Resumo: O presente trabalho tem como sua principal referência o primeiro capítulo da obra de Gunther Teubner, O Direito como um sistema autopoiético, tratando o referido capítulo sobre a circularidade sistêmica presente no sistema jurídico e de suas características indeterminação, a auto-referência e o paradoxo no Direito. Portanto esse artigo desenvolve esses elementos explicitando seus conceitos e relações com o direito autopoiético.

Palavras-chave: circularidade; autopoiese; Direito; paradoxo;

Abstract: The present work has as its main reference the first chapter of the workmanship of Gunther Teubner, the Right as a autopoiético system, treating the related chapter on the present sistêmica circularidade in the legal system and of its characteristics undetermination, the self-reference and the paradox in the Right. Therefore this article develops these elements explicitando its concepts and relations with the autopoiético right.

Key Words: circularidade; autopoiese; Right; paradoxo;

Sumário: Introdução; 1 - Auto-referência, indeterminação, paradoxos e circularidade; 2 - Gerindo os paradoxos no sistema jurídico; 3 - Uma melhor alternativa a partir de um Direito como sistema autopoiético; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

Introdução

O modelo de funcionamento jurídico tem se mostrado ineficaz para solucionar conflitos que ocorrem em uma sociedade complexa pluralista multicultural e mecanicista que se apresenta atualmente, tanto de maneira pragmática quanto de uma visão teórica. O Direito que se percebe, apresenta características tecnicistas, pois segue uma trajetória racional que acredita na superação dos valores subjetivos a partir de um direito técnico instrumentalizado. Dessa forma, o ordenamento agirá burocraticamente de acordo com a norma, buscando nos fatos o enquadramento normativo para que seja assim cumprida a lei.

Essa atitude incapacita o sistema jurídico de relacionar a pragmática jurídica e a teoria jurídica, deixando que se formem lacunas, ou seja,  espaços em branco entre a dogmática jurídica e sua incidência social. Assim, a teoria dos sistemas apresenta uma nova concepção de direito que possibilitará a percepção e a resolução de tais conflitos. Nas palavras de Leonel Severo Rocha:

apta a pensar o Direito como componente de uma estrutura social complexa e paradoxal. Na classificação das matrizes da teoria jurídica contemporânea, já se tinha salientado a existência de uma Matriz Sistêmica. Porém, os últimos trabalhos de Luhmann, notadamente a partir dos conceitos de risco e paradoxo, permitem um passo à frente para a compreensão da hipercomplexidade da sociedade atual. Esta teoria da sociedade permite o contato na teoria jurídica entre os aspectos externos e internos, entre a práxis e a teoria, superando as concepções dogmática dominantes.[3]

Além desses aspectos há de se considerar ainda as idéias atinentes às propriedades dos sistemas, para que se possa melhor atender ao que a pesquisa se propõe.

Para Parsons, a propriedade mais geral e fundamental de um sistema é a interdependência de suas partes.  Para que se forme um sistema, é essencial a interação entre as partes através de uma interdependência e não ao acaso. Essa interdependência estabelece uma ordem com tendências ao equilíbrio, o que não significa imutabilidade, vez que pode haver mutabilidade dentro de um processo ordenado, a que Parsons denomina de ‘equilíbrio móvel’.[4]

Através da utilização da teoria dos sistemas na pesquisa, poder-se-á obter uma visão completa da hipercomplexidade que envolve o tema dentro da interdependência entre dogmática, teoria e práxis. Assim, a partir desse novo entendimento se poderá perceber as soluções para problemas e paradoxos dentro do sistema jurídico e entre esse e outros sistemas.

Portanto, para se compreender o funcionamento do Direito como um sistema autopoiético deve-se primeiramente trabalhar três elementos que vêm a ser o principal objeto de estudo desse trabalho a indeterminação, a auto-referência e o paradoxo. Elementos esses não são desconhecidos e nem novos para o Direito, todavia não foram aprofundados por teorias anteriores a teoria sistêmica aplicada ao Direito, como propõe Gunther Teubner. Sendo assim, seu estudo proporcionará uma melhor compreensão do funcionamento do sistema jurídico, através de uma visão autopoiética.

