Após mais de doze anos em discussão, o Brasil recebeu nova e importante lei, de profunda influência no Direito Empresarial e na vida das empresas. Foi a Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Esta lei tem sido chamada de nova Lei Falimentar, por substituir a Lei Falimentar, assim chamado o Decreto-lei 7.661/45. Interpretamos esta questão sob outro prisma; para nós é nova lei autônoma e não substituição de outra. Cria um novo direito e não é a modificação da Lei Falimentar. Aliás, esta continua em vigor, aplicando-se aos processos referentes às falências e concordatas em andamento, antes que fosse promulgada a Lei da Recuperação Judicial. Malgrado tenha sido revogada, a Lei Falimentar só deixará de existir no momento em que se extinguir o último processo falimentar no Brasil. Pelos antecedentes, isto só acontecerá daqui a dez ou vinte anos.

É de se acreditar que esta lei seja bem recebida ante as inúmeras manifestações favoráveis a ela, mormente por parte do governo. Houve realmente na Câmara dos Deputados 24 votos contrários, contra os 245 favoráveis à nova lei mas motivados por fatores aleatórios. Assim, um grupo que se diz “de esquerda radical” votou contra porque a nova lei teve apoio do FMI, sem fazer comentários ao texto do projeto. Outros afirmaram que alguns artigos estão “mal redigidos”. Não seria por isso que a lei não é boa. Até parece as opiniões sobre o novo Código Civil, porque ele não regula o casamento de pessoas do mesmo sexo.

Examinemos porém o espírito e letra da Lei da Recuperação Judicial, o seu sentido e alcance, e do direito novo que ela criou: o Direito de Recuperação de Empresas. Trata-se de ramo do Direito Empresarial, destinado a regulamentar a situação e relação com a comunidade, de uma empresa que se encontre momen-taneamente em “estado de crise econômico-financeira”. A própria lei procura caracterizar bem esse estágio da empresa, de forma bem segura e evidente, e para não propiciar discussões doutrinárias. Diz que se reputa em estado de crise econômico-financeira a empresa devedora sujeita a necessidades temporárias de seu negócio, com iliquidez, insolvência ou em situação patrimonial a merecer readequação planejada de sua atividade.

A empresa é um organismo vivo, em evolução constante. Como toda pessoa, nasce, vive e morre. Tem em sua vida fases diversas, inclusive sua fase patológica, dominada por várias doenças. São muitas as doenças empresariais atentatórias contra sua saúde, algumas delas letais; pode ser a desorganização, falhas de comunicação, tecnologia superada, mal aproveita-mento de matéria-prima, lento processo decisório, desgaste mercadológico ou patrimonial, e tantas outras. A mais séria crise patológica da empresa é a insolvência, a incapacidade de solver seus débitos. É bem conhecido o provérbio de que “casa em que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”. Na pessoa jurídica revela-se o mesmo fenômeno. Na penúria financeira muitos problemas se revelam quando antes passavam desapercebidos, ou então, novos problemas surgem. É para essa fase que surgiu o Direito da Recuperação Judicial.

O objetivo do novo direito está expresso na Lei; é o de sanear a situação de crise econômico-financeira da empresa devedora, salvaguardando a manutenção da fonte produtora do emprego de seus trabalhadores e os interesses dos credores, e viabilizando dessa forma, a realização da função social da empresa. Mais precisamente, visa a Lei a defender os interesses coletivos, pela preservação da empresa, denominada por ela também de “unidade produtiva” e “agente econômico”. Carece de glosa a consideração da empresa como poderoso agente da economia e da satisfação do mercado consumidor. Urge pois que seja ela preservada.

No empenho pela aprovação da Lei pelo Congresso Nacional, o Poder Executivo fez concessões, e das mais louváveis, o que levou a sociedade a aceitar a intervenção do Banco Central do Brasil no projeto de lei, elaborando nova versão. Nesse empenho, enviou à Câmara dos Deputados projeto a ser votado junto com a Lei da Recuperação Judicial modificando o Código Tributário Nacional. Essas modificações retiram do Poder Público a absoluta preferência no pagamento de débitos fiscais, antes mesmo dos débitos trabalhistas. No Quadro Geral de Credores, os créditos oficiais figurarão após os trabalhistas e junto com os créditos privados com garantias reais e especiais. Se fossem mantidos os privilégios creditórios do erário, o Direito da Recuperação Judicial perderia grande parte de sua eficácia.

