RESUMO

O presente trabalho volta-se no objetivo de apresentar a responsabilidade estatal diante da situação de falência em que se encontra o sistema carcerário brasileiro, buscando identificar a atuação dos poderes concernente à aplicabilidade e garantia de direitos voltados ao egresso e toda assistência legal dispensada ao preso no Brasil. O trabalho também faz referência à obediência do estado brasileiro no cumprimento da Lei de Execução Penal, como estatuto ligado a regulamentação no cumprimento da pena privativa de liberdade, invocando a participação da comunidade no acompanhamento da execução da pena, visando à observância aos princípios da legalidade e da segurança jurídica aplicáveis também ao processo de encarceramento.

Palavras-chave: Responsabilidade. Encarcerado. Estado. Execução Penal. 

1 INTRODUÇÃO

Em tese de execução penal, um dos maiores desafios perante o sistema carcerário brasileiro é a busca da promoção do bem estar e do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, dentro do nosso texto constitucional. Nessa senda de estudos e entendimentos, vem a afirmação de que o Estado com seu valoroso poder de punir, encampado no jus puniendi, é também o responsável direto pela situação em que vive o preso no Brasil, tendo em vista, que não resta só a vontade e necessidade de punir, de modo que a pena seja simplesmente motivo de vingança estatal, é necessário que essa sanção, tenha algo positivo, demonstrando a motivação e explicando o seu porque, senão, deixará de ser pena estatal e passará a ser “vingança privada” o que não se admite no direito brasileiro executivo penal, que prima pela humanização da pena e não somente pelo castigo.

A execução penal é de tão importância, que a própria lei determina um juízo especializado para prosseguir com a pretensão executória, como também, faz um chamamento a comunidade para participar do processo de execução da pena privativa de liberdade, assim, a responsabilidade do estado se engrandece no sentido de propor e executar condições de permanência do preso no cárcere, bem como, depois de deixá-lo na condição de egresso do sistema prisional. Desse modo, inúmeros problemas afetam a permanência e a convivência do segregado em razão dos inúmeros problemas que assolam sua  passagem pelo cárcere, que mesmo não sendo perpetua, deixa marcas que serão lembradas pela vida toda, a exemplo da falta de aplicabilidade efetiva da Lei de Execução Penal – LEP e a superlotação, fator esse que indica ser o Brasil o quarto mais populoso do mundo em termos de presos, com cifra que ultrapassa mais de meio milhão, segundo a ultima estatística divulgada pelo Ministério da Justiça, datada de dezembro de 2012.

Sobre a eficácia da LEP, Mirabete, (2007, p. 29), assim leciona:

Embora se reconheça que os mandamentos da Lei de Execução Penal sejam louváveis e acompanhem o desenvolvimento dos estudos a respeito da matéria, estão eles distanciados e separados por um grande abismo da realidade nacional, o que a tem transformado, em muitos aspectos, em letra morta pelo descumprimento e total desconsideração dos governantes quando não pela ausência dos recursos materiais e humanos necessário a sua efetiva implantação.

Destarte, a uma serie de atividades imprescindíveis a articulação da Política Criminal no sentido de promover o princípio da eficiência na gestão administrativa carcerária. Por este prisma, deve-ser buscar meios eficazes para promover a ressocialização do apenado, e para isso, há a necessidade no combate veemente a outros fatores, como a corrupção e a melhoria das condições de trabalho dos profissionais da área de segurança pública e penitenciaria.

            Não somente essa tomada de atitude salutar no combate a tais problemas, bem como, a cobrança estatal da responsabilidade perante o encarcerado, que não deixou de ser sujeito de deveres, mas também de direitos na esfera constitucional e que necessita ser tratado de forma legal para só assim, trazer consigo não a marca pesada da prisão, mas, também, o ensinamento de que o crime não compensa e a vida merece ser vivida com dignidade, principalmente, no seio familiar, como expõe os objetivos da Lei de Execução Penal brasileira.

