SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Política Jurídica e suas acepções; 2.1 Política jurídica para o Jusnaturalismo; 2.2 Política jurídica para o Normativismo; 2.3 Política jurídica para o Empirismo; 2.4 Política jurídica para o Culturalismo; 3 O Direito que deve ser; 4 O Direito como deva ser feito; 5 Papel corretivo da Política Jurídica em Melo; 6 Política Jurídica e a necessidade de redefinir conceitos de Estado, Democracia, Cidadania e Direitos Humanos; 7 Considerações finais; 8 Referências bibliográficas.

1. Introdução

O presente artigo visa conceituar e situar a disciplina da Política Jurídica dentro do ramo das ciências sociais, dissociando-a da Ciência Jurídica, da Sociologia e da Política. E como base para o estudo tem-se as obras do Doutor Osvaldo Ferreira de Melo, expoente entre os estudiosos da Política Jurídica

Após devidamente localizada a Política Jurídica, passa-se à questão de fundo, qual seja, a inter-relação e a coexistência entre esta e os conceitos de Política, Estado e Democracia, os quais de forma alguma são estanques, motivo pelo qual buscou-se as definições mais modernas do tema.

2. A Política Jurídica e suas acepções

No entender de Osvaldo Ferreira de Melo, num aporte inicial pode-se abordar a Política Jurídica como a disciplina a qual "cabe buscar o direito adequado a cada época, tendo como balizamento de suas proposições os padrões éticos vigentes e a história cultural do respectivo povo"[3]. Nesse mesmo sentido, o autor em referência defende que a política jurídica é o elo entre a ação humana e a persecução de uma forma de adequação da norma vigente aos anseios do cidadão, transformando-a num elemento útil e positivado, afeto às necessidades e interesses sociais[4]

Assim, uma atuação político-jurídica seria aquela comprometida com os anseios jurídicos sociais, da qual provém a revogação, correção ou proposição de uma norma jurídica. Dessa forma, a investigação da política jurídica deve considerar pressupostos axiológicos à procura do “justo” e do “socialmente útil” como fundamentos para a construção de uma proposta de um “Direito que deva ser”, ou seja, um “Direito desejado” pela sociedade.

Na busca de um conceito de Política Jurídica para ser apresentado neste estudo, apóia-se em Osvaldo Ferreira de Melo, que assim o faz:

1. Disciplina que tem como objeto o Direito que deve ser e como deva ser, em oposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e da aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente. 2. Diz-se do conjunto de estratégias que visam à produção do conteúdo da norma, e sua adequação aos valores Justiça (V.) e Utilidade Social (V.)” cuja abrangência se dá num “complexo de medidas que têm como objetivo a correção, derrogação ou proposição de normas jurídicas ou de mudanças de rumo na Jurisprudência dos Tribunais, tendo como referente a realização dos valores jurídicos. 4. O mesmo que Política do Direito”[5].

Nesse norte, é capaz de observar o direito posto (positivado) como “o direito que é” e propor-lhe adequações fundamentadas nos valores de “Justiça” e “utilidade social”, como uma espécie de exame de “validade material” da norma positiva. Empenha-se nesse trabalho de forma atenta a elementos culturais e representações sociais da opinião pública buscando adequar “o direito que deva ser”, como uma espécie de mola propulsora da evolução jurídica.

Na busca por um conceito para Política Jurídica se faz oportuno, nesta ocasião, apresentar a existência de um pluralismo conceitual para o tema[6], considerando, ainda que superficialmente, elementos das teorias Jusnaturalistas, Normativistas, Empiristas e Culturalistas[7], para ao final tentar discorrer sobre o “direito que é” e sobre o “direito que deve ser”.

2.1 Política jurídica para o Jusnaturalismo

O jusnaturalismo pode ser caracterizado – entre outras acepções – pela busca e imposição do direito em dogmas de uma Justiça Natural transcendente e conectada com os conceitos de moral cristã.

