, autorização para que um médico de responsabilidade moral e científica lhe pratique o aborto libertador das suas justas repugnâncias".

            Temos também aqueles que vêm uma impropriedade técnica na redação do art. 128 do Código Penal, é o caso de Magalhães Noronha, para ele:

"Segundo cremos, não é das mais felizes a redação do art. 128. Se o fundamento do inc. I é o estado de necessidade, e o do II ainda o mesmo estado, conforme alguns, ou a prática de um fato lícito, não nos parece que na técnica do Código se devia dizer "não se pune..." Dita frase pode levar à conclusão de que se trata de dirimente ou de escusa absolutória, o que seria insustentável. Em tal hipótese, a enfermeira que auxiliasse o médico, no aborto, seria punida. Nos incisos do art. 128, o que desaparece é a ilicitude ou antijuridicidade do fato, e, conseqüentemente, devia dizer-se: "Não há crime"." (Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 1995, vol. 2, p.58).

                        E aqueles que discordam desse posicionamento e para resolver a questão da enfermeira, transformando o não punível em lícito, José Frederico Marques diz, criticando Magalhães Noronha:

"Parece-nos que não atentou bem o ilustre mestre para os precisos dizeres da lei. Se nela se dissesse que não se pune o médico que pratica o aborto necessário ou o aborto advindo de estupro, então sim, poderia falar-se em dirimente. O texto, no entanto, alude à não punição do fato típico: não se pune o aborto, é o que reza a norma legal. Ora, fato impunível é, por definição, fato que não constitui crime" (Tratado de Direito Penal, v. 4, p. 174)

            Damásio Evangelista de Jesus também comunga do pensamento de José Frederico Marques, para ele:

"A disposição não contém causas de exclusão da culpabilidade, nem escusas absolutórias ou causas extintivas da punibilidade. Os dois incisos do artigo 128 contém causas de exclusão de antijuridicidade. Note-se que o CP diz que "não se pune o aborto". Fato impunível, em matéria penal, é fato lícito. Assim, na hipótese de incidência de um dos casos do artigo 128, não há crime por exclusão de ilicitude. Haveria causa pessoal de exclusão de pena somente se o CP dissesse "não se pune o médico""(Direito Penal, v. 2, 14ª ed. São Paulo, Saraiva, 1992, p. 109).

            Daí, para se dirimir de vez esta dúvida, estarem propondo no anteprojeto do Código Penal alterar o “não se pune” para “não constitui crime”. (cf. Diário Oficial da União, 25/3/98, p.1).

5. Bases Jurídicas e Jurisprudências

            Hodiernamente, no Brasil, o aborto é considerado crime. São criminosos o médico e a mãe que o praticam. Mas o Artigo 128, incisos I e II do Código Penal, abre duas exceções: não é crime (ou é crime, mas isento de punição) quando o aborto é feito para salvar a vida da mãe e quando a gravidez é decorrente de estupro. Pois bem, façamos então o seguinte raciocínio: o aborto não é totalmente proibido no Código Penal. Por outro lado, a Constituição é clara: garante a vida do brasileiro e do estrangeiro residente no Brasil. Reparem que a nacionalidade é um atributo da personalidade e essa personalidade se adquire com nascimento e vida. E reparem também no seguinte: a Constituição não protege absolutamente a vida do feto, tanto que o Artigo 128 do Código Penal não é inconstitucional. A partir disso, existe uma contradição. Voltemos ao inciso II: para salvar a saúde mental da mãe, em caso de estupro, o aborto é permitido, mas, para salvar a saúde mental da mãe, no caso de um feto inviável que não sobreviverá à vida extra-uterina, o aborto não é permitido.

