Os direitos humanos são direitos inerentes à qualidade de ser humano. São personalíssimos, universais, indivisíveis, inalienáveis e interdependentes, cujo processo de construção e reconhecimento está em constante aperfeiçoamento.

O direito humano à alimentação adequada (DHAA) consiste, em linhas gerais, no direito subjetivo público de acesso, permanente, regular e irrestrito, a alimentos adequados e seguros (ou seja, em consonância com as normas de biossegurança e de conservação e qualidade sanitária; sem agrotóxicos ou contaminantes; isentos de organismos geneticamente modificados, sem aval da autoridade sanitária;), sejam eles in natura ou industrializados, em quantidades suficientes, essenciais à subsistência humana. É o direito fundamental de a pessoa estar a salvo da fome e da má nutrição, apesar de não ser uma realidade para considerável parte da população mundial.

Para se ter uma idéia, em 2005, 852 milhões de pessoas padeciam de fome crônica nos países em desenvolvimento, sendo que, deste percentual, 37 milhões de pessoas viviam em países industrializados e altamente desenvolvidos, conforme estudo divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Vale mencionar, ainda, que cerca de 2 bilhões de pessoas sofrem de fome oculta, sobretudo, mulheres, com deficiência de ferro e de outros micronutrientes.

O DHAA está impreterivelmente relacionado à dignidade da pessoa humana, à justiça social e à realização de outros direitos (direito à terra para nela produzir alimentos, ao meio-ambiente equilibrado e saudável, à saúde e à educação, à cultura, ao emprego e à renda, entre outros).

É neste contexto de combate à fome e acesso à alimentação adequada, que deve atuar o poder público.

Desta forma, é indispensável que o governo, seja em razão de obrigações assumidas em compromissos internacionais (como, v.g., o Pacto internacional dos Direitos econômicos, sociais e culturais (PIDESC), responsável por cunhar a expressão DHAA; Estudo de Eide de 1987; os encargos assumidos em 1996 na Cúpula mundial da Alimentação da FAO; a necessidade de alcançar as metas de desenvolvimento do milênio et alli), ou por questões econômicas e étnicas (propiciar acesso ao alimentos como forma de redução dos gastos com saúde e programas de atendimento à população desnutrida, p. ex.);  e toda a sociedade (seja através de movimentos de conscientização da população, seja cobrando atitudes efetivas das autoridades públicas e reconhecendo sua responsabilidade no processo de universalização e efetividade dos direitos humanos) viabilizem o DHAA.

A atuação do poder público, em sede de implementação de direitos humanos, pode ser sintetizada nos seguintes deveres: a) respeitar; b) proteger; c) promover e d) prover.

É necessário que o governo envide esforços na efetividade deste direito fundamental, como forma de propiciar uma existência digna e justa de todos os seres humanos. É neste contexto, de imprescindibilidade, que tal direito se insere e nesse rumo também devem seguir as políticas públicas e sociais, tais como: a promoção da reforma agrária; o desenvolvimento sustentável, com preservação do meio-ambiente; a ampliação da infra-estrutura urbana de forma a generalizar o acesso da população a serviços de abastecimento de água e saneamento básico, como preconiza a Constituição da República (art. 175, parágrafo único, III); a alimentação escolar; o fortalecimento e aparelhamento das entidades e agentes de vigilância sanitária dos alimentos; o acesso a pré-natal adequado e eficiente entre outros.

Não se pode olvidar que o DHAA está umbilicalmente ligado à segurança alimentar e nutricional, na medida em que essa serve de instrumento para a efetivação daquele, mediante a adoção das ações e políticas acima mencionadas.

Conforme proposição da I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, realizada em 1986, e posteriormente consolidada na I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994, a segurança alimentar e nutricional consiste:

“na garantia, a todos, de condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas, com base em práticas alimentares que possibilitem a saudável reprodução do organismo humano, contribuindo, assim, para uma existência digna”. (BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília: CONSEA, 2.007).

            No Brasil, o DHAA, como previsto inicialmente no PIDESC, foi positivado pelo Decreto legislativo nº. 591/1992, que ratificou o referido tratado internacional. Convém citar, ainda, a Lei nº. 10.683/2003, que reinstituiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), em 2003, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, notadamente, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº. 11.346/2006), elaborada a partir da atuação do CONSEA e com ampla participação de representantes do governo e da sociedade civil, configurando-se num importante avanço para a exigibilidade do DHAA, no país.

Apesar de esses elementos demonstrarem um significativo progresso, o que se constata, na realidade, é que esses avanços normativos, nacionais e internacionais, ainda não foram suficientes para garantir a realização prática e a efetividade do DHAA e demais direitos humanos no Brasil frente aos inúmeros e complexos desafios e obstáculos existentes para a efetivação dos mesmos.

Cumpre enfatizar, por fim, que a sociedade civil tem que se conscientizar de que, além de, simplesmente, adotar posição de indignação e compaixão, quase pena, deve assumir papel de atuação efetiva. Para tanto, é essencial que as pessoas abandonem o pensamento intimista e passem a encarar o mundo e seus problemas de maneira mais solidária e fraterna. Assim, agindo, reunindo forças como o poder público, será possível conduzir o mundo para um século XXI mais humanizado, pacífico e com justa distribuição de renda e acesso aos bens primordiais para uma sobrevivência digna.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília: CONSEA, 2.007. Disponível em: . Acesso em: 19 de set. 2.007.

Informações Adicionais

Esse artigo foi elaborado com subsídios fornecidos durante curso de formação em direito humano à alimentação adequada, promovido pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome em conjunto com Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e viabilizado pela Ágere Cooperação em Advocacy e Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos, no ano de 2007, do qual o autor foi aluno.

 

Data de elaboração: setembro/2007

 

Como citar o texto:

MAGALHÃES, Leonardo Cardoso de..O que é Direito Humano à alienação adequada?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 256. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/1873/o-direito-humano-alienacao-adequada. Acesso em 11 fev. 2008.

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