Japiassú e Marcondes conceituam direito natural como sendo:

aquele que resulta da própria natureza do homem, superior a toda convenção ou legislação positiva [...]. Assim, para os teóricos do direito natural, o direito é o conjunto das leis necessárias, universais, deduzidas pela razão da natureza das coisas e que serviria de fundamento para o direito positivo.[8]

Diante do forte apelo religioso no qual inicialmente se funda, Melo sustenta que

as teorias do Direito Natural se impuseram como recurso ideológico toda vez em que se fazia necessário opor à validade em sentido formal, que depende de requisitos extrínsecos à norma, a validade material, esta implicada com valores do Direito” como “rasgos de delírio e não poderia ser de outra forma, pois em verdade é insensato procurar o Direito no seio da Natureza.[9]

Apresenta-se como expoente da teoria jusnaturalista Pascual Marin Perez[10], que concebe a Política Jurídica como o instrumento pelo qual se produz a adequação dos meios aos fins na persecução da regulação da vida humana por meio do direito. E propõe para ela uma função de “propugnar pela substituição paulatina dessa massa legislativa por simples declarações de princípios, ficando a regulamentação destes a cargo dos instrumentos contratuais[11].

Marin Perez, citado pelo Professor Melo, enuncia que:

A Política do Direito seria o conjunto de regras que determinariam a vinculação do homem de governo ao Direito Natural, através da técnica jurídica e com rigorosa lealdade aos princípios ideológicos do Estado, na mais ampla acepção do vocábulo.[12]

Assim, depreende-se que para o jusnaturalismo a Política Jurídica teria, dentre outras, a função de “influir na clareza e na beleza das leis”[13].

2.2 Política jurídica para o Normativismo

De acordo com o pressuposto normativista, somente “a norma formalmente válida faz algo ser jurídico”[14]. Segundo Neves, o normativismo é a “concepção do direito como sistema de normas escalonadas, sustentada pela teoria pura do direito”[15]. Ou seja, trata-se de um resultado da Escola Positivista, que pretendeu fundamentar a norma como referência científica para o Direito e como limite para o controle social desempenhado pelo Estado.

Nesse sentido, Melo relata que

a concepção de que só a norma formalmente válida faz algo ser jurídico, é essencial na dogmática Kelseniana e assim, fora do exame das normas, nada mais poderia importar ao renomado juscientista.[16]

Nas mesmas lições, o professor Melo constata o reconhecimento de Kelsen da existência da Política Jurídica como uma ciência paralela ao Normativismo, que distingue “Direito” e “Justiça”, propondo que “a norma de justiça indica como deve ser elaborado o direito quanto ao seu conteúdo”[17].

Todavia, “o direito positivo não vale pelo fato de ser justo ou pelo fato de sua prescrição corresponder a uma norma de justiça”[18].

Assim, fica evidente a acepção normativista de atuação da Ciência Jurídica vinculada ao “direito que é” e a preocupação da Política Jurídica com o “direito que deve ser”, estabelecendo-se dessa maneira a consideração de Kelsen no sentido de definir o objeto da Política Jurídica como disciplina de cunho não-científico limitada ao direito que deve ser e o direito como deve ser feito.

2.3 Política jurídica para o Empirismo

A doutrina empirista, enquanto outro sopé positivista, pode ser entendida como uma

teoria do conhecimento segundo a qual todo conhecimento humano deriva, direta ou indiretamente, da experiência sensível externa ou interna. [...] o Empirismo, sobretudo o de Locke e de Hume, demonstra que não há outra fonte do conhecimento senão a experiência e a sensação.[19]

Dessa maneira, o experimento é a base fundamental do empirismo e traz a causa-efeito como fundamento da perspectiva científica. Entretanto, um dos expoentes do empirismo, Alf Ross, apresenta uma abordagem reducionista da Política Jurídica, considerando-a mera “sociologia jurídica aplicada ou técnica legislativa”[20].

Todavia, nas lições de Osvaldo Ferreira de Melo[21] descobre-se que a questão sobre a qual se fundamenta a visão de Ross em relação à Política do Direito deriva de uma delimitação pouco precisa do objeto da Política do Direito.

Ross, em razão das restrições que lhe impõe a sua metodologia, é levado a confundir o aspecto técnico contido na norma [...] com o sentido ético, político e social da mesma”.

Para Melo, entretanto, “O objetivo da Política Jurídica nesta visão ampla [...] escaparia ao reducionismo dos empiristas”.[22] E por fim, “A Política Jurídica não só cumpre o papel de guia para o legislador senão também o de guia para as autoridades que administram o Direito, em particular os Juízes”[23].