2 O egresso e sua ressocialização na atual estrutura carcerária brasileira

O ordenamento jurídico brasileiro adota a pena como um instrumento de manutenção do equilíbrio e da convivência social, possibilitando aos indivíduos uma interação harmoniosa. Essa sanção atua de forma punitiva, repreendendo o infrator e intimidando a sociedade para que não cometa nenhum tipo de delito, e assumindo um caráter ressocializador, buscando reintegrar o apenado ao convívio social, conforme estabelece o art. 59, caput do Código Penal.

Entretanto, observa-se que o sistema prisional brasileiro encontra-se atualmente defasado, desestruturado e superlotado. Celas onde deveriam acolher somente um detento como especifica a Lei de Execução Penal (LEP), encontram-se amarrotadas, fazendo com que os reclusos vivam em verdadeiro estado de subumanidade, com direitos e garantias individuais desrespeitadas dias após dias.

O sistema prisional brasileiro não permite ao detento atingir a devida finalidade da sanção, quer seja prevenção, retribuição e ressocialização, visto que, a sua execução não ocorre em conformidade com os preceitos legais. Ao contrario, os presídios brasileiros contribuem para a formação de super delinqüentes, com a disseminação dos ensinamentos criminosos, e por isso, o cárcere passa a ser uma verdadeira escola para o crime.

Nossa Carta Magna reconhece como fundamento do Estado democrático de direito o respeito a dignidade da pessoa humana. Mas será que é digno o apenado viver amontoado com inúmeros outros em uma cela totalmente inadequada quanto ao seu tamanho e capacidade, bem como, sem qualquer condição de higiene? É digno espancá-los ou torturá-los como imposição de regras de conduta, da mais desprezível forma de castigo? Acreditamos que não.

Esses são somente alguns dos questionamentos que se faz perante a realidade prisional do nosso país. Deve-se ater para esse e muitos outros aspectos referentes ao colapso carcerário nacional, não podendo deixar de lembrar, que em vários países o sistema carcerário também passa por series dificuldades de manutenção, a exemplo da Argentina.

Nessa linha de entendimento pode-se voltar para a responsabilidade do Estado brasileiro frente a essas situações, tendo em vista ser este o responsável pela tutela dos direitos dos apenados, inclusive, dispondo de uma legislação, que discorre acerca de todos esses fatores e que se mostra totalmente humanizadora quanto a pena, com caráter de reinserção social. Neste rol, podemos citar as normas da Organização das Nações Unidas (ONU) para o tratamento dos reclusos e mais recente, para mulheres presas também, a LEP e a normas contidas na Resolução 14/94 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria (CNPCP).

Essa responsabilidade apresenta duas fontes: uma relacionada ao fato de que com essa omissão, os presídios estão a gerar mais e mais criminosos, sendo uma verdadeira “escola do crime”, servindo para a disseminação de preceitos criminosos. Do outro lado, essa responsabilidade reflete-se na área jurídica, pois, o Estado deveria tutelar e assegurar os direitos e garantias dos presos, e não os fazendo criar um ambiente de instabilidade, afrontando a ordem jurídica vigente, e isto inclui a preparação para o egresso retornar ao convívio da sociedade, nos temos de nossa Lei de Execução Penal.

Nosso sistema penitenciário tem respaldo nos três poderes do Estado, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que dita as políticas e diretrizes quanto a prevenção de delitos, a administração da justiça criminal, a execução das penas e as medidas de segurança, é órgão subordinado ao Ministério da Justiça no âmbito federal, no âmbito estadual, cabe ao Poder Judiciário a supervisão dos estabelecimentos penitenciários.

Ao Poder Executivo compete a administração dos centros penais por meio das secretarias da Administração Penitenciaria e de Segurança Pública Estaduais, a exceção dos estabelecimentos penitenciários federais, administrados pelo Ministério da Justiça através do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).

Como visto, o sistema penitenciário tem respaldo legal nos três poderes da União, mas ainda assim, presenciamos diariamente fatos que nos levam a crer que as prisões não fazem parte do nosso país, tanto é, que a reincidência tornou-se algo banal, a ponto de não se esperar outra coisa do ex-presidiário a não ser que ele volte ao cárcere novamente.

