O direito consuetudinário é formado por um conjunto de práticas aceitas socialmente, de forma costumeira e lícita, por um determinado povo. Por não estar positivado, é preciso compreender suas características e requisitos, bem como a forma como ele é aplicado no Brasil e internacionalmente.

INTRODUÇÃO

Atualmente, nota-se que a maioria dos países adotam um ordenamento jurídico positivado, ou seja, com códigos e leis escritas. 

Entretanto, dentro de cada país existem sociedades que, no dia a dia, praticam condutas de forma costumeira e lícita, as quais também são consideradas normas jurídicas, mesmo que não estejam incluídas em leis escritas.

Tais condutas são chamadas de costumes e compõem o direito consuetudinário.

Neste artigo, abordaremos o conceito, características e requisitos do direito consuetudinário, bem como sua origem e sua aplicação em âmbito nacional e internacional.

 

O que é direito consuetudinário?

O direito consuetudinário é o conjunto de costumes e práticas de uma sociedade, os quais são aceitos como se fossem leis, sem que sejam formalizados pela escrita ou por processos legislativos. 

Embora essas condutas não sejam positivadas (escritas), elas são consideradas normas jurídicas por tratarem de um comportamento adotado há tempos por um agrupamento de pessoas (povos, sociedades, cidades, países).

Desta forma, é possível afirmar que o direito consuetudinário de uma sociedade pode estar fortemente ligado:

  • à sua cultura;
  • a aspectos étnicos e religiosos;
  • à localização geográfica;
  • à colonização e influência estrangeira.

Esses fatores podem influenciar tanto a origem quanto o desenvolvimento dos costumes, tradições e comportamentos de um povo.

 

Quais são as características do direito consuetudinário?

A partir do momento em que se visualiza o direito consuetudinário como um conjunto de costumes, facilmente se pode compreender que ele sofrerá mudanças com o passar dos anos, afinal, as sociedades evoluem e se modificam.

Com isso em mente, extraem-se três principais características do direito consuetudinário:

1. Flexibilidade: esse atributo se relaciona com a mutabilidade dos comportamentos e pensamentos de uma sociedade ao longo do tempo. Embora as tradições e os costumes sejam mantidos por várias gerações, eles também são flexíveis e são passíveis de mudança.

2. Adaptabilidade: o direito consuetudinário se adapta à realidade e às novas formas de pensar de uma sociedade. As tradições podem continuar existindo, mas podem sofrer adaptações para melhor se adequarem aos ideais atuais da sociedade.

3. Legitimidade: o direito consuetudinário é legítimo, ou seja, é considerado norma jurídica, ainda que não esteja escrito/positivado em alguma legislação da sociedade. 

 

Como surgiu o direito consuetudinário?

O direito consuetudinário é considerado tão antigo quanto a humanidade. 

Ele surgiu dos primeiros agrupamentos organizados de pessoas, ou seja, das primeiras sociedades, as quais, por meio da oralidade, transmitiam seus costumes para as gerações seguintes.

Desde as primeiras civilizações organizadas na Grécia Antiga, é possível encontrar registros de povos que passavam adiante suas “leis” por meio de tradições orais, sendo que estas serviam como base para decisões diárias e políticas.

 

Direito consuetudinário internacional

Se o direito consuetudinário é um conjunto de costumes e práticas aceitas por uma sociedade, como normas jurídicas não-escritas, no âmbito internacional essas práticas envolvem questões humanitárias, de dignidade, proteção e resolução de conflitos.

A partir disso, vê-se que o direito consuetudinário em âmbito internacional é de extrema importância, pois é ele quem atua como normas de direito internacional, tratados e convenções, além de complementar tais codificações, quando estas possuem lacunas.

Desta forma, os costumes internacionais consistem em normas aplicadas a partir de uma prática geral aceita como lei, aplicando-se principalmente em conflitos atuais existentes entre países, sejam eles armados ou não.

Essas normas são condutas e ações aceitas pelos Estados. Essas práticas, por sua vez, devem ser constantes e uniformes dentro de cada país, devendo ser consideradas necessárias e obrigatórias pela comunidade internacional.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, datada de 23 de maio de 1969, prevê, em seu artigo 38, a força dos costumes internacionais:

Art. 38 - Nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se torne obrigatória para terceiros Estados como regra consuetudinária de Direito Internacional, reconhecida como tal.

 

Assim, mesmo que um país não tenha participado de uma convenção ou tratado, ele ainda está obrigado a agir de determinadas formas e oferecer certas proteções, por força do direito consuetudinário internacional.

Por fim, a título de curiosidade, existem dois países que, atualmente, adotam o direito consuetudinário integralmente como sistema legal: a Mongólia e o Sri Lanka. Andorra, apesar de também adotá-lo quase integralmente, possui parte do seu ordenamento jurídico influenciada pelo direito romano-germânico.

 

Direito consuetudinário no Brasil

No Brasil, a regra máxima, prevista na Constituição Federal, é que a lei define o que pode ou não ser feito pelos cidadãos, constituindo isso uma garantia fundamental. 

Isso está disposto no art. 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’”.

Desta forma, a aplicação dos costumes é limitada no ordenamento jurídico brasileiro. Isso quer dizer que, em um processo judicial, o juiz só poderá decidir de acordo com os costumes se houver norma que permita tal prática.