2.4 Política jurídica para o Culturalismo

Nos termos de Neves[24], pode-se conceituar o culturalismo jurídico como sendo a “doutrina que define o direito como produto da cultura humana, dirigida por valores”. Deste modo, a proposta do culturalismo adota a dinâmica social como o espaço de atuação no qual e para qual se cria o Direito, em uma espécie de legitimação oriunda da capacidade de conexão entre fatos e dos valores.

Partindo-se dessas premissas, apresenta o culturalismo a visão mais ampla da Política Jurídica, como sendo o “mais adequado espaço de criação democrática do universo jurídico”[25], motivo pelo qual se deve “entender o político do direito como o estrategista da conversão de valores de direito em regras jurídicas”[26].

Dessa forma, pode-se acrescentar que

a Política Jurídica [...] é o mais adequado instrumental de que dispõe o jurista para participar do esforço de todos os cientistas sociais no direcionamento das mudanças sócio-econômicas, levando em conta as utopias da transmodernidade.[27]

Daí destaca-se o função da Política Jurídica no culturalismo como instrumento caracterizador da “validade material da norma” pelo “conhecimento das fontes não convencionais do Direito, tais como os movimentos sociais e suas conseqüentes representações jurídicas que devem ser captadas pela sensibilidade do legislador e do juiz”[28] como fundamento último do direito baseado numa ordem social justa.

3 O Direito que deve ser

Passado o estágio de busca de um conceito capaz de delinear a Política Jurídica, adentrar-se-á em um dos seus objetos, enquanto busca de serenamento social por meio das instâncias jurídicas, ou seja, o direito que deve ser.

Essa análise leva em consideração aspectos de sustentáculo social em busca de uma crítica ao direito vigente, considerando aspectos de uma Justiça útil e legítima, sujeita aos anseios sociais.

Embora pareça inatingível a perfeição almejada, a consciência jurídica deve continuar buscando formas de reduzir os conflitos do mundo social, garantindo sempre os fundamentos do ser humano. Dessa forma, a consciência da fantasia da busca do “direito que deve ser” é incapaz de apontar para a frustração do ideal perseguido, de modo que a eventual ausência de elementos de controle e apaziguamento social poderia eventualmente conduzir a uma espécie de anarquismo com desdobramentos nefastos.

Exatamente nesse sentido, Melo ensina que

Se realmente não desejamos conviver com um pluralismo jurídico que causa perturbação ao instituído e desconforto ao juiz, por sentir-se o princípio da segurança jurídica em perigo, então será o caso de rever a norma contestada e dar-lhe a função social reclamada. O erro existirá tanto em propor o alternativo como uma certeza do bom e do permanente como em manter a norma injusta em nome do princípio da legalidade.[29]

Por conseguinte, pode-se constatar que a tarefa da Política Jurídica reside justamente no confronto dos paradigmas com critérios objetivos de Justiça, Utilidade e Legitimidade como elementos que revelam a necessidade da mudança.

Com isso percebe-se que a Política Jurídica ocupa uma esfera de atuação intermediária entre a norma e os anseios sociais. Afinal, sua atuação está conectada com uma maneira de realizar justiça, em sua acepção ampla, sem abandonar a segurança jurídica. Dessa forma, a Política do Direito recomenda a aplicação da norma mais justa para o caso concreto, sem, contudo, desconsiderar a necessidade de manutenção do sistema jurídico-social.

4 O Direito como deva ser feito

Outro objeto da Política Jurídica, o Direito como deva ser, passa do período de verificação e avaliação para um momento de reconstrução de uma normatividade, o que requer a atenção da Política do Direito.

Nesses termos, Melo[30] demonstra elementos de interesse da Política Jurídica que apresentam destaque no processo de criação normativa. São eles, a) a função legislativa; b) a função judiciária e c) o pluralismo jurídico.

A atividade legislativa decorre de uma relação entre o Poder estabelecido e o Direito Positivo, de onde

não seria falso ilidir que as elites dominantes sejam positivistas enquanto que os dominados tendem a resguardar-se com fortes apelos ao Jusnaturalismo ou com a busca de fórmulas alternativas para conceituar e aplicar o Direito.[31]

Neste contexto de atuação da Política do Direito encontra socorro na Hermenêutica, como instrumental capaz de harmonizar e mediar os conflitos, harmonizando das necessidades sociais com o direito posto.