            Há decisões jurisprudenciais em diversos sentidos, tratando situações similares com decisões díspares, no tocante ao aborto, citaremos apenas alguma a título de exemplificação:

PROCESSO - HC 32159 / RJ ; HABEAS CORPUS 2003/0219840-5 - Ministra LAURITA VAZ (1120) - T5 - QUINTA TURMA - 17/02/2004 - DJ 22.03.2004 p. 339 – Ementa - HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesses casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO QUE APRESENTA ANENCEFALIA. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA EXTRA-UTERINA

Nos dias atuais, com os avanços tecnológicos aplicados, especialmente, às áreas médica, radiológica, biológica e genética, pode-se detectar toda a situação do feto, como no caso dos autos, em que se constatou a ocorrência de má-formação fetal, consistente em defeito de fechamento do tubo neural proximal, com conseqüente ausência de formação da calota craniana e atrofia da massa encefálica.

Nesse sentido, considero viável e oportuna uma interpretação extensiva do disposto no art. 128, I, da Lei Penal, admitindo o aborto em decorrência de má formação congênita do feto (anencefalia), evitando-se, dessa forma, a amargura e o sofrimento físico e psicológico, considerando que os pais já sabem que o filho não tem qualquer possibilidade de vida “extra-uterina”.

Deve ser afastado o entendimento de que o cumprimento da decisão de antecipação do parto está sujeito a avaliação que o médico vier a fazer.

V.v.: Expedindo-se o pretendido alvará, os médicos assistentes da requerente é que verificarão a conveniência e a oportunidade da operação.

            Podemos observar que nossos tribunais proferem decisões díspares sobre uma mesma questão,  a depender do entendimento deste ou daquele juízo.

6. Normativismo jurídico brasileiro – busca de soluções para os casos de aborto ilegal  e controle de natalidade – impropriedade do meio.

            Hodiernamente, tramitam no Congresso Nacional projetos de Lei de todos os tipos em tramitação alguns, se aprovados, seriam altamente prejudiciais às mulheres, existem atualmente aproximadamente 100 proposições sobre aborto em tramitação na Câmara.

            Importante observar em todos os Projetos de Lei no qual se proíbe o aborto há inobservância das necessidades das mulheres, o que se visa não é a defesa da saúde feminina, mas, pontos de vista dos parlamentares.

            Nestas proposições não se consideraram dados estatísticos que demonstram que no Brasil uma das principais causas de mortalidade da mulher é o aborto realizado à margem da lei. Procuram estes parlamentares transformarem um conceito ético, o de ser contra o aborto, num conceito jurídico que obriga a todos.

            Um dossiê obtido na Rede Feminista de Saúde sobre as complicações decorrentes do aborto inseguro informa-nos que o Brasil gasta, a cada ano, cerca de US$ 10 milhões no atendimento das complicações causadas por aborto, o qual ocupa o quarto lugar nas causas de mortalidade materna no país.

            Os dados resultam do acompanhamento de casos de mulheres que praticaram aborto (ou sofreram abortos espontâneos) e que passaram por curetagens em hospitais públicos, entre 1999 e 2002. Nesse período foram registradas no Brasil 6.301 mortes maternas, 538 delas relacionadas a abortos. Quatorze por cento destas mortes (56/538) ocorreram entre meninas de até 15 anos. 

            As maiores taxas de curetagens estão no Nordeste (5,5 a cada mil mulheres), no Norte (4,48) e no Sudeste (4,13). A menor taxa está no Sul (2,65). O dossiê não engloba os atendimentos realizados na rede privada. Estima-se que, em caso de abortamento, apenas uma em cada cinco mulheres procure o hospital, o que pode significar, no Brasil, a ocorrência anual de aproximadamente um milhão de abortos clandestinos.

            Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde as mortes por aborto correspondem a 12% dos óbitos maternos.

            Estes dados são aproximados, pois a grande maioria das pessoas que pratica aborto não recorre à rede pública de saúde, há também as clínicas clandestinas que praticam abortos e ficam fora das estatísticas.

            O que se tem é uma realidade cruenta, que independe de convencimentos religiosos ou filosóficos deste ou daquele parlamentar, qual seja, milhares de mulheres praticam anualmente abortos clandestinos, expõem-se a métodos abortivos de alta periculosidade, feitos em ambientes insalubres, além dos chás, beberagens e medicações como citotec. Todos oferecem grave risco a saúde e a vida da mulher. E este é o ponto chave. Não são os convencimentos pessoais de cada parlamentar que devem nortear a política sobre o aborto, mas os interesses das mulheres.