Os fatores que levam a esta realidade, são os mais variados, desde a administração falha do Estado, no que concerne a obediência aos ditames da Lei de Execução Penal, que ocasiona desigualdades e conseqüentemente revolta, até o preconceito da sociedade civil para com o egresso, dificultando que este tenha uma vida normal.

Aliando isto aos maus tratos prisionais, à falta de oportunidade e ao preconceito, é injusto da parte das pessoas e do próprio governo esperarem qualquer outro resultado que não seja cair mais uma vez na delinqüência, aquele que deixa a segregação, haja vista, a omissão estatal quanto à preservação de seus direitos, incluindo aqui, a falta de assistência na preparação para seu retorno ao mundo sem grades.

3 O poder de punir do Estado e sua visão perante o encarcerado

A legislação brasileira assim como as demais garante ao individuo o livre exercício de seus atos, porém, impõe regras de conduta como forma de deter os abusos dessa prerrogativa de viver a vontade em sociedade, buscando, assim, coibir os excessos. Neste contexto, atribui ao Estado a prerrogativa de utilizar o direito de intervir em certos atos e de punir exclusivamente quem praticar condutas vedadas na lei e que atente a moral e aos bons costumes.

Neste sentido, a liberdade do indivíduo que é um direito inalienável, oponível até contra àquele que detém o direito de punir, ou seja, o próprio Estado, sempre foi objeto de garantia constitucional, porém, esse mesmo Estado, como detentor do jus puniendi é também responsável pelo bem estar do detento dentro e fora da segregação, após o cumprimento da pena, na condição de egresso nos termos da nossa Lei de Execução Penal, e por esta razão, deve buscar meios para fazer cumprir o que determina a lei, principalmente no que tange a garantia da aplicação e respeito aos direitos e obrigações do condenado.

Toda essa lição em relação ao segregado tem o simples objetivo de seu retorno ao convívio social na condição de recuperado, pronto para conviver harmonicamente dentro da comunidade social de onde foi retirado por razões estatais, cuja finalidade era preservar o meio e que agora deve contribuir reciprocamente para o bem estar de todos. Foucault (2009, p. 72) mostra que “é preciso que a justiça criminal puna em vez de se vingar”.

Toda liberdade garantida ao ser humano deve ser tratada como um direito fundamental nos termos da nossa Carta Suprema, sendo por esta razão, protegida ainda que o indivíduo esteja preso, vez que, somente é cerceado seu direito de ir e vir ou de circular na comunidade, sua retirada do meio social, não significa que deve sofrer além do que está previsto na sentença, até porque, haveria uma ruptura no principio da legalidade na execução penal.

Defendendo essa linha de pensamento e com o objetivo de defesa aos direitos dos reclusos, bem como, ao principio da legalidade da execução penal, o professor Jorge Pinheiro (2005, p. 190), assim menciona:

Finalmente entendemos que se debe trabajar denodadamente para afianzar la noción de “derechos de los detenidos” y defender la dignidad de las personas privadas de libertad puesto que la prisión es em si misma un castigo lo suficientemente severo y no puede permitirse que entrañe sufrimientos adicionales para el condenado.

Destarte, ainda que preso, não se permite que o indivíduo seja lesado em sua integridade física, psíquica e moral, cabendo ao Estado a responsabilidade de primar pela sua dignidade como pessoa humana, e para isso, se faz necessário que se executem todas as normas referentes à matéria penitenciaria, principalmente a norma direta que vincula o encarcerado ao Estado e que regula essa relação, que é nossa Lei de Execução Penal.

A partir do momento em que o Estado assumiu o direito de punir, através do jus puniendi, pondo um fim na “vindita” ou vingança privada, dando ao infrator o direito de um devido processo legal, assumiu também a obrigação de custodiá-lo, principalmente, quando condenado a pena privativa de liberdade ou quando lhe for imposta medida de segurança, sendo, portanto, responsável por sua proteção dentro do presídio ou casa de custodia, assegurando seus direitos, nos termos da LEP e da Constituição Federal.