Por sua vez, o pluralismo jurídico trata da produção de normas fora da instância estatal, apresenta natureza complementar (no sentido de preencher as lacunas da lei, por meio de setores organizados da sociedade, v.g., sindicatos ou associações) ou ainda de natureza conflitiva que determina alternativas ao direito posto em virtude da adoção de novos padrões, promovendo um deslocamento do “Estado de sua posição tradicional de controlador das relações sociais”[32]. Esse pluralismo normativo, um fenômeno rico e pouco estudado pela Ciência do Direito, pode surgir em decorrência de tensões ou conflitos não resolvidos ou mal resolvidos pelo Estado[33]. Daí percebe-se que inevitavelmente as fontes do Direito residem na sociedade.

A simples existência da contestação da norma posta por um sistema que se auto-organiza fora das instâncias formais, é suficiente para impelir ao questionamento da legitimidade dessa norma. Isso não pode implicar, porém, imediatamente, em “considerar essas representações como regras exigíveis de comportamento, porque não há consenso que as legitime”[34].

Nesse contexto, Melo salienta que

a posição da Política do Direito perante essa fenomenologia é das mais delicadas. Em primeiro lugar, deve-se atentar para a importância dessa produção pré-jurídica buscando sua legitimidade material a partir da fonte primária dos interesses, que são as necessidades sociais. Por outro lado, não se pode considerar essas representações jurídicas como regras exigíveis de comportamento, porque não há consenso que as legitime. Assim, o que um movimento social dos homens do campo, por exemplo, mobilizados para a conquista de direitos sobre sua terra, adotar como normas de conduta, não poderia obrigar aqueles que não se incluam nesse especifico universo de interesses.[35]

De tal modo, uma atitude cautelosa e sensata do político jurídico no que concerne às formas do direito que deva ser, é aquela que sempre deve sustentar um distanciamento crítico, no sentido de não extinguindo do sistema, muito menos exigindo a imediata aplicação da alternativa.

5 Papel corretivo da Política Jurídica em Melo

Para poder-se tratar do papel corretivo da Política Jurídica em Melo, é necessária a analise, ainda que de forma sintética, da natureza e da função da Dogmática Jurídica.

Segundo Melo, a tarefa da Dogmática Jurídica tem sido alvo de críticas, malgrado sua inestimável e permanente tarefa de dar sustentação ao Estado de Direito, diante do inflexível compromisso com o princípio da segurança jurídica: a razão é a insistência na fonte normativa para a decisão sobre a norma, unicamente  com  o estudo do Direito vigente, sem que haja emissão de juízo de valor [36]. Aqui, Melo cita Warat, para quem a Dogmática Jurídica é “uma atividade que não só acredita produzir um conhecimento neutralizado ideologicamente, mas também sociológica, antropológica, econômica ou política”[37].

Melo[38] afirma que a função da Dogmática Jurídica está calcada na “decidibilidade dos conflitos”, cujo papel fundamental é prover a segurança jurídica, pilar central do Estado de Direito. Sua vulnerabilidade está em que, em nome do princípio da segurança jurídica, a dogmática coloca em segundo plano o princípio da justiça.

O papel corretivo da Política Jurídica, assim, estaria centrado na função de intercomunicar a Política e o Direito “como espaços suscetíveis de permanentes e desejáveis influências recíprocas”[39]. Logo, o papel da disciplina Política Jurídica é muito mais amplo do que o comumente se imagina.

Segundo Melo, a Política Jurídica atuaria em três dimensões: a) a epistemológica, b) a ideológica e a c) operacional[40]:

a) na dimensão epistemológica o seu papel é crítico e desmistificador, já que não só se opõe ao mito do poder das significações jurídicas, mas igualmente porque alça dúvidas acerca das certezas apontadas pelo que chama de pretensa racionalidade do positivismo jurídico;

b) na dimensão ideológica, ressalta a recuperação do conceito de ideologia como sistema aberto, com a finalidade de orientar comportamentos e seleção de alternativas, e trabalha com o conceito de utopia como ideologia desconstruidora de modelos colocados em ambientes fechados e os reconstrói mais adiante, como devir desejado; é nesta dimensão que o autor aduz a possibilidade de convivência entre Política e Ética: os meios (estratégias) da primeira sejam iluminadas pela segunda; e

c) a dimensão operacional refere-se ao agir, que “é a operação do fazer, a realização de uma idéia, de um querer”; “os fins da Política Jurídica visarão à desconstrução de paradigmas que negam ou impedem a criatividade”.