            Não se pretende com o presente trabalho um discurso pro-aborto, o que se busca é mostrar que o alvo, o centro das atenções deve ser a mulher. Devem-se buscar políticas que beneficiem realmente o público feminino, sem preconceitos, sem disfarces, sem fanatismos, sem envolvimentos religiosos.

            Destarte, devemos mirar o alvo desta busca ideando realmente uma solução para uma situação já instaurada, não é demais lembrar novamente que, quer nos apraza ou não, quer aprovemos ou não, estamos diante de um fato concreto, que é a realização de milhares de abortos clandestinos por ano, esse fato não se subordina a nossas convicções a favor ou contra o aborto deve-se, pois, perquerir uma solução que seja viável para esta situação concreta e já consolidada.

            Tivemos grandes avanços nos últimos tempos como a norma técnica editada pelo Ministério da Saúde informando aos médicos e profissionais da rede pública que não é crime atender mulheres internadas por complicações decorrentes de aborto ou tentativa de aborto ilegal. A nota técnica ainda garante ao médico o direito de manter o sigilo e não comunicar às autoridades policiais que a paciente fez um aborto ilegal. O objetivo é evitar que médicos deixem de prestar atendimento a esse tipo de paciente, por receio de serem cúmplices.

            A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento diz também que os médicos não podem informar à polícia, à autoridade judicial nem ao Ministério Público que a paciente fez aborto. “O sigilo na prática profissional da assistência à saúde é um dever legal e ético, salvo para proteção da usuária e com o seu consentimento”. O não cumprimento da norma legal pode ensejar procedimento criminal, civil e ético-profissional contra quem revelou a informação, respondendo por todos os danos causados à mulher.

            Há também uma norma aprovada pelo Ministério da Saúde (MS) que desobriga as mulheres vítimas de estupro a apresentarem Boletim de Ocorrência nos hospitais da rede pública quando decidirem interromper a gravidez. Se para alguns a iniciativa representa um avanço na polêmica discussão sobre o aborto, para outros, é quase uma legalização da prática, tão combatida por vários setores da sociedade e principalmente por entidades religiosas, no entanto, o que se pretende é conferir maior proteção às mulheres, visto que, apesar de estarem isentas de oferecer queixa na polícia, as mulheres nesta situação têm que se submeter a exames. Não se busca com essa prática incentivar o aborto, mas garantir a vida de milhares de mulheres que chegam ao SUS grávidas e vítimas de estupro.

            Embora o aborto seja permitido em caso de estupro, o Código Penal não obriga as vítimas a denunciar a agressão numa delegacia, pois, muitas vezes devido ao constrangimento que a denúncia causaria a vítima, prefere esta abster-se de seus direitos, mas, os agentes de saúde costumam exigir o boletim de ocorrência para respaldar o procedimento médico. Com a norma, o Ministério apenas ratifica o que está na lei e desburocratiza o atendimento. A interrupção da gravidez deve ser uma decisão da mulher. A proibição cria um mercado negro e aumenta o abismo social porque quem pode pagar recorre a clínicas seguras e as mulheres de classes menos abastadas ficam sujeitas ao atendimento em clínicas clandestinas nas quais, ficam expostas a todo tipo de risco originando, não poucas vezes, graves seqüelas.

         Ante o exposto, podemos inferir que o legislador vem auferindo progressos, mas para que se posa almejar êxito é mister que políticas públicas em saúde sexual e saúde reprodutiva constituam tarefas cada vez mais necessárias e urgentes buscando uma plena qualidade de vida para a mulher.

         Assim, é fundamental que a divulgação e disponibilização dos métodos contraceptivos convencionais e de emergência seja disponibilizada para jovens e adolescentes buscando desta forma facilitar a prevenção e o planejamento familiar evitando assim, gestações não planejadas e a busca de métodos abortivos inseguros.