O jurista Luiz Flavio Borges D’Urso (1999, p. 69), expressa que:

O Estado é o responsável por aquele que se acha preso, de modo que tudo o mais, todas as atrocidades sofridas pelo preso enquanto segregado são de responsabilidade direta do Estado. Todavia, apesar de poder ser indenizado quem lhe restituirá o que perdeu na cadeia? Quem lhe devolverá a dignidade que lhe foi aniquilada? Ninguém.

Esse cuidado do Estado deve ser dinâmico, de modo que o detento se cinta seguro em todos os aspectos, com seus direitos preservados nos termos do art., 41 da LEP, cuja segurança certamente contribuirá para sua volta a sociedade buscando reconstruir sua vida intra-muros, fator este totalmente ignorado pela política penitenciária, haja vista, a situação de caos que atualmente se encontra e toda essa problemática, possivelmente não existiria se o texto da nossa Lei de Execução Penal fosse aplicado integralmente.

Entretanto, o desrespeito aos direitos humanos tem se intensificado nas prisões e o Estado tem se mostrado de certa forma, incapaz de solucionar a crise penitenciária que assola nosso país, desobedecendo todos os princípios e regras penitenciarias, perdendo o brilho da LEP, que por se tratar de uma norma de caráter humanitário, onde visa a correta execução da pena, cujo desejo é ressocializar o individuo, fazendo dele uma nova pessoa de bem, apenas afronta suas regras.

Pensando dessa forma, o criminalista mineiro João Miranda Silva (2004, p. 65), assim descreve:

O que se deve ter em mira será a conveniência de amparar o cidadão honesto, protegendo-o e assegurando o exercício de seus direitos fundamentais, desde que a sua liberdade de ser e agir não invada a esfera da liberdade de ser e de agir do seu concidadão, ao mesmo tempo em que sancione a conduta criminosa, mas assegurando que a sanção será aplicada nos limites da lei, com o devido respeito à condição humana do condenado o que, infelizmente, não se verifica no Brasil.

Essa desobediência se configura no caput do art. 2º da LEP, em que aponta o principio da legalidade, como meio de coibir os excessos na execução e consequentemente os abusos e outras arbitrariedades proferidas pelo pessoal penitenciário, conforme já se fez menção. Mirabete (2007, p. 30), assim explica: “Segundo consta da exposição de motivos, aliás, o principio da legalidade domina o corpo e o espírito da lei, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal”.

A responsabilidade do Estado se configura aparente em todos os aspectos do sistema penitenciário, desde a condenação a pena privativa de liberdade, em face do seu direito de punir, passando pela construção de presídios, sua manutenção e dentro deles a parte mais importante do sistema, “o apenado”, que na maioria das vezes cometeu um delito menos gravoso e por desobediência as normas, no sentido de fazer a “seleção natural penitenciária” se encontra no meio de presos violentos, que na maioria das vezes só encontra duas alternativas: ou adere ao sistema interno paralelo ao poder publico ou torna-se um excluído e morre por condenação dos próprios detentos.

4 Aplicabilidade da Lei de Execução Penal no ordenamento penitenciário

Inegavelmente o Brasil possui uma Lei de Execução Penal admirável, reconhecida mundialmente por seu caráter humanitário e legalista. A Lei 7.210 de 11 de julho de 1984 é inspirada na Nova Defesa Social, que por sua vez, abraçou de maneira louvável a questão dos presos, provisórios e definitivos em praticamente todas as áreas que uma lei pode interferir visando o bem comum e consequentemente, regulamentar a situação de todos os apenados.

No entanto, infelizmente, boa parte de seu texto não passa de letra morta. Sua inaplicabilidade é imoral e inaceitável. Preceitos legais indispensáveis ao bom caminhar da sociedade, são desobedecidos de maneira banal, assim como princípios e garantias constitucionais que a embasam.