Diante do exposto, Melo preconiza uma

maior possibilidade de interações da Dogmática com a proposta jurídico-política de obter um sistema de normas e conceitos que, além de prover a segurança, garanta outros valores básicos da convivência humana.[41]

6 Política Jurídica e a necessidade de redefinir conceitos de Estado, Democracia, Cidadania e Direitos Humanos

É notório o processo de exclusão social produzido pelo capitalismo, um sistema econômico que “conseguiu transcender a modernidade, as denominadas forças progressistas, o socialismo, o comunismo e a democracia como prática de controle”.[42]

Segundo Warat, o processo de globalização econômica é irreversível e tal situação exige dos setores progressistas uma redefinição das noções de Estado, democracia, cidadania e direitos humanos.[43]

A idéia de cidadania do terceiro milênio passa, segundo afirma, pelo compromisso de firme luta contra a exclusão social e por uma noção mais ampla de direitos humanos, diversa do enfoque individualista da modernidade. [44]

O Estado deve assim tornar-se capaz de garantir um efetivo controle democrático de suas instituições, como meio de reverter processos de exclusão, ampliando a base de alcance e a proteção outorgada pelos direitos fundamentais.

Diante de sua função social, a este cabe controlar o poder econômico e coibir ações abusivas que possam promover o aumento da exclusão, não sendo razoável supor-se ilegítimos todos os fins que não sejam econômicos, e que a lógica do lucro possa substituir a ética.[45]

Analisando especificamente este aspecto quanto ao Brasil, anota Streck que mencionada missão não foi e não está sendo cumprida. Afirma que ao contrário, aqui o Estado interveio na economia para concentrar riquezas e que o direito, um dos principais legados da modernidade, foi e continua sendo utilizado nessa “missão secreta”.[46]

Prossegue destacando que a dogmática jurídica tem servido de obstáculo à realização dos direitos sociais previstos na Constituição, porque vinculada a um paradigma em crise que dá sustentação à desfuncionalidade do direito.[47]

Aduz que estaria nas mãos do operador jurídico buscar a produção de um sentido novo para a norma, deixando de lado o modelo de mera reprodução dos sentidos prévios definidos por aqueles que têm a “fala autorizada”.[48]

Warat faz uma análise mais ampla, apostando no diálogo e na construção de uma cultura global de mediação como meios para implementar um processo de mudança. [49]

Para a preservação da cidadania e dos direitos humanos, defende entre outras medidas, a construção de um direito que tome por base a cultura da mediação, promovendo um humanismo baseado na alteridade e na ecologia social.[50]

Seriam medidas de superação e questionamento do paradigma da modernidade, ou seja, do modelo que em nome da objetividade produziu verdades únicas e aparentemente inquestionáveis.

Seriam o resultado da emergência do “paradigma de uma vida decente” a que se refere Santos[51], um paradigma não apenas científico “de um conhecimento prudente”, mas também um “paradigma social”.

Nesta linha e no âmbito do direito, Warat aponta a existência de um pensamento único normativista, que se ocupa da purificação de seu discurso e que busca atribuir um sentido pleno e fixo para as normas, negando aos juízes a liberdade interpretativa.[52]

Neste sentido afirma que o pensamento da pureza normativa, assim como o pensamento epistemológico da plenitude significativa, têm como missão inibir, paralisar e excluir as formas rebeldes de saber, impedindo interpretações contrárias aos donos do mundo, aos poderosos, aos que mantém o império graças ao status quo. [53]

Prossegue alertando que epistemologia, direito e economia são três colonizadores da alma, um monstro de três cabeças que ao falar faz com que todos percam a malícia e que tudo aconteça como num conto de fadas. [54]

A atividade jurisdicional assume assim, nesta ótica, papel transformador de enorme relevância, que exige do juiz posição de independência e o compromisso permanente de tornar efetiva a proteção social a que se propõe o Estado.

Analisando referida missão na perspectiva da nova ordem social decorrente do welfare state, destaca Capelletti ser

manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença em relação ao papel tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de discricionariedade e, assim, de criatividade [...].[55]

Eis então o que deve ser o real compromisso do direito e do Estado, para a consecução de sua finalidade social, ou seja, o direito como deva ser feito. E a Política Jurídica, como disciplina do dever ser, é um instrumento importantíssimo para a boa consecução destes objetivos, tanto pelo legislador, quanto pelos aplicadores do direito.