1 - Auto-referência, indeterminação, paradoxos e circularidade

Adentrando-se a questão atinente ao Direito, Niklas Luhmann coloca que:

O Direito é concebido funcional e seletivamente – ou seja não através da constância de uma dada qualidade original do ‘dever ser’, nem através de um mecanismo fático, por exemplo a 1 sanção estatal’. Esses elementos convencionais da definição do direito não são, com isso, excluídos ou tornados irrelevantes, mas são referidos como  características que determinem a natureza do direito. o direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de caminhos congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz consideravelmente a risco da expectativa contrafática. (...) podemos agora definir o direito como estrutura de um sistema social que se baseia na generalização congruente de expectativas comportamentais normativas. [5]

Percebe-se que o direito acaba sendo produzido pela seleção e generalização de expectativas normativas. Assim, tanto a congruência como a generalização advém do aceite das pessoas para que sejam utilizadas no tempo e na repetição de seu uso.

Já na visão de Teubner,

O Direito constitui um sistema autopoiético de segundo grau, autonomizando-se em face da sociedade, enquanto sistema autopoiético de primeiro grau, graças à constituição auto-referencial dos seus próprios componentes sistêmicos e à articulação destes num hiperciclo.[6]

Importante, salientar a discussão de Niklas Luhmann e Günther Teubner, no que tange a forma rígida do conceito de autopoiese.

Como mostra Zymler, enquanto Luhmann entende que a autopoiesis é ínsita aos sistemas sociais, Teubner debilita a rigidez do conceito, introduzindo uma perspectiva gradualista: a de que o estágio autopoiético só é realmente alcançado nas fases mais avançadas da evolução social. Teubner defende a tese de que a autonomia representa uma realidade gradativa, afastando-se do conceito rígido de autopoiesis de Luhmann, que leva o dogma autopoiético ao limite: o sistema é ou não é autopiético. Para Teubner, o processo evolutivo determina o grau de autonomia alcançado pelo subsistema social. Teubner recorda que as sociedades modernas, frente ao incremento da complexidade da vida em sociedade, estabeleceram gradativamente um sistema capilarizado de comunicações sociais, a partir da perspectiva de diferenciação funcional.[7]

Adiante,  a autopoiese[8] surge como forma inovadora nas ciências sociais, onde a mesma produz seus próprios elementos.

Portanto, os sistemas autopoiéticos, e em especial os sistemas sociais, operam de modo “auto-referencial”. Significa que devem ser capazes de incluir a si mesmos no momento em que operam distinções. Dependendo da distinção efetuada pelo sistema, têm-se os três modos de “auto-referência”: ‘auto-referência’ de base, reflexividade (processualidade) e reflexão. No caso dos subsistemas sociais, cujo elemento é a comunicação, “auto-referência” de base incide sobre este elemento. Diz respeito à distinção entre informação e ato de comunicar. Como visto, a comunicação é a síntese de três seleções: ato de comunicar (emissão), informação ( conteúdo da comunicação) e compreensão. O sujeito receptor deve ser capaz de distinguir entre o ato de comunicar e a informação, pois só assim a rede autopoiética terá continuidade, a partir da produção de novos atos comunicativos pelo receptor. Percebe-se que o prosseguimento do ciclo autopoiético de geração de elementos exige que cada ato comunicativo deixe claro que é uma comunicação, que está sendo comunicado e quem comunicou. A reflexividade incide em âmbito mais geral, ou seja, sobre o processo derivado da reprodução autopoiética dos elementos do sistemas,  partir de uma forma antes/depois. A reflexividade implica a possibilidade de os sistemas sociais comunicarem sobre o processo de comunicação. Finalmente, por meio da reflexão, o sistema diferencia-se do ambiente a partir de uma “autodescrição”, ou seja, o sistema social é capaz de tematizar a si próprio. Na hipótese do sistema jurídico, cabe principalmente à Doutrina o papel de obter as descrições que é o Direito[9]

Zymler mostra que:

O estágio autopoiético, na visão de Teubner, só é alcançado plenamente quando o nível de autonomia do subsistema social permite que este se “auto-reproduza” de forma hipercíclica e se “auto-descreva” reflexivamente. A “autodescrição” é a forma pela qual o subsistema promove a imprescindível distinção sistema/meio ambiente.[10]