No Direito Civil, especificamente no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, há essa previsão:

Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Vale lembrar que essa previsão se refere ao âmbito civil do direito, de modo que, para outras áreas, podem haver disposições próprias ou, ainda, podem não haver previsões, excluindo, assim, a aplicação dos costumes.

Assim sendo, ao analisar o direito consuetudinário no Brasil, é importante levar em conta a área do Direito em que se objetiva aplicá-lo, bem como se há previsão legal para se utilizar o costume no caso concreto.

 

Direito consuetudinário e costume: qual a diferença

Uma dúvida que acaba surgindo é com relação à diferença entre direito consuetudinário e os costumes.

Para esclarecer, é preciso ter em mente que o direito consuetudinário é um conjunto de costumes, os quais são praticados e aceitos por uma sociedade, tendo força de norma jurídica, embora não escritos.

O costume, por sua vez, é elemento integrante e primordial do direito consuetudinário.

Para caracterizá-lo, dois atributos são ligados ao costume:

  • Corpus: indica o atributo material. Refere-se à uma prática social constante e uniforme em uma determinada sociedade;
  • Animus: indica o atributo psicológico. Refere-se à convicção de que uma prática social constante e uniforme é necessária e obrigatória em uma sociedade.

Desta forma, um costume é uma conduta ou comportamento que é praticada (aspecto material) pelos integrantes de um povo, bem como é aceita e considerada obrigatória (aspecto psicológico) por eles.

Assim sendo, conforme mencionado acima, o conjunto de costumes é o que define e explica o direito consuetudinário.

 

Quais os requisitos para que o costume se converta como fonte do Direito?

As fontes do Direito nada mais são do que o conjunto de modos de formação de normas jurídicas.

O costume, portanto, para ser considerado uma fonte do Direito, precisa atender a quatro requisitos:

1. Continuidade: o costume precisa ser uma prática contínua e reiterada. Desta forma, condutas esporádicas não podem ser consideradas costumes;

2. Constância e frequência: os comportamentos precisam ser praticados diuturnamente, sem qualquer dúvida na sua realização, e sem se modificarem;

3. Moralidade: o costume não pode contrariar a moral ou os bons costumes da sociedade;

4. Obrigatoriedade: o costume deve ser visto como algo obrigatório pela sociedade, ou seja, os integrantes dela possuem convicção de que ele é necessário e deve ser praticado.

Outros doutrinadores resumem tais requisitos a apenas dois, os quais já foram mencionados anteriormente: o aspecto material e o aspecto psicológico.

O aspecto material, denominado corpus, refere-se à prática constante e uniforme de um comportamento.

Já o aspecto psicológico, denominado animus, refere-se à convicção dos integrantes da sociedade de que uma prática social é obrigatória.

 

Exemplos de direito consuetudinário

Como visto, o direito consuetudinário no Brasil exige a previsão legal expressa da aplicação dos costumes. Caso contrário, não será possível aplicar um costume em um processo judicial, por exemplo.

No caso do Código Civil, existem disposições ao longo de todo o seu escopo que permitem a aplicação dos costumes. 

Por exemplo, no Capítulo V, que fala sobre a locação das coisas, o artigo 569, inciso II, prevê que o locatário é obrigado “a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar”.

Já no Capítulo VII, que trata dos contratos de prestação de serviço, o artigo 597 dispõe que “A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações”.

Outro caso em que se reconhece a aplicação de costumes é com relação às populações indígenas. Essa previsão está na Constituição Federal, no artigo 231:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Desta forma, os elementos previstos na Constituição - costumes, valores, tradições - compõem o direito consuetudinário dos indígenas.

No Direito Tributário, por sua vez, a aplicação dos costumes é parcial. No caso da cobrança de tributos, o Fisco só poderá cobrar aqueles previstos em lei, por força do princípio da legalidade. 

Entretanto, isso não significa que os costumes não possam servir como norma interpretativa diante de um caso concreto. Para isso, basta existir a previsão legal.

Já em âmbito penal, não é possível a aplicação de direito consuetudinário. Quando se fala em crimes e aplicação de penas, os costumes não têm força jurídica. 

Desta forma, mesmo que uma sociedade pratique reiteradamente uma conduta como se fosse certa, se ela estiver prevista no Código Penal como crime, os responsáveis deverão responder por essa conduta penalmente. Assim, o costume não pode passar por cima da lei.

Um exemplo disso é o caso dos DVDs piratas. Embora existam muitos lugares que comercializem esse tipo de produto como se fosse algo “normal”, essa conduta está tipificada no 184, parágrafo 2º do Código Penal.

 

Conclusão

O direito consuetudinário é a forma mais antiga de se criar normas jurídicas, afinal, elas se originam de comportamentos e tradições de uma sociedade, passadas adiante por meio da oralidade.

O estudo desse segmento jurídico é de extrema importância para compreender a evolução normativa dos diferentes povos e Estados

E é através desse estudo que foi possível compreender a forma como o direito consuetudinário é aplicado no Brasil, o que ocorre por meio da previsão legal da aplicação dos costumes. 

Desta forma, sem que haja previsão, a lei escrita e positivada deve permanecer em nosso ordenamento jurídico.

Data da conclusão/última revisão: 08/04/21

 

Como citar o texto:

FACHINI, Tiago..Direito Consuetudinário: Conceitos, Requisitos e Exemplos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1026. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/11029/direito-consuetudinario-conceitos-requisitos-exemplos. Acesso em 16 abr. 2021.

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