A espetacularização de uma pena já paga por mim anos atrás rege minha vida desde o 2 de março de 2017. São quase 400 dias de que a ligação do meu nome com qualquer negócio sadio e honesto o torna suspeito de ilícito. Com a imagem pessoal destruída, minha própria família tem dificuldade de me olhar no olho e confiar no que eu digo.

Aqui, não tenho a intenção de falar apenas sobre o que acontece comigo, mas, sim, de levantar questões que nos ajudam a compreender conceitos importantes os quais garantem a necessidade de todos terem os direitos humanos fundamentais respeitados e, ainda, de auxiliar na compreensão sobre como a mídia pode interferir na socialização do indivíduo.

Enforcamentos em praça pública sempre despertaram interesse nas massas. Assim, escândalos fabricados ganham audiência e tornam-se artifícios para trazer receita aos veículos de comunicação. Ainda na metade do século passado, Theodor Adorno e Max Horkheimer, influentes nomes da Escola de Frankfurt, no texto "Dialética do Iluminismo”, criaram o termo “Indústria Cultural” e o definiram como um sistema político e econômico que tem por finalidade produzir bens de cultura – encaixam-se aqui livros, discos, filmes e as reportagens - como mercadorias e como estratégia de controle social.

Dessa maneira, um caso penal vira um espetáculo dos mais atrativos a se ser consumido. Como consequência desse fenômeno, temos a vulnerabilidade da qual o sujeito escolhido para ser vilão passa a ficar exposto. O jornalista Mário Rosa exprime uma ideia conveniente aos questionamentos aos quais me proponho aqui. “A destruição de reputações por meio de acusações de corrupção se tornou um bom negócio”, diz ele em entrevista ao ConJur.

Enquanto uns se tornam paladinos da moral e da ética, outros padecem da destruição do seu capital social. Com o poder de chegar a uma grande quantidade de receptores ao mesmo tempo, um único emissor influencia para a supervalorização de acusações sequer confirmadas. Sendo assim, instigam para que indivíduos que critiquem qualquer excesso da espetacularização sejam taxados como estimuladores e coniventes com o suposto crime. Faz-se isto em prol do bem comum? Não. O bem comum, onde reside a fruição dos “bens humanos básicos”, conforme os ensinamentos de John Finnis, evidentemente abarca o direito ético oriundo diretamente da natureza humana de cometer erros e responder por eles. Porém, a proibição do excesso, abarcada pela proporcionalidade “in concreto”, determina que toda punição não pode ser absoluta, nem mesmo infinita. E isto deve ser respeitado até nos casos em que o Direito vigente acabar prevendo a pena capital, esta, por sua vez, não se estende à família ou aos negócios do condenado. Jamais!  

Hoje, no âmbito das Escolas do Direito Penal, tendo passado pelas vertentes da “Tolerância Zero” e do “Garantismo”, vivemos a exegese midiática do “Direito Penal do Espetáculo”. O mais grave de tudo isso é quando esse espetáculo se torna também um regulador das expectativas sociais ou, como no caso do Reitor da UFSC, Luis Carlos Cancellier, o vexame chega a ser motivo para suicídio. Fato que não passou distante dos meus pensamentos durante alguns meses do ano passado.

O ponto é que, até que um crime seja julgado e seu réu condenado em sentença transitada em julgado ou ao menos confirmada colegiadamente em acórdão, conforme o Direito brasileiro garante, qualquer réu, independentemente de sua condição social, econômica, instrucional ou política, tem presumida sua inocência. Afinal, se todos irão ser eternamente condenados por seus erros pretéritos, o julgamento, o encarceramento e a ressocialização transfiguram-se em retóricas num discurso meramente acadêmico sem qualquer fundamento com a realidade objetiva.

Nesse sentido, discutido há muitos anos pela Corte dos Direitos Humanos Europeia e também pelos Estados Unidos, uma orientação doutrinária baseada na interpretação do Código Civil, elenca o direito ao esquecimento entre um dos direitos da personalidade. Em linhas gerais: ninguém é obrigado a conviver para sempre com equívocos do passado..

Em tempos de internet e auge dos buscadores, quem demarca o poder social, político e individual dos cidadãos não é a Justiça, mas sim o “deus” Google. Costumo dizer que Ele é onipotente, no sentido que destrói ou levanta qualquer reputação; onipresente, quando, com base nele, todos efetuam pré-julgamentos (o que se agrava com as chamadas “fake news” hoje); e onipresente, ao ser implacável em qualquer lugar do planeta no qual estejamos (não há prisão ou esconderijo não alcançado por ele).

Sempre vou apoiar a liberdade de expressão, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. No entanto, tenho a convicção de que a imprensa não é uma instituição republicana e sem interesses escusos. O único pedido que tenho aos detentores/propagadores de informação é que sejam comprometidos com a verdade e não algozes complacentes com a pena perpétua. Afinal, errar é humano, mas ter o direito de progredir também. Não fosse assim, por que direito, sanção, pena? Ou será que todos devemos, nos dias de hoje, promover o suicídio em massa pelo linchamento público midiático de veículos que procuram gerar “cortina de fumaça” em seus próprios erros e culpas?

Vivemos o Estado dos Direitos da Imprensa. Sobreviveremos ou todos, quando errarmos, devamos, não só responder pelos mesmos, mas também nos suicidarmos? Afinal de contas, o ser humano é definido atualmente pela sua aparência nas mídias e a opinião pública, produto delas.

Data da conclusão/última revisão: 5/4/2018

 

Como citar o texto:

ROSA JÚNIOR, Faustino da..Errar é humano; ter o direito de progredir também. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1521. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/3989/errar-humano-ter-direito-progredir-tambem. Acesso em 11 abr. 2018.

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