O objetivo da LEP, consoante seu art. 1º, é efetivar o que diz a sentença ou decisão judicial e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Para atingir estes objetivos, conforme reza o art.10 da citada Lei, o Estado tem por obrigação fornecer as essas pessoas segregadas do convívio social, assistência de cunho material, a saúde, alem da assistência jurídica, educacional, social e religiosa, para que assim aquele que por alguma razão cometeu um ato tipificado como crime, durante sua estada na prisão, seja reeducado e preparado para viver novamente em sociedade.

O objetivo da assistência, como está expresso, é prevenir o crime e orientar o retorno daquele que está preso à convivência em sociedade. A assistência aos condenados e aos internados é pré-requisito básico para que se execute a pena e tudo isso, não passa de um direito do preso em contra partida a um dever do Estado, nos termos de nosso ordenamento jurídico.

A doutrina penitenciária moderna, com acertado critério, proclama a tese de que o preso, mesmo após a condenação, continua titular de todos os direitos que não foram atingidos pelo internamento prisional decorrente da sentença condenatória em que se impôs uma pena privativa de liberdade.

Com a condenação, cria-se especial relação de sujeição que se traduz em complexa relação jurídica entre o Estado e o condenado em que, ao lado dos direitos daquele, que constituem os deveres do preso, encontram-se os direitos deste, a serem respeitados pela Administração. Por estar privado de liberdade, o preso encontra-se em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na Constituição Federal e nas leis, mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não atingidos pela condenação.

A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere.

Daí a possível confirmação de que o sistema atual não ressocializa ninguém, ao contrario transforma o homem numa verdadeira fera humana e por esta razão, a incerteza de que haverá uma reinserção harmônica na sociedade persiste a cada momento, reforçando nossa preocupação em buscar do Estado a responsabilização devida quanto aos crimes ou outras infrações que estes egressos venha a praticar contra terceiros quando posto novamente no meio da comunidade, haja vista que o cuidado necessário que o Estado deveria aplicar, não ocorreu por sua integral omissão.

5 A assistência devida ao encarcerado

Como bem dizia Aristóteles, “é indispensável um mínimo de bens materiais para a prática da virtude.” Atualmente o que se gasta com um preso no Brasil, é bem maior do que se paga a um assalariado, assim, em media, um condenado nos custa hoje cerca de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais), isto numa penitenciaria estadual, tendo em vista, que num estabelecimento penal federal, o custo sobe para aproximadamente R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia esta que deveria ser destinada à assistência dos mesmos, no entanto a realidade que se tem é bem diversa,

O Brasil conta com quatro vezes mais presos do que tem capacidade de abrigar, fato que por si só já torna impossível assistir a todos como deve ser, além disso, ainda é preciso lidar com as irregularidades cometidas pelas autoridades, que agravam o problema, restando, somente, uma mudança brusca para amenizar o problema da superlotação. Iñaki Rivera Beiras e Marcos Gabriel Salt (2005, p. 220), aponta que:

Según creemos, la única forma de superar el problema de la sobrepoblación carcelaria es que las normas penitenciarias contengan prohibiciones absolutas de poblar las cárceles más allá de su capacidad, estableciendo claramente responsabilidades funcionales por el incumplimiento de la prohibición.

A Resolução nº14/94, do CNPCP, que determinam as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, estabelece: -”Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.” E ainda no seu “Parágrafo Único: A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para manutenção da saúde e do vigor físico do preso”.

Todavia, de acordo com relatos de presos vistos diariamente em noticiário de todo país, a realidade é bem distante do que deveria ser, porem, em muitos estabelecimentos penais do Brasil, a comida existe, mas não chega até o preso e quando chega é de forma totalmente irregular, uma vez que boa parte dela já ficou nos esconderijos de pessoas mais criminosas que o próprio preso, que pela condição de servidor publico, não poderia praticar condutas de tal natureza a ponto de privar o preso da alimentação devida para se locupletar em detrimento de uma causa imoral, por isso, a situação de saúde do detento se agrava ainda mais pela falta de nutriente necessários a sobrevivência humana, o que aumenta ainda mais sua revolta contra o sistema.