Significativa foi a modificação do art. 133 do CTN, pelo qual se alguém adquirir o estabelecimento (ou fundo de comércio) de uma empresa, responderá pelos débitos referentes a tributos. Responderá também no caso de haver fusão, transformação ou incorporação de uma empresa com outra. Essas operações só poderiam ser realizadas se houvesse pagamento total dos tributos.

Em nossos dias, os créditos tributários assumiram posição predominante no passivo das empresas. Cada governo que assume realiza, de início, o projeto secreto de criar novos impostos e aumentar a alíquota de outros. Em conseqüência dessas iniciativas, as empresas se viram assoberbadas com a carga tributária e acúmulo de débitos. A prefeitura de São Paulo, por exemplo, além de aumentar o valor das multas e taxas, aplica-as de forma exagerada. O aumento dos débitos municipais aumentam de forma astronômica, acontecendo, por exemplo, que multas sobre imóveis ultrapassam seu valor em cinco ou seis anos. E tais débitos discutíveis e absurdos gozam de prioridade no pagamento por uma empresa em concurso, cujos credores desanimam ante a concorrência dos “créditos sagrados”.

A Lei da Recuperação Judicial procurou reforçar o poder dos credores nos procedimentos falimentares e não conseguiria entusiasmá-los se não houvesse para eles sobras para o pagamento de seus créditos. Era pois inócua a habilitação dos credores aos feitos concursais, já que eram as empresas funcionárias não remuneradas do Governo, o que lhes instigava revolta ante tantas injustiças. Na formação da empresa muitos contribuem com seus esforços: os empregados com seu trabalho, os empresários com a iniciativa e o risco, os bancos com o financiamento, os fornecedores com a matéria-prima, os prestadores de serviços com a sua assessoria. O Governo entra com o que? Mas, na hora de repartir o bolo, todos ficam a ver navios, assenhoreando o governo de tudo.

No antigo regime, então, todos ficam sem nada, inclusive o próprio Governo. Para este, então, será preferível receber parcialmente e com atraso do que nada receber. Eis por que vemos muita lógica na abertura governa- mental a este respeito. O Presidente Lula e o Ministro da Fazenda Palocci estão destinados a entrar na história jurídica deste país. Logo no início do Governo, entra em eficácia o novo Código Civil, mais precisamente, em 11 de janeiro de 2003. Surge agora a Lei da Recuperação Judicial. Verdade é que o projeto de lei passou por várias administrações, por diversas legislaturas e que teve a participação de várias pessoas, de muitos parlamentares que se revesaram na comissão parlamentar revisora do projeto, apresentando centenas de emendas. A Lei da Recuperação de Empresas é obra da sociedade brasileira, não se podendo dar a ela uma paternidade. O que porém se evidencia é que esse projeto caminhou a passos de tartaruga e apenas se movimentou com eficácia no atual governo federal.

O sentido da nova Lei é o de responsabilizar os dirigentes da empresa pelos prejuízos causados à coletividade e não a empresa. A impunidade grassava no antigo regime e garantia a ação de espertalhões na transformação da falência em verdadeira indústria. É o vício que termina agora.

Nota: o Autor deste artigo coloca-se à disposição dos leitores, principalmente dos acadêmicos de direito, para lhes prestar, gratuitamente, esclarecimentos sobre a nova Lei, podendo os interessados entrar em contato por nosso intermédio ou pelo E-mail: sebasroque@ajato.com.br

 

Como citar o texto:

ROQUE, Sebastião José..A Lei da Recuperação Judicial cria novos destinos para a empresa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 163. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-falimentar/1013/a-lei-recuperacao-judicial-cria-novos-destinos-empresa. Acesso em 30 jan. 2006.

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