         Mesmo aqueles que são radicalmente contra o aborto coadunam-se com os mais liberais em um ponto, qual seja, aquele que nos diz a pratica de tal ato pela maioria das mulheres resulta em sofrimento e dor, não estamos desconsiderando uma pequena parcela de irresponsáveis, mas em sua grande maioria são mulheres pressionadas por uma sociedade opressora. Muitas vezes vitimas de violência, dentro ou fora da família, ou de total despreparo, e isto pode ser traduzido facilmente através de números, pois, uma pesquisa realizada pela UNESCO/2004 nos mostra que a ocorrência de gravidez na adolescência variou inversamente com a escolaridade e a renda. A primeira gravidez foi levada a termo por 72,2% das mulheres e 34,5% dos homens, estes com maior percentual de relato de aborto provocado (41,3% contra 15,3% das moças). Com o nascimento de um filho antes dos 20 anos, parte das moças parou os estudos temporária (25,0%) ou definitivamente (17,3%), mas 42,1% já se encontravam fora da escola.

         Em pesquisa realizada pela UNICEF/2002, constatou-se que 16,6% de adolescentes com vida sexual ativa já tinham engravidado ou engravidado a companheira. A gravidez é mais incidente entre adolescentes entre 15 e 17 anos (78,7%); e é mais freqüente na classe D (20,1%). A gravidez foi um dos motivos apontado pelas meninas para o abandono escolar.

         Ainda segundo a UNICEF, dez milhões de brasileiras, aproximadamente, vivem expostas à gravidez indesejada, seja por uso inadequado de métodos anticoncepcionais ou mesmo por falta de conhecimento e/ou acesso aos mesmos.

         A faixa etária que apresentou maior incidência de internação por aborto incompleto foi a de 20 a 24 anos (71.439 internações). Não é possível saber, com certeza, se foram legais ou provocados.

         Analisando estes dados podemos concluir que a maior causa de gravidez indesejada é a desinformação e a não aplicação da legislação já existente. O jovem brasileiro é pouco esclarecido sobre os métodos para se prevenir uma gravidez indesejada, consequentemente torna-se um adulto desinformado e, pudemos observar que o problema não se restringe somente ao fato de se ter ou não um filho, ele gera muitas outras conseqüências como evasão escolar, desajuste social, perturbações emocionais, dentre outros. Pudemos observar, também, que as classes menos favorecidas são as maiores vitimas, pois, aqueles que possuem melhores condições não estão expostos a tantos riscos.

         Desta forma é imprescindível uma educação que vise formar a consciência do jovem em relação a sexualidade e aos métodos contraceptivos adequados que previnem não somente gravidez indesejada como também as DST, AIDS, hepatite B e C dentre outras sexualmente transmissíveis.

         Informação, essa é a palavra que o legislador deveria ter em mente quando da elaboração de Projetos de Lei que versassem sobre o tema em comento. Mas não há um único Projeto de Lei em tramitação no Congresso que conjeture sobre a obrigatoriedade da informação sobre sexualidade, planejamento familiar, métodos preventivos e contraceptivos.

         Informação é mais que um dever do Estado é um direito do cidadão, que sem direção passa a ente autômato, sem direito a escolha, sendo levado a ermo, a mulher sem informação não pode ser qualificada de cidadã, pois, lhe foi tolhido o pleno gozo de seus direitos ao lhe ser negado o acesso a dados que poderiam influir na sua decisão sobre assuntos relacionados a sexualidade. Como poderá a mulher decidir qual o melhor rumo para si se desconhece quais os caminhos a seguir?

         A existência da ordem jurídica, enquanto conjunto de normas determinantes do comportamento individual pressupõe uma fonte de poder capaz de estabelecer e fazer cumprir os preceitos jurídicos, preceitos estes que devem ser o reflexo dos anseios e das necessidades da sociedade.