A violência, que não chega a ser uma regra, é praticada por parte dos funcionários ou entre os próprios detentos, inclusive com reiterados abusos sexuais. No interior de alguns estabelecimentos penais, a corrupção tem um elevado índice de incidência, com entrada fácil de telefones móveis, drogas, armas e todo tipo de ilícito, gerando quase que diariamente rebeliões e tentativas de fugas, de modo que a Administração penitenciaria, somente toma providencias quando o fato acontece 

Os estabelecimentos prisionais possuem, na maioria das vezes, inadequadas instalações físicas, elétricas e hidráulicas, bem como, a promiscuidade, o mau cheiro, a transmissão de doenças, o desconforto, a perda de qualquer privacidade, exigem do preso uma total readequação de hábitos e de valores para sobreviver em tais condições adversas, o que, sem dúvida, animaliza o homem, tornando mais difícil a sua reinserção no meio social.

Os artigos 15 e 16 da LEP prevêem a assistência jurídica aos presos e internados, cujos serviços devem ser instalados dentro dos próprios estabelecimentos penais. Tal previsão objetiva facilitar o acesso rápido à justiça, para que o preso possa ter seus direito protegidos, o que consequentemente ajudaria a manter a ordem em todo o sistema prisional.

Sobre o prisma do desrespeito aos direitos elencados nas leis executivas penais, penitenciarias, Regras da ONU, Constituição Federal e outras normas, e demonstrando indignação total sobre o abandono e desprezo para com o sistema, Cezar Barros Leal (2001, p. 53), prescreve que:

É inadmissível, sob todos os aspectos, o generalizado desprezo, sobretudo das elites pela condição humana do recluso, obrigado a viver em completo isolamento ou na convivência promiscua de outras pessoas, sem a separação que se exige como condição previa para a individualização da execução da pena, em prisões superlotadas, num flagrante desrespeito às conquistas, duramente obtidas neste campo, no curso de séculos.

Na verdade a supressão na aplicação dos direitos dos reclusos se proclama a cada dia. A legislação aponta direitos e deveres, mas não admite a falha do sistema carcerário, uma vez que poderia traçar metas de responsabilidade e penalidades para o descumprimento de tais normas ou buscar formas de investimento e aparelhamento para o sistema, em especial o Sistema Penitenciário Estadual.

Essa proposição se perpetua em razão do Estado, haja vista, que na esfera federal, as normas aparentemente são cumpridas e o preso, apesar de estar recluso, têm seus direitos mantidos, levando-se em consideração, que esta espécie de carceragem está apenas nascendo, vez que, só há quatro estabelecimentos penais federais no Brasil, todos de segurança máxima e que não foram projetados para cumprimento de pena, apenas para situações especiais, como é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

Com vasto entendimento na matéria, o professor Jorge Pinheiro, reconhecido por seu magistério internacional Argentino (2005, p. 160), defende com critério o direito de o preso ter contato com o mundo exterior, lecionando:

El encarcelado tiene derecho a la libertad de información y expresión, en otros términos, de ser informado de eventos de la família, social, político y de outra naturaleza, porque su estância en la prisión no debe significar uma marginalización de la sociedad.

Isso significa, segundo o mesmo, que a prisão não pode privar alem da liberdade, fazendo com que o detento seja informado do que se passa lá fora, cujo objetivo é mostrar a realidade extra-prisão, proporcionando ao encarcerado o mínimo de preparação para retornar ao mundo livre, promovendo, assim, seu inegável desejo de reinserção social e consequentemente, de forma natural, sua reabilitação como cidadão.

A realidade dos indivíduos, que saem da prisão, não é um lindo dia de sol regado a abraços calorosos como vemos em filmes, antes fosse. A saída do preso simboliza a exteriorização pratica de toda a influência do cárcere, é o hábito da ociosidade, o fantasma da improdutividade, do terror, da violência.