Assim, o primeiro elemento característico do sistema jurídico a ser trabalhado é a auto-referência do direito. Esse fenômeno estabelece a impenetrabilidade e a não determinação do sistema jurídico por fatores externos. Assim, toda a operação feita, para ser alterada ou concretizada, deve passar pelo seu processo de validação a partir dessa auto-referência pura de operação jurídica. Esse modelo exposto pelo autor se trata da auto-construção nas normas presentes no direito, partindo de uma norma superior menos definida seguindo para normas inferiores mais positivas. Todavia, as normas vêm se igualar no decorrer do ciclo, as normas superiores terminado nas inferiores, Portanto a auto-referência tem-se como principal função fazer com que o sistema jurídico desenvolva-se, modifique-se e se reproduza a partir de seus próprios elementos, buscando suas respostas em si mesmo. [11]

Em virtude dessa característica auto-referente do sistema jurídico irá surgir a idéia de indeterminação do direito, um elemento que é independente de controle ou determinação externa. Assim a indeterminação, se utilizando dos princípios auto-referentes, salienta a incapacidade do meio externo de determinar qualquer situação dentro do direito, ou seja, o direito positivo será produto do próprio direito (um direito auto-produzido).

A partir do momento que se vislumbra a idéia de um direito auto-referencial e não determinável pelo meio externo surgirá uma terceira característica a imprevisibilidade. Essa, por sua vez, salienta que somente o próprio direito possui a capacidade de perceber e prever sua aplicação e sua incidência, sendo assim, não se poderá encontrar tais respostas a partir da ótica de qualquer outro sistema social. Von Foster, citado por Teubner, explica:

 [...] que “maquinas triviais”, as quais ligando determinados efeitos a certas causas de modo fixo e regular, se caracterizam por operarem sistematicamente de modo determinado e analiticamente de modo determinável, independentemente do passado e de forma previsível. O Direito, pelo contrário,[...] deveria ser entendido como um sistema de sentido auto-reprodutivo e, atenta a dependência das operações  jurídicas dos seus próprios elementos sistêmicos internos, como uma “máquina não-trivial”: sendo sistemicamente determinado. Ele é analiticamente indeterminável; sendo dependente do passado, ele é imprevisível. A indeterminação do direito aparece assim, diretamente relacionada com sua autonomia. [12]

Após a essas interpretações do fenômeno auto-referencial do direito, que é um pré-requisito para a formação das características de impenetrabilidade e indeterminabilidade do sistema jurídico, pode-se falar então da circularidade desse. Essa por sua vez, faz com que a hierarquia normativa do direito, que se desenvolve de uma norma superior para uma norma inferior, iguale as inferiores às superiores, tendo assim o caráter circular. Hofstadter criou o termo tangled hierarchies para denominar esse reenvio da norma superior de uma hierarquia para o nível mais baixo da mesma. [13] Em um ambiente normativo auto-referencial a hierarquia age por estabelecer as normas superiores que vem a legitimar as normas inferiores, transformando o direito em um sistema hierárquico totalmente reflexivo.

Surge a dificuldade da concepção de um direito circular auto-referencial, pois quando o sistema jurídico é submetido a tal formulação acaba por gerir um paradoxo. Isso acaba por ocorrer a partir das distinções auto-referencial estabelecida dentro do Direito, que quando essas diferenciações são aplicadas a si mesmas acabam em paradoxo. Para explicitar melhor essa idéia pode-se referir à distinção jurídica de legal/ilegal, essa possui a pretensão de aplicabilidade universal no ambiente jurídico, todavia no momento que essa tentar valer à si mesma cairá em contradição. Por exemplo, ao afirmar que é “legal aplicar a distinção de legal/ilegal” apresenta-se uma diferenciação auto-referencial do direito, todavia ao utilizar-se dessa sentença no sentido negativo se obterá o seguinte “é ilegal aplicar a distinção legal/ilegal”.