         A necessidade desse centro de poder dá origem a formação do Estado, e Este surge, então, como ente responsável pela possibilidade da vida em sociedade. A fonte da norma de conduta é o próprio Estado. Sendo Ele essa fonte é sua obrigação disponibilizar aos cidadãos as informações de que precisa, consistindo esta numa decorrência natural da organização das instituições políticas do Estado.

         Ora, se o Estado chama para si à responsabilidade de conduzir as condutas das mulheres no tocante as permissividades relacionadas à gestação (interrupção, métodos contraceptivos e preventivos) e sexualidade, mas não as mostra quais os  caminhos a seguir, como espera Aquele que estas sigam o caminho correto? E quando traça esses caminhos através de implementação de políticas ou edição de leis, estes realmente não se efetivam.

         O sistema de planejamento familiar brasileiro é um dos mais avançados do mundo, mas não funciona para quem mais precisa a população de baixa renda.

         A situação atual é realmente alarmante, embora a mulher tenha o direito de ter acesso aos métodos contraceptivos, consegui-los na rede pública de saúde é

         Sexualidade – inobservância dos direitos das mulheres – retrato da sociedade brasileira atual.

7. Conclusão

            Nosso Código Penal (de 1940) permite aborto em duas situações: (a) risco concreto para a gestante; (b) gravidez resultante de estupro. O primeiro chama-se aborto necessário; o segundo humanitário. O aborto por anencefalia (feto sem ou com má formação do crânio) não está expressamente previsto na lei penal brasileira. Tampouco outras situações de má formação do feto (aborto eugênico ou eugenésico). Também não se permite no Brasil o chamado aborto a prazo (que ocorre quando a gestante pode abortar o feto até a décima segunda semana, conforme decisão sua) nem o aborto social ou econômico (feito por razões econômicas precárias).

            Quando mencionamos que, em tais atividades, ocorrem mais de um milhão de abortos anualmente no Brasil, que cerca de duzentas e cinqüenta mil mulheres são internadas anualmente no SUS por complicações de abortos clandestinos; que abortos desse tipo configuram a 4ª causa de mortalidade materna; que o aborto clandestino acarreta a 2ª ocorrência de obstetrícia no SUS, sendo as mulheres mais afetadas pela legislação punitiva do aborto as mulheres negras, jovens e pobres, as pessoas se surpreendem.

            Não devemos nos olvidar que quem mais sofre com a proibição do aborto são as classes menos favorecidas, pois, sujeitam-se a condições extremamente precárias, gerando dados alarmantes como os ut supra. Que as pessoas com mais recurso desfrutam de clínicas altamente sofisticadas que cobram até R$2.500,00 por um aborto, originando um verdadeiro mercado negro.

            Não se trata de ser contra ou a favor do aborto, pois, indiferente de legalizado ou não, tal pratica é uma realidade na sociedade brasileira. Mas da maneira como é realizado ceifa a vida de milhares de mulheres pobres no Brasil que, sem o aborto legal e independentemente das nossas convicções morais e/ou religiosas, continuarão a recorrer às beberagens com chás de mamona e cupim, aos cristais de permanganato que causam lesões crônicas na mucosa vaginal, às agulhas de tricô enfiadas no útero, quando não a medicações como o Citotec, cujos riscos à mulher são hoje conhecidos. A legalização é também o caminho que, acompanhado por um verdadeiro esforço público em favor da educação sexual, poderá, a exemplo do que se verificou em outras nações, assegurar as condições para uma diminuição nos índices de abortos atualmente praticados em nosso país.

            No presente trabalho procuramos demonstrar o pensamento das diversas correntes de juristas, doutrinadores e parlamentares, procurando demonstrar que mesmo aqueles que têm como mister a proteção à vida ou à saúde da mulher, direcionam seus esforços de maneira errônea. A preocupação é de ordem conceptual, cada um defendendo sua tese ou sua filosofia de vida. Não há preocupação com a educação da mulher sobre métodos contraceptivos ou preventivos, também não há nenhum projeto no sentido de orientar a mulher em relação a sua sexualidade, suscitando nela a responsabilidade sobre seus atos, como o dever de exigir que o homem use preservativo nas relações sexuais, sem com isso sentir-se uma vulgívaga.