O regresso desses homens e mulheres á sociedade, assim como a execução de suas penas, ocorre sem nenhuma preocupação individual, sem nenhum acompanhamento ou planejamento, o que facilita, possivelmente, a pratica de infrações penais, motivadas pelo desespero, restando ao Estado a obrigação de reparar qualquer um que sofra tais infrações, tendo em vista, sua responsabilidade pela preparação do egresso dentro e fora da prisão pelo prazo que a lei estabelece.

Mas, provavelmente o pior, e talvez a causa de todos os demais problemas, seja o fato de serem obrigados a conviver com o preconceito, ainda tão presente numa sociedade que se diz tão moderna. Porém, já dizia o gênio Albert Einstein: “Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”, e esse pensamento ainda vai perdurar por muito tempo na consciência do nosso povo, não só brasileiro, mas de todo o mundo.

6 CONCLUSÃO

Todas as normas atreladas ao Direito Penitenciário, a Lei de Execução Penal, as Regras Mínimas da ONU para tratamentos de reclusos(as), bem como, os dispositivos constitucionais, quando desobedecidos, é pressuposto para a crise no sistema carcerário brasileiro, não havendo outra saída senão, responsabilizar o Estado por essa situação, mesmo sabendo que não há remédio imediato para conter a crise que só aumenta a cada dia, formando uma bola de neve sem precedente, onde o controle de certas prisões já está por conta dos próprios presos e a força publica nada pode fazer, ou ainda não pôde, tendo em vista, que sendo o estado o detentor do direito de punir, deve agir com cautela, responsabilidade, porem, ser enérgico pra mostrar que o poder paralelo não pode imperar perante a força estatal.

É necessário que as autoridades e os poderes constituídos atuem no sentido de buscar todos os meios, para garantir e preservar o respeito legal que deve ser dado ao recluso, levando em consideração os objetivos da Lei de Execução penal brasileira, que vai alem do castigo visando indubitavelmente a ressocialização e a reinserção do egresso na sociedade, de onde saiu. É necessário lembrarmos que o preso de hoje será nosso vizinho amanhã, e para isso, seus direitos devem ser preservados, ou caso contrario, estaremos fugindo do objetivo da pena e o caos terá a permanecer sem controle do poder público, dando margem para um acrescido sentimento de revolta, fazendo do preso um eterno delinqüente, que em vez de se recuperar, irá se aperfeiçoar no sentimento de vingança em face de tudo que passou no cárcere.

A sociologia crítica assevera que a criminalidade, a priori, deve ser tratada como um problema social, assim, alem, de tudo exposto, ainda se faz necessário que o Estado e a sociedade se unam como força para atuar no caráter preventivo do crime e para isso, carece de aprimorar as políticas públicas e se fazer mais presente onde realmente precisa, buscando a paz social e dando estrutura para a educação e trabalho, mostrando sua superioridade perante o poder de facções criminosas e dessa forma, a paz tão sonhada poderá reinar no seio social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

D’URSO, Luiz Flavio Borges. Direito criminal na atualidade. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1999

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir – História da violência nas prisões – Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma era. 2. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

MIRABETE, Julio Fabrini & Fabrini, Renato. Execução penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MIRANDA SILVA, João. A responsabilidade do Estado diante da vitima criminal. Belo Horizonte: Mizuno, 2004.

PINHEIRO, Jorge Augusto de Medeiros (Comp.). Criminalidad y ciência penitenciaria. Buenos Aires: Editorial JAMP, Editorial de la Universidad Federal del Pará y Escuela Superior de la Magistrarura del Estado de Pará, 2005.

RIVERA BEIRAS, Inaki y Salt, Marcos. Los derechos fundamentales de los reclusos: Espana y Argentina. 1. ed. Buenos Aires: Del Puerto, 2005.

  

 

 

Elaborado em junho/2013

 

Como citar o texto:

SILVA, Iranilton Trajano da; ARAÚJO, Alciderlância Moreira de..A Responsabilidade do Estado Como Detentor do Direito de Punir e Seu Reflexo Diante do Encarcerado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1120. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2893/a-responsabilidade-estado-como-detentor-direito-punir-seu-reflexo-diante-encarcerado. Acesso em 18 nov. 2013.

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