Apesar das possíveis contradições criadas pela auto-referência e pela circularidade alguns autores, como Varela, afirmam que esse tipo de situação são oportunidades para que se ocorra a construção de uma nova lógica sistêmica. Mas para isso, deve-se preparar o sistema jurídico para identificar todo o conjunto de elementos que capacitam a formação de um paradoxo e de antinomias que podem ocorrer no Direito. Assim deve ser o direito reflexivo, preparado para analisar, alterar e resolver conflitos:

Uma vez sensibilizados para este problema, estaremos preparados para reconhecer e identificar todo um conjunto de fenômenos permanentes de auto-referência, de paradoxo, e de antinomia que perpassam o Direito: como sublinha Hofstadter, “os dilemas da reflexividade aparecem de todos os lados com uma regularidade impressionante no terreno da práxis jurídica”. Basta pensar, designadamente, nos casos paradoxais de um direito que se exclui a ele próprio sede de “direito de resistência” ou da “razão de Estado”, de um “direito de resistência” ou “da razão de Estado”, de um direito que se cria através da violência revolucionária, de um direito cujo sistema de fontes assenta numa hierarquia circular.

Por fim, a auto-referência é capaz, ao mesmo tempo em que reproduz de forma fechada e recursiva comunicar sobre esses mesmos elementos, seus processos e mesmo o próprio sistema, ou seja, ao mesmo tempo que ela é aberta (cognitivamente) e fechada (operativamente), eis o paradoxo.

Portanto é necessário que se aprenda a evitar essas possíveis situações paradoxais, buscando um desenvolvimento adequado do sistema jurídico. A seguir serão estudas algumas formas de se trabalhar com o paradoxo, que sempre atormentou todas os modelos de regulamentação jurídica.

2 - Gerindo os paradoxos no sistema jurídico

Os paradoxos estarão presentes em todas as formas, por mais desenvolvidas que sejam, de regulamentação jurídica, portanto, ao se conformar com essa realidade deve-se pensar em maneiras de evita-los, geri-los ou até mesmo de se conviver com eles. Gunther Teubner, autor foco desse trabalho, propõe três estratégias para gerir os paradoxos provenientes de um sistema jurídico auto-referente, indeterminado e circular, sendo qualquer delas extremamente controvertida.

A primeira dessas teorias de gerência de paradoxos consiste em uma constante dês-construção da doutrina jurídica visando uma coerência sistêmica, ou seja, a partir da auto-referência do direito estuda-se constantemente sua antinomia para que se mantenha consciente a presença do paradoxo e de situações que podem provoca-los, isso possibilita que um problema seja retardado ou minimizado, evitando que se agrave. Pode-se citar , para um melhor entendimento,  cita o drama de Antígona que questiona o rei que não a deixa enterrar o irmão[14], nesse ínterim, percebe-se que ela questiona o código jurídico com o próprio código jurídico trazendo o caráter paradoxal de legal-ilegal.

Essa idéia propõe uma reconstrução do direito, de forma que se possa perceber as contradições dos aspectos formais e substanciais da teoria jurídica, tornando possibilitando a aceitabilidade dos paradoxos, pois é impossível erradica-los. Portanto a idéia de um Direito destinado à uma sociedade imutável se torna incoerente por possibilitar a produção de paradoxos, a partir da incompreensão da doutrina estática diante uma situação inovadora.

O seu ponto de partida é a descoberta, no seio da doutrina do contrato, das contradições entre aspectos formais e substanciais, bem como entre individualismo e altruísmo dos aspectos desintegradores e das instabilidades inerentes a um direito político-finalisticamente instrumentalizado, próprio do moderno Estado-Providência, ou enfim da verificação da circunstância paradoxal de que cada regra conhece sua contra-regra e de que cada proposição da doutrina jurídica pode, partindo-se da própria doutrina, conhecer proposição exatamente oposta. [15]

Em um pensamento dotado dessa ótica des-construtivista a indeterminação se apresenta como um paradoxo em si mesma, como explica Jöerges, “o problema da indeterminação se revela em paradoxo, já que, se ninguém sabe porque razão o direito funciona, e também se sabe que a ação se torna possível porque aquele funciona.”[16] Nesse ínterim, a imprevisibilidade desconstrói a pretensiosa intenção da dogmática jurídica de abordar toda complexidade do meio social sistêmico, pois é impossível a abordagem universal de possibilidades, todavia se a doutrina jurídica insistir em crer na dogmática universal, mais cedo ou mais tarde, encontrará sua antinomia. Dessa mesma se as relações sistemáticas circulares auto-referentes não forem submetidas à um constante estudo reflexivo de sua incidência pragmática também possibilitarão situações contraditórias.