            A ausência de uma única proposição em tramite na Câmara dos Deputados que trate sobre a obrigatoriedade da orientação da mulher (de todas as faixas etárias, mas em especial as adolescentes a partir dos 10 anos), demonstra-nos como estamos caminhando em uma direção que não nos trará o resultado almejado que é a proteção à saúde da mulher.

            Apenas o fato de se positivar uma lei não significa que ela trará os benefícios que dela se espera, se assim o fosse, o aborto não causaria tantas mortes, pois é proibido, considerado crime e, mesmo assim, ceifa a vida e a saúde mental de milhares de mulheres.

            Positivação da norma sem conscientização social não é nada, melhor seria conscientizar sem normatizar, ter-se-iam resultados mais satisfatórios.

            A mulher precisa ser bem informada, para que assuma de vez o controle sobre suas ações e, chame para si a responsabilidade na prevenção de doenças e na precaução à gravidez indesejada tendo, assim, condições de realizar um efetivo planejamento familiar.

            Essa conscientização deve vir livre de dogmas religiosos ou posições radicais. Legalizar o aborto sem conscientizar as mulheres dos riscos que dele advém, também, não será uma solução benéfica às próprias mulheres. É imprescindível conscientização e desmistificação da posição da feminina em relação à sexualidade. É preciso que o jovem tenha acesso às informações sobre riscos, prevenção, planejamento o quanto antes, segundo dados do Sistema Único de Saúde em 1999 houve 2.820 internamentos de adolescentes entre 10 e 14 anos por aborto incompleto, isso, demonstra-nos que a vida sexual do adolescente (se é que podemos chamar uma assim uma criança de 10 anos) vem se iniciando cada vez mais precocemente. Essa situação, além de trazer desperdícios de recursos da Saúde que poderiam estar sendo investidos em atividades de prevenção, apontam os riscos efetivos a que as mulheres que os  realizam estão expostas, visto que vários casos terminam com a morte da gestante.

            Os métodos contraceptivos (pílula, preservativo, dil, anticoncepcionais, etc.) deveriam ser disponibilizados na rede pública de saúde e ter sua utilização incentivada pelo Estado.

            A educação sexual deveria ter início no seio familiar, mas a educação familiar é permeada por emoções e costumes específicos do grupo familiar. Depende de valores, morais, éticos e religiosos que, consideram em sua grande maioria, o tema sexualidade um verdadeiro “tabu” que é transmitido de geração em geração. Na maioria das vezes isto é um ato inconsciente, sendo apenas uma repetição do que nos foi ensinado com certo ou errado, é o que se chama alteridade social.

            Atento a essa dificuldade em 1996 foram incluídos nos parâmetros do Ministério da Educação temas abrangente dentre os quais a sexualidade, que foi inicialmente definido como tema transversal que deveria se abordado e incluído no processo educacional. Novamente acreditou-se que a simples positivação do direito seria suficiente para que este fosse cumprido. Entretanto, não há ainda uma formação acadêmica especial para os docentes que lhes permitam abordar tais temas no ambiente escolar. Com exceção de projetos isolados desenvolvidos por determinadas Secretarias ou Municípios, não há qualquer programa que vise orientar o lente. Esse despreparo do educador só faz aumentar o “tabu” em torno do tema sexualidade.

            Destarte, embora a educação sexual seja matéria obrigatória no currículo escolar da rede pública, resta efetivá-la, pois, somente no dia em que conscientizarmos todas as mulheres dos seus deveres e responsabilidades em relação à própria sexualidade, teremos um país formado por mulheres que poderemos intitular de cidadãs.

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(Elaborado 11/2005)

 

Como citar o texto:

GOMES, Márcia Pelissari..Sexualidade e aborto: o papel da prevenção, da ação educativa e da normatização. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 175. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/1199/sexualidade-aborto-papel-prevencao-acao-educativa-normatizacao. Acesso em 24 abr. 2006.

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