MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR

 

 

Contra ato manifestamente ilegal do PRESIDENTE DA COMISSÃO DE CONCURSO PÚBLICO DA PREFEITURA DE (----) , com endereço na Av. B e do CHEFE DO SETOR DE CONCURSOS DA (----)(INSTITUIÇÃO QUE ELABOROU O CERTAME), localizado na Rua C, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos

 

1- DOS FATOS

 

O Impetrante prestou Concurso Público para o Cargo de Procurador Jurídico III do Município de (-----), realizando prova aos 27 de Abril de 2008.

Logo após a prova, fazendo uma breve correção por conta própria, notou que na alternativa de número 70 existiam duas questões com alternativa correta, ambas refletindo cópia expressa da Constituição.

Na primeira publicação do gabarito, houve um enorme equívoco da Comissão que deu como certa a alternativa “D”, desconsiderando as duas alternativas que eram realmente corretas (as de letra “C” e “E”)

O equívoco foi sanado apenas em parte, pois na retificação do gabarito (publicada aos 16 de maio de 2008) desconsiderou-se a letra D e foi publicada como certa a assertiva de letra “C”.

Em que pese o saber jurídico da Comissão do Concurso, a alternativa “E” transcreve literalmente o art. 158, IV, da Constituição Federal.

Assim, existem duas alternativas que são transcrições “ad litteram” da Constituição Federal, o que dá ensejo à anulação da presente questão.

A nota de corte foi de 64 (sessenta e quatro) pontos e o presente candidato foi prejudicado, pois atingiu 63 (sessenta e três) pontos.

Com uma possível anulação da questão 70, o candidato participaria da segunda fase do certame (houve 44 candidatos empatados na última posição com 64 pontos).

Inclusive, o Impetrante não foi o único prejudicado, eis que outros candidatos obtiveram 63 pontos na prova e, muito provavelmente, alguns foram prejudicados pela questão (42 candidatos atingiram os 63 pontos).

A anulação da presente questão era dada como certa por todos os candidatos, posto que não se tratava de discussão doutrinária ou jurisprudencial. A alternativa que dá ensejo à anulação é uma transcrição literal da Constituição Federal de 1998.

Negar validade à assertiva “E” seria o mesmo que negar validade à Constituição, lei suprema, que dá embasamento a todo o ordenamento jurídico pátrio.

Urge salientar que o Impetrante ingressou com Recurso Administrativo aos 19 de maio de 2008, inconformado com o fato da questão não ter sido sanada.

Não obstante, foi publicada a data da segunda fase, qual seja, 01 de junho de 2008, antes mesmo do julgamento dos recursos (não há a publicação de nenhum recurso interposto).

Nesta manhã, o Impetrante recebeu a impugnação ao seu recurso, pois foi pessoalmente tratar do assunto (mesmo não sendo publicada no diário oficial, fez questão de ir pessoalmente falar com os responsáveis e tentar obter resposta). Fora informado que a questão estava incompleta. Com a máxima vênia, a resposta apresentada ao recurso foi um atentado à inteligência de qualquer jurista (inclusive, com todo o respeito aos examinadores, não é necessário ser operador do direito para perceber o equívoco).

O edital é claro quanto à nulidade da questão na hipótese de existirem duas questões corretas. Inclusive, no item 6.10.5 há a seguinte afirmação:

“ Não serão computadas questões não respondidas nem questões que contenham mais de uma resposta (...)” (grifou-se)

Ademais, a existência de duas opções corretas confundiu muitos candidatos do certame, posto que deu margem inclusive ao preenchimento de outras respostas, ainda mais numa questão que envolvia percentagens e entes federativos diversos.

 

Apenas para ressaltar o prejuízo do candidato, vale mencionar que o item 6.10.6 do Edital prescreve:

“No caso de anulação de questão, o candidato receberá 01 (um) ponto pela questão anulada.”

Vejamos a alternativa “E” da questão de número 70.

 

“Assinale a alternativa correta:

(...)

(E) Pertencem ao Município vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”

 

Agora, comparemos com o art. 158, IV, da Constituição Federal:

“Art. 158. Pertencem aos Municípios:

(...)

IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”

Ora, Excelência, não há a mudança de uma palavra sequer entre o texto da Constituição e a alternativa “E”. Portanto, a questão é absolutamente nula, eis que corretas as assertivas “C” e “E”

Quanto à alternativa “C” (Caderno em anexo) também está correta, pois é cópia do comando inserto no art. 157, II, CF.

Para finalizar a raciocínio, vale explanar que a informação prestada pela (---) (instituição responsável pelo certame) de que a alternativa encontra-se incompleta, por não tratar dos repasses ao ente federativo presente no parágrafo único, é absolutamente sem nexo. Se assim fosse, praticamente todas as questões da prova estariam incorretas. Como sabemos, quase tudo no direito comporta exceções, e uma matéria complementa a outra. Inclusive, se assim pensássemos, as provas de direito deveriam possuir mais de cem páginas.