A segunda estratégia que Gunther Teubner explana em sua obra provem de autores como Hart, Ophuels e Fletcher, consiste em um estúdio aprofundado para resolver os problemas dos paradoxos, que segundo Fletcher[17] não passa de puros erros intelectuais. Assim, se desenvolveria uma teoria intelectual de pensamentos jurídicos para erradicar definitivamente os paradoxos.

Definem o problema da auto-referência do direito como constituindo um problema de “paradoxos do pensamento jurídico”. Esta acepção restritiva permite-lhes assim qualificar a relação entre auto-referência e paradoxo como uma espécie de fallacy construtiva do pensamento humano, por um lado, a qual apenas seria ultrapassável (restabelecendo de novo a consistência do pensamento jurídico) através de uma apropriada ginástica intelectual, por outro.[18]

Todavia, Teubner critica essa perspectiva, pois ao seguir dessa maneira o pensador passará de um nível para um meta-nível resolvendo determinados impasses. Porem com o desenrolar do sistema jurídico se encontrarão em seguida outras antinomias, sendo assim, necessário outro desenvolvimento intelectual ainda mais rigoroso, passando-se, dessa forma a um meta-meta-nível e assim por diante, perdendo-se em uma hierarquia labiríntica perseguindo para sempre os paradoxos. Ou seja, os paradoxos não serão erradicados, mas sim trocados por outros ainda mais complexos, fazendo com que o sistema em abstrações de níveis metafísicos absurdos.

Tiremos respeitosamente o nosso chapéu ao otimismo destes juristas e à respectiva crença na “consistência como princípio jurídico supremo”! mas quem garante que esses “ginastas intelectuais” do direito não acabarão por eles próprios, afinal, entrapolados numa “hierarquia labiríntica”, nessa caminhada de um nível para um meta-nível e deste a um novo meta-meta-nível, ou não acabarão mesmo por regressar ao seu ponto de partida, graças a uma qualquer audaciosa acrobacia mental raizada fora do próprio sistema.[19]

O autor segue argumentando sobre a impossibilidade de correção dos paradoxos a partir dessa perspectiva, afirmando que os paradoxos não se limitam aos pensamentos jurídicos, mas também atingem a própria existência real do Direito. Ou seja, não se deve restringir à teoria jurídica, desconsiderando a incidência do Direito de uma maneira pragmática, pois isso oportuniza formulações contraditórias no momento de transição entre a teoria e a práxis.

Conduzindo-se assim, à uma terceira estratégia de gerência dos paradoxos que consiste na estruturação do direito de forma circular com apreensão cognitiva independente, que tem como objetivo aproximar o direito teórico de uma práxis cognitiva, a teoria autopoiética. Assim, deixando de lado o direito idealizado, o qual não possui pretensão de aplicação real, pois é dotado de pensamentos e de funcionamentos contraditórios. Além disso, toma o modelo circular como um gerador de problemas, sendo assim proibido como um tabu, o tabu da circularidade.

A Teoria do Sistema Autopoiético procura perceber tudo como um todo, estudando assim as partes e seu inter-relacionamento, cooperando para a existência do todo, formando um único Sistema. Desenvolvida pelos biólogos Maturana e Varela, para compreender a vida biológica, essa teoria se caracteriza por estudar elementos distintos que, de alguma forma, estão interligados, e esse contato faz com que se construa um sistema operacional, que se substituirá por meio de um ciclo auto-reprodutivo; portanto, atingindo um elemento desse sistema, estar-se-á comprometendo a harmonia do sistema autopoiético e até mesmo a dos sistemas que com ele se comunicam. Parsons explica que é necessária a cooperação de todos os elementos de um sistema, para que se efetive o ciclo evolutivo: “Uma sociedade só poderá ser auto-suficiente na medida em que, de modo geral, seja capaz de ‘contar’ com as realizações de seus participantes como ‘contribuições’ adequadas para o desenvolvimento societário.” [20]

A manutenção da harmonia social é de suma importância, pois “O equilíbrio nos sistemas sociais deve ser mantido, sob pena de haver uma ruptura dos mesmos. Duas formas de manutenção do equilíbrio são particularmente importantes: os mecanismos de socialização e os mecanismos de controle social.”[21] Mecanismos de socialização são aqueles que fazem com que o indivíduo seja inserido no contexto social; assim, também participando do ciclo de auto desenvolvimento sistêmico. Completa Parsons: “[...] la formación de una aptitude general para cumplir con las pautas fundamentales de las expectativas de rol que encontrará el individuo.”[22]

