1.      Introdução.

O estudo da evolução dos direitos humanos é importante para que se perceba que são frutos de árduos trabalhos, realizados em diferentes momentos históricos em que referidos direitos foram concretizados, representando grandes conquistas da humanidade.

Diferentes problemas da convivência humana, em determinados momentos históricos, geraram conflitos ideológicos e materiais, os quais culminaram com a materialização de normas de proteção de direitos, que acabaram por serem incorporadas aos ordenamentos jurídicos de diversos povos, tornando-se conquistas irrenunciáveis das sociedades, como direitos humanos fundamentais.

As lutas por reduções de desigualdades e injustiças da convivência humana remontam a datas longínquas, como se percebe nos estudos históricos universais. A Carta Magna de 1215, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa de 1789, a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, entre outros, são exemplos de documentos históricos de proteção de direitos humanos criados pelas sociedades mais recentes, embora as lutas contra desigualdades e opressões tenham existido desde os tempos mais remotos.

A cada momento histórico surgem problemas que desafiam a humanidade na estruturação de novas normas. Grande parte delas surge, em princípio, para a proteção de interesses nas sociedades onde são criadas, ganhando posteriormente dimensão universal.

Um importante referencial histórico para o Brasil, segundo o doutrinador José Afonso da Silva, é que a Constituição do Império do Brasil foi a primeira das constituições no mundo a incorporar normas der direitos humanos em seu texto.

2.      Classificação doutrinária por gerações de direitos humanos fundamentais.

Alguns doutrinadores apresentam uma classificação em gerações, reconhecendo a existência de quatro gerações de direitos humanos. Segundo os defensores dessa classificação, cada uma das gerações está relacionada à proteção de determinados interesses da humanidade.

Esclarece essa doutrina que os direitos humanos de primeira geração são os relacionados à proteção da vida e da liberdade. São as chamadas liberdades negativas, caracterizando limites à atuação do Estado frente ao cidadão. Esses direitos surgiram principalmente com a Revolução Francesa de 1789.

Os direitos de segunda geração são os chamados direitos de proteção sociais, que se caracterizam pelo direito dos cidadãos em exigirem uma prestação positiva do Estado para sua proteção. São as chamadas liberdades positivas dos cidadãos. São provenientes principalmente das lutas das classes trabalhadoras, após a Revolução Industrial. Os direitos previdenciários e os direitos trabalhistas são exemplos de direitos humanos de segunda geração.

A terceira geração de direitos humanos está relacionada aos direitos de fraternidade. Em regra não se destinam à proteção individual, mas sim à proteção de grupos, o que se afina com as necessidades das sociedades de massa, provenientes da urbanização das sociedades humanas.

As discussões doutrinárias mais recentes apontam para a existência de direitos humanos de quarta geração, ligados ao direito de informação. Também se discute a estruturação de direitos relacionados à genética e ao pluralismo.

3.      Crítica à Classificação Doutrinária.

Para o professor Antonio Augusto Cançado Trindade, presidente honorário do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, a classificação dos direitos humanos em gerações foi formulada pela primeira vez por Karel Vasak que a apresentou pela primeira vez em 1979, em conferência ministrada no Instituto Internacional de Direitos Humanos, em Estrasburgo., e não a Norberto Bobbio, como apresenta a doutrina.

A classificação foi formulada, segundo comenta o ilustre professor, inspirada na bandeira francesa, correlacionando-se as gerações de direitos humanos aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, expressos naquela bandeira. Assim sendo, quando criada, a teoria apresentava a classificação em três gerações: os direitos de primeira geração relacionados à liberdade, os de segunda geração à igualdade e os de terceira geração à fraternidade.

O professor Antonio Augusto Cançado Trindade entende, entretanto, que a classificação não tem nenhum fundamento jurídico, nem tão pouco fundamento na realidade, tratando-se de uma teoria fragmentária, incompatível com a complexidade do direito. O ilustre professor entende que a classificação toma os direitos humanos de maneira dividida, teoria inaceitável uma vez que, na sua concepção, os direitos são indivisíveis e inter-relacionados.

Uma interessante contribuição da crítica apresentada refere-se aos reflexos da classificação fragmentária sobre os direitos econômicos e sociais. Para os defensores da classificação em gerações, esses direitos são programáticos. Assim, enquanto as discriminações relativas a direitos individuais e políticos são absolutamente condenadas, as discriminações econômicos e sociais são toleradas, pois como entende a teoria fragmentária, são programáticos, portanto de realização progressiva. Para o ilustre professor, ao invés de ajudar a combater as discriminações econômicas e sociais, rejeitando-as, a teoria das gerações acaba por tolerá-las, convalidando as disparidades.

O posicionamento crítico apresentado é bastante interessante provocando reflexão sobre uma classificação bastante difundida, aceita por grande parte da doutrina.

A classificação fragmentária dos direitos humanos pode estar contribuindo para facilitar o estudo individualizado de cada geração nela proposta. Entretanto, a dinâmica da vida em sociedade e a inter-relação dos direitos não podem ser fragmentadas. Além disso, a colocação dos direitos humanos em gerações acaba por passar uma idéia de que as primeiras gerações criadas já foram conquistadas e incorporadas à convivência humana, o que não corresponde à realidade. Embora já reconhecidos, muitas lutas ainda deverão ser desenvolvidas para dar eficácia às normas de proteção de direitos humanos.

Quando nos deparamos com atentados terroristas, ceifando vidas, restringindo liberdades pelo medo ou por seqüestros, percebemos que os direitos à vida e à liberdade não podem ser entendidos apenas sob o aspecto das chamadas liberdades negativas, limitando a atuação do Estado frente ao cidadão, mas também como liberdades positivas, exigindo-se prestações positivas do Estado, para proteção do cidadão.

O mesmo pode ser dito em relação aos direitos econômico e sociais. Se por um lado são exigidas prestações positivas do Estado, no sentido de garantir acesso ao trabalho e proteções previdenciárias, entre outras, por outro, exige-se também prestações negativas, no sentido de não onerar a economia com tributações excessivas, ou não realizar atividades econômicas em substituição à iniciativa privada.

Percebe-se, portanto, que a classificação fragmentária, embora traga uma facilitação para efeitos didáticos, não pode ser transposta para a realidade, que é complexa e dinâmica, requerendo uma visão mais ampla de indivisibilidade e inter-relação entre todos os direitos humanos.

Elaborado em 15 de junho de 2005.

Referências Bibliográficas:

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001.

PINHO, Rodrigo César Regello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

PINSKY, Jaime. Cidadania e Educação. 3.ed. São Paulo: Contexto, 1999.

SEMINÁRIO Direitos Humanos das Mulheres. A Proteção Internacional. Evento Associado à V Conferência Nacional de Direitos Humanos. 25 de maio de 2000. Câmara dos Deputados. Brasília. DF. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cancadotrindade/cancado_bob.htm>.Acesso em: 12 junho 2005.

 

Como citar o texto:

ANGIEUSKI, Plínio Neves..Evolução dos Direitos Humanos: Crítica à Classificação em Gerações de Direitos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 138. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/720/evolucao-direitos-humanos-critica-classificacao-geracoes-direitos. Acesso em 10 ago. 2005.

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