Se tivermos esse raciocínio, poderíamos impugnar, pelo menos, 70% da prova. Somente para exemplificar, a própria alternativa “C” estaria incompleta, pois não faz menção ao produto de arrecadação sobre o imposto de renda de qualquer natureza, estampada no art. 157, I, da Constituição Federal, o que dá a impressão de não existir a hipótese.

 

Portanto, infelizmente, no caso em comento, a via mandamental foi o único meio processual adequado para reparar a lesão ao direito do Impetrante, haja vista o indeferimento do recurso administrativo.

 

2-DO DIREITO

 

Segunda a eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro a “anulação pode ser feita pela Administração Pública, com base no seu poder de autotutela sobre os próprios atos, conforme entendimento já consagrado pelo STF por meio das Súmulas números 346 e 473. Pela primeira, a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos; e nos termos da segunda, a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial” (Direito Administrativo, 19ª Edição, 2006, Editora Atlas, São Paulo, pág. 243, grifou-se)

 

A ilustre professora da USP continua sua lição explanando que “a anulação pode também ser feita pelo Poder Judiciário, mediante provocação dos interessados, que poderão utilizar, para esse fim, quer as ações ordinárias e especiais previstas na legislação, processual, quer os remédios constitucionais de controle judicial da Administração Pública”

Em outro capítulo da mesma obra, a Autora aduz que “se o recurso administrativo não tiver efeito suspensivo, nada impede a propositura concomitante do mandado, consoante decorre do artigo 5º, I, da Lei nº 1533/51” (Direito Administrativo, 19ª Edição, 2006, Editora Atlas, São Paulo, pág. 738)

Celso Antônio Bandeira de Mello, emérito professor da Pontificia Universidade Católica de São Paulo, não foge a este raciocínio. Ainda ressalta, de maneira brilhante, que “é, pois, precisamente em casos que comportam discrição administrativa que o socorro do Judiciário ganha foros de remédio mais valioso, mais ambicionada e mais necessário para os jurisdicionados, já que a pronúncia representa a garantia última para contenção do administrador dentro dos limites de liberdade efetivamente conferidos pelo sistema normativo” (Curso de Direito Administrativo, 25ª Edição, 2008, Editora Malheiros, São Paulo, pág. 976, grifou-se)

A esse propósito, insta trazer à baila os dizeres do saudoso professor e magistrado Hely Lopes Meirelles que assevera: “ A nulidade, todavia, deve ser reconhecida e proclamada pela Administração ou pelo Judiciário, não sendo permitido ao particular negar exeqüibilidade ao ato administrativo, ainda que nulo, enquanto não for regularmente declarada sua invalidade, mas essa declaração opera “ex tunc”, isto é, retroage às suas origens e alcança todos os seus efeitos passados, presentes e futuros em relação às partes, só se admitindo exceção para com os terceiros de boa-fé, sujeitos às suas conseqüências reflexas” (Direito Administrativo Brasileiro, 34ª Edição, 2008, Editora Malheiros, São Paulo, pág. 176, grifou-se)

Analisando o controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, o grande administrativista dizia que “todo ato administrativo, de qualquer autoridade ou Poder, para ser legítimo e operante, há que ser praticado em conformidade com a norma legal pertinente (princípio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da moralidade), com a destinação pública própria (princípio da finalidade), com a divulgação oficial necessária (princípio da publicidade) e com presteza e rendimento funcional (princípio da eficiência). Faltando, contrariando ou desviando-se desses princípios básicos, a Administração Pública vicia o ato, expondo-o a anulação por ela mesma ou pelo Poder Judiciário, se requerida pelo interessado. (Direito Administrativo Brasileiro, 34ª Edição, 2008, Editora Malheiros, São Paulo, pág. 716, grifou-se)

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem decidindo pacificamente no sentido da possibilidade de anulação quando há resposta dúplice em concurso público. Inclusive, afirma que o candidato sequer precisa ser beneficiado pelo resultado da anulação. Nesse passo, cabe mencionar importante decisão proferida pela Colenda Primeira Câmara de Direito Público:

“MANDADO DE SEGURANÇA. DECRETO DE NULIDADE DAS QUESTÕES QUE ADMITIAM RESPOSTA DÚPLICE EM CONCURSO PÚBLICO, PARA CONFORMAR O RESULTADO AOS TERMOS DO EDITAL. ALEGAÇÃO DA FAZENDA DE QUE A DECISÃO NÃO ALTERA A SITUAÇÃO DAS IMPETRANTE. IRRELEVÂNCIA. CORRETA APLICAÇÃO DA LEI. APELO DESPROVIDO” (Apelação com revisão nº 334.884-5/2-00, Relator: Renato Nalini)

Nesse rumo, o Superior Tribunal de Justiça também possui o entendimento supracitado, cujo aresto pedimos vênia para trazer à colação:

“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA OBJETIVA PELO PODER JUDICIÁRIO. ERRO MATERIAL. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, na hipótese de erro material, considerado aquele perceptível ‘primo ictu oculi’, de plano, sem maiores indagações, pode o Poder Judiciário, excepcionalmente, declarar nula questão de prova objetiva de concurso público. Precedentes” (RESP nº 722586/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ 03.10.2005, p. 325, grifou-se)