7. Considerações finais

Pode-se concluir por todo o exposto que a Política Jurídica, como instrumental para alcançar uma aplicação do Direito justa, no sentido valorativo da expressão, deve necessariamente rever os conceitos pré-existentes de Estado, Política e Democracia.

A Democracia não pode ser considerada apenas o “poder do povo”, mas sim o “poder em razão do povo”, com um Estado que busque cumprir as normas positivadas, garantindo assim a segurança jurídica do ordenamento, mas também que a aplicação destas normas vise sempre a sua função social e a Justiça como finalidade, tanto quando da criação da norma, quando da sua efetiva subsunção aos fatos da vida.

Deste modo, finalizando, tem-se que a função da Política Jurídica, na visão do Professor Osvaldo Ferreira de Melo, que foi base para este estudo, é buscar o Direito que deve ser e como deva ser para atender os fins para que ele existe, ou seja, a pacificação e o controle da vida em sociedade, com benefícios a todos os seus membros.

8. Referências Bibliográficas:

CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p.42.

DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. Florianópolis: Momento Atual, 2003.

JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1994.

____________. Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2000.

____________. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998.

NEVES, Iedo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocados latinos. Rio de Janeiro: APM, 1987.

SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2002.

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 6 ed. Edição; Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alterida: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004.

Notas:

 

 

[3] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 80.

[4] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.  p.13-14.

[5] MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica. Florianópolis: Editora da OAB/SC, 2000. Verbete Política Jurídica.

[6] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994. p. 37.

[7] Ressaltando que os conceitos propostos não se apresentam de maneira coincidente a fim de definir efetiva e uniformemente o que é a política jurídica.

[8] JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

Verbete direito.

[9] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 24-25.

[10] Pascual Marin Perez sustenta que a interpretação do direito positivo deve ser elaborada com enfoque no Direito Natural, conforme citado em MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994. p. 40.

[11] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 28.

[12] MARIN PEREZ, Pascual. La política del derecho. Barcelona: Casa Editorial Bosch, 1963. p. 129. Apud MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 26.

[13] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 28.

[14] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 29.

[15] NEVES, Iedo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocados latinos. Rio de Janeiro: APM, 1987. Verbete Normativismo Jurídico.

[16] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 29-30.

[17] KELSEN, Hans. A justiça e o direito natural. Trad. João Batista Machado. 2. ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979. p. 90. Apud  MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 30.

[18] KELSEN, Hans. A justiça e o direito natural. Trad. João Batista Machado. 2. ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979. p. 90. Apud MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.  p. 30.

[19] JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

Verbete Empirismo.

[20] ROSS, Alf. Sobre o direito e a justiça. Trad. Genaro R. Carrió. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1963. p. 317 Apud MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 40.

[21] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 41.

[22] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 41.

[23] ROSS, Alf. Sobre o direito e a justiça. Trad. Genaro R. Carrió. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1963. p. 317. Apud MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 42.

[24] Neves, Iedo Batista. Vocabulário prático de tecnologia Jurídica e de brocados latinos. Rio de Janeiro: APM, 1987. Verbete Culturalismo Jurídico

[25] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 48.

[26] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 51.

[27] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 47.

[28] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 49.

[29] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 68.

[30] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 71.

[31] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 73.

[32] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 79.

[33] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 79.

[34] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 81.

[35] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 81.

[36] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 68.

[37] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 68.

[38] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 69-70.

[39] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 70.

[40] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 70-71.

[41] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 72.

[42] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 93.

[43] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 91.

[44] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 88.

[45] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 91.

[46] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 235.

[47] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 236.

[48] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 236.

[49] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 93.

[50] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 96.

[51] SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2002, p. 74.

[52] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 104.

[53] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 104.

[54] WARAT, Luis Alberto. Mediación, derecho, ciudadanía, ética y autonimía e el humanismo de la alteridad: notas algo dispersas y varias veces modificadas para provocar el dialogo en una clase.  In: Revista Novos Estudos Jurídicos, V.9 n.1. Itajaí: UNIVALI Editora, 2004, p. 104.

[55] CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p.42.

(Artigo produzido em julho de 2006)

 

Como citar o texto:

OLIVEIRA, Daniel Natividade Rodrigues de; MATTOS, et al..Política jurídica: política, democracia e Estado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 190. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/1445/politica-juridica-politica-democracia-estado. Acesso em 7 ago. 2006.

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