Assim, o sistema autopoiético é aquele que é simultaneamente fechado e aberto, ou seja, é um sistema que tem repetição e diferença, tendo que equacionar no seu interior esse paradoxo, que os operadores do Direito vão usar como critérios para tomar suas decisões.[23]

Sob essa ótica, a autopoiese surge como uma espécie de necessidade de ser pensar aquilo que não foi e não é e não poderia ser pensado. É um sistema que não é nem fechado e nem aberto, mesmo porque um sistema somente fechado é impossível, pois o mesmo não tem condições de se auto-reproduzir somente nele mesmo, também, um sistema aberto sob essa idéia não existe sistema. Assim, um sistema fechado não é possível, e o sistema aberto é inútil.[24]

Adiante, segundo Leonel Severo Rocha, a sociologia luhmanniana apresenta uma série de propostas que nos permitem observar o Direito de maneira diferente, de uma maneira mais dialética (sem síntese), no sentido de que é preciso ver a soceidade com tentativa de construção de futuro. É difícil observar-se o Direito atual usando-se somente critérios dogmáticos normativistas. A partir desta ruptura epistemológica proposta pela matriz pragmático-sistêmica, vislumbra-se uma epistemologia circular, e não mais lenaer como tradicionalmente enfocada. Entretanto, para que seja possível o perfeito entendimento deste novo enfoque com que é vislumbrada a teoria prática do Direito, necessita-se uma abordagem das características decorrentes da auto-referencialidade do sistema jurídico. Conforme Gunther Teubner, a auto-referência é a “característica visceral” do Direito Pós-Moderno, e sua abordagem faz-se essencial ára um entendimento do Direito como sistema autopiético.[25]

Por fim, o sistema jurídico, como froma de sistema autopoiético, apresenta-se com uma interação auto-referente, circular e mesmo recursiva de seus elementos, os  quais não apenas se auto-organizam, mas se auto-reproduzem, fromando assim, o paradoxo que possibilita sua própria evolução.

3 - Uma melhor alternativa a partir de um Direito como sistema autopoiético

O paradoxo é uma sombra que paira sobre todos os sistemas, causando um rompimento da observação linear do ciclo sistêmico. Ocorre quando uma lógica analítica encontra uma contradição, que, simplesmente, não permite a continuidade do pensamento claro, tornando as respostas nebulosas, imprecisas ou impossíveis. O paradoxo confunde o raciocínio, enevoando o pensamento, causando pânico e paralisando a razão. Rocha define paradoxo como:

“O paradoxo nada mais é do que um bloqueio na auto-observação do sistema jurídico quando pensado de forma tradicional, analítica.[...] O surgimento de uma questão paradoxal parece trazer confusão ao raciocínio, obscuridade ao pensamento claro, indeterminação na razão segura. Em outras palavras, causa paralisia, pânico, horror.”[26]

Pode-se detectar com facilidade a existência de um paradoxo em algum tipo de ordenamento normativo, pois esse se apresenta como uma situação que causa confusão ou não esta presente nas normas paradigmáticas, colocando-as em conflitos não possibilitando que o problema seja resolvido de forma usual, ou até mesmo se apresente insolúvel a partir dos regimento presente.

A autopoiesis rompe o tabu da circularidade, o tornando como parte da reflexão dos paradoxos. Todavia, não há uma aceitabilidade total dos argumentos circulares, mas sim a consciência de sua existência e a percepção de sua mobilidade e funcionamento, para que não ocorra bloquiamentos gnósticos. Assim, a partir dessa observação das relações circulares e das interações externas intenta-se descobrir as lacunas ou “espaços em branco” presentes, ou que possam surgir no sistema jurídico.

Pode-se dizer que a hermenêutica teve grandes progressos neste sentido ao trabalhar a circularidade e a auto-referência. Todavia, a partir desse momento, faz-se necessária a observação sistêmica conjuntamente aos estudos hermenêuticos, que sozinhos já atingiram seu ápice de contribuição à teoria jurídica para a resolução de paradoxos. Dessa forma, ao se observar o direito como um sistema autopoiético fica evidente suas características auto-referenciais, indeterminantes, auto-reprodutivas e circulares.

Sendo assim, o sistema jurídico, como todos os sistemas autopoiéticos, reflete a imagem de, “uma incessante sucessão de correlações internas operadas numa rede fechada de elementos em permanente interação, cuja estrutura sobre constantes mutações graças infinitas áreas e meta-áreas entrelaçadas em articulação estrutural.”[27] possibilitando a observação das interações intersistêmicas e da incidência da teoria na prática. Pois, a partir desse momento os paradoxos deixam de ser considerados erros intelectuais e passam a ser problemas atinentes à práxis jurídica.

Os elementos componentes do sistema jurídico – ações, normas, processos, identidade, realidade jurídica – constituem-se em si mesmos de formas circular, além de estarem ligados entre si também circularmente por uma variedade de meios. Auto-referência, paradoxos e indeterminação constituem problemas específicos da realidade dos sistemas sociais e não meros problemas de reconstrução intelectual dessa mesma realidade.[28]

Ao incorporar esse método de observação sistêmica, orientado pela auto-referência que objetiva alcançar a circularidade, se possibilitará novas soluções para os conflitos presentes na teoria jurídica, alterando o modo de se pensar a vida social. Se dando assim, “um salto para uma nova estrutura episteumológica” que permitirá o funcionamento do direito voltado ao desenvolvimento social, percebendo a sua realidade estrutural sistêmica, estudando sua apreensão cognitiva com o entorno, aplicando-se assim, uma norma mais adequada e eficaz.

Portanto a realidade do direito é essa realidade estruturada de forma circular e auto-referencial. A partir do momento que se constitui a idéia de uma passagem do plano episteme ao plano da práxis deixa de se atemorizar com a perspectiva do bloquiamento gnostico paradoxal gerado pela auto-referência, como disseram Russel e Whitehead: os paradoxos paralisam o observador e podem conduzir, quer a um colapso da sua construção de mundo, quer a uma maior complexidade da sua representação desse mundo: é este ultimo caso que poderíamos denominar de morfogêneses.

Essas serão agora as ferramentas as quais serão utilizadas para lidar com os paradoxos na práxis jurídica, a partir da conjugação dos elementos da auto-referência, paradoxo, indeterminação e estabilidade auto-valorativa trazendo certa estabilidade. Todavia, inevitavelmente, em algum momento surgirão situações paradoxais, podendo ser resolvidas uma vez que existem soluções para os problemas de indeterminação originados pelos paradoxos:

A chave reside na chamada “desparadoxização do paradoxo”, ou seja, “na aplicação criativa dos paradoxos, na transformação de uma informação infinita em finita, e de uma complexidade indeterminada numa complexidade determinada”.[29]

Todavia, o direito é considerado sempre como uma “misreading of reality”, fazendo, dessa forma que a releitura da práxis será constante, em verdade os paradoxos de auto-referência não serão resolvidos, mas sim ocultados, permanecendo em estado de latência, sendo essa latência representada pelo direito natural ou divino oculto no cume da hierarquia das fontes do direito.

Considerações Finais

Percebe-se que o Direito atravessa a fase autopoiética, fase esta mais evoluída graças a concepção de risco e de paradoxo.

Assim, a análise efetuada deve ser tida como um conjunto de interações e comunicações que levantam a profusão que leva em conta o código certo e/ou errado, além de critérios de distinção sistema e/ou ambiente, abertura e/ou fechamento, assim por diante.

Ciente disso, os caminhos abertos ao direito dependem de uma rota evolutiva a ser traçada pela própria evolução e reprodução dos subsistemas sociais autopoiéticos. No caso de eventuais correções de rumo e parâmetros só poderá ser feitas através do acionamento dos mecanismos de conexão intersistêmicos de percepção, os quais limitados pelo radical fechamento operacional dos sistemas autopoiéticos, devem partir da construção de um direito.

Portanto, faz-se necessário que se aprenda evitar possíveis situações paradoxais, buscando um adequado desenvolvimento do sistema jurídico. Vê-se que  paradoxo é uma sombra que paira sobre todos os sistemas, causando um rompimento da observação linear do ciclo sistêmico.

A realidade do direito é estruturada de forma circular e auto-referencial, e, essas serão ferramentas das quais utilizar-se-á para lidar com os paradoxos na práxis jurídica, a partir da conjugação dos elementos da auto-referência, paradoxo, indeterminação e estabilidade auto-valorativa trazendo-se de certa forma uma  estabilidade, mas será inevitavelmente que em algum momento apareçam situações paradoxais que podem ser resolvidas  a partir de momento que existem soluções para os problemas de indeterminação originados pelos paradoxos.

Referências bibliográficas

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ZYMLER, Benjamim. Política e Direito: uma visão autopoiética. Curitiba: Juruá, 2002.

LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985

Notas:

 

 

[3] ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia  Jurídica e democracia. 2. ed.. São Leopoldo: UNISINOS, 2003. p. 94.

[4] PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. Responsabilidade civil por danos ao consumidor causados por defeitos dos produtos: a teoria da ação social e o direito do consumidor. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 46.

[5] LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985, p. 115 e 121.

[6] TEUBNER, Gunther. O direito como um sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1989. p. 53.

[7] ZYMLER, Benjamim. Política e Direito: uma visão autopoiética. Curitiba: Juruá, 2002, p.65

[8] Inicialmente foi um conceito concebido para explicar os processos relacionados com a vida (criada por Humberto Maturana e Francisco Varela), que tinha o intuito de resposta para as ciências biológicas no problema da definição dos organismos vivos,  mas, a partir da década de 1980, foi através de Niklas Luhmann que essa teoria passou para o campo das ciências sociais.

[9] ZYMLER, Benjamim. Política e Direito: uma visão autopoiética. Curitiba: Juruá, 2002, p.36-37

[10] ZYMLER, Benjamim. Op. Cit. p. 73.

[11] Para a compreensão do que é a auto-referência pode-se utilizar do dicionário como exemplo, pois todas as palavras que estão contidas nesse serão explicadas por palavras que se apresentam no mesmo. Sendo assim, auto-referente, buscando as respostas de suas perguntas em si mesmo.

[12] TEUBNER, Gunther. O direito como um sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1989. p. 04.

[13] Idem, p. 05.

[14] O drama de Antígona é citado por Gunther Teubner em sua obra, tal drama demonstra o conflito de Antígona com o rei Créon, que proíbe o irmão daquela de ser enterrado por ser um traidor, por sua vez Antígona contesta o rei indignada pois este, que era soberano e tudo podia, estava a agir contra a lei de Zeus, o deus supremo, aquele que promulgou os poderes intitulados ao rei. Nesse momento surge o paradoxo, o rei tem o poder decretar sanções sobre seus súditos, todavia, nesse momento, sua decisões contradiz as leis divinas. TEUBNER, op.cit., p. 14.

[15] TEUBNER, op.cit., p. 12.

[16] Jöerges, citado por TEUBNER, op.cit., p. 16.

[17] FLETCHER, Paradoxes in legal thought. Ano 1985. P. 1279. Obra citada por TEUBNER, op.cit.,. p. 16.

[18] TEUBNER, op.cit., p. 16.

[19] TEUBNER op.cit., p. 17.

[20]  PARSONS, Talcott. O sistema das sociedades modernas. São Paulo: Pioneira, 1974. p. 20.

[21] PEREIRA, op. cit., p. 61.

[22] PARSONS, Talcott. Hacia una teoría general de la acción. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1996. p. 266.

[23] ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 38.

[24] ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Op. Cit., p. 38.

[25] ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Op .cit.,p. 39,40,41.

[26] ROCHA, Leonel Severo. Notas introdutórias à concepção sistemista do contrato. Anuário UNISINOS 2004. Org. ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lenio Luiz. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ano 2004. p. 298.

[27] Maturana, citado por TEUBNER, op.cit., p. 22.

[28] TEUBNER op.cit., p. 19.

[29] LUHMANN, Autopoiesis als soziologischer Begriff. Ano 1987. P.320 e The third question: the criative use of paradoxes in law and legal teory. Ano 1988. P. 153 citado por TEUBNER, op.cit., p. 24.

 

Como citar o texto:

CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe..O estudo fundamental da circularidade sistêmica e seus paradoxos no sistema jurídico. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 188. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/1411/o-estudo-fundamental-circularidade-sistemica-seus-paradoxos-sistema-juridico. Acesso em 22 jul. 2006.

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