Por derradeiro, é mister transcrever, para fins de evitar quaisquer dúvidas, outra judiciosa decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja transcrição segue, “ipsis litteris”:

“MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – CARGO DE PROCURADOR JUDICIAL I – DEMONSTRADO DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SENTENÇA PROFERIDA NOS LIMITES DO PEDIDO – CORREÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA OBJETIVA PELO PODER JUDICIÁRIO – POSSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE ERRO MATERIAL EVIDENTE – ALTERNATIVA ASSINALADA PELO CANDIDATO COM CORRESPONDÊNCIA EXPRESSA EM TEXTO DE LEI – PRECEDENTES DO STJ – SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO” ( Apelação Cível com revisão nº 417.847-5/9 – 00, Relator Leme de Campos)

3-DO CABIMENTO DO MANDADO

In casu, ao não conhecer a nulidade da questão recorrida pelo Impetrante, o Poder Público agiu em nítida arbitrariedade e ilegalidade, o que motiva a impetração do presente “mandamus”.

Outrossim, o direito do Impetrante resta demonstrado de plano, por meio de prova preconstituída, independentemente de qualquer dilação probatória, com a simples constatação da existência de duas respostas igualmente adequadas para a pergunta em apreço, sem que tal nulidade fosse reconhecida pelas autoridades coatoras.

Os dispositivos legais invocados são claros e não deixam dúvidas sobre as alternativas corretas da questão e a necessidade da anulação.

No que concerne ao cabimento da liminar, estão também evidenciados o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”, eis que a não concessão da liminar permitirá a aplicação da prova no dia 01 de junho e até uma possível homologação do concurso (ainda mais se tratando de ano eleitoral em que há um período legal para as homologações), prejudicando os candidatos que se beneficiariam da anulação.

Aliás, não se trata de violação ao direito líquido e certo apenas do candidato. Trata-se de direito líquido e certo de toda a coletividade, haja vista o interesse público do certame e o dever de todo administrado zelar pela observância dos Princípios da Administração Pública.

4 – DO PEDIDO

Ante o exposto, requer à Vossa Excelência:

a) Recebendo a presente e admitindo o seu processamento, deferir-lhe, liminarmente, o “mandamus”, inaudita autera pars, para o fim de assegurar o direito líquido e certo do Impetrante, suspendendo-se o certame para que não haja risco da segunda fase ser aplicada no dia primeiro de junho sem a convocação dos candidatos prejudicados.

b) A concessão da segurança em definitivo, declarando-se ilegal o ato impugnado, anulando-se a questão de número 70 e convocando-se os candidatos que se beneficiarem da anulação.

c) A notificação das autoridades impetradas para que, querendo, ofereçam as suas razões (informações) no prazo legal.

d) A notificação do Ilustre Membro do Ministério Público.

d) A concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, por ser pobre na acepção jurídica do termo.

Protesta provar o alegado por todos os meios de provas admitidas em Direito.

Dá-se à presente, para fins fiscais, o valor de R$1000,00 (Hum mil Reais)

Nesses termos,

pede deferimento

(------), 28 de maio de 2008

 

_________________________

Nome do Advogado

OAB/SP nº x

 

DOCUMENTOS QUE INSTRUEM O MANDADO

DOC.01RG, CPF E CARTEIRA DA OAB DO IMPETRANTE

DOC.02DECLARAÇÃO DE ISENTO DO IMPETRANTE

DOC.O3DECLARAÇÃO DE POBREZA DO IMPETRANTE

DOC.04QUESTÃO IMPUGNADA PELO IMPETRANTE RETIRADA DO CADERNO DE QUESTÕES ENTREGUE PELA FUNDAÇÃO VUNESP

DOC.05TRECHO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RETIRADA DO SITE DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA ( WWW. PRESIDENCIA.GOV.BR)

DOC.06RECURSO ADMINISTRATIVO INTERPOSTO PELO IMPETRANTE

DOC.07RESPOSTA AO RECURSO EMITIDO PELA FUNDAÇÃO VUNESP

DOC.08CADERNO DE QUESTÕES ORIGINAL, NA ÍNTEGRA, RECEBIDO PELO CANDIDATO

DOC.09RETIFICAÇÃO DO GABARITO CONFORME PUBLICADO NO SITE DA (---)

DOC.10RETIFICAÇÃO DO GABARITO CONFORME PUBLICADO NO DIÁRIO OFICIAL DE (---)

DOC.11EDITAL DA CONCURSO RETIRADO DO SITE (---)

DOC.12NOTA DO CANDIDATO RETIRADA DO DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO

DOC.13LISTA DOS APROVADOS FEITA PELA PROGRAMA MICROSOFT EXCEL

DOC.14PUBLICAÇÃO DA SEGUNDA PROVA, OBTIDA NO SITE (---), COM A RELAÇÃO DOS APROVADOS.

 

Data de elaboração:

 

Como citar o texto:

PASSOS, Leandro Pereira.Mandado de Segurança para Anulação de Questão de Concurso. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/2175/mandado-seguranca-anulacao-questao-concurso. Acesso em 19 fev. 2011.